Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1051/08.2TBCTB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FIXAÇÃO DA PENSÃO
Data do Acordão: 09/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1903º A 1909º DO CC
Sumário: 1) Nas diversas facetas que a regulação do poder paternal apresenta e nomeadamente no que concerne a alimentos deverá sempre à partida procurar-se uma solução de consenso.

2) Não sendo o mesmo possível haverá que decidir tendo como ponto de orientação fundamental o interesse e as necessidades do menor mas considerando igualmente a capacidade económica do progenitor obrigado a alimentos.

3) A fixação de uma pensão em concreto é sempre necessária não apenas por imperativos constitucionais mas também porque tal se mostra indispensável à eventual intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos aos Menores no caso de o devedor estar impossibilitado de cumprir as suas obrigações para com o beneficiário.

Decisão Texto Integral:        1. RELATÓRIO.

     Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

     A..., residente na ..., instaurou o presente processo de regulação do exercício do poder paternal contra B..., residente na ..., pedindo a fixação do regime de exercício do poder paternal em relação aos menores C... e D....

     Alega em síntese, que é casada com o requerido, mas estão separados de facto desde Fevereiro de 2008.

     Do casamento, nasceram os dois menores, os quais se mantêm a residir consigo.

     Procedeu-se à citação do requerido e à realização de uma conferência de pais, não tendo sido lograda a conciliação.

     O ISS efectuou os relatórios sobre a situação económica, familiar e social da requerente e do requerido.

     Notificados, não apresentaram alegações nem prova a produzir.

     Já quanto ao menor C... foi celebrada transacção parcial, pelos progenitores, ficando a guarda a caber à mãe.

     A Exmª Procuradora do Ministério Público deu o seu parecer.

     Foi proferida sentença versando as matérias sobre as quais não houve acordo quanto à regulação do exercício do poder paternal no que toca ao menor C... nos seguintes termos:

     - O pai poderá visitar a menor, sempre que assim o entender desde que não prejudique os horários, escolar de alimentação e descanso e avise a progenitora com antecedência.

     - Nas férias de Natal e Páscoa, se o progenitor pretender, poderá ter o menor consigo, em metade desse período.

     - Nas férias de Verão o progenitor poderá ter o menor consigo num período de 15 dias a combinar com a progenitora.

     - O pai deverá contribuir mensalmente com a pensão de alimentos relativa ao menor C..., no montante de € 90,00 (noventa euros), a actualizar anualmente a partir de 1 de Janeiro de 2010 de acordo com as taxas de inflação, publicadas pelo INE, mas nunca de valor inferior a 5%, cujo pagamento deve ser efectuado até ao dia 8 de cada mês, ao que devem acrescer as prestações em dívida desde a data da propositura da presente acção.

     - O pai deverá pagar mensalmente com a pensão de alimentos, relativa ao seu filho D..., no montante de € 90,00 (noventa euros), até ao dia 8 de cada mês, referentes às prestações em dívida desde a data da propositura da presente acção até à data em que o seu filho D... atingiu a maioridade ou seja,

desde 28/04/2008 até 02/06/2009. (sic)

     Daí o presente recurso de apelação interposto pelo requerido, o qual no termo da sua alegação pediu que na procedência da mesma, se revogue a sentença em análise, a qual deverá ser substituída por acórdão que isente o requerido de prestar alimentos por manifesta impossibilidade económica ou em alternativa fixar pensões de alimentos proporcionais aos rendimentos do progenitor.

     Foram para tanto apresentadas as seguintes,

     Conclusões.

     1) Atendendo à matéria de facto provada, a Decisão padece de erro de Direito, tendo-se fixado pensões de alimentos em montantes desproporcionais com as reais capacidades económicas do progenitor, em violação com o disposto no artigo 2004º nº 1 do Código Civil.

     2) Não se pode exigir ao obrigado a alimentos que, para os prestar, ponha em perigo a sua própria manutenção de acordo com a sua condição.

     3) O montante das prestações de alimentos fixados na Sentença recorrida não é, de forma alguma, proporcional às capacidades do progenitor.

     4) Se os pais não dispuserem de capacidade económica, depois de garantidas todas as suas necessidades básicas de auto-sobrevivência, a lei atribui a outras pessoas essa obrigação alimentar, de acordo com a ordem referida no artº 2009º, al. c), d) e e) do Código Civil

     5) Se os pais não puderem prestar alimentos, por força das suas inexistentes possibilidades económicas, essa obrigação recai sobre os outros ascendentes do credor (artigo 2013º nº 2 do Código Civil).

      6) Atendendo à matéria de facto provada, a Decisão do Tribunal a quo deveria ter sido outra, no sentido de reconhecer que o recorrente, depois de garantidas todas as suas necessidades básicas de auto-sobre­vivência, não dispõe de capacidade económica para prestar alimentos aos menores, ou, em alternativa, fixar uma pensão de alimentos mais condizente com a condição socioeconómica do progenitor.

     7) A Sentença recorrida deve ser substituída por outra que isente o requerido de prestar alimentos aos seus filhos, por manifesta impossibilidade económica.

     8) Sem conceder e caso assim se não entenda, deve a Sentença recorrida ser substituída por outra que fixe uma pensão de alimentos, a pagar pelo ora recorrente aos seus filhos, num montante mais proporcional aos seus rendimentos e, portanto, susceptível de ser cumprida pelo recorrente.

     Não houve contra-alegações.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                           *

     2. FUNDAMENTOS.

     O Tribunal deu como provados os seguintes,

     2.1. Factos.

     2.1.1. D..., nasceu no dia 02.06. 1991, na freguesia de ..., Castelo Branco;

     2.1.2. C..., nasceu no dia 17/11/ 1996, na freguesia de ..., Torres Novas.

     2.1.3. D... e C..., são filhos de B... e A...;

     2.1.4. Os progenitores são casados, mas encontram-se separados de facto desde Fevereiro de 2008;

     2.1.5. Após a separação dos pais os filhos passaram a viver na companhia da mãe;

     2.1.6. O agregado familiar da progenitora é composto, por esta, pelo seu pai, e pelos menores;

     2.1.7. Residem numa vivenda, tipo T4, com razoáveis condições de habitabilidade, sita na aldeia do ..., Castelo Branco;

     2.1.8. A requerente trabalha como auxiliar de acção educativa, na Escola Secundária Amato Lusitano, auferindo cerca de € 490,00, mensais, recebendo, ainda, de RSI € 58,09, € 84,90 de abono dos menores, e o seu pai aufere de reforma € 320,00;

     2.1.9. As despesas fixas do agregado familiar são de cerca de € 180,00;

     2.1.10. D..., frequenta o 12º ano na Escola Secundária Amato Lusitano e estagia na Associação do Bairro do Valongo, tendo bom aproveitamento escolar.

     2.1.11. O menor C..., frequenta o 7º ano de escolaridade, na Escola Secundária Amato Lusitano, mas tem deficiente aproveitamento escolar;

     2.1.12. O requerido vive sozinho numa habitação de família.

     2.1.13. Recebe uma pensão de invalidez no valor de € 307,94 mensais.

     2.1.14. Recorre por vezes à ajuda da Cáritas.

     2.1.15. Gasta mensalmente nas despesas ordinárias cerca de € 223,00.

     2.1.16. Praticamente inexiste relação entre o Requerido e D... Patita.

     2.1.17. O requerido demonstra fracas competências parentais.

                           +

     2.2. O Direito.

     Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal.

     Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

     - O montante da prestação alimentar a cargo do pai dos menores.

     2.2.1. O montante da prestação alimentar a cargo do pai dos menores.

     O processo de regulação do poder paternal tem também por objecto fixar os alimentos aos filhos e forma da respectiva prestação – artigo 1905º do Código Civil Diploma a que pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem. Na prossecução da aludida finalidade deverá sempre que possível privilegiar-se, tal como sucede nas outras facetas da regulação do poder paternal, uma solução de consenso com respeito pelo interesse do menor, devendo o Tribunal recusar uma via que não defenda adequadamente tal interesse; na falta de acordo decidirá o Tribunal sempre orientado por aquele escopo.

     No caso vertente, decididas as outras questões que a problemática da regulação do poder paternal suscita, resta apenas encarar em pormenor a obrigação alimentar.       O dever de alimentos está englobado no conjun­to dos deveres inerentes ao poder paternal; e o artigo 1878º do Código Civil refere que compete a ambos os pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e admi­nistrar os seus bens". Vigorando o poder paternal ou quando fun­ciona a tutela, a lei pressupõe que o menor não irá cair numa situação a que os artigos 2003º ss pretendem acudir. A questão só surge primordial­mente com a falta de acordo entre os proge­nitores; passa então o poder paternal a ser exercido por um deles – artigos 1903º a 1909º - colocando-se então a temática do dever de ali­mentos da parte do outro progenitor que tendo capa­cidade para tanto, está obrigado a prestá-los. Ora os alimentos, estatui o artigo 2004º nº 1, devem ser proporcionados aos meios do que houver que prestá-los e à necessidade daquele que houver que recebê-los. Por seu turno o nº 2 do citado normativo legal estatui que “na fixação de alimentos atender-se-á outrossim à pos­sibilidade de o alimentando prover à sua subsistên­cia”.

     A sentença apelada decidiu que o apelante deverá contribuir mensalmente com a pensão de alimentos relativa ao menor C..., no montante de € 90,00 (noventa euros), a actualizar anualmente a partir de 1 de Janeiro de 2010 de acordo com as taxas de inflação, publicadas pelo INE, mas nunca de valor inferior a 5%, cujo pagamento deve ser efectuado até ao dia 8 de cada mês, ao que devem acrescer as prestações em dívida desde a data da propositura da presente acção. De igual forma ficou consignado que o pai deverá pagar mensalmente com a pensão de alimentos, relativo ao seu filho D..., no montante de € 90,00 (noventa euros), até ao dia 8 de cada mês, referentes às prestações em dívida desde a data da propositura da presente acção até à data em que o seu filho D... atingiu a maioridade ou seja, desde 28/04/2008 até 02/06/2009. (sic)

     O apelante contrapõe que não tem possibilidades de contribuir para o sustento dos filhos (quanto ao filho D... apenas retroactivos como acima deixámos dito. Na verdade da prova produzida colhe-se que o recorrente aufere uma pensão de invalidez no valor de € 307,94 mensais para além de esporádicos apoios da Caritas. Gasta mensalmente nas despesas ordinárias cerca de € 223,00. Não possuímos indícios de quaisquer outras fontes de rendimento. Perante a exiguidade de meios do apelante escusamo-nos de equacionar a aplicação de formulas auxiliares para fixar os alimentos in casu. Iremos estipular a pensão razoável às possibilidades do apelante e às necessidades do filho menor, não esquecendo o pagamento dos retroactivos em dívida ao filho que atingiu a maioridade. Na fixação do quantum de alimentos pesará de igual modo a eventualidade de poder vir a ser requerida a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores o que supõe para tanto um quantitativo fixado.

     Do exposto decorre que não possa ser mantido o montante de alimentos a cargo do recorrente fixado em primeira instância, justificando-se todavia que o quantitativo alimentar não desça abaixo dos € 50,00 mensais em que se quedará a pensão que iremos fixar.  

     Manter-se-á a obrigatoriedade do pagamento de retroactivos respeitantes ao filho D... que atingiu a maioridade mas apenas no montante de € 50,00 mensais.

     Poderá então assentar-se no seguinte à guisa de sumário e conclusões:

    

     1) Nas diversas facetas que a regulação do poder paternal apresenta e nomeadamente no que concerne a alimentos deverá sempre à partida procurar-se uma solução de consenso.

     2) Não sendo o mesmo possível haverá que decidir tendo como ponto de orientação fundamental o interesse e as necessidades do menor mas considerando igualmente a capacidade económica do progenitor obrigado a alimentos.

     3) A fixação de uma pensão em concreto é sempre necessária não apenas por imperativos constitucionais mas também porque tal se mostra indispensável à eventual intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos aos Menores no caso de o devedor estar impossibilitado de cumprir as suas obrigações para com o beneficiário.

                           *

     3. DECISÃO.

     Nesta conformidade acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação pelo que revogando nessa medida a sentença em crise decidimos o seguinte:

     - O Apelante deverá contribuir mensalmente com a pensão de alimentos relativa ao menor C..., no montante de € 50,00 (cinquenta euros), a actualizar anualmente a partir de 1 de Janeiro de 2010 de acordo com as taxas de inflação, publicadas pelo INE, mas nunca de valor inferior a 5%, cujo pagamento deve ser efectuado até ao dia 8 de cada mês, ao que deve acrescer as prestações em dívida desde a data da propositura da presente acção.

    

     - O Apelante deverá pagar mensalmente a título de alimentos relativos ao seu filho D... a importância de € 50,00 reportados às prestações em dívida desde a  data da propositura da presente acção até à data em que aquele atingiu a maioridade ou seja, desde 28/04/2008 até 02/06/2009.

     Custas por A. e R. na proporção do vencimento/decaimento.


Távora Vítor (Relator)
Nunes Ribeiro
Hélder Almeida