Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
197/11.4JAAVR-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PROCEDIMENTO DE EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE
Data do Acordão: 03/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - SERVIÇOS DO M.º P.º DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 215º, N.º 3, DO C. PROC. PENAL
Sumário: O legislador processual penal não define o que seja a excepcional complexidade, limitando-se a indicar, a título exemplificativo, circunstâncias que podem conduzir à sua declaração e que se prendem com o número de arguidos ou de ofendidos ou com o carácter altamente organizado do crime (cfr. art.º 215º, n.º 3, do C. Proc. Penal).
Por isso, o juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade da utilização dos meios. O juízo sobre a excepcional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderação de elementos de facto …
Decisão Texto Integral:

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I. Relatório

1. No âmbito do inquérito n.º 197/11.4JAAVR a correr termos na Comarca do Baixo Vouga – Serviços do Ministério Público de Aveiro – DIAP -, por requerimento de 30.09.2011, o Ministério Público solicitou ao Juiz de Instrução a declaração de excepcional complexidade do procedimento.

2. Exercido o contraditório, manifestou-se o arguido A..., melhor identificado nos autos, contra a declaração de excepcional complexidade, conforme resulta de fls. 98 a 111, cujo teor se dá por reproduzido.

3. Por despacho judicial de 08.11.2011, foi declarada a excepcional complexidade do procedimento.

4. Inconformado, com o assim decidido, recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

A. O despacho de que se recorre é nulo, por omissão de pronúncia, na medida em que o juiz a quo não tomou posição acerca do requerimento de prova apresentado pelo arguido;
B. O despacho de que se recorre é, ainda, nulo, por padecer do vício de falta de fundamentação, nos termos do artigo 97º, n.º 5 do CPP.
C. Na verdade, o Tribunal a quo não justifica o porquê de declarar a excepcional complexidade do processo, limitando-se a referir que “o elevado número de ofendidos” justifica tal complexidade.
D. Uma tal afirmação, desacompanhada da ponderação de todos os elementos concretos do presente caso, nomeadamente a não quantificação do número real dos ofendidos, a total omissão quanto às diligências de obtenção de prova, representa uma violação do dever de fundamentação a que o juiz está adstrito.
E. Sem conceder, ainda que se entenda que o despacho recorrido não é nulo, sempre se dirá que inexistem no caso dos autos fundamentos para a declaração de excepcional complexidade do processo.
F. Na verdade, os processos só podem ser considerados de excepcional complexidade quando tal qualidade resulte, entre outros factores, do número de arguidos, do número de ofendidos ou ainda do carácter altamente organizado do crime.
G. Acontece porém que, no caso dos presentes autos apenas há um arguido constituído, razão pela qual o despacho recorrido carece de qualquer fundamento, devendo, em consequência, ser alterado.
H. A isto acresce que o arguido não está indiciado pela prática de nenhum dos crimes presentes no catálogo de criminalidade altamente organizada, e que se encontra previsto no art. 1.º, al. m) do CPP.
I. Nem tão pouco se pode sustentar que o arguido estava ligado a um grupo organizado ou ainda que nas datas invocadas pelo MPº obteve dados dos cartões multibanco, na medida em que o arguido nem sequer se encontrava em Portugal.
J. Razão pela qual, seja porque os crimes pelos quais o arguido está indiciado não preenchem o catálogo da criminalidade considerada altamente organizada, seja porque, como se demonstrou, ele não se encontra ligado a qualquer tipo de organização ou associação criminosa, também não se verifica o preenchimento deste último critério do art. 215.º, n.º 3 do CPP, pelo que deverá ser alterado o despacho que declarou os presentes autos como sendo de excepcional complexidade.
K. O tribunal recorrido alicerçou o seu entendimento num único elemento: a existência de um elevado número de ofendidos.
L. Contudo, no presente caso, não pode ser considerado que exista um elevado número de ofendidos porquanto esse alegado número de ofendidos encontra-se directamente relacionado com as apensações que têm ocorrido nos presentes autos.
M. Sendo que os factos que resultam dos processos apensos nada têm que ver com o arguido e não lhe podem ser imputados, porquanto foram praticados no período em que o arguido já se encontrava detido preventivamente.
N. A isto acresce ainda que, os direitos, liberdades e garantias do arguido não podem ficar prejudicados devido a uma não criteriosa apensação de processo, porquanto são mais valiosos e encontram-se consagrados constitucionalmente.
O. Nestes termos, não pode ser considerado que exista um elevado número de ofendidos, porquanto o alegado elevado número decorre exclusivamente dos processos que foram incorrectamente apensados, por factos que o arguido não praticou nem poderia ter praticado porquanto não se encontrava em território nacional, e que, portanto, não lhe podem ser imputados.
P. Mais acresce que da listagem de fls. 429 – T resulta que as clonagens dos cartões terão ocorrido todos no mês de Maio, em períodos compreendidos entre os dias 20 e 28 desse mês.
Q. Pelo que, e atendendo a que o arguido durante esse período não se encontrava em Portugal não podem de modo algum ser-lhe imputados tais factos.
R. Acresce que o arguido foi detido tendo na sua posse um cartão régua n.º …, instalado no ATM sito na Rua … , em Ílhavo, sendo que relativamente a este cartão régua, que alegadamente servia para clonar bandas magnéticas, não existem nos autos quaisquer provas de que tal cartão régua tenha servido para clonar cartões e efectuar os posteriores levantamentos em dinheiro.
S. E tal nem poderia acontecer, visto que os elementos digitais que alegadamente estiveram registados no cartão régua nunca chegaram a ser transferidos para cartões falsos, de modo a possibilitar os posteriores levantamentos.
T. Razão pela qual também aqui não se pode aceitar o entendimento do tribunal a quo quando declara os presentes autos de excepcional complexidade, na medida em que não se verifica a existência de qualquer ofendido.
U. Sem conceder, e ainda que se entenda que existe efectivamente um elevado número de ofendidos, a verdade é que tal requisito é desacompanhado de qualquer outro que fundamente devidamente a declaração de excepcional complexidade.
V. De facto, a declaração de excepcional complexidade, por representar uma limitação aos direitos do arguido na medida em que lhe aumenta os prazos máximos da prisão preventiva, deve obedecer a critérios objectivos, devidamente fundamentados e que sustentem esse alargamento dos prazos processuais, neste caso, do inquérito.
W. Pelo que, ainda que se entenda que existe um elevado número de ofendidos no presente processo, esse factor deve ser acompanhado de outros elementos, nomeadamente a necessidade de realização de actos investigatórios, que justifiquem o acréscimo de tempo que o arguido se verá privado da sua liberdade ou por exemplo das próprias características do processo.
X. Contudo, não resulta que nos presentes autos existam mais diligências de obtenção de prova a realizar, ou se existem, o MPº não as indicou.
Y. E, por outro lado, também não pode aceitar-se que um processo com cerca de 500fls., onde apenas está constituído um arguido, indiciado por crimes que nem sequer são considerados como criminalidade altamente organizada, possa ser declarado de excepcional complexidade, só porque existe um elevado número de ofendidos.
Z. Termos em que, só revogando o despacho recorrido é possível dar cumprimento aos princípios da proporcionalidade, da proibição do excesso e do direito a uma decisão em prazo razoável, razão pela qual deverá este tribunal anular o despacho recorrido e emitir outro no sentido da não declaração do presente processo como de excepcional complexidade, assim se fazendo JUSTIÇA!

5. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo:

1. Nos presentes autos imputa-se, ao arguido A…, a prática de factos que integram os crimes de contrafacção de moeda, p. e p. pelos artigos 262º e 267, nº 1, alínea c), ambos do Código Penal, de falsificação de documento, p. e p. pelo artº 256º, nº 1 do mesmo diploma legal, de falsidade informática, p. e p. pelo art.º 3º, nºs 1 e 2, da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, de burla informática, p. e p. pelo artº 221º, do Código Penal, correspondendo ao primeiro deles pena de prisão de máximo superior a cinco anos.
2. O arguido encontra-se sujeito à medida de prisão preventiva desde 07-06-2011, sendo à partida o prazo máximo de duração da mesma, de 6 meses, tal como previsto no artº 215º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
3. Tal prazo mostrou-se logo à partida manifestamente insuficiente para se proceder à investigação de toda a factualidade indiciada, desde logo devido ao elevado número de pessoas ofendidas, bem como ao carácter altamente organizado do crime, razão pela qual veio a ser declarada, pelo douto despacho recorrido, a excepcional complexidade do procedimento nestes autos.
4. Tal despacho, teve em linha de conta aqueles indispensáveis factores – existência de um número elevado de ofendidos e carácter altamente organizado do crime, pelo que se mostra devidamente fundamentado, ao contrário do alegado pelo arguido, fazendo ainda expressa referência às normas legais que sustentam tal declaração de excepcional complexidade.
5. A declaração de excepcional complexidade a que se refere o n.º 3, do artº 215º, do Código de Processo Penal, visa a continuação da investigação, na realização das diligências necessárias que, se não fora aquela declaração, não poderiam ser feitas no prazo legalmente estabelecido.
6. Por outro lado, não definindo o Código de Processo penal o conceito de excepcional complexidade, limitando-se a título meramente exemplificativo, a indicar duas circunstâncias capazes de o corporizarem, maxime, o número (elevado) de arguidos ou de ofendidos e o carácter altamente organizado do crime, a sua concretização passa pela ponderosa ponderação das dificuldades do processo, designadamente as que se prendem com as técnicas de investigação e número de intervenientes, ponderação essa que no douto despacho recorrido está bem presente.
7. Em face do exposto, deverá, pois, o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra o douto despacho recorrido.

Contudo, Vossas Excelências farão a costumada JUSTIÇA.

6. Admitido o recurso, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal – [cf. fls. 73 dos presentes autos].

7. Na Relação, pronunciou-se o Ilustre Procurador – Geral Adjunto pela forma constante de fls. 83 a 84, cujo teor se dá por reproduzido, concluindo no sentido de o recurso não merecer provimento.

8. Cumprido o artigo 417º, nº 2 do CPP, respondeu o recorrente a fls. 86 a 88, sendo que o teor da dita resposta foi objecto de apreciação em sede de exame preliminar.

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

Assim, considerando as conclusões, suscita o recorrente:

- A nulidade, por omissão de pronúncia, do despacho recorrido;
- A nulidade, por ausência ou insuficiente fundamentação, do despacho recorrido;
- A não verificação, no caso, de pressupostos que sustentem a declaração de excepcional complexidade.

2. A decisão recorrida

É do seguinte teor o despacho recorrido:

“Veio o Digno Magistrado do Ministério Público promover se declare a especial complexidade deste procedimento, nos termos do art. 215º, n.º 3 do C.P. Penal.
Notificado o arguido para se pronunciar sobre o requerido, veio o mesmo opor-se a tal declaração afirmando que existe um único arguido, que os ofendidos não são em número elevado porque ao arguido não podem ser imputados os factos investigados em processos que foram apensados a estes autos, e não se poder falar em carácter altamente organizado do crime.
Nos termos do n.º 3 do art. 215º do Código de Processo Penal (na sua actual redacção), são elementos reveladores da especial complexidade do procedimento o número de arguidos ou ofendidos e o carácter altamente organizado do crime.
Conforme refere o Ministério Público, e resulta do teor das listagens de fls. 426T ss., é elevado o número de pessoas vítimas do crime em investigação.
Por outro lado, o método utilizado é idêntico em todas as situações pelo que é de supor que os seus autores sejam as mesmas pessoas. Faz, por isso, todo o sentido investigar os factos num único e mesmo processo.
Nestes termos, atento o número de ofendidos nos presentes autos, o qual se encontra documentado nas listagens de cartões clonados juntas aos autos, declaro o presente procedimento criminal de excepcional complexidade, nos termos dos arts. 215º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
Notifique.”

3. Apreciando

a.

Defende o recorrente enfermar de nulidade, por omissão de pronúncia, o despacho em crise, na medida em que o juiz “não tomou posição acerca do requerimento de prova” por si apresentado.
Para tanto, aduz no ponto 6. da motivação que em 19.10.2011 “requereu que o tribunal diligenciasse no sentido de ser junta aos autos prova documental essencial para a prova de que não praticou os factos que lhe estão a ser imputados”, aspecto que veio a ser ignorado.
Perscrutado o dito requerimento [cf. fls. 98 a 111 dos presentes autos], resulta que o recorrente só pode estar a reportar-se à sua parte final, que termina: “Requer-se: para prova do alegado nos arts. 27. e 40. do presente requerimento, seja notificado o Exmo Dr. …, com domicílio profissional …, para que venha juntar aos autos o bilhete de avião utilizado pelo arguido para vir para Portugal, que se encontra na sua posse e, pese embora lhe tenha sido solicitado, até à data não foi enviado”.
E o que invocava, então, o recorrente nos aludidos pontos 27. e 40.?
Depois de referir que o Ministério Público lhe imputava a prática, associado a um grupo organizado, de factos, ocorridos entre 25 e 29 de Maio de 2011, traduzidos na obtenção de dados de bandas magnéticas e códigos PIN de cartões de crédito e débito utilizados na Caixa de Multibanco do Montepio Geral, na Rua …., em Aveiro, concluía:
“27. Ora, tal não corresponde à verdade, porquanto o arguido apenas chegou a Portugal, mais precisamente ao Aeroporto Sá Carneiro no Porto no dia 1 de Julho”, circunstância reafirmada no ponto 40.
Significa, pois, que no momento em que era convocado para se pronunciar sobre a eventual declaração de excepcional complexidade do procedimento, com o devido respeito, a despropósito, propunha-se discutir os indícios da actividade que lhe foi imputada [em termos indiciários, naturalmente], mormente no despacho judicial proferido na sequência do primeiro interrogatório de arguido detido [artigo 141º do CPP], ocasião em que lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, medida, essa, ao que resulta dos autos, confirmada em sede de recurso!
Sucede, porém, que a invocada omissão de pronúncia, não constitui qualquer nulidade, a qual, tão pouco, vem identificada pelo recorrente, o que se compreende, dado o principio da legalidade que vigora na matéria [artigo 118º do CPP], não integrando, pois, nenhuma das nulidades absolutas ou relativas contempladas nos artigos 119º ou 120º do CPP, sendo certo que não se trata de omissão relativa à sentença, objecto de diferente disciplina.
Donde, caindo no âmbito das irregularidades, os termos e prazo da respectiva arguição encontram assento no artigo 123º do CPP e, como tal, precludido se mostra o direito de a vir, agora, por via de recurso, invocar.

Falece, assim, razão ao recorrente.

b.

Mais, vem o recorrente arguir a nulidade decorrente da alegada falta de fundamentação da decisão em crise.

O dever genérico de fundamentação dos actos decisórios expresso no artigo 97º, nº 5 do CPP, encontra particular explicitação e desenvolvimento no artigo 374º, nº 2 do mesmo diploma legal, o que se percebe dada a natureza da peça processual a que se reporta.
Como qualquer despacho, até por imperativo constitucional [artigo 205º da CRP], a decisão que declara a excepcional complexidade do procedimento tem de ser fundamentada – [cf. nº 4 do artigo 215º do CPP, o que já decorria do citado artigo 97º, nº 5], cumprindo-se, por seu intermédio, simultaneamente, uma função de carácter objectivo – pacificação social, legitimidade e autocontrolo das decisões – e uma função de carácter subjectivo – garantia do direito ao recurso, controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários [cf. Jorge de Miranda e Rui de Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, pág. 71].

Ora, ao invés do que defende o recorrente, não ocorre, no caso a omissão do dever de fundamentação porquanto o despacho em crise contém as razões de facto e de direito que suportam a decisão, cumprindo, cabalmente, tal dever, o qual, tratando-se de decisão interlocutória, não tem paralelo com o que é exigível na sentença, que a final conhece do mérito.
Acresce que a omissão do dever de fundamentação - onde se inclui a insuficiente fundamentação - não sendo cominada com a nulidade – posto que de sentença se não trata -, apenas acarretaria uma irregularidade, a arguir nos termos e prazos previsto no artigo 123º do CPP, o que não sucedeu.

Como tal, e sem necessidade de maiores delongas, por inúteis, improcede a suscitada nulidade.

c.

Por fim - o fundo da questão - que se traduz em saber se, no caso em apreço, encontra fundamento o juízo que suportou a decisão, isto é se o procedimento consente a declaração de excepcional complexidade, aspecto, naturalmente, contrariado pelo recorrente.

A propósito, dispõe o n.º 3 do artigo 215º do CPP:

Os prazos referidos no n.º 1são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, …, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.

Como se vê, o legislador processual penal não define o que seja a excepcional complexidade, limitando-se a indicar, a título exemplificativo, circunstâncias que podem conduzir à sua declaração e que se prendem com o número de arguidos ou de ofendidos ou com o carácter altamente organizado do crime.

Por isso, O juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade da utilização dos meios. O juízo sobre a excepcional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderação de elementos de facto … - [cf. o acórdão do STJ de 26.01.2005, proc. n.º 05P3114].

No caso sub judice o arguido, ora recorrente, findo o primeiro interrogatório judicial de arguido detido [ocorrido em 09.06.2011], foi indiciado [indiciação, essa, mantida no despacho judicial de 21.12.2011], com base nos elementos de prova juntos aos autos, pela prática, “em co-autoria com outras pessoas ainda não identificadas, e sem prejuízo das regras aplicáveis ao concurso de crimes, dos crimes de contrafacção de moeda, p. e p. pelos art. 262º e 267º, n.º 1, al. c) do Código Penal, de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256º, n.º 1 do Código Penal, de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2 da Lei n.º 109/2009, de 15-09, burla informática p. e p. pelo art. 221º do Código Penal e actos preparatórios p. e p. pelo art. 271º do mesmo Código”.

Resulta dos elementos disponíveis tratar-se de investigação iniciada com base na comunicação levada a cabo pela “Paywatch – Serviços Integrados de Segurança e Pagamentos”dando notícia de que, através da vigilância dos sistemas de pagamentos da rede ATM nacional e estrangeira com débitos sobre contas nacionais, foi detectada a presença em território nacional de um grupo organizado que tinha logrado a obtenção de dados de bandas magnéticas e códigos PIN de cartões de débito e crédito utilizados, pelo menos entre 25 e 29 de Maio de 2011, na Caixa Multibanco (ATM) junto ao Montepio Geral, na Rua Conselheiro Luís Magalhães, em Aveiro.
Com um apontado modus operandi, organizado, traduzido na introdução de “cartões régua” que permitiam afinar os dispositivos de cópia dos dados dos cartões utilizados pelos utentes, sendo que os mesmos, assim, copiados serviram a contrafacção de cartões que começaram, a ser fraudulentamente utilizados na Rússia e, em várias localidades, de Portugal.
Por outro lado, é extensa a lista de cartões de débito e crédito que terão sido comprometidos pela cópia dos respectivos dados de banda magnética e PIN, sendo muito significativos os movimentos fraudulentos – com cópias de cartões de crédito e de débito - detectados em Portugal e no estrangeiro, tendo, então, sido já detectados 205 movimentos fraudulentos, num total de € 22.972,00€, com 33 levantamentos concretizados, e identificada a obtenção da cópia dos dados de 74 cartões bancários de crédito e débito.

É, pois, neste quadro – melhor concretizado com o decurso da investigação - que o Ministério Público, titular do inquérito, requer a declaração da excepcional complexidade - devido “desde logo ao número de pessoas ofendidas, bem como à forma organizada, complexa e sofisticada como o arguido levou a cabo a prática dos factos aqui denunciados” -, aduzindo, além do mais:

“Desde que estes autos foram instaurados, têm vindo a ser sucessivamente apensados outros processos de inquérito que com estes se mostram em conexão, processos esses com origem em queixas apresentadas pelos alguns dos titulares dos cartões copiados.
A fls. 365 a 396 dos autos, encontram-se as listagens definitivas da fraude/clonagem dos cartões de débito e de crédito investigada nos presentes autos, cartões esses que se contam em largas dezenas, existindo, à partida, outros tantos ofendidos.
A investigação mostra-se, portanto, de grande complexidade, faltando ainda realizar grande parte das diligências de inquérito.

Compulsando os autos, conclui-se assim que não se mostra possível concluir a investigação dentro do supra aludido prazo de duração máxima de prisão preventiva, pois que, decorridos que se mostram quase dois terços daquele prazo de 6 meses e não obstante as muitas diligências de inquérito já realizadas pela Polícia Judiciária, muitas outras se mostra ainda necessário levar a cabo.”

Aqui chegados, pedindo vénia, diremos como no acórdão do TRE de 29.04.2008 A noção de excepcional complexidade está, em larga medida, referenciada a espaços de indeterminação pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do procedimento; a integração da noção exige, assim, uma intensa e exclusiva ponderação sobre os elementos da concreta configuração processual, que se traduz, no essencial, em uma avaliação prudencial sobre factos.
O juízo sobre a complexidade, assume-se, assim, como juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento….As dificuldades de investigação (técnicas, com intensa utilização dos leges artis da investigação), o número de intervenientes processuais, a deslocalização dos actos, … a intensidade de utilização do meios, tudo serão elementos a considerar no prudente critério do juiz, para determinar que um determinado procedimento apresenta, no conjunto, ou parcelarmente, em alguma das suas fases, uma especial complexidade com o sentido, essencialmente de natureza factual, que a noção funcionalmente assume no artigo 215º, n.º 3 do CPP.- [cf. proc. n.º 739/08.1].

Isto dito, ponderando os indiciados crimes - correspondendo ao crime de contrafacção de moeda uma pena até 12 anos de prisão - o modus operandi em causa, o carácter organizado e sofisticado como a actividade se desenvolvia, alastrando-se a terceiros países, o que inevitavelmente acarreta uma mais árdua tarefa – traduzida em diligências de prova – tendente ao necessário cruzamento de dados e identificação das vítimas, sendo que são muitas as dezenas dos que terão sido lesados, não merece censura a decisão em crise, enquanto, considerando o elevado número de vítimas dos crimes em investigação, resultante do teor das listagens juntas aos autos, atendendo, ainda, dada a homogeneidade do modo de actuação, a que os delitos terão sido perpetrados pelas mesmas pessoas, fazendo, como tal, sentido que a investigação dos factos se desenvolva num único e mesmo processo - com as dificuldades acrescidas, dizemos nós, desde logo ao nível da recolha da prova, que isso implica mas, também, vocacionada para uma maior eficácia na repressão de uma actividade criminosa, que se apresenta complexa, quer ao nível da organização quer ao nível dos meios – declarou, ao abrigo do disposto no artigo 215º, n.ºs 3 e 4 do CPP, a excepcional complexidade do procedimento.
Uma última palavra para evidenciar a total inconsequência da postura processual do recorrente ao pretender, no momento em que impugna a decisão que declarou a excepcional complexidade, sindicar indícios – querendo contrariá-los - da prática dos factos que [indiciariamente] lhe foram imputados – [cf. os pontos I., J., P., Q., R., S., T. das conclusões]. É que, não é esta, seguramente, a ocasião para essa discussão, a qual, aliás, ao que resulta da leitura dos autos, já teve lugar.
Assim como, não cabe aqui apreciar o que invoca nos pontos L., M., N., O. das conclusões, que extravasa do objecto do despacho recorrido - pese, embora, conter o mesmo um juízo contrário ao preconizado pelo recorrente - sendo certo que se trata de questão que veio a ser objecto de decisão no despacho proferido a 21.12.2011.

Conclui-se, pois, no sentido da manutenção da decisão recorrida, a qual, atentas as circunstâncias, não constitui ofensa a qualquer dos princípios invocados no ponto Z. das conclusões.

III. Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Condena-se o recorrente em 4 [quatro] Ucs de taxa de justiça.

Coimbra, , de , de
[Processado informaticamente e revisto pela relatora]


(Maria José Nogueira)


(Isabel Valongo)