Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1022/21.3T8ACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIMENTOS DEVIDOS A MENOR
DÍVIDA DE VALOR
ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE FACTO
VARIAÇÃO RELEVANTE
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 42.º, N.º 1, DO REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL, 282.º, 619.º, N.º 2, E 988.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – A obrigação parental de alimentos é mais extensa que a obrigação alimentar comum, dado que não se mede pelas estritas necessidades vitais da criança, antes visa assegurar-lhe um nível de vida, económico-social idêntico aos dos pais - mesmo que já se encontrem dissociados; neste caso, deve atender-se ao nível de vida de que os pais desfrutavam na constância da união parental;
II – A dívida de alimentos não é uma dívida pecuniária em sentido estrito, mas uma dívida de valor, dado que o dinheiro é apenas o substituto ou sucedâneo do objecto inicial da prestação, porquanto é o valor que determina a quantidade;

III – A decisão transitada que fixe alimentos ou condene na satisfação de prestações daquela natureza, pode, como reflexo da regra rebus sic stantibus sobre o caso julgado, ser substituída por uma outra quando se altere a situação de facto subjacente;

IV – A providência tutelar cível, com processo especial de jurisdição voluntária, de alteração da regulação das responsabilidades parentais constitui uma nova regulação dessas responsabilidades que, porém, apenas é admissível, designadamente, se tiver ocorrido uma modificação ou alteração superveniente relevante das circunstâncias;

V – Para que uma obrigação parental regulada por decisão ainda que meramente homologatória seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar e demonstrar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída ou fixada e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação.

VI – Só deve autorizar-se a modificação dessa obrigação se o juízo de comparação entre as circunstâncias contemporâneas da decisão e o contexto actual tornar patente uma variação relevante.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Relator:
Henrique Antunes
Adjuntos:
Sílvia Pires
António Fernando Silva

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

1. Relatório.

AA propôs, no Juízo de Família e Menores de Alcobaça, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, providência tutelar cível de alteração da regulação das responsabilidades parentais, com processo especial de jurisdição voluntária, contra BB, pedindo a alteração daquelas responsabilidades, relativas à filha de ambos, CC, nascida no dia .../.../2014, para que a quantia que está obrigado a pagar-lhe a título de alimentos seja reduzida para € 75,00.

Fundamentou esta pretensão no facto de na sentença, transitada, que regulou as responsabilidades parentais relativas à criança, esta ter sido entregue à guarda da requerida, ficando consignado que contribuiria com € 110,00 mensais para a criança e comparticiparia, na proporção de metade, nas suas despesas médicas, medicamentosas e escolares, de ter mais três filhos, DD, EE e FF, nascidos nos dias .../.../2015, .../.../2019 e .../.../2003, respectivamente, pagando a cada um das primeiras € 125,00 mensais e metade das despesas escolares, médicas, medicamentosas, curriculares e extra curriculares, e ao último, € 100,00 de pensão de alimentos, de actualmente residir em Portugal auferindo, como trabalhador independente, em média, o salário mensal de € 700,00, de há 11 meses ter tido necessidade de contraira créditos para suportar as suas despesas pessoais e a pensão de alimentos, pagando à financeira € 155, 03 mensais e de viver na casa da companheira, pagando, embora não todos os meses, € 100,00 mensais para contribuição nas despesas, pelo que para que possa sobreviver e pagar a pensão de alimentos dos outros filhos, a pensão fixada nos autos principais terá que ser reduzida para € 75,00 mensais.

O Sr. Juiz de Direito, por despacho de 23 de Janeiro de 2023, considerando os fundamentos da alteração, por não se revelar infundada ou desnecessária, designou dia para a realização da conferência de pais, para a qual ordenou a citação da requeria e a notificação do requerente[1].

Realizada a conferência com os pais, ambos produziram alegações, concluindo a requerida que a pensão de alimentos se deve manter e, o requerente, que deve ser reduzida para € 75,00.

Encerrada a audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa, com fundamento em que a pretensão de redução apresenta-se manifestamente contrária aos usos decisórios e uniformes desta comarca e em processos com o mesmo e que nenhuma prova foi produzida para efeitos da alteração da concretização prática do binómio possibilidades do obrigado/necessidades dos alimentandos após abril de 2022 objeto julgou o pedido de alteração improcedente.

É esta sentença que o requerente impugna no recurso – no qual pede a sua revogação e substituição por acórdão que, pelo menos, reduza a pensão de alimentos para € 100,00 – tendo rematado a sua alegação com estas conclusões:

I - O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito vertida na sentença proferida pelo Tribunal recorrido (ref. 104333544

II - Denota-se, desde logo, que o Tribunal recorrido, sempre com o devido e o necessário respeito, nomeadamente nos pontos 15 e 16 debruçou-se sobre uma causa de pedir diversa da que consubstancia o objeto dos presentes autos, incorrendo, assim, em manifesto excesso de pronúncia; pelo exposto, ao abrigo do estatuído na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, requer-se que seja declarada a nulidade da sentença.

III - Como é entendimento pacifico da jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto dada como provada.

IV - A este propósito decidira o Venerando Tribunal da Relação do Porto, em 18/11/2019, em cujo douto acórdão se lê: “[o]u seja só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer de factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova.”

V - Arraigando-se na basta jurisprudência tecida pelos nossos Tribunais superiores, continua o mesmo aresto decisório: “[s]empre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na analise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.”

VI - Deverão, pois, ser subtraídos dos factos provados os seguintes pontos: 8; 15 e 16. Ademais, e sempre com todo o respeito, a matéria que o Tribunal recorrido deu como provado nos pontos 15 e 16 – cujo cariz valorativo é admitido pelo Tribunal a quo, porquanto no segmento da fundamentação expressamente menciona “factualidade (...) que aqui se releva para melhor compreensão dos encargos tidos pelo progenitor quanto à execução do regime tutelar cível” extravasa completamente o objeto do presente incidente e, por isso, em nossa modesta opinião e como se adiantara, configura além do mais um excesso de pronúncia.

VII - Reza o n.º 4 do art. 607.o do CPC que “[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

VIII - Ao contrário do entendimento preconizado pelo Tribunal recorrido, entendemos que as atas de 30-06-2021; de 12-11-2021; de 24-01-2022 e de 01-04-2022 não são notoriamente idóneas e nem têm a virtualidade de dar como demonstrado que o Requerente, ora Apelante, à data do acordo de 01-04-2021, declarou o que se encontra inserto no ponto n.º 4. Parece-nos inequívoco que os aludidos documentos apenas poderão provar a realização das diligências, apenas e tão só isso e nunca que o Apelante tenha declarado o que quer que seja.

IX - Nos termos do disposto no art. 352.º do Código Civil, “[c]onfissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”. A al. a) do art. 354.o do mesmo Código, salvaguarda, contudo, que a confissão não faz prova contra o confitente: se for declarada insuficiente por lei ou recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba.

X - Assim sendo, atendendo ao conteúdo dos citados normativos o Tribunal não poderia dar como demonstrado o facto vertido no ponto 4, pelo que o mesmo deverá ser totalmente suprimido.

XI - No ponto 14.º da matéria factual dada como demonstrada, lê̂-se o seguinte: “[o] requerente progenitor encontra-se a prestar trabalhos remunerados em regime de prestação de serviços, de remuneração variável.” Por forma a dar como demonstrada tal realidade, o Tribunal estribou-se nos seguintes elementos de prova: “[c]essada a atividade da empresa e o registo de remunerações, as declarações do Requerente sobre a prestação de trabalhos remunerados em regime de prestação de serviços, de remuneração variável, afigura-se-nos adequada ao normal devir.”

XII - Todavia, por forma a dar como não demonstrado o ponto 34 o Tribunal a quo fundamenta precisamente com o contrário, ou seja, que o depoimento do Apelante se mostrou “(...) incoerente, incongruente e contraditória sobre supostos 1.200 € auferidos no período anterior a abril e 400 € logo após esse período e que se manteve após setembro de 2022”.

XIII - Para reforçar a sua fundamentação, o Tribunal recorrido socorre-se do seguinte: “(...) não pode o Tribunal deixar de relevar os elementos probatórios estáveis e não atingidos no seu valor probatório – declarações nos autos principais e consulta de 23-01-2023.”

XIV - Como vimos supra, por forma a não dar como demonstrado os factos alegados pelo Apelante nos itens 10.º e 11.º dos alegacões (ref. 45529719), apoiou-se numa suposta declaração confessória tecida nos autos principais, o que, como vimos supra, lhe estava completamente vedado pois sequer aconteceu.

XV - Por outra banda, o Apelante juntou os recibos verdes (respetivos recibos juntos como requerimento com a ref. 45982403, submetido a 28/06/2023), cuja juncão foi admitida pelo Tribunal a quo (decisão constante, a titulo prévio, na sentença ora posta em crise: “ref. 104333544 [a]tenta a natureza e objeto do presente processo enquanto processo de jurisdição voluntária, admito a prova junta pelo requerente progenitor após a prestação de alegacões.” Acresce que, os documentos a que aqui nos referimos não foram colocados em causa (impugnados) pela Requerida/Apelada. Além disso, por forma a corroborar o conteúdo dos identificados documentos, atente-se ao depoimento da testemunha GG (grav. diligencia_1022-21.3T8ACB-A_2023-06-28_16-20- 30.mp3 | min. 00:01 – 23:35).

XVI - Sem prejuízo do que expendemos quanto à inegável contradição do vertido na decisão proferida e da equivocada interpretação do valor probatório de eventuais declarações proferidas no âmbito dos autos principais, autos esses em que, por não terem chegado à fase de julgamento, sequer o respetivo mérito foi apreciado, o Tribunal errou na forma como apreciou a prova produzida, pelo que devem ser aditado os seguintes pontos à matéria de facto dada como provada: • O Requerente encontra-se a residir em Portugal e, nos dias de hoje, enquanto trabalhador independente, o seu salário mensal chega a ser inferior a 700 €. •. No mês de fevereiro de 2023, o Requerente apenas auferiu 525 €, tendo voltado a auferir rendimentos em Abril (650 €).

XVII - Como última nota, cremos que poderia ter existo uma superior ponderação do Tribunal recorrido no sentido de compreender que estamos na presença de uma situação excecional em que o progenitor não guardião detém quatro filhos carecedores de alimentos sendo os seus rendimentos manifestamente parcos para suprir com todas essas obrigações. A progenitora guardiã tem, pois, condições superiores ás do Apelante e, por isso, a sua comparticipação deve ser maior.

Não foi oferecida resposta.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nos seguintes termos:

2.1. Factos provados.

1. CC, nascida a .../.../2014, é filha de BB e AA.

2. Em 01-04-2022, nos autos principais, foi proferida sentença homologatória de Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais relativo à menor CC, no qual ficou previsto que a menor ficaria confiada à guarda e cuidados da sua progenitora, com quem residiria habitualmente.

3. Mais ficou previsto quanto ao regime de alimentos que:

3.º - O progenitor suportará a título de pensão de alimentos devidos à menor CC a quantia mensal de € 110,00 (cento e dez euros) a entregar à progenitora por meio de depósito/transferência bancária, para o IBAN n.º  ...05 até ao dia 08 de cada mês a que disser respeito e com início no presente mês de Abril de 2022;

4.º - A pensão de alimentos fica sujeita a uma taxa de actualização anual no valor de € 5,00 (cinco euros), a iniciar em Janeiro de 2023;

5.º - Ambos os progenitores comparticiparão em metade do valor das despesas escolares, médicas e medicamentosas realizadas com a menor, mediante apresentação de comprovativo da despesa, com indicação de NIF da menor, e na parte não coberta por regime assistencial ou por contrato de seguro, que abranja a menor, comprometendo-se o outro progenitor a pagar a sua metade no prazo de 10 dias, igualmente por transferência/depósito bancário.

4. No âmbito do processo dos autos principais, o progenitor declarou que auferia vencimento mínimo; que residia em casa de familiares, que contribuía para despesas correntes de alimentação e outros encargos habitacionais; que pagava 250,00€ (duzentos e cinquenta euros) acrescido a 14,00€ (catorze euros) a título de despesas de creche com pensão de alimentos para duas filhas menores e paga pensão de alimentos de 100,00€ (cem euros), acrescido de 90,00€ (noventa euros) de despesas com a faculdade com o seu filho maior.

5. O progenitor Requerente, sem acordo da progenitora, reduziu o pagamento das pensões de alimentos para 75,00€ nos meses de março a junho de 2023.

 6. O Requerente é progenitor de mais três filhos: DD, nascida a .../.../2015 e EE, nascida a .../.../2019 e FF, nascido a .../.../2003 (estudante).

7. No âmbito de acordo tutelar cível no âmbito do proc. n.º 705/19.... do Juízo de Família e Menores ..., Tribunal Judicial da Comarca ..., o Requerente progenitor ficou obrigado ao pagamento, a título de alimentos, da quantia de 125,00€ para cada uma das filhas DD e HH.

8. Não se encontra juridicamente fixada qualquer obrigação de pagamento de alimentos ao filho maior FF.

9. O Requerente progenitor interpôs ações judiciais de alteração das responsabilidades parentais para redução do valor pago a título de alimentos às menores CC, DD e HH.

10. O Requerente progenitor assume o pagamento de pensão de alimentos ao filho maior, que se encontra inscrito no ISTEC do ....

11. O Requerente progenitor não apresenta registo de remunerações desde abril de 2022.

12. O Requerente progenitor prestou trabalho remunerado para a entidade A... LDA., da qual era sócio, de abril de 2021 a setembro de 2022, sendo a última remuneração registada no valor de 705,00€ referente a abril de 2022.

13. A empresa A... LDA., cessou laboração em setembro de 2022.

14. O Requerente progenitor encontra-se a prestar trabalhos remunerados em regime de prestação de serviços, de remuneração variável.

15. O Requerente progenitor nunca visitou ou contatou a menor.

16. O Requerente progenitor nunca tentou visitar ou contatar a menor.

17. O Requerente progenitor nunca suportou encargos com despesas escolares, médicas e medicamentosas realizadas com a menor.

18. A progenitora presta trabalho para a empresa B..., S.A. desde dezembro de 2020, auferindo remuneração mensal no valor de 760,00€.

19. O agregado familiar da menor é composto por esta e pela progenitora, vivendo em casa arrendada por cerca de 360,00€ mensais, acrescido das demais despesas correntes e habitacionais.

20. A progenitora não dispõe de rede familiar ou apoio familiar para cuidar da menor.

21. A menor é beneficiária de abono de família no valor mensal de 50,00€.

22. A progenitora e menor não auferem outras prestações sociais.

23. A progenitora declarou rendimentos provenientes de trabalho no valor de 10.535,88€ por referência ao ano de 2022.

24. O Requerente vive, pelo menos desde abril de 2022, junto do agregado familiar da sua companheira, agregado composto por esta e dois filhos menores, de 16 e 11 anos, em casa arrendada por cerca de 350,00€ mensais.

25. A companheira do Requerente progenitor aufere rendimentos de trabalho de cerca de 1000,00€.

26. A companheira do Requerente progenitor assume os encargos com as despesas correntes e habitacionais do agregado familiar.

27. O Requerente progenitor reduziu, sem acordo da progenitora, as prestações de alimentos pagas às outras duas filhas menores DD e HH e para o valor de 75,00€ por cada menor.

28. O Requerente progenitor reduziu unilateralmente a prestação de alimentos paga ao filho maior e para o valor de 75,00€.

29. Após abril de 2022, o Requerente progenitor contraiu dois empréstimos no valor de 3.500,00€ e 9000,00€ junto da entidade financeira wizink, tendo usado o dinheiro para pagar a fornecedores da empresa A... LDA., para pagar dívidas fiscais da empresa, para compensar o sócio da empresa e para pagar prestações de alimentos.

30. O Requerente progenitor encontra-se a suportar encargo mensal de cerca de 195,00€ para pagamento dos empréstimos, tendo a prestação de junho em atraso.

2.2. Factos não provados.

31. O Requerente progenitor, aquando do acordo de abril de 2022, auferia vencimento médio de 1000,00€ - 1200,00€.

32. O Requerente progenitor após abril, deixou de receber quaisquer rendimentos.

33. O Requerente progenitor após abril de 2022, passou a auferir 400,00€ - 500,00€.

34. O Requerente progenitor aufere mensalmente 400,00€ - 500,00€ pelos trabalhos remunerados em regime de prestação de serviços.

35. A companheira do Requerente progenitor contribui, sem compensação, para encargos decorrentes da prestação de trabalho pelo Requerido.

36. No mês de fevereiro de 2023, o Requerente progenitor apenas auferiu 525,00€, tendo voltado a auferir rendimentos em abril (650,00€).

37. O Requerente progenitor paga à sua companheira uma média de 100,00€ mensais, a título de contribuição nas despesas (eletricidade, água, alimentação...).

38. A Requerida conta com o apoio da sua família e rendimentos superiores aos do Requerente.

39. A Requerida recebe várias prestações sociais pela circunstância de ter a guarda da menor.

                3.3. Motivação.

(…).

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

O âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação (art.º 635.º n.ºs 2, 1ª parte, e 3 a 5, do CPC).

O objecto da acção – rectius, da providência – é a alteração do acordo de regulação das responsabilidades parentais relativas à filha menor do apelante e da apelada, CC, que tem 9 anos de idade.

 A providência de alteração da regulação do cuidado parental outra coisa não é que uma nova regulação das responsabilidades correspondentes (art.º 42.º, n.º 1, do RGPTC). Assim, por definição, o thema decidendum, está, necessariamente, em contacto com vários institutos, de diversa índole. O primeiro deles é, naturalmente, o das responsabilidades parentais – embora, no caso, apenas quanto a uma vertente em que essas responsabilidades se desdobram: a obrigação parental patrimonial de alimentos; o segundo é, evidentemente, porque se trata de alterar o exercício desta responsabilidade e não de o regular pela primeira vez, o da alteração das circunstâncias[2]. Realmente, abstraindo do fundamento de modificação do acordo ou da decisão de regulação representado pelo não cumprimento de um ou de outra, essa nova regulação das responsabilidades parentais só é admissível se circunstâncias supervenientes tornarem necessário alterar o que tiver sido estabelecido (art.º 42.º, n.º 1, 2.ª parte, do RGPTC).

A sentença impugnada, com o fundamento em que nenhuma prova foi produzida para efeitos da alteração da concretização prática do binómio possibilidades do obrigado/necessidades dos alimentandos após abril de 2022 – único fundamento juridicamente relevante já que os usos decisórios da comarca, que se desconhece quais sejam, por não serem fonte de direito, não constituem um critério de decisão atendível – desamparou o pedido de alteração, para menos, do valor da prestação alimentar a que o apelante está judicialmente vinculado (artº 1.º e 3,º do Código Civil). O apelante – que pediu na instância recorrida a redução daquela prestação para € 75,00 e pede, agora, no recurso, a redução para € 100,00 – sustenta, de um aspecto, que aquela sentença é substancialmente por um excesso de pronúncia e, de outro, que aquela decisão só se compreende em razão erro em matéria de provas em que, no julgamento de alguns pontos de facto, incorreu o Sr. Juiz de Direito.

Maneira que, considerando os parâmetros da competência decisória ou funcional desta Relação, delimitados pelo modo indicado, a resolução da questão concreta controversa objecto do recurso vincula ao exame da causa de nulidade da sentença resultante de um excesso de pronúncia e dos poderes de correcção desta Relação da decisão da quaestio facti da 1.ª instância.

Como entre a matéria de direito e a matéria de facto existe uma interdependência que se verifica na sua delimitação recíproca, em especial na sua confluência para a obtenção da decisão de um caso concreto. Dado que a delimitação da matéria de facto é feita em função da matéria de direito – visto que os factos são recortados e escolhidos segundo a sua relevância jurídica, i.e., segundo a sua importância para cada uma das soluções plausíveis da questão de direito - justifica-se, metodologicamente, que a exposição subsequente se abra a análise do conteúdo da obrigação parental patrimonial de alimentos e com os pressupostos da sua modificação.

3.2. A obrigação parental patrimonial de alimentos.

CC ainda não perfez 18 anos de idade: é, portanto, menor (art.ºs 122.º, 123.º, 129.º e 130.º do Código Civil). Está, por esse motivo, sujeita ao poder paternal, rectior, às responsabilidades parentais (art.ºs 124.º e 1877.º do Código Civil, na sua redacção actual)[3].

As responsabilidades parentais consistem num conjunto de poderes-deveres, funcionalmente afectados à prossecução do bem-estar psíquico e material do filho (art.ºs 1784.º, n.º 1, e 1878.º, n.º 1, do Código Civil). As responsabilidades parentais não são, estruturalmente, um direito subjectivo: são antes uma situação jurídica complexa em que avultam poderes funcionais e alguns direitos, mas ao lado de puros e simples deveres. Constituindo nítido exemplo de direito pessoal familiar, as responsabilidades parentais não são, porém, um direito a que se ajuste a noção tradicional de direito subjectivo: trata-se, antes, de um poder dever, um poder funcional, nos termos do qual incumbe, a cada um dos pais, no interesse exclusivo do filho, guardar a sua pessoa, manter com ele relações pessoais, assegurar a sua educação, sustento, representação legal e a administração dos seus bens (art.ºs 1878.º. n.º 1, 1881.º e 1885.º do Código Civil)[4].

Portanto, as responsabilidades parentais não são um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre – mas de faculdades de carácter altruísta, que devem ser exercidas primariamente no interesse do menor – e não dos pais (art.º 1878.º, nº 1, do Código Civil)[5].

O menor não é, porém, apenas um sujeito protegido pelo direito; é ele próprio, titular de direitos reconhecidos juridicamente (v.g., art.ºs 64.º, n.º 2, 67.º, 68.º e 69.º da Constituição da República Portuguesa)[6]. A criança apresenta um conjunto de necessidades cuja satisfação é necessária ao seu bem-estar psicológico e cuja não realização compromete o seu desenvolvimento posterior e o seu ajustamento social[7]. Entre essas necessidades avultam, entre outras, os cuidados físicos e de protecção; afecto e aprovação; estimulação e ensino; disciplina e controlo consistente e desenvolvimentalmente apropriados; oportunidade e encorajamento da autonomização gradual. O conceito de necessidades e o imperativo desenvolvimental da sua satisfação cria as condições para o reconhecimento do direito que assiste à criança de as ver realizadas. As necessidades da criança convertem-se, assim, em direitos subjectivos extensivos que constituem normas educativas relativamente às quais se afere a qualidade, competência e adequação dos pais[8].

A criança conquistou já um incontornável estatuto de cidadania social, tendo deixado de ser vista como mero sujeito passivo e objecto da decisão de outrem – o seu representante legal – sem qualquer capacidade para influenciar a condução da sua vida e passou a ser vista como verdadeiro sujeito de direitos, ou seja, como sujeito dotado de progressiva autonomia no exercício dos seus direitos em função da sua idade, maturidade e grau de desenvolvimento das suas capacidades.

Por isso que falar no interesse do menor equivale hoje a falar de direitos do menor (artºs 1.º e 3.º, nº 1, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei 147/99, de 1 de Setembro, 1905.º, n.º 1, e 1906.º, n.ºs 6 e 7, do Código Civil). Esses direitos, sem prejuízo daqueles que devem reconhecer-se aos pais - que exercem poderes funcionais para desempenharem deveres no interesse do filho - reclamam que a função parental, seja qual for a vertente considerada, se coloque ao serviço do desenvolvimento, são e harmonioso, da personalidade da criança e do seu bem-estar moral e material[9] e da regular evolução do seu processo de socialização[10].

O desenvolvimento pleno da criança implica, na verdade, o reconhecimento e a realização de direitos sociais, culturais, económicos e civis[11]. O exercício dos direitos que a criança titula reclama responsabilidade parental, i.e., que os pais, ambos, assumam os seus deveres para com o filho. A criança tem, desde logo, um direito à protecção da sociedade e do Estado (art.º 69.º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa). Trata-se, nitidamente, de um direito social, que impõe, seja ao Estado seja á sociedade, deveres de prestação e de actividade e que supõe, por definição, um direito negativo da criança a não ser abandonada, discriminada ou oprimida (art.º 69.º, n.º 1, 2ª parte, da Constituição da República Portuguesa).

Esse direito tem por fundamento final o desenvolvimento integral da criança, noção cuja matriz constitucional deve ser aproximada da noção de desenvolvimento da personalidade, que assenta em dois pressupostos: a garantia da dignidade da pessoa humana, elemento estático mas fundamental que constitui o alicerce do direito ao desenvolvimento; a consideração da criança como pessoa em formação, elemento dinâmico, cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de todas as suas virtualidades (art.ºs 1.º e 26.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

A dimensão fundante da dignidade da pessoa da criança e do desenvolvimento da sua personalidade coloca o interesse da criança como parâmetro material básico da sua protecção e da promoção dos seus direitos, legitimando a intervenção do Estado, através da actuação de medidas indispensáveis a tal protecção e promoção (art.º 69.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

Esse direito da criança à protecção especial deve-lhe ser assegurado, por exemplo, sempre que se mostre privada de um ambiente familiar normal (art.º 69.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). A densificação do conceito ambiente familiar normal não deve, porém, dar lugar a equívocos: a anomalia deve ser vista apenas na perspectiva de falta de condições para o cuidado e desenvolvimento da criança e não por referência a qualquer modelo normativo de família.

A Constituição da Família não reconhece direitos apenas à criança; reconhece-os também aos pais.

Desde logo, o direito e o dever dos pais de educação e manutenção dos filhos (art.º 36.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa). Trata-se, verdadeiramente, de um direito-dever subjectivo - e não uma simples garantia institucional ou uma simples norma programática, integrante das responsabilidades parentais – que vincula à sua compreensão destas últimas como obrigação de cuidado parental[12]. O direito e o dever de educação têm, no contexto constitucional, um sentido mais amplo do que ensino já que abrange designadamente todo o processo global de socialização e aculturação, na medida em que ele é realizável dentro da família.

Por último, os pais gozam, enquanto tais, quer dizer, nas suas relações com os filhos, também do direito fundamental à protecção, i.e., ao auxílio da sociedade e do Estado no desempenho da tarefa de educar os filhos (artº 67 nº 1 da CRP). Este direito tem, naturalmente, como pressuposto, o direito de cuidar dos filhos, considerando-se, logo no plano constitucional, insubstituível a acção paterna e materna de criação e educação dos filhos. Neste domínio não releva já tanto a protecção da criança – mas sobretudo a protecção dos pais nos seus direitos e deveres em relação aos filhos, que vincula à proibição de princípio de separação da criança dos pais.

Todavia, as responsabilidades parentais não se projectam apenas no plano pessoal; relevam simultaneamente na esfera patrimonial. No tocante às responsabilidades parentais patrimoniais uma situação jurídica logo se destaca: o dever de alimentos.

Não é indiferente à noção de alimentos o fundamento legal do dever de os prestar.

No conceito de alimentos compreendem-se todas as prestações, seja qual for a sua periodicidade e o seu montante, que uma pessoa tenha de efectuar a outra, com vista a proporcionar-lhe os meios que ela necessita para viver – sem que tais prestações tirem a sua causa duma contraprestação que a segunda tenha de efectuar à primeira ou de danos que haja sofrido por acção que a esta seja imputável. De harmonia com este conceito constituem, sem dúvida, obrigações alimentares os deveres dos pais de prover ao sustento e educação dos filhos[13].

Trata-se, pois, de uma obrigação não autónoma que se constitui na dependência ou decorrência de outra relação jurídica. Estruturalmente o dever de sustentar o filho menor é uma obrigação – assumindo o filho a posição de credor e os pais a de devedor. A sua origem e o seu fundamento radicam na situação ou relação jurídica de filiação. A obrigação de alimentos surge como uma manifestação de solidariedade que deve existir entre os membros da família – seja qual for a forma como esta se mostre organizada – com vista a assegurar a sua segurança económica, individual e colectiva.

A obrigação de alimentos é uma dívida de valor[14]. Não se trata de pôr à disposição do alimentário uma quantia em dinheiro, como que estabelecida ou, em todo o caso, fixada duma vez para sempre, ne varietur, e, portanto, uma potencialidade patrimonial - poder aquisitivo - não só abstracta como indeterminada, por isso sujeita à flutuação dos preços, mas antes, substancialmente, de lhe fornecer os meios mais apropriados à efectiva satisfação das suas necessidades – umas tantas e num certo grau de intensidade. Cada um dos pais está, assim, adstrito ao dever de, segundo as suas possibilidades, alimentar o filho (art.ºs 36.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e 1874.º, n.º 1, do Código Civil). Os pais, ambos, têm, pois, o dever de alimentos perante os filhos, devendo prover ao seu sustento e assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação (art.º 1878.º, n.º 1, do Código Civil). Isto está fora de dúvida. Mas já o não está a extensão dessa obrigação alimentar.

A obrigação de alimentos, seja qual for o seu fundamento, encontra-se sujeita, por inteiro, ao princípio da relatividade[15]. Este dever, quando referente a filhos menores e, portanto, quando integrado numa situação mais complexa como são as responsabilidades parentais, difere do dever autónomo de alimentos (art.ºs 2003.º e 2020.º do Código Civil). Nestes últimos, por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário e, caso o alimentado ser menor, compreendem também a sua instrução e educação (art.ºs 2003.º, nºs 1 e 2, do Código Civil).

O conceito de sustento, mesmo quando referido à obrigação comum de alimentos, deve ser entendido em sentido amplo, compreendendo tudo o que, não abrangido na habitação e no vestuário, seja indispensável à vida do alimentando[16]. Deste modo, deve considerar-se como alimentos tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida, segundo a situação social do alimentando, para o que bastará dar à palavra sustento um significado largo e atribuir carácter exemplificativo ao disposto na lei. O que é essencial é que o alimentando careça de alimentos para as necessidades da vida, qualquer que seja a natureza destas, desde que fundamentais para a sua vida, de harmonia com a sua posição ou condição[17]. Diferentemente quanto aos pais, a lei espera que compartilhem com os filhos o seu nível de vida[18]. O conteúdo dos alimentos tem aqui, portanto, maior extensão[19] (artºs 1878.º, n.º 1, 1879.º, e 1896.º, n.º 1, do Código Civil).

Maneira que tratando-se de alimentos de que seja credor o menor, a prestação não se mede pelas suas estritas necessidades vitais – alimentação, vestuário, calçado e alojamento – antes visa assegurar-lhe um nível de vida, económico-social idêntico aos dos pais - mesmo que, v.g., já se encontrem dissociados; neste caso, deve atender-se ao nível de vida de que os pais desfrutavam na constância do casamento ou da vivência em comum[20].

O nível de vida dos pais é, assim, um importante critério de determinação das necessidades da criança[21]. No caso de dissociação parental, v.g., por divórcio, o nível de vida da família que deve considerar-se é o existente antes da extinção do vinculo do casamento ou da cessação da convivência dos pais. O que importa é que se trate de necessidades da vida em conformidade com a posição social do credor, dado que seria contrário à equidade que um evento patológico como o divórcio ou a cessação da  convivência parental – a que a criança é por inteiro alheia – provocasse a sua descida abrupta na escala social e no status económico[22].

Todas as contas feitas, pode, pois, retirar-se esta proposição conclusiva: os filhos devem ter um nível de vida correspondente ao que teriam se os pais vivessem em comum[23]. Desde que os meios do progenitor vinculado à obrigação de alimentos o permita, deve ser assegurado ao menor um nível de vida idêntico ao que gozava antes da dissolução da união parental, salvo, evidentemente, se esse nível de vida estava acima da capacidade dos pais. Neste sentido, a obrigação de alimentos visa não só tutelar o direito à vida e à integridade física do alimentando – mas o direito a beneficiar do nível de vida de que a família gozava antes do divórcio ou da extinção da união parental, para que as alterações do nível de vida e no seu bem-estar sejam as mais reduzidas possíveis[24].

Poderá objectar-se que a atribuição de uma tal latitude à obrigação de alimentos de que é credor a criança sacrificará de forma severa o devedor. Mas a objecção não procede. A obrigação pese embora a particular qualidade do sujeito do sujeito activo, não deixa de estar, sempre, de todo, submetida ao princípio regulativo da proporcionalidade entre os recursos do devedor e as necessidades do credor, o que sempre evitará excessos ou abusos, podendo as despesas com a satisfação de necessidades da criança meramente marginais ser temperadas por recurso àquele princípio (art.ºs 1874.º, n.º 1, e 2004.º, n.ºs 1 e 2, Código Civil).

As necessidades do alimentando devem ser apreciadas de forma actualista, ou seja, tendo em conta o momento do cumprimento da prestação alimentar. Trata-se, claro está, de um conceito eminentemente relativo, devendo atender-se, em cada momento, para a fixação do quantum da obrigação alimentícia, não apenas ao custo médio normal e geral da subsistência - mas igualmente às circunstâncias especiais da pessoa a alimentar, como a idade, estado de saúde, sexo, situação social, etc.[25].

Não é possível, evidentemente, esquecer a medida e a extensão dos meios do obrigado. Este também tem as suas próprias necessidades, também tem de viver. Como regra, é capaz de prestar alimentos quem não puser em perigo as suas próprias necessidades[26]. Portanto, pode prestar alimentos quem não põe em perigo os seus próprios alimentos com a prestação deles a terceiro.

Efectivamente, há, irrecusavelmente, que considerar o património e a capacidade de trabalho do devedor de alimentos e os rendimentos da sua massa patrimonial. Na determinação das possibilidades do vinculado à prestação alimentar devem ponderar-se as receitas e despesas do obrigado, i.e., a parte disponível do seu rendimento, devendo computar-se neste todo e qualquer provento, designadamente o salário e ainda qualquer outra receita, ainda que de carácter eventual, tais como gratificações, comissões, subsídios, emolumentos, etc.[27].

Assim, por exemplo, deve atender-se, na determinação das disponibilidades do obrigado, as quantias que percebe a título de subsídio de férias e de Natal[28]. Mas não há lugar à fixação de alimentos em mais do que doze prestações anuais, dado que não há lugar à prestação de alimentos como subsídios de férias ou de Natal[29] (art.º 2005.º, n.º 1, do Código Civil). Em contrapartida, a prestação alimentar não deve sofrer qualquer desconto pelo tempo que o progenitor sem guarda passe com o filho, durante as visitas ou durante as férias, sem prejuízo da consideração desses períodos de tempo na determinação da medida dos alimentos[30].

Deve igualmente tomar-se em consideração os recursos que o devedor poderia obter com o seu trabalho: o devedor não tem o direito de se manter ocioso para se subtrair à obrigação alimentar[31]. Assim, v.g., a situação de desemprego, que o devedor não demonstre não ser-lhe imputável, não o dispensa de cumprir a sua obrigação de alimentos, devendo imputar-se-lhe rendimentos de harmonia com a sua capacidade de ganho[32].

Importa, contudo, sublinhar, com vista à aferição das possibilidades do obrigado, que não deve apenas tomar-se em linha de conta o nível de despesa: interessa, sobremaneira, a determinação da sua composição e da sua elasticidade. Reputa-se claro que não é indiferente se a despesa é composta essencialmente por custos inerentes à satisfação de necessidades básicas essenciais do obrigado e, por isso, é inelástica ou, ao invés, se é integrada por gastos ostentatórios ou sumptuários ou, pelo menos, afectados à satisfação de necessidades marginais ou secundárias e, como tal, susceptível de compressão.

Assim, quanto às obrigações do devedor para com terceiros a que se deve atender para determinar o rendimento disponível do obrigado, deve distinguir-se consoante a natureza das dívidas contraídas, só devendo admitir-se a relevância das assumidas para atender às necessidades fundamentais e não para fazer face a despesas supérfluas ou acima da sua capacidade financeira – v.g. compra de uma habitação de luxo. A irresponsabilidade financeira do devedor não pode ser motivo para o desonerar da prestação de alimentos ou para reduzir o seu valor. Mutatis mutandis, a irresponsabilidade económica do progenitor a quem a prestação deve ser entregue, não deve constituir razão atendível para aumentar o valor da prestação alimentar.

É axiomático que a prestação alimentar é concretizável sob a reserva do possível já que depende, em absoluto, dos recursos económicos disponíveis dos pais. Pela natureza das coisas, a debilidade da situação económica e financeira dos pais pode impedi-los, facticamente, de satisfazer, em maior ou menor extensão, as necessidades dos filhos. Portanto, mesmo uma fundamentação estritamente baseada no direito da criança a que lhe sejam disponibilizados recursos adequados, não pode deixar de considerar, como factor atendível, as possibilidades do vinculado, as suas próprias necessidades e, consequentemente, uma inevitável compressão do valor da prestação alimentar que é devida à criança. Na verdade, mesmo considerando que é o princípio regulativo do interesse da criança e dos direitos que titula que exigem a disponibilização de prestações alimentares em nível adequado às suas múltiplas necessidades, o seu grau de exigibilidade não é, naturalmente, independente do contexto económico de qualquer dos pais. Também neste domínio, o princípio regulativo não pode deixar de ser o da proporcionalidade.

3.3. A alteração das circunstâncias.
O conteúdo e o quantum da obrigação alimentar cuja alteração é pedida foi fixado por acordo dos pais, homologado por decisão passada em julgado.

Quanto à natureza jurídica do acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais, deve assentar-se no seu carácter essencialmente negocial: ele é expressão da autonomia privada dos pais[33], apesar da compressão que sofre pela ordem pública da família, que legitima a intervenção do juiz ou do conservador do registo civil na sua conformação[34]. O acordo de regulação da função parental é um negócio jurídico processual, i.e., um negócio jurídico que produz directamente efeitos processuais, portanto, um acto jurídico de carácter negocial que constitui, modifica ou extingue uma situação processual. A decisão judicial, ainda que meramente homologatória, é o acto através do qual o tribunal extrai da matéria de direito e de facto apreciada uma consequência jurídica. Trata-se, naturalmente, do principal acto processual do tribunal, no qual julga, seja por iniciativa própria seja em resposta a um pedido da parte, uma qualquer questão que lhe compete apreciar.

A decisão homologatória do acordo de regulação das responsabilidades parentais - que representa igualmente um elemento constitutivo do acordo, traduzindo o controlo, pelo juiz ou pelo conservador e pelo Ministério Público, a que está sujeito[35] - uma vez transitada em julgado é, em regra, imodificável (art.ºs 619.º, n.º 1, e 628.º  do CPC)[36].

Contudo, como a decisão se reporta à situação de facto existente no momento do encerramento da discussão, não lhe pode ser indiferente uma alteração ocorrida posteriormente (art.º 611.º, n.º 1, do CPC). O caso julgado encontra-se, assim, também submetido ao princípio rebus sic stantibus e, por isso, deixa de valer quando se alteram os condicionalismos de facto em que a decisão foi proferida. O caso julgado pode, assim, perder a sua autoridade e eficácia, designadamente por substituição da decisão transitada[37].

É o que sucede com a prestação de alimentos ou outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida e duração. A decisão – homologatória ou não – transitada que fixe alimentos ou condene na satisfação de prestações daquela natureza, pode, como reflexo da regra rebus sic stantibus sobre o caso julgado, ser substituída por uma outra quando se altere a situação de facto subjacente (art.ºs 282.º, n.º e 2, 619.º, n.º 2 do CPC e 42.º, n.º 1, 2.ª parte, do RGPTC).

A obrigação alimentícia é uma obrigação duradoura que assenta, em geral, em dois parâmetros fundamentais - as necessidades económicas do alimentando e as disponibilidades financeiras do devedor (art.º 2004.º do Código Civil). Qualquer destes dois factores pode alterar-se. Não surpreende, por isso, que a lei permita que o quantitativo da prestação se adapte, a cada momento, à necessidade de quem recebe os alimentos e aos meios de quem tem de prestá-los (art.º 2012.º do Código Civil). A prestação alimentícia, como qualquer outra prestação duradoura dependente de circunstâncias especiais, uma vez fixada, não é imutável; desde que mudem as circunstâncias a que se atendeu para a fixação, a decisão pode ser alterada: pode a prestação ser modificada, para mais ou para menos, e pode até cessar. Quer dizer, ao caso julgado falta, nesta hipótese, a característica da estabilidade ou da imutabilidade. Mas, note-se, de um aspecto, que a modificação da decisão proferida só é admissível em função de circunstâncias supervenientes ao seu trânsito em julgado, quer dizer, se tiver ocorrido uma alteração superveniente dos condicionalismos de facto em que ocorreu o proferimento daquela e que determinaram a condenação[38] e, de outro, que, enquanto não for substituído, o caso julgado anterior mantém intactas a sua autoridade e eficácia.

Esta conclusão sustenta-se, não apenas doutrinaria – mas também normativamente. No tocante aos processos de jurisdição voluntária - natureza de qual partilha esta providência e o processo no âmbito do qual foi concluído o acordo relativo ao exercício da função parental - a lei é terminante na ressalva dos efeitos já produzidos pelas decisões alteradas, excluindo, consequentemente, a destruição retroactiva, pelo novo caso julgado, dos efeitos produzidos pelo caso julgado anterior. A modificação só opera ex nunc e não ex tunc a instabilidade do caso julgado não vai até ao ponto de prejudicar os efeitos que já tenha produzido a resolução anterior; esses efeitos subsistem: a nova resolução só exerce a sua eficácia para o futuro (art.ºs 988.º, n.º 1, do CPC, ex-vi art.º 12.º do RGPTC).

Ponto incontroverso é a indiferença da natureza objectiva ou puramente subjectiva da alteração das circunstâncias, dado que tanto autorizam a modificação as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão - como as anteriores, mas que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (art.º 988, n.º 1, 2.ª parte, do CPC)[39].

Até por uma pura razão de lógica, a conclusão de que ocorreu uma alteração de circunstâncias exige um juízo de comparação entre o circunstancialismo vigente num dado momento e o contexto existente num momento posterior. Por outras palavras: para que se assente numa modificação superveniente de circunstâncias é indispensável conhecer essas circunstâncias em momentos temporalmente diferenciados. Assim, para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar – e provar - as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação[40]. Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, deve autorizar-se a alteração da obrigação; no caso contrário, a modificação deve, naturalmente, recusar-se.

A causa de pedir do pedido de alteração da regulação da obrigação parental de alimentos, i.e., os factos necessários para individualizar a pretensão material de modificação da prestação alimentar, que o requerente deve provar, é aqui constituída, não apenas pelos factos relativos à situação económica dos pais e às necessidades da criança no momento em que a alteração é pedida – mas também pelos factos relativos a esses mesmos parâmetros, contemporâneos da decisão – contratualizada ou puramente heterónoma – que regulou a prestação.

3.4. Nulidade substancial da sentença impugnada por excesso de pronúncia.

A decisão é nula quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, portanto, quando esteja viciada por excesso de pronúncia (art.º 615.º. n.º 1, d), 2ª parte, do CPC). Por força deste corolário do princípio da disponibilidade objectiva, verifica-se um tal excesso, por exemplo, sempre que o juiz ou juízes utilizam, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou absolvem num pedido não formulado. A decisão é, pois, nula quando condene em quantidade superior – num mais – ou em objecto diverso do pedido – num aliud. Este excesso de pronúncia pode, pois, ser parcial ou qualitativo, consoante o tribunal conheça de um pedido que é quantitativamente ou qualitativamente distinto do que foi formulado pelo autor (art.ºs 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, c), do CPC).

Nos processos em que vigora a disponibilidade objectiva, a causa de pedir fixa os limites da cognição do tribunal (art.ºs 5.º, n.º 1, e 615.º, n.º d), do CPC). Diferentemente, nos processos dominados pela inquisitoriedade judiciária, a causa petendi não delimita o âmbito de cognição do tribunal, dado que este pode considerar outros factos, além dos alegados pelas partes. É o que sucede na providência tutelar cível de alteração da regulação das responsabilidades parentais, que é um processo de jurisdição voluntária e em que, portanto, se verifica um predomínio, quanto ao objecto do processo, do princípio do inquisitório sobre o dispositivo, dado que ao tribunal pode investigar livremente os factos, não estando limitado aos factos articulados pelas partes, como sucede, em regra, no processo contencioso, característica da jurisdição voluntária que deve ser vista em ligação com o critério de decisão: é porque o juiz decide segundo critérios de discricionariedade que lhe são atribuídos poderes inquisitórios (art.º 987.º do CPC, ex-vi art.º 12.º do RGPTC)

É controverso se o conhecimento pelo tribunal de um facto não alegado pelas partes se resolve num erro de julgamento ou antes num excesso de pronúncia. Segundo um entendimento do problema quando o juiz conhece de um facto não articulado não comete necessariamente a nulidade por aquela causa, dado que uma coisa é tomar em consideração um facto material, outra conhecer da questão de facto de que não devia tomar conhecimento: o facto material é um elemento para solução da questão, mas não é a própria questão; de harmonia com outra perspectiva, esse conhecimento é necessariamente uma nulidade por excesso de pronúncia, se o facto era relevante para a decisão da causa, pelo que esse conhecimento não é nem uma nulidade da decisão, nem um erro de julgamento, se o facto era irrelevante para a decisão da causa[41].

Segundo o impugnante o excesso de pronúncia que assaca à decisão impugnada resulta de ter julgado provados os factos 15 e 16 - O Requerente progenitor nunca visitou ou contatou a menor; O Requerente progenitor nunca tentou visitar ou contatar a menor – factos que realmente ninguém alegou.

Simplesmente qualquer destes factos é, de todo, irrelevante para a decisão da causa e do recurso. O objecto do processo é constituído apenas pela modificação da obrigação parental patrimonial de alimentos e não por qualquer outra vertente em que as responsabilidades parentais se desdobram, designadamente o direito-dever do progenitor com quem a criança não resida habitualmente de manter com ela contactos, presenciais e não presenciais, de modo a que entre ambos se mantenha ou se construa uma relação de grande proximidade. O dever de alimentar a criança e o dever de manter com ela contactos presenciais são de exercício independente e não se encontram entre si ligados por qualquer nexo sinalagmático, o que explica que mesmo nos casos em que o devedor dos alimentos esteja impedido de exercer o direito de visitar a criança, v.g. por acto do progenitor com quem esta não resida habitualmente, lhe não seja licito invocar a excepção do não cumprimento, para se furtar ao cumprimento, total ou parcial, da obrigação alimentar.

Portanto, quer porque ao juiz é licito conhecer daqueles factos, quer porque – segundo uma perspectiva – o conhecimento de um facto de que à sentença não é lícito apreciar não constitui um excesso de pronúncia, quer enfim – noutra perspectiva – porque esse excesso só se verifica se o facto for relevante para a decisão da causa, segundos os vários enquadramentos jurídicos plausíveis da questão de direito, não há razão para estigmatizar a sentença impugnada, por tal causa, com o desvalor da nulidade substancial.

Há, assim, que julgar improcedente este fundameno do recurso.

Resta, por isso, o relativo ao error in iudicando, por erro na avaliação das provas, em que, de harmonia com a alegação do apelante, incorreu o Sr. Juiz de Direito.

3.4. Error in iudicando em matéria de provas.

3.4.1. Finalidades e parâmetros sob cujo signo são actuados os poderes de controlo e correcção desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto.

O controlo da Relação relativamente à decisão da matéria de facto pode ter, entre outras, como finalidade, a reponderação e a correcção da decisão proferida. A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e substituir – a decisão da 1ª instância, nomeadamente, se a prova produzida – designadamente a prova pessoal produzida oralmente na audiência final, desde que tenha sido objecto de registo – impuser decisão diversa (art.ºs 640.º, n.º 1, b), in fine, e 662.º, n.º 1, do CPC).

Todavia, esse controlo é actuado na ausência de dois princípios que contribuem decisivamente para a boa decisão da questão de facto: o da oralidade e da imediação - a decisão da Relação não é atingida por forma oral – mas através da audição de registos fonográficos ou da leitura, fria e inexpressiva de transcrições – e sem uma relação de proximidade comunicante com os participantes processuais, de modo a obter uma percepção própria do material que há-de ter como base dessa mesma decisão.

Além disso, esse controlo orienta-se pelos parâmetros seguintes:

a) Do exercício da prova – que visa a demonstração da realidade dos factos – apenas pode ser obtida uma verdade judicial, jurídico-prática e não uma verdade, absoluta ou ontológica, matemática ou científica (art.º 341.º do Código Civil);

b) A livre apreciação da prova assenta na prudente convicção – i.e., na faculdade de decidir de forma correcta - que o tribunal adquirir das provas que foram produzidas (art.º 607.º, nº 5, do CPC).

c) A prudente obtenção da convicção deve respeitar as leis da ciência, da lógica e as regras da experiência - entendidas como os juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência, mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos – e que constituem as premissas maiores de facto às quais são subsumíveis factos concretos;

d) A convicção formada pelo juiz sobre a realidade dos factos deve ser uma convicção subjectiva fundada numa convicção objectiva, assente nas regras da ciência e da lógica e da experiência comum ou de normalidade maioritária e, portanto, uma convicção cognitiva e não volitiva, voluntarista, subjectiva ou emocional;

e) A convicção objectiva é uma convicção argumentativa, i.e., demonstrável através de um ou mais argumentos capazes de se impor aos outros;

e) A apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis: os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[42].

Note-se – de harmonia com a doutrina que se tem por preferível – que se a Relação tem o dever de proceder ao exame crítico das provas - novas ou mesmo só renovadas – que sejam produzidas perante ela e de formar, relativamente às provas submetidas à sua livre apreciação, uma convicção prudente sobre essas provas – não há razão bastante – legal ou sequer epistemológica - para que não proceda àquele exame e à formulação desta convicção - e à sua objectivação - no caso de reapreciação das provas já examinadas pela 1ª instância (art.º 607.º, nº 5, ex-vi art.º 663.º,  nº 2, do CPC). O controlo da correcção da decisão da matéria de facto da 1ª instância exige, realmente, que a Relação construa – autonomamente, embora com os limites decorrentes da sua vinculação à impugnação do recorrente - não só a sua própria convicção sobre as provas produzidas, mas igualmente que a fundamente[43].

A conclusão da correcção ou da incorrecção da decisão da questão de facto do tribunal da 1ª instância exige um juízo de relação ou comparação entre a convicção que o decisor de facto daquela instância extrai dos elementos de prova que apreciou e a convicção que a Relação adquire da reapreciação dessas mesmas provas. Se a convicção do juiz da 1.ª instância e da Relação forem coincidentes, a decisão da matéria de facto daquele tribunal deve ter-se por correcta, com a consequente improcedência da impugnação deduzida contra ela; se a convicção do decisor da 1.ª instância e da Relação forem divergentes, a Relação deve fazer prevalecer a sua convicção sobre o convencimento do juiz da 1ª instância e, correspondentemente, revogar a decisão deste último e logo a substituir por outra conforme aquela mesma convicção[44].

A Relação deve, pois, formar uma convicção verdadeira – e fundamentada - sobre a prova produzida na 1.ª instância, independente ou autónoma da convicção do juiz a quo, que pode ou não ser coincidente com a deste último – não se limitando a controlar a legalidade da produção da prova realizada naquela instância e a aceitar o resultado do exercício da prova - salvo casos em que esse julgamento seja ilógico, irracional, arbitrário, incongruente ou absurdo[45].

Resta dizer que o exercício pela Relação dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Se o facto ou factos que se reputam de mal julgados não se mostrarem relevantes segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção ou da reconvenção, a reponderação deve ter-se - por aplicação do princípio da utilidade a que deve subordinar-se toda a actividade jurisdicional - mesmo por proibida (art.º 130.º do CPC)[46].

3.4.2. Reponderação das provas.

Um dos fundamentos da impugnação da decisão da matéria de facto não releva do erro na avaliação das provas – mas do erro sobre objecto da prova. Segundo o apelante os factos julgados provados 8, 15 e 16 deverão ser eliminados por se tratar de conclusões ou, noutra formulação, de factos conclusivos.

O objecto da prova são factos controvertidos, ou mais rigorosamente, afirmações de factos, i.e., proposições que descrevem um estado de coisas, qualquer acção, evento ou situação com relevância jurídica, proposições linguísticas que tanto podem consistir em acontecimentos físicos como estados anímicos ou psíquicos (art.º 341.º do Código Civil).

Abstraindo da orientação doutrinária e jurisprudencial, que se julga correcta, da admissibilidade enquanto objecto da prova dos denominados factos conclusivos ou equivalentes[47] – juízos conclusivos, expressões conclusivas – dado que os factos jurídicos são factos com relevância jurídica mas não são factos desprovidos de qualquer sentido empírico ou valorativo,  a verdade é que se não podem ter como tais as afirmações (15) O Requerente progenitor nunca visitou ou contatou a menor; (16) O Requerente progenitor nunca tentou visitar ou contatar a menor ou (8) Não se encontra juridicamente fixada qualquer obrigação de pagamento de alimentos ao filho maior FF.  Qualquer destes enunciados são proposições que descrevem estados de coisas. De resto, como se apontou, os dois primeiros daqueles factos são irrelevantes para a boa decisão da causa. Não, há, pois, razão para os eliminar – mas apenas, no tocante aos que sejam irrelevantes, para os desconsiderar na decisão da causa e do recurso.

O Sr. Juiz de Direito declarou provado, no ponto 4, que no âmbito do processo dos autos principais, o progenitor declarou que auferia vencimento mínimo; que residia em casa de familiares, que contribuía para despesas correntes de alimentação e outros encargos habitacionais; que pagava 250,00€ (duzentos e cinquenta euros) acrescido a 14,00€ (catorze euros) a título de despesas de creche com pensão de alimentos para duas filhas menores e paga pensão de alimentos de 100,00€ (cem euros), acrescido de 90,00€ (noventa euros) de despesas com a faculdade com o seu filho maior. O apelante sustenta que, ao contrário do entendimento preconizado pelo Tribunal recorrido, as atas de 30-06-2021; de 12-11-2021; de 24-01-2022 e de 01-04-2022 não são notoriamente idóneas e nem têm a virtualidade de dar como demonstrado que o Requerente, ora Apelante, à data do acordo de 01-04-2021, declarou o que se encontra inserto no ponto n.º 4, parecendo-lhe inequívoco que os aludidos documentos apenas poderão provar a realização das diligências, apenas e tão só isso e nunca que o Apelante tenha declarado o que quer que seja. Nada de menos exacto.

A acta que documenta a realização de qualquer acto judicial é um documento autêntico (art.º 369.º, nºs 1 e 2, do Código Civil). Faz, por isso, prova plena dos factos que sejam atestadas pela entidade documentadora e, bem assim, dos factos que passaram na sua presença, quer dizer os factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções (art.º 371.º, n.º 1 do Código Civil). Este ponto – que é, de resto, o mais delicado da eficácia probatória do documento autêntico – deve ser entendido com habilidade. O documentador garante pela fé pública de que está revestido, que os factos que documenta se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade. Dito doutro modo: o documento autêntico não fia, por exemplo, a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador; só garante que eles as fizeram[48]. Se o documento prova plenamente os factos atestados que se passaram na presença do documentador, v.g., as declarações, já não prova de pleno a sinceridade desses factos ou a sua validade ou eficácia jurídicas, pois de uma coisa e de outra não pode aperceber-se a entidade documentadora. Pode, assim, demonstrar-se que a declaração inserta no documento não é sincera nem eficaz, sem necessidade de arguição da falsidade dele.

Portanto, se, realmente, nas actas das diligências judiciais consta que o apelante produziu aquelas declarações, os documentos correspondentes provam, de pleno, que o recorrente fez tais afirmações – mas já não a sua sinceridade.

O que sucede é que tal ponto de facto é irrelevante para a decisão da causa. O que interessa – como oportunamente se expôs – não são as declarações que o apelante produziu ou não produziu em diligências judiciais, mas qual era efectivamente a sua situação económico-financeira no momento em que foi fixada e se estabilizou a decisão que regulaou a prestação parental de alimentos a que ficou adstrito.  E são estes últimos factos – indispensáveis para a formulação do juízo de comparação de que depende a admissibilidade da modificação da prestação alimentar – que não se mostram adquiridos para o processo

Por último, o recorrente sustenta que devem julgar provado o seguintes factos – que articulou nos art.ºs 10.º e 11º das suas alegações: O Requerente encontra-se a residir em Portugal e, nos dias de hoje, enquanto trabalhador independente, o seu salário mensal chega a ser inferior a 700 €.; No mês de fevereiro de 2023, o Requerente apenas auferiu 525 €, tendo voltado a auferir rendimentos em Abril (650 €).  Estas alegações são perfeitamente compatíveis com o facto julgado provado, no ponto 14 - O Requerente progenitor encontra-se a prestar trabalhos remunerados em regime de prestação de serviços, de remuneração variável.

Seja como for, não se julga útil reponderar a correcção do julgamento deste último ponto de facto, pela razão, determinante, já apontada: a sua irrelevância. Repete-se: não é suficiente para que se autorize a modificação da obrigação parental de alimentos, a aquisição dos factos relativos à situação económica do devedor no momento em que pede a alteração da prestação; é indispensável a prova dos factos relativos às possibilidades desse mesmo devedor no momento em que a prestação alimentícia foi fixada, de modo a permitir a formulação do juízo de comparação, que torne patente a variação desse parâmetro de dimensionamento da prestação alimentar. E são estes últimos factos que, definitivamente, se não mostram adquiridos para o processo o que, além, do mais torna inútil ou irrelevante a aferição da correcção do julgamento dos factos relativos à situação patrimonial actual do devedor.

Considerado o problema a esta luz, segue-se, como corolário que não pode ser recusado, a improcedência também deste segmento do recurso.

3.5. Concretização.

Como se observou, para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar – e provar - as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação. Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, então deve autorizar-se a alteração da obrigação. No caso contrário, a alteração deve, naturalmente, recusar-se.

A leitura dos factos adquiridos, definitivamente, para o processo, não evidencia qualquer variação, objectiva ou subjectivamente superveniente, de qualquer dos parâmetros da obrigação alimentar, sejam os relativos à situação da criança, sejam os representados pelos meios ou pela capacidade económica e financeira dos progenitores da criança, maxime do apelante. A improcedência do recurso é, assim, meramente consequencial.

As proposições mais salientes do percurso argumentativo percorrido são, em síntese apertada, as seguintes:

(…).

O apelante sucumbe no recurso. Essa sucumbência torna-o objectivamente responsável pela satisfação das respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelo apelante.

                                                                                                                                              2024.01.09


[1] Mas não é bem este o procedimento marcado na lei. Realmente, recebida a petição da alteração, a lei determina que se cite o requerido para alegar e junta esta alegação, ou esgotado o prazo do seu oferecimento, é que o juiz decide se o pedido é ou não infundado (art.º 42.º, n.ºs 4 e 5, da LGPTC, aprovada pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro). No caso esta decisão foi proferida antes da citação da requerida para a providência e a última não foi citada para alegar, mas para apenas comparecer na conferência.
[2] Instituto que, por sua vez, convoca uma pluralidade de outros. Esta conclusão resulta da constatação de que o instituto da alteração das circunstâncias, que fundamenta a pretensão do requerente de modificação da decisão contratualizada de regulação, actualmente apenas tocante à da prestação alimentar, se vê confrontado com posições tendentes a reduzir o seu campo de aplicação, por virtude, designadamente, do recurso às teorias do risco, da protecção da confiança e da interpretação contratual, do erro e do enriquecimento sem causa. Assim, por exemplo, Menezes Cordeiro, Da Alteração das Circunstâncias, Separata dos Estudos em Memória do Prof. Doutor Paulo Cunha, Lisboa, 1987, pág. 27 e ss., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª edição, Coimbra, 1998, pág. 296, Pinto Monteiro/Júlio Gomes, A Hardship Clause, e o Problema da Alteração das Circunstâncias, Juris et de Jure, Nos 20 Anos da Faculdade de Direito da UCP – Porto, págs. 17 e ss. Particularmente discutida é a questão relativa à conjugação das regras do risco com o regime de alteração das circunstâncias: a favor da prevalência das primeiras, Vasco Xavier (Parecer), CJ, VIII, V, págs. 17 e ss., Menezes Cordeiro, ops. cit., págs. 39 e ss.; no sentido oposto, v.g., Antunes Varela/Henrique Mesquita, (Parecer), CJ, VII, II, págs. 7 e ss.
[3] A expressão poder paternal era, até há muito pouco, utilizada comummente pela lei, pela doutrina e pela jurisprudência portuguesas. A expressão estava, já então, profundamente desajustada da evolução da realidade social e jurídica. A expressão é nitidamente tributária duma concepção do poder paternal como poder - sujeição, como poder arbitrário exercido única e exclusivamente pelo pai sobre a pessoa e os bens do filho. Em consonância com experiências oriundas de outros espaços jurídicos europeus, em que a expressão tradicional foi substituída por outras mais de acordo com a Recomendação nº R (14) 4 sobre as Responsabilidades Parentais adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, com a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, propunham alguns autores como conveniente e oportuna a substituição da expressão poder paternal pela expressão responsabilidades parentais, o que entre nós só ocorreu através da alteração dos artºs 1901.º a 1912.º do Código Civil pelo art.º 1 da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro. Esta última expressão merece, contudo, também alguns reparos. Os pais não têm só responsabilidades, mas também um dever de exigência em relação ao filho. Desvalorizar este dever seria enfraquecer o significado do laço da filiação. Maneira que tendo como referência o modelo democrático de família – concebida também como centro privilegiado de relações afectivas – em que a relação entre pais e filhos se baseia no respeito mútuo e na particular atenção a prestar às necessidades do filho como ser em desenvolvimento, sem minimizar a actividade de controlo e supervisão da educação e formação do filho, no contexto de uma relação interactiva em que este assume a qualidade de sujeito, parece ser de acolher a expressão cuidado parental. Cfr. Diogo Leite de Campos, Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 1997, págs 370; António H. L. Farinha e Conceição Lavadinho, Mediação Familiar e Responsabilidades Parentais, Coimbra, Almedina, págs. 47, António H.L. Farinha, Relação entre os Processos Judiciais, Infância e Juventude, nº 2/99, Abril - Junho, 1999, pág. 69, Irene Thery, Couple, filiation et parente d´aujourd´hui, Paris, Editions Odile Jacob, 1998, pág. 190, e Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Parental nos Casos de Divórcio, 4ª edição, revista, aumentada e actualizada, Coimbra, Almedina, 2002, pág. 15.
[4] Armando Leandro, Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitação. Algumas reflexões de prática judiciária, Temas de Direito da Família, Almedina, Coimbra, 1986, págs. 117 e 118, e José Carlos Moitinho de Almeida, Efeitos da Filiação, OA, Instituto da Conferência, 1981, págs. 140 a 145.
[5] Maria de Fátima Abrantes Duarte, O Poder Paternal, Contributo para o Estudo do seu Actual Regime, AAAFDL, Lisboa, 1994, págs. 41 e 42, Jorge Miranda, Poder Paternal e Assistência Social, Direcção-Geral de Assistência, Gabinete de Estudos Sociais, Série A, nº 1, págs. 291 e ss. e Maria Manuela Baptista Lopes e António Carlos Duarte Fonseca, Aspectos da relação jurídica entre pais e filhos, Revista Infância e Juventude, n.º 4 Out./Dez., 1988, págs. 10.
[6] Marta Santos, A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, Documentação e Direito Comparado nºs 35/36, 1988, pág. 214 e ss. A Convenção foi aprovada para ratificação pela Resolução da AR n.º 20/90, de 12.9.90, ratificada pelo Decreto do PR n.º 4/90, de 12.2.90 com início de vigência no dia 21 de Outubro de 1990 (DR 2.º suplemento de 17 de Setembro de 1990 e aviso de 26 de Outubro de 1990, DR nº. 248). Para uma apreciação da consistência da fundamentação psicológica da Convenção, em sentido crítico, Paula Cristina Martins, Sobre a Convenção dos Direitos da Criança. Da Psicologia dos Direitos aos Direitos da Psicologia, Infância e Juventude, Julho - Setembro, 99.3, págs. 61 a 70.
[7] E. Groenseh, O papel da família na integração social dos jovens, Revista Infância e Juventude, nº 4, Outubro - Dezembro, págs. 7 a 37.
[8] Da natureza jurídica do instituto das responsabilidades parentais, do seu conteúdo e da forte influência do princípio do interesse superior da criança a que se encontra exposto, decorrem os seus fundamentos finais: o de protecção da pessoa e bens do filho, ditada pela sua situação de incapacidade; o de promoção da autonomia e independência do filho. Os pais não devem apenas proteger a criança e promover os seus direitos; compete-lhes ainda garantir-lhes as condições favoráveis ao pleno desenvolvimento das suas faculdades físicas, intelectuais, morais, emocionais e sociais de forma a habilitá-los para o exercício da sua plena capacidade quanto atingirem a maioridade. Cfr. Rosa Cândido Martins, Poder Paternal vs Autonomia da Criança e do Adolescente? Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Centro de Direito da Família, Ano 1, nº 1, 2004, págs. 68 e 69.
[9] Além da sua dimensão funcional, que aponta decisivamente para uma concepção filiocêntrica, as responsabilidades parentais visam também promover a auto-realização dos pais, como tal. A educação do filho corresponde não apenas ao interesse deste, mas também à plena realização da personalidade dos pais. Cfr. Antunes Varela, Direito da Família, Lisboa, 1999, 5ª ed., vol. I, págs. 79 e 80. Sobre a evolução do instituto do poder paternal, cfr. Parecer da Procuradoria-Geral da República, nº 8/91, Pareceres, vol. II, págs. 345 a 348.
[10] A socialização resolve-se num processo de aquisição de atitudes e habilidades que são indispensáveis para o desempenho de um determinado papel social. A importância da socialização na família é sublinhada, una voce, pela sociologia e psicologia, embora segundo perspectivas diferentes. Para a sociologia, a função socializante da família tem em conta a aprendizagem dos valores e papéis sociais; a psicologia defende a importância do contexto familiar no desenvolvimento da personalidade da criança e do jovem. A psicossociologia articula estes dois aspectos, preconizando que a assunção de papéis e de valores, bem como o desenvolvimento psicológico da criança e do jovem se fazem através de um processo de interacção e de comunicação. Cfr. A. Michel, Sociologia da Família e do Casamento, Porto, Rés-Editora, 1983.
[11] Esta concepção resulta, designadamente, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 1989, e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90.
[12] J. J. Canotilho/Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I., 4.ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 565.
[13] Obrigação alimentar é, de resto, o termo corrente na doutrina e na jurisprudência. Na doutrina estrangeira nota-se, no entanto, a tendência de substituir essa expressão por outra, com significado mais semelhante ao de sustento; assim, na doutrina francesa fala-se de obligation d´entretien e as publicações do Conselho da Europa sobre o assunto aconselham a mudança na terminologia. Cfr. O. Edlbacher, Les Obligations des Parents Envers Leurs Enfants e l´Autorité Parentale, Strasbourg, Conseil de l´Europe, 1977.
[14] Manuel de Andrade, RLJ Ano 77, pág. 226. Não é aqui, portanto, a aplicável o princípio nominalista (art.º 550.º do Código Civil). Cfr. Pinto Monteiro, Inflação e Direito Civil, pág. 22 e ss. e Baptista Machado, Nominalismo e Indexação, RDES, 1977, págs. 56 e 57.
[15] Manuel de Andrade, cit., pág. 226.
[16] Moitinho de Almeida, Sciencia Jurídica, XVI, pág. 269 e Ac. RP de 18.05.1977, CJ, 77, IV, pág. 848.
[17] Vaz Serra, RLJ, Ano 102, pág. 262 e Ac. RP 22.07.1977, CJ, 77, pág. 1164.
[18] João de Castro Mendes, Direito da Família, AAFDL, págs. 346 e 347.
[19] Assim, já o Ac. da RL de 07.04.2011 (9079/10.6TBCSC.L1.2) – relatado pelo ora também relator – e v.g., os Acs. da mesma Relação de 04.06.2020 (1228/17.0T8SXL-A-L1.2) e de 23.03.2023 (17060/5T8LSB-D.L1.8).
[20] J. P. Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores), “Versus” o Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos (em especial Filhos Menores), págs. 183 e 184.          
[21] Maria João Romão Carreira Vaz Tomé, Child Support as an Effect of Divorce in Portugal and Europe, Handbook of Global Legal Policy, Stuart and Nagel, University of Illinois, 2000, pág. 273. Esta autora faz notar que o critério é expressamente referido no BGB (§ 1610) e no art.º 438.º do Código Civil Italiano, sendo também adoptado pelos tribunais franceses.
[22] As famílias monoparentais, constituídas normalmente pela mãe e pelos filhos menores, apresentam um nível de vida mais baixo do que o da família antes do divórcio e o do progenitor sem a guarda dos filhos. Trata-se de um fenómeno denominado por feminização da pobreza. Em regra, o nível dos homens após o divórcio sobe e o nível de vida das mulheres desce. Cfr. Chambers, Making Fathers Pay, The Enforcement of Child Support, The University of Chicago Press, Chicago and London, 1979, págs. 49, 54 a 56.
[23] Maria da Fátima Abrantes Duarte, O Poder Paternal, Contributo para o Estudo do seu Actual Regime, págs. 96 a 98.
[24] Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal no caso de Divórcio, 3º ed., Revista, Aumentada e Actualizada, pág. 137 e Acs. RL de 29.6.94 e RP de 25.5.93 e 15.6.92, in Bases de Dados do MJ.
[25] Moitinho de Almeida, Os Alimentos no CC de 1966, ROA, 68, e Acs. RP de 18.05.77, CJ 77, IV, 848 e STJ de 07.05.80, BMJ nº 297, pág. 342.
[26] Como princípio, a prestação alimentícia nunca pode sacrificar o mínimo necessário à vida normal do devedor até para que – nas palavras impressivas de Antunes Varela - não se mate, em prejuízo definitivo do credor, a galinha dos ovos de ouro. Compreende-se, no entanto – acrescenta o mesmo autor - que o critério do julgador seja mais apertado em relação aos alimentos devidos ao filho onde repugna menos estimular a capacidade de trabalho do pai, forçá-lo à alienação de bens ou obrigá-lo a apertar o cinto. Cfr. Direito da Família, 1º vol., 5.ª ed., Revista, Actualizada e Aumentada, Livraria Petrony, Lisboa, 1999 pág. 355.
[27] Moitinho de Almeida, cit., pág. 99.
[28] Acs. RL de 15.05.1979, CJ, IV, III, pág. 779.
[29] Ac. RL de 04.04.1997, BMJ n.º 465, pág. 632.
[30] Rui M. L. Epifânio e António H. L. Farinha, Organização Tutelar de Menores, Contributo para uma visão Interdisciplinar do Direito de Menores e de Família, pág. 411 e Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 3ª ed. Revista, Aumentada e Actualizada, pág. 183.
[31] Vaz Serra, Obrigação de Alimentos, BMJ nº 108, pág. 106.
[32] Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 3ª edição, cit., pág. 184.
[33] O reconhecimento da autonomia privada dos interessados e da sua capacidade de auto composição das questões familiares decorre do papel subsidiário e excepcionalmente supletivo que o Estado deve assumir face a eles e na visível tendência de desjudicialização dessas questões. Sob este aspecto, relevam os princípios constitucionais do direito da família, o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito prioritário dos pais é educação e manutenção dos filhos sem interferências injustificadas de terceiros ou do Estado (artºs 26.º e 36.º, n.ºs 5 e 6, da Constituição da República Portuguesa). Via pela qual, de resto, também se afirma claramente a preferência legal pela definição consensual do exercício das responsabilidades parentais e das demais questões familiares fundamentais.
[34] Antunes Varela, Direito da Família, 1º vol., 5ª ed., págs. 514 e 515.
[35] Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, Coimbra, 1965, pág. 514.
[36] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2º ed., revista e actualizada, pág. 702.
[37] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 586.
[38] Entre muitos, v.g. os Ac. da RG de 08.06.2017 (7380/03.4TBGMR-C.G1.)
[39] Acs. da RC de 0610.2015 (1009/11.4TGIG-A-G1) e da RL de 08.02.2022 (6427/21.LRS.L1.7).
[40] Ponto em que a jurisprudência é acorde: Acs. da RP de 08.06.2022 (1517/21.9T8VCD-A.P1), da RG de 10.10.2019 (210/17.1T8VLN.B.G1) e 29.10.2020 (480/19.0T8BRG.G1) e da RE de 13.09.2018 (109/13.0TMFR-D.E1).
[41] Miguel Teixeira de Sousa, blogippc.blogspot.com (Jurisprudência 705) entrada de 16/10/2017
[42] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.
[43] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 237, e João Paulo Remédio Marques, A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 638.
[44] Miguel Teixeira de Sousa, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia – Ac. do STJ de 24.9.2013, Proc. 1965/04, in Cadernos de Direito Privado, nº 44, Outubro/Dezembro 2013, págs. 33 e ss.
[45] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição actualizada, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 333 e 334.
[46] Acs. do STJ de 09.02.2021 (26069/18.3T8PRT.P1.S1), 30.09.2020 (4420/18.6T8GMR.G2.S1) e 14.03.2019 (8765/16.1T8LSB.L1.S2).
[47] Miguel Teixeira de Sousa, “Factos conclusivos”: já não há motivos para confusões! blogippc.blospot.com, entrada de 12 de Junho de 2023. Como o Supremo observa nos Acs. de 09.11.22 (9/17) e 10.10.2023 (9039/20), a proibição dos factos conclusivos, tributária de uma concepção dicotómica artificial, tem vindo a ser abandonada por ausência de justificação actual, dado que o facto objecto da prova não pode ser separado do direito, enquanto facto juridicamente relevante, com características descritivas, qualitativas, quantitativas ou valorativas, desse mesmo facto.
[48] Vaz Serra, RLJ, Ano 111, pág. 302.