Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3468/16.0T9CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: SENTENÇA – SENTENÇA CONDENATÓRIA.
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE COIMBRA – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº 703º, Nº 1, AL. A) DO NCPC
Sumário: Na expressão “sentenças condenatórias”, de que fala o artº 703º, nº. 1 al a), do CPC, estão incluídas todas aquelas sentenças que, de forma expressa ou implícita, impõem a alguém determinada responsabilidade ou cumprimento de uma obrigação, ou seja, a sentença, para ser exequível, não tem que, necessariamente, condenar expressamente no cumprimento de uma obrigação, bastando que essa obrigação dela inequivocamente emirja.
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. No Juízo de Execução da Comarca de Coimbra, o MºPº - como exequente e em representação da Estado – instaurou (em 27/04/2017) contra o executado, M..., com os demais sinais dos autos, ação executiva para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum sumário, reclamando deste último o pagamento da quantia de €17.679,35.
No requerimento executivo limita-se, naquilo que para aqui importa, a indicar:
“´Titulo Executivo: Sentença Condenatória Judicial.”
“Valor da execução: 17.679,35.”
“Factos: os factos exclusivamente do título executivo”.
Com o requerimento executivo junta, pela ordem que se indica, certidão, com nota de trânsito, de um acórdão desta Relação proferido, em 24/02/2015, no processo nº..., de uma sentença proferida, em 18/10/2011, no processo n.º ... e de um acórdão desta Relação proferido, em 23/04/2013, no processo nº..., aos quais adiante melhor nos referiremos.
2. Conclusos que lhe foram os autos, o sr. juiz de execução proferiu, em 16/11/2017, o seguinte despacho (de indeferimento liminar do requerimento executivo):
« INDEFERIMENTO LIMINAR
O Código de Processo Civil prescreve que:
Artigo 10.º
(espécies de acções, consoante o seu fim)

5 – Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
…”
Artigo 703.º
(espécies de títulos executivos)
“1 – À execução apenas podem servir de base:
9. As sentenças condenatórias;
...”.
No caso concreto:
O Ministério Público intenta acção executiva para pagamento de quantia certa, no montante de €17.679,35.
São apresentados como títulos executivos (alegando-se que os factos constam exclusivamente do título executivo):
Um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo n.º..., a 24-02-2015, cuja decisão é a seguinte (fls. 11):
“... julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.”.
Uma sentença proferida no processo n.º..., a 18-10-2011, cuja decisão é a seguinte (fls. 23v.):
“Face ao exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 2155.º do Código Civil e artigo 1131.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, julga-se a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Declara-se que inexistem herdeiros legítimos, legitimários e testamentários que que sucedam hereditariamente a ..., falecida em 11 de Setembro de 2007, com última residência na Rua ...
b) Declara-se vaga para o Estado a herança de ... constituída pelo acervo hereditário descrito em 5.2.1.1.”.
Um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo n.º..., a 23-04-2013, cuja decisão é a seguinte (fls.31v.):
“... acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida.”.
Deste modo, é patente que as decisões judiciais apresentadas como títulos executivos não condenam o Executado no pagamento de qualquer quantia pecuniária, nomeadamente no pagamento dos €17.679,35 cuja cobrança coactiva é pretendida.
Em síntese, deve o requerimento executivo ser liminarmente indeferido por ser manifesta a falta de título executivo.
Pelo exposto, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 726.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, o Tribunal decide:
1) Indeferir liminarmente o requerimento executivo.
2) Sem custas.(…). »

3. Inconformado com tal despacho decisório, o MºPº/exequente dele apelou, tendo concluído as respetivas alegações de recurso nos seguintes termos:
...
4. Contra-alegou o executado, pugnando no final pela improcedência do recurso e pela confirmação do despacho recorrido.
5. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
II- Fundamentação
9. Questão prévia.
Com as suas contra-alegações o executado juntou cópia de um acórdão penal absolutório proferido em processo penal que ali identifica e no qual foi arguido.
Considerando, por um lado, que tal documento não passa de uma mera cópia que não se encontra certificada, e nomeadamente quanto ao facto de tal acórdão ter ou não de transitado em julgado, e, por outro, dado que objeto do recurso tem a ver exclusivamente com a questão de saber se a sentença civil, adiante identificada, em que o exequente funda a execução está ou não dotada de força de executiva, decide-se, por manifestamente irrelevante, não admitir tal documento, devendo, em consequência, ser oportunamente desentranhado dos autos e devolver-se ao executado.
B) De facto.
Com relevância e interesse para a apreciação, compreensão e decisão do presente recurso, devem ter-se- como assentes os factos que se deixaram descritos no Relatório que antecede e bem ainda os que a seguir se descrevem (extraídos das peças processuais e documentais que integram os autos):
1. Com o requerimento executivo o MºPº/exequente juntou certidão de:
1.1 Uma de uma sentença proferida, em 18/10/2011 (transitada em julgado em 23/11/2011), no processo n.º ..., de cuja parte dispositiva final consta o seguinte:
Face ao exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 2155.º do Código Civil e artigo 1131.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, julga-se a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Declara-se que inexistem herdeiros legítimos, legitimários e testamentários que que sucedam hereditariamente a ..., falecida em 11 de Setembro de 2007, com última residência na Rua ...
b) Declara-se vaga para o Estado a herança de ... constituída pelo acervo hereditário descrito em 5.2.1.1.”. (sublinhado nosso)
1.1.2 Sentença essa (junta fls. 11/23 destes autos) que foi proferida na ação especial instaurada pelo MºPº na qual pediu que fosse declarada vaga a favor do Estado a herança de ..., falecida em 11/09/2011.
1.1.3 Do acervo hereditário dessa herança, descrito no ponto 5.2.1.1. dessa sentença, consta, além do mais, o seguinte bem:
a) A quantia total de € 17.983,83 (dezassete mil, novecentos e oitenta e três euros e oitenta e três cêntimos), correspondente à quantia depositada, à data da morte de ..., na conta aberta na C..., titulada também, em regime de solidariedade, por M...
1.1.3.1 A propósito desse bem, discorreu-se, logo a seguir, na sentença, na parte referente à fundamentação de direito, nos seguintes termos:
A quantia em causa encontrava-se, à data da morte de ..., submetida ao regime do depósito bancário, configurando-se este como mútuo irregular em que a entrega do dinheiro ao Banco transfere para este a respectiva propriedade, com a obrigação de restituição ao titular da conta em determinadas condições (artigo 1142º do Código Civil).
E a conta referida foi constituída pluripessoalmente e, desta forma, solidariamente, atribuindo-se a qualquer dos titulares a faculdade de, no seu âmbito, proceder livremente à movimentação de valores.
Todavia, a situação dos titulares da conta, já não proprietários do dinheiro, sendo meros credores da instituição do banco, está sujeita ao enquadramento normativo das obrigações solidárias, regulado nos artigos 512º e seguintes do Código Civil, nomeadamente o disposto no artigo 516º,relativamente à participação no crédito dos credores solidários.
Emerge daquele preceito – o artigo 516º do Código Civil – que a medida da participação dos diversos titulares no crédito determina-se pela relação jurídica que exista entre eles, podendo o benefício caber a um só e apenas na dúvida se devendo presumir que comparticipam em partes iguais.
A presunção será ilidida (nos termos do artigo 350º, nº 2, do Código Civil) através da demonstração de que o dinheiro utilizado pertenceria originariamente a um deles ou aos dois em diferente proporção.
Ora, resulta da matéria factual assente que todo o dinheiro existente na conta pertencia a ...
O tipo de conta permitia, apenas, a sua movimentação por qualquer dos titulares sem necessidade de autorização, pelo que a morte dum não diminuía a capacidade do outro.
É, pois, indiferente que os movimentos efectuados pelo outro titular da conta tivessem ocorrido antes ou após a morte de ...
O que agora se impõe é que M... restituía à massa da herança os valores monetários por ele movimentados e que fez seus após a morte de ..., uma vez que a referida presunção de que esses valores lhes pertenciam em partes iguais está afastada.
Concluindo, integram a herança:
- depósito no valor de €304,48 (trezentos e quatro euros e quarenta e oito cêntimos), na conta da C...
- o valor remanescente de €17.679,35 (dezassete mil, seiscentos e setenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos) é um crédito da herança sobre M... (…)(negrito nosso)
1.1.3.2 Por sua vez, nessa mesma sentença, no que concerne à fundamentação da matéria de facto, e na parte que envolve a quantia exequenda que o MºPº pretende agora, através desta açao executiva, cobrar coercivamente, pode ler-se o seguinte:
“(…) Com interesse para a boa decisão da causa temos por assentes os seguintes factos:
(…)
5.1.5. ... era titular, à data do seu falecimento, das seguintes contas bancárias:
5.1.5.1. Conta nº... da C..., titulada também por M..., em regime de solidariedade, que, à data de 11 de Setembro de 2007, apresentava um saldo de €17.983,83, apresentando, à data, um saldo no valor de €304,48;
(…)
5.1.6. O dinheiro correspondente ao saldo bancário mencionado em 5.1.5.1. pertencia exclusivamente a ...
5.1.7. A conta bancária mencionada em 5.1.5.1. foi movimentada a partir de 11 de Setembro de 2007 por M..., registando o seguinte:
5.1.7.1. Em 12 de Setembro de 2007, pagamento de cheque nº ..., no valor de €11.000,00, emitido por M...;
5.1.7.2. Em 14 de Setembro de 2007, às 13h02m53s, levantamento da quantia de € 200,00 com caderneta, numa caixa automática;
5.1.7.3. Em 14 de Setembro de 2007, às 12h19m45s, pagamento da quantia de € 81,10 em caixa automática;
5.1.7.4. Em 17 de Setembro de 2007, pagamento de cheque nº ..., no valor de € 6.400,00, emitido por M...;
5.1.7.5. Em 26 de Dezembro de 2008, levantamento ao Balcão da C..., com caderneta, da quantia de €2.200,00, por M...
(…)
No que concerne ao facto provado nº 5.1.6. teve o Tribunal em consideração os depoimentos prestados por M.. e I...
Segundo a informação prestada pela C..., a conta bancária em causa era titulada, em regime de solidariedade, por ... e M..., podendo ser movimenta livremente por qualquer um deles, não tendo sido estabelecido qualquer acordo quanto às quotas das quantias depositadas (cfr. fls. 341 e 350).
Ora, por força do artigo 516º do Código Civil, presume-se que a conta solidária cabe aos titulares em partes iguais, por aplicação do regime legal de solidariedade activa, enquanto não se fizer prova em sentido diferente ou seja, se duas pessoas fizerem um depósito bancário em regime de solidariedade activa, presume-se, enquanto não se fizer prova noutro sentido, que cada um dos depositantes é titular de metade da conta. São, assim, distintos o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários e que se traduz num poder de mobilização do saldo e o direito real que recai sobre o dinheiro (de que podem apenas algum ou alguns dos depositantes ser titulares ou pertencer a terceiros). Assim, ao presumir-se a participação em partes iguais na conta de depósitos, também se está a presumir a compropriedade em partes iguais dos valores depositados.
Contudo, no caso em apreço, provou-se que os valores depositados na conta em causa eram da propriedade exclusiva de ..., estando ilidida a presunção que resulta do artigo 516º do Código Civil (artigo 350º, nº 1, do mesmo diploma).
De facto, do depoimento de M... é possível concluir, com segurança, que o dinheiro depositado na consta bancária era pertença exclusiva de ... Ao referir que “era ela que ia comigo ao banco, ia levantando”, “e, outras vezes, também eu levantei, porque eu entregava o meu dinheiro e, depois, levantava, levantava o correspondente”, depreende-se facilmente que M... apenas estava autorizado a movimentar a conta para as despesas de ..., sem que tal importe a conclusão de que o dinheiro lhe pertencia. É a própria testemunha que refere, após lhe ter sido dito que após a morte de ... foram levantadas duas quantias em dinheiro, que “à data da morte, havia uma determinada quantia e sobre essa quantia terei de responder, não é, digamos assim?”. Jamais, em momento algum, a testemunha referiu que o dinheiro depositado era também seu ou sua propriedade exclusiva. Aliás, do seu depoimento é perfeitamente evidente que o dinheiro depositado era de ..., tanto mais que, segundo a testemunha, apenas era gasto para despesas desta. Por sua vez, do depoimento da testemunha I... também é possível concluir que as quantias depositadas nas contas bancárias, tituladas também por M..., pertenciam exclusivamente a ...” (negrito nosso)
1.2 De um acórdão desta Relação proferido, em 23/04/2013 (transitado em julgado em 29/05/2013), no processo nº...
Acordão esse (junto a fls. 24/30 destes autos) que foi proferido na sequência da apreciação do recurso de apelação interposto pelo aqui executado de um despacho proferido nesses autos instaurados pelo MºPº (visando a liquidação da aludida herança declarada vaga a favor o Estado) em que se determinou a notificação do ora executado “para, no prazo de 10 dias, restituir à massa da herança a quantia de €17.679,35, sob pena da sua respectiva cobrança coerciva e de responsabilidade criminal, por crime de abuso de confiança agravado (artigo 205º, nº. 4, alínea a), do Código Penal)”, no final do qual de decidiu julgar “a apelação procedente e, consequentemente, revogar a decisão recorrida.”
Decisão que, em síntese, se fundamentou no facto de tal despacho ser ilegal, devido, por um lado, não ser esse o “processo adequado à cobrança coerciva de qualquer eventual crédito da herança sobre o recorrente” e, por outro, não ter ainda chegado “à fase da reclamação e verificação de qualquer crédito do recorrente sobre a herança.”
1.3. De um acórdão desta Relação proferido, em 24/02/2015 (transitada em julgado em 10/04/2015), no processo nº...
Acordão esse (junto a fls. 40/10 destes autos) que foi proferido na sequência da apreciação do recurso de apelação interposto pelo aqui executado da sentença proferida nesse processo em que julgou totalmente improcedente a reclamação de créditos nele deduzida por aquele, não julgando verificado o crédito por si ali reclamado sobre a referida herança declarada vaga a favor do Estado, e que no final decidiu “julgar totalmente improcedente a apelação” e, consequentemente, confirmar “a sentença recorrida.”
C) De direito.
Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).
Como decorre das conclusões das alegações de recurso, a única questão que aqui nos cumpre apreciar e decidir traduz-se em saber se a sentença acima referenciada, proferida no processo n.º... (que, além do mais, declarou vaga para o Estado a herança de ...), em que o MºPº/exequente funda a execução está ou não dotada/revestida de força executiva, isto é, se se essa sentença que serve de base à execução constitui ou não um título executivo.
O sr. juiz a quo entendeu que não (no que é acompanhado pelo executado), ao contrário do que defende o MºPº exequente/apelante, com o fundamento de a referida sentença (e nem os outros acordãos acima referenciados que foram juntos com o requerimento executivo) não ter condenado o executado no pagamento de qualquer quantia pecuniária, e nomeadamente naquela que através da presente execução se pretende dele cobrar coercivamente.
Apreciemos.
Conforme se dispõe no artº. 10º, nº 5, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da ação executiva.
O título executivo, enquanto documento certificativo da obrigação exequenda, assume uma função delimitadora (por ele se determinam o fim e os limites, objetivos e subjetivos), probatória e constitutiva, estando sujeito ao princípio da tipicidade.
Por regra, o título executivo é simples, ou seja, integrado por um único documento, mas pode sê-lo de forma complexa, sendo neste caso constituído por vários documentos que se completam entre si de molde a demonstrar a obrigação exequenda.
E sabido que a causa de pedir não se confunde com o título, sendo antes a obrigação exequenda (pressuposto material) nele certificada ou documentada, pelo que a desconformidade objetiva e absoluta entre o pedido e o título situa-se ao nível da inviabilidade por inexistência de título, o que significa a ausência de direito à prestação e consequentemente absolvição, não da instância, mas do pedido.
Dito de forma mais sugestiva, “o título executivo é o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão do direito que está dentro” (Ac. do STJ de 19/2/2009, proc. nº 07B427, em www.dgsi.pt). E dentro só pode estar uma obrigação (exequibilidade intrínseca), enquanto condição material de efetivação coativa da prestação.
No elenco dos títulos executivos previstos no artº. 703º do CPC, que podem servir de base à execução, encontram-se, no lugar cimeiro, as sentenças condenatórias (al. a) do nº. 1 do citado normativo, à semelhança do que já sucedia no anterior CPC61, com o artº. 46º, nº. 1 al. a), vigente aquando da prolação da referia sentença dada como titulo executivo).
A resolução da questão que nos foi submetida a apreciação, passa, antes de mais, por interpretar o sentido e o alcance da expressão ou conceito de “sentenças condenatórias a que se alude naquele citado normativo legal.
Essa expressão “sentenças condenatórias” substituiu (já no anterior CPC61 – artº. 46, nº. 1 al. a)) aquela que era usada no artº. 46 º do CPC39 “sentenças de condenação”.
Com essa alteração visou-se esclarecer ou deixar claro que a exequibilidade das sentenças não se reporta somente àquelas proferidas nas ações de condenação (então referidas na al. b) do nº. 2 do citado artº. 4º do CPC61, hoje al. b) do nº. 2 do artº. 10º do nCPC), mas igualmente àquelas proferidas nas ações de simples apreciação ou nas ações constitutivas (então referidas, respetivamente, nas als. a) e c) do nº. 2 do citado artº. 4º do CPC61, hoje als. a) e c) do nº. 3 do artº. 10º do nCPC), no seguemento condenatório, como ocorre, nomeadamente, no que concerne a custas, a multas ou indemnização por litigância de má fé, a sentenças homologatórias, etc. (Cfr., para maior desenvolvimento, o cons. Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução, 8ª. Edição, Almedina, págs. 21/23”; o cons. Lopes Cardoso, in “Manual da Acção Executiva, págs. 41/43”, e o prof. Alberto do Reis, in “Processo de Execução , Vol. 1º, 2ª.. ed, págs. 126/127” ).
Vem hoje constituindo entendimento dominante, no qual nos revemos, na doutrina e na jurisprudência que na expressão “sentenças condenatórias” estão incluídas todas aquelas sentenças que, de forma expressa/explícita ou implícita/tácita, impõem a alguém determinada responsabilidade ou cumprimento de uma obrigação, ou seja, a sentença, para ser exequível, não tem que, necessariamente, condenar expressamente no cumprimento de uma obrigação, bastando que essa obrigação dela inequivocamente emirja.
Apontando nesse sentido, veja-se a seguinte doutrina:
O cons. Lopes Cardoso (in “Ob. Cit., pág. 43”) ao afirmar que “Para que a sentença ou o despacho possam basear acção executiva, não é preciso, pois, que condenem no cumprimento de uma obrigação; basta que essa obrigação fique declarada ou constituída por eles.”
O prof. Alberto do Reis (in “Ob. Cit., pág. 127”) ao afirmar que “Ao atribuir eficácia executiva às sentenças de condenação, o Código quis abranger nesta designação todas as sentenças em que o juiz expressa ou tacitamente impõe a alguém determinada responsabilidade.”
O cons. Amâncio Ferreira (in “Ob. Cit., pág. 23”) ao afirmar que “Vem-se pacificamente entendendo que a fórmula condenatória não precisa de ser explícita, bem podendo a necessidade de execução resultar do contexto da sentença.”
O prof. Anselmo de Castro ao advogar que a sentença constitutiva pode constituir título suficiente para iniciar o processo executivo para entrega de coisa certa, desde que contenha implícita tal obrigação, nomeadamente nos casos de acções de preferência ou de divisão de coisa comum (in “Processo Civil Declaratório, vol. I, págs. 112 e 113, e Acção Executiva, pág. 16”).
O cons. Ary Elias da Costa ao considerar exequíveis as sentenças em que o juiz, expressa ou tacitamente, impusesse a alguém determinada responsabilidade, o que acontece, nomeadamente, nas sentenças homologatórias de transacção ou de confissão (in “Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 391”).
O prof. Teixeira de Sousa ao defender que a exequibilidade das sentenças que, “de forma implícita”, contenham um “dever de cumprimento”, assim acontecendo quando o pedido de condenação, “se tivesse sido cumulado com o pedido de mera apreciação ou constitutivo”, formasse com este uma “cumulação aparente”, por se referir à mesma realidade económica (in “Acção Executiva, pág. 73”).
Por fim, o prof. Remédio Marques ao admitir a execução de sentenças de onde apenas implicitamente resulte uma obrigação (in “Curso de Processo Executivo Comum, pág. 62”).
Sobre esta questão se pronunciou o Acordão do STJ de 08/01/2015 (proc. 117-E/1999.P1.S1, relatado pelo cons. Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsipt), nos termos que, com a devida vénia, passamos a transcrever:
“(…) Não questionamos a exequibilidade das sentenças das quais resulte a inequívoca existência de uma obrigação e o correspondente direito de crédito.
É da natureza do título executivo conter o acertamento do direito. Por isso, se perante o acto jurídico – maxime a sentença de onde emerge uma condenação implícita no cumprimento de uma obrigação – for possível concluir que aquela finalidade já se encontra assegurada, é de todo inútil a interposição de nova acção declarativa, sendo a mesma dotada de exequibilidade.
Se a exequibilidade intrínseca se verifica relativamente a documentos autênticos e autenticados que constituam ou reconheçam a existência de uma obrigação (art. 707º do NCPC), a recusa desse pressuposto a uma sentença, só porque da mesma não emerge uma condenação explícita no cumprimento de uma obrigação que pela mesma é reconhecida ou constituída, revelar-nos-ia uma incongruência sistémica. Na verdade, malgrado a maior solenidade que rodeia a prolação da sentença e as garantias do contraditório que são asseguradas em todo o percurso processual para a atingir, acabaria por produzir menos efeitos do que os emergentes da apresentação de um daqueles documentos. (…)”.
No mesmo sentido veja-se o Acordão do STJ de 18/03/1997 (in “CJ, Acs. STJ Ano V, T1, págs. 160/161”), escrevendo no final (pág. 161) – em defesa da posição que vimos dando conta – “A posição exposta está de harmonia com o pensamento legislativo e a mais conforme com as novas concepções do processo civil, cada vez mais despegadas dos vícios do formalismo e conceitualismo, visando acima de tudo pôr o processo ao serviço da justiça material, com economia máxima de meios e de tempo.”
Aqui chegados, e revertendo tudo aquilo que se deixou exposto para o caso em apreço, diremos:
É claro que da parte dispositiva da sentença a que nos vimos referindo, e que foi dada à execução como título executivo, não resulta qualquer condenação expressa do ora executado no cumprimento de qualquer obrigação, nomeadamente de conteúdo pecuniário.
Porém, não é menos claro/inequívoco (tal como decorre da sua fundamentação de direito e de facto, e que acima deixámos transcrita, naquilo que para aqui importa, respetivamente, sob os pontos 1.1.3/1.1.3.1 e 1.1.3.2 dos factos provados) que nessa sentença não só se reconheceu ser a sobredita herança declarada vaga a favor do Estado credora do executado no montante da quantia exequenda (€17,679,35), como inclusive lhe impôs, implicitamente, a obrigação de restituir/pagar tal quantia à referida herança (condenação implícita ou tácita que emerge dessa sentença).
E sendo assim, é de concluir que a referida sentença, em que MºPº/exequente funda a execução, está dotada/revestida de exequibilidade, isto é, de força executiva (“certificando a obrigação exequenda”), pelo que constitui título executivo.
Nesses termos, julgando-se procedente o recurso, revoga-se o despacho recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que, de acordo com a tramitação legalmente prevista, ordene o prosseguimento da execução.
III- Decisão
Assim, em face do exposto, julgando-se procedente o recurso, revoga-se o despacho recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que, de acordo com a tramitação legalmente prevista, ordene o prosseguimento da execução.
Custas do recurso pelo executado/apelado/contra-alegante (artºs. 527º, nºs 1 e 2, do CPC e 7º, nº. 2. Do RCP).
Coimbra, 12 de abril de 2018
(Isaías Pádua)
(Manuel Capelo)
(Des. Falcão de Magalhães)