Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1448/07.5GBAGD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA
NOTIFICAÇÃO PARA PAGAMENTO
Data do Acordão: 05/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ÁGUEDA - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 489º, N.º 2, DO C. PROC. PENAL
Sumário: A notificação para pagamento da pena de multa, a que se reporta o art.º 489º, n.º 2, do C. Proc. Penal, respeita à sentença, pelo que deve ser feita pessoalmente ao arguido, em conformidade com o disposto no art.º 113º, n.º 9, do mesmo Código.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

No âmbito dos autos de Processo Comum (tribunal singular) n.º 1448/07.5GBAGD que corre termos na Comarca do Baixo Vouga, Águeda, -Juízo de Instância Criminal – Juiz 2, por despacho datado de 17/10/2011, ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código Penal, foi determinado o cumprimento, pelo arguido, da pena de prisão de 4 meses em que fora condenado. ****
Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, em 11/11/2011, defendendo que deve a mesma ser revogada, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
1. O presente recurso visa exclusivamente matéria de direito e tem em vista demonstrar a ilegalidade do despacho que determinou o cumprimento de pena de prisão.
2. De tal despacho resultou a seguinte fundamentação: “Por sentença transitada em julgado o arguido foi condenado na pena de quatro meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de 8 euros pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriagues, artigos 292.º e 69.º, todos do CP.
3. A pena de multa (de substituição) não foi paga voluntariamente no prazo previsto pelo n.º 2 do artigo 489.º, do CPP. Por sua vez, de acordo com as informações juntas aos autos, mostra-se inviável o cumprimento coercivo da multa. Nestes termos, e em conformidade com o n.º 2 do artigo 43.º do Código Penal, determino o cumprimento, pelo arguido, da pena de prisão de quatro meses em que foi condenado.”
4. Entende a defesa, salvo melhor opinião, que o arguido não se pode considerar notificado para pagamento da multa.
5. Efectivamente, aquando da notificação para pagamento da Multa, está provado nos autos que o arguido não teve conhecimento do teor da carta, porque estava a cumprir pena de prisão noutro processo, o que impossibilitou o conhecimento da mesma.
6. De facto, mesmo quando a GNR foi notificada para proceder à apreensão da carta de condução do arguido na sua residência, não o conseguiu, precisamente porque tal entidade informou o processo que o mesmo se encontrava preso no E. P. de Santa Cruz do Bispo (cfr. fls. 128 do processo).
7. Por outro lado, tendo transitado em julgado a decisão, a medida de coacção de TIR também se extinguiu (artigo 214.º, n.º 1/e, do CPP), pelo que não tinha o arguido qualquer obrigação de indicar a nova morada a partir desse momento.
8. Ora, tendo vindo tal carta para pagamento da multa devolvida, sem culpa alguma do arguido devido ao supra exposto, considera a defesa que ainda não começou a correr o prazo de 15 dias para o arguido pagar voluntariamente a pena de Multa.
9. O Tribunal a quo, sabendo que o arguido estava preso aquando da notificação para pagamento da Multa e tendo sido a carta devolvida, deveria ter enviado nova carta ao arguido para pagar a pena de Multa no montante de 980 euros.
10. Ao não fazê-lo, está o arguido ainda possibilitado de pagar a Multa voluntariamente, nos termos do artigo 489.º, n.º 2, do CPP, podendo mesmo ainda, se assim o entendesse, pedir o pagamento da mesma em prestações.
11. O processo de estrutura acusatória, tal como o entende a nossa CRP, deve garantir ao arguido todos os seus direitos de defesa.
12. Estando provado que a notificação para pagamento da Multa não foi recebida ou conhecida pelo arguido, devido à sua prisão, dever-se-ia ter procedido a nova notificação para pagamento da Multa.
13. Ao não se ter adoptado esse comportamento, o processo penal em causa não se considera justo, nem respeitador dos direitos de defesa do arguido, daí que se argua a violação dos direitos de defesa do arguido devido a tal comportamento e, em consequência, a violação do artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5, da CRP.
14. Entende a defesa, salvo melhor opinião, que a revogação de qualquer pena substitutiva de pena de prisão impõe a audição presencial do condenado, sob pena de nulidade insanável (artigo 495.º, n.º 2, do CPP, e artigo 119.º, c), do CPP).
15. Acresce que a notificação pessoal feita pelo E. P. apenas se refere para ele se pronunciar querendo, não falando em momento algum da possibilidade de revogação da pena substitutiva e de cumprimento de pena de prisão.
16. Este tipo de notificação, para que o arguido se pronuncie querendo, não estabelecendo qualquer obrigação efectiva para se pronunciar e sem a cominação da ausência de resposta determinar o cumprimento de pena de prisão, é atentatório da estrutura acusatória do processo penal, pois viola os direitos de defesa do arguido e, por consequência, o artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5, da CRP.
17. Efectivamente do teor de tal notificação nunca o arguido fica ciente de que a ausência de resposta conduz à prisão. Só com a cominação é que este fica esclarecido das consequências em que incorre, e, nestes casos, no cumprimento de pena de prisão que, com certeza, pretende evitar.
18. O exercício do contraditório por parte do arguido e a sua manifestação e exigência no processo penal não se cumpre com uma mera notificação para se pronunciar querendo, cumpre-se apenas informando devidamente o arguido das consequências que incorre devido à ausência de resposta. Por isso, o contraditório não foi cumprido da forma que exige a estrutura acusatória do processo penal e daí a violação do artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5, da CRP:
19. O direito de audição presencial do arguido não foi cumprido e antes da revogação devia ter sido dado conhecimento ao mesmo da possibilidade de cumprimento de pena de prisão e não apenas mostrar-lhe um relatório dos serviços de Reinserção Social.
20. Deste modo, o despacho recorrido violou o artigo 495.º, n.º 2, do CPP, o que constitui nulidade insanável, pois tal disposição legal exigia a comparência pessoal do arguido antes da decisão – artigo 119.º, c), do CPP.
21. Além do mais, o despacho recorrido determinou, em conformidade com o artigo 43.º, n.º 2, do CP, o cumprimento pelo arguido da pena de prisão em que foi condenado.
22. Entende, no entanto, a defesa que tal disposição legal, ao referir que “é correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49.º”, impossibilitava o cumprimento imediato da pena de prisão.
23. Isto porque, ao determinar-se no artigo 43.º, n.º 2 a aplicação do artigo 49.º, n.º 3, do CP, o tribunal teria de dar como provado que o não pagamento da multa lhe era imputável.
24. Deste modo, estando documentado nos autos que o arguido está preso à ordem de outro processo, é lógico que será razoável prever devido a esse facto que o arguido em momento algum, contado desde as notificações para pagamento, obteve qualquer meio económico para pagar a Multa.
25. Assim, o Tribunal deveria ter dado como provado que a razão do não pagamento da Multa não lhe era imputável e, por conseguinte, nos termos do artigo 49.º, n.º 3, do CP, a execução da Prisão deveria ter sido suspensa por um período de 1 a 3 anos, mediante o cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Só se esses deveres não fossem cumpridos é que se executava a pena de prisão.
26. A defesa entende que os tribunais têm o dever de respeitar o espírito do legislador quanto a estas penas substitutivas, qual seja o de esgotar todas as possibilidades legais para evitar que os condenados cumpram penas de prisão de curta duração, como é o caso (Vide neste sentido, Alexandre Lafayette e Victor Sá Pereira, in CP Anotado, em anotação ao artigo 49.º, n.º 3, do CP).
27. Em suma, o despacho recorrido violou os artigos 43.º, n.º 2, 49.º, n.º 3, ambos do CP, o artigo495.º, n.º 2, do CPP, e o artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5, da CRP, por não se garantir de forma efectiva os direitos de defesa do arguido com notificações daquele teor e ter sido violada a estrutura acusatória do processo penal.
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, em 19/12/2011, defendendo a improcedência do mesmo, apresentando as seguintes conclusões:
1. Pese o artigo 498.º, n.º 3, do CPP, remeter para o n.º 2, do artigo 495.º, do CPP, a referência restringe-se apenas às situações de pena de substituição aplicada em sede de sentença e não já a substituição de trabalho a favor da comunidade aplicada em sede de execução da pena de multa – cfr., aliás, nesse sentido o Acórdão da Relação de Évora, de 28/3/1995, CJ, ano XX, II, 278 e seguintes.
2. Uma vez que não se impunha a necessidade de proceder à inquirição presencial do arguido prevista no artigo 495.º, do CPP, não padece o despacho recorrido – o que procedeu à reconversão da pena de multa, e que fora substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, em prisão subsidiária – da alegada nulidade processual do artigo 119.º, c), do CPP, por não ter sido o arguido ouvido presencialmente, nos termos do artigo 495.º, do CPP:
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O recurso foi, em 11/1/2012, admitido.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, em 20/2/2012, no sentido de que o recurso não merece provimento,por se ter concluído ser inviável o cumprimento da pena de multa e a conclusão a extrair ser a do cumprimento da pena de prisão, conforme prescreve o artigo 43.º, n.º 2, do Código Penal.” Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II. Decisão Recorrida:
Nos presentes autos, por sentença datada de 1/6/2010, transitada em julgado … foi condenado, além do mais, na pena de quatro meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de 8 euros, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 292.º e pela al. a), do n.º 1 do artigo 69.º, todos do C. Penal.
A pena de multa (de substituição) não foi paga voluntariamente no prazo previsto pelo n.º 2 do artigo 489.º, do CPP.
Por sua vez, de acordo com as informações juntas aos autos, mostra-se inviável o cumprimento coercivo da multa.
Nestes termos e em conformidade com o n.º 2 do artigo 43.º, do C. Penal, determino o cumprimento, pelo arguido, da pena de prisão de quatro meses em que foi condenado.
Notifique.”
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III. Apreciação do Recurso:
O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P. e Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro.
As questões a conhecer são as seguintes:
1) Saber se o arguido chegou a ser notificado para pagamento da multa;
2) Saber se devia ter ocorrido a audição presencial do condenado, antes de ter sido ordenada a revogação de pena substitutiva;
3) Saber se é justificado o cumprimento imediato da pena de prisão.
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1) Da notificação para pagamento da multa:
O ora recorrente foi condenado numa pena de 4 (quatro) meses de prisão substituída por 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 8,00 (oito euros), no total de € 960,00 (novecentos e sessenta euros).
Em momento ulterior, veio a ser-lhe revogada a pena de multa de substituição e determinado o cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença. Estipula o artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal (diploma a que se reportam as demais normas citadas sem menção de origem) que “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no art. 47º”. Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo dispõe que “se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49º”. Além disso, o artigo 49.º, n.º 3 (para onde remete o nº 2 do artigo 43º), dispõe que “se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta”. Este regime é absolutamente distinto daquele outro previsto para a eventualidade de falta de pagamento de multa fixada a título principal nos termos previstos no artigo 47º. Apenas para este último caso, em que a falta de pagamento voluntário ou coercivo da multa não tenha sido substituída por trabalho, devendo assim ser cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, prevê a lei a possibilidade de o condenado poder a todo o tempo evitar total ou parcialmente a execução da prisão subsidiária pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado (n.º 2 do artigo 49.º). A limitada remissão constante do artigo 43.º, restringindo a aplicação do artigo 49.º ao respectivo n.º 3, evidencia, na economia da lei e sem margem para dúvidas, o intuito assumido de excluir a possibilidade de pagamento da multa a todo o tempo. Como adverte o Prof. Figueiredo Dias, esta pena de multa de substituição “… não é a pena pecuniária principal (…). Diferença esta donde resultam (ou onde radicam), como de resto se esperaria, consequências prático-jurídicas do maior relevo, maxime, em tema de medida e de incumprimento da pena de substituição” - “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 361. Assim, se a multa aplicada em substituição da prisão não for paga, terá lugar o cumprimento da pena de prisão como se esta não tivesse sido substituída por multa - Cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Anotado”, 13ª Ed. pág. 190 e Figueiredo Dias, ob. cit. e ainda RLJ, pags. 201/202. Na verdade, são distintos os institutos da pena de prisão e da pena de multa e essas diferenças repercutem-se nos termos do respectivo cumprimento. Consequentemente, imposta ao condenado a título principal uma pena de multa, se esta não for paga nem substituída por trabalho, tem lugar o cumprimento de prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (art. 49º, nº 1), podendo o condenado a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária pagando total ou parcialmente a multa a que foi condenado. E assim sucede – a todo o tempo pode o condenado pagar a multa, obstando à prisão subsidiária – porque a pena determinada a título principal foi a pena de multa, que prevalece até ao termo do respectivo cumprimento. Já no caso da multa de substituição, a pena imposta a título principal é uma pena de prisão. A multa, aqui, tem natureza de pena de substituição. Se não for paga, a pena de substituição – a multa – desaparece, havendo lugar ao cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença (1ª parte do n.º 2 do artigo 43º) - Cfr., entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 15/02/2006 e da Relação de Coimbra, de 03/02/2010, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
O regime legalmente previsto é, em resumo, o seguinte: - Sendo o arguido condenado em pena de prisão substituída por multa dispõe de 15 dias para a pagar (artigo 489º, nº 2, do CPP); - Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença (artigo 43º, nº 2), devendo ser notificado da decisão de substituição; - Após essa notificação, pode ocorrer uma de duas situações: a) se o condenado provar que a razão de não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão ser suspensa por um período de um a três anos, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro (artigos 43.º, n.º 2 e 49.º, n.º 3, 1ª parte). Se não cumprir os deveres ou regras de conduta que lhe forem impostos, é executada a prisão. Se os cumprir, findo o período de suspensão a pena é declarada extinta. b) Se após a notificação do despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão e até ao respectivo trânsito em julgado o condenado nada requerer, é ordenada a passagem de mandados de captura para cumprimento da pena, precludindo a possibilidade de requerer a suspensão.
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Revertendo ao caso dos autos, a decisão recorrida considera o seguinte: “A pena de multa (de substituição) não foi paga voluntariamente no prazo previsto pelo n.º 2 do artigo 489.º, do CPP.
Por sua vez, de acordo com as informações juntas aos autos, mostra-se inviável o cumprimento coercivo da multa.
Nestes termos e em conformidade com o n.º 2 do artigo 43.º, do C. Penal, determino o cumprimento, pelo arguido, da pena de prisão de quatro meses em que foi condenado.”
Não há dúvidas de que a multa de substituição não foi paga, assim como não foi invocada qualquer situação que pudesse justificar o incumprimento, no momento em que o ora recorrente foi notificado para se pronunciar quanto ao motivo do não pagamento da multa, sendo certo que não se mostrou viável o pagamento coercivo, por ausência de bens de valor suficiente. Verificam-se, pois, à primeira vista, as condições que justificavam a revogação da pena de substituição, o que implicava o cumprimento da pena de prisão imposta a título principal.
Porém, será possível afirmar que o arguido chegou a ser notificado para efectuar o pagamento da multa (incluindo-se, aqui, até, a possibilidade de ser requerido o pagamento em prestações)?
O artigo 489.º, do CPP, dispõe o seguinte:
1 – A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2 – O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
3 – O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.
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A notificação para pagamento de multa dirigida ao arguido, em 22/9/2010 teve por destino a morada constante do TIR prestado nos autos (fls. 67, 106 e 115), sendo certo que o ora recorrente já lá não se encontrava, pois, desde 27/7/2010, estava num Estabelecimento Prisional, o que originou a devolução da respectiva carta (fls. 129, 157 e 172).
Ora, a possibilidade de subsistência do TIR para além do trânsito em julgado da sentença condenatória esbarra, inevitavelmente, com a redacção clara do art. 214°, n.º 1, al. e), do CPP, nos termos do qual as "medidas de coacção extinguem-se de imediato (...) com o trânsito em julgado da sentença condenatória". Não há dúvidas de que o TIR é uma verdadeira medida de coacção, como resulta da sua inserção sistemática no Código de Processo Penal, sendo mesmo a primeira dessas medidas elencadas, e as medidas de coacção, nos termos do art. 214.º, n.º 1, al. e), do CPP, extinguem-se, de imediato, com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Assim, inexistindo, porque extinto, o TIR constante de fls. 67, impossível se torna admitir que o arguido tenha sido notificado para pagar a multa através de notificação por via postal simples, por aplicação conjugada dos arts. 113°, n.º 1, al, c) e art. 196°, n.º 3, al c), do CPP.
Por outras palavras, não chegou a existir a devida notificação.
É manifesto que, contrariamente ao que acaba de ser referido, o Tribunal a quo entendeu que, com o envio para a morada constante do TIR da notificação para pagamento de multa, esta devia ser considerada como correctamente efectuada, pois não cuidou de ordenar nova diligência nesse sentido, agora tendo por destino o Estabelecimento Prisional em que o ora recorrente se encontrava.
É certo que, em 28/2/2011, determinou a sua notificação para, querendo, se pronunciar, em dez dias, relativamente ao motivo do não pagamento da pena de multa (fls. 133 e 134), o que não mereceu qualquer resposta. Como é consabido, estando em causa a sua privação de liberdade decorrente da conversão da multa em prisão, deve ser assegurado ao arguido o contraditório, na sequência no princípio consignado no artigo 32.º, n.º 5, da CRP, e no disposto no art. 61.º, n.º 1, al. b), do CPP, pois é irrefutável que a decisão que converte a multa em prisão subsidiária, contende com a privação da liberdade, por isso, naturalmente é susceptível de pessoalmente o afectar. A propósito do direito de audição, o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1981, I, 157/8, refere que “constitui a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigências comunitárias inscritas no Estado de Direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do processo como comparticipação de todos os interessados na criação do Direito: a todo o participante processual antes de qualquer decisão que o possa afectar, dever ser dada a oportunidade através da sua audição, de influir na declaração do direito”.
Nessa altura, deveria o arguido, em boa verdade, ter suscitado a questão de não ter sido anteriormente notificado para o pagamento da multa, o que não aconteceu.
Simplesmente, a sua inércia, então evidenciada, não pode servir para sanar a inexistência de notificação para o pagamento da multa, até porque está em causa a liberdade de um cidadão, na medida em que aquela constitui, afinal, o pressuposto básico de todo o procedimento legal agora em questão. Com efeito, tal notificação diz, sem margem para dúvidas, respeito à sentença (resulta necessariamente dela), pelo que deve ser pessoalmente comunicada ao arguido (artigo 113.º, n.º 9, do CPP), pois só assim é possível salvaguardar, em termos materiais e em toda a sua extensão, os direitos de defesa e de garantia do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).
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Face ao exposto, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões.
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IV. Decisão:
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal deste Tribunal em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido, determinando-se a sua substituição por outro que ordene a notificação pessoal do arguido, no E. P. em que o mesmo se encontra, para os efeitos do artigo 489.º, n.º 2, do CPP. Sem tributação.
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José Eduardo Martins (Relator)
Maria José Nogueira