Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
539/14.0TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
TEMPESTIVIDADE
ADMISSIBILIDADE
FACTOS SUPERVENIENTES
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. CENTRAL – SEC. CÍVEL – J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 588º, NºS 1, 2 E 3, DO NCPC.
Sumário: I – O artigo 588.º, nº 1, do nCPC estatui que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.

II - Para esse efeito consideram-se supervenientes os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos para a apresentação dos articulados normais da ação, como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo, nesse caso, produzir-se prova da superveniência (n.º 2 do preceito citado).

III - Estando em causa factos supervenientes que sejam constitutivos, modificativos ou extintivos dos direitos das partes, eles podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão da causa.

IV - Porém, o preceito estabelece timing para o seu oferecimento, ao estatuir que o novo articulado é oferecido na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento; nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia; e na audiência final, se os factos ocorrerem, ou a parte dele teve conhecimento em data posterior às anteriormente referidas (cfr. n.º 3, alíneas a), b) e c), do artº 588º nCPC).

Decisão Texto Integral:





Acordam na secção cível (3.ªsecção) do Tribunal da Relação de Coimbra
1. Relatório

            1.1. S..., Ld.ª, com sede na ..., intentou a presente acção contra M..., residente ..., pedindo a sua condenação em reconhecer o direito de propriedade da A. e consequentemente proceder à restituição de todos os bens descritos nos n.ºs 18 e 19 da PI. – condenar o R. a pagar uma indemnização à A. de 80.000,00€, face aos prejuízos que a sua inactividade desde Fevereiro de 2012 até á presente data lhe provocou e ainda condenar-se o R. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do n.º 2 do art.º 829º-A do C.C. em montante nunca inferior a 500,00€ mês, desde a citação até á entrega efectiva dos bens móveis referidos.

            1.2. Em 31 de Janeiro de 2016, pela referência ..., o R. veio apresentar articulado superveniente.

            1.3. Por despacho de 3/2/2016 não foi o mesmo admitido por se entender extemporâneo, já que a audiência de julgamento foi realizada e encerrada em 29 de Janeiro de 2016, onde foi ordenado que fosse aberta conclusão para elaboração de decisão, tendo o requerimento do articulado superveniente sido apresentado em 31 de Janeiro de 2016, sendo que o requerente não demonstrou no requerimento nem sequer indicou que apenas teve conhecimento dos factos alegados no articulado superveniente após os depoimentos das testemunhas indicadas pela A.

            1.4. Inconformado com tal despacho dele recorreu o R. tendo terminado com as seguintes conclusões:
A) Como decorre do processado, nomeadamente do articulado superveniente apresentado, a recorrida instaurou uma acção com o mesmo objecto que esta e com as mesmas finalidades, devendo ser esta considerada superveniente.
B) Por outro lado, também e tal como decorre do articulado superveniente apresentado descobriu também e ainda a recorrente uma outra demanda judicial, com esta conexa em que afinal os fundamentos daquela (as carências económicas) desde há muito ocorriam e, que no presente pleito, que tais carências se deviam a um alegado comportamento doloso do ora recorrente.
C) Finalmente ao ter conhecimento na data da diligência de outras acções em que a recorrida interpôs contra terceiros e ao constatar naquela data e naquele tribunal que o objecto daquelas e os bens de que aquelas tratavam conexionados com objecto e bens do presente pleito e, com configurações e fins distintos/inversos. Motivou tal situação a obtenção dos elementos de prova e, legal e tempestivamente nos termos do disposto no art.º 588, n.º 1, c), do C.P.C., apresentou o recorrente novo articulado e, como refere no mesmo, apenas naquela data por daqueles só vir a ter conhecimento em data posterior á realização da audiência final.
D) Não foi esse o entendimento do Tribunal, contudo, como se pode comprovar dos factos e recibos de pagamento das cópias dos referidos leitos, apenas naquelas datas  teve o recorrente conhecimento daqueles.
E) Pelo que deve ser ordenado o recebimento do articulado superveniente e o seu não desentranhamento e ainda, revogando a decisão que ordenou o seu não conhecimento, até porque se tratam de factos supervenientes e incompatíveis com os que a recorrida apresentou no presente pleito»
1.4. Colhidos os vistos, cabe decidir.
2. Fundamentação
2.1. É, em princípio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.ºs 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.
2.2. Assim, a questão a decidir consiste em saber se o articulado superveniente é ou não extemporâneo.
2.3. Factos com interesse para a decisão
- A audiência de julgamento teve lugar no dia 29 de Janeiro de 2016;
- Em 29 de Janeiro de 2016 foi ordenado que fosse aberta conclusão para elaboração de decisão;
- Em 31 de Janeiro o R. apresentou requerimento do articulado superveniente;
- No mesmo não indicou que apenas teve conhecimento dos factos alegados no articulado superveniente após os depoimentos das testemunhas indicadas pela A.
Apreciando:
A petição  inicial é o articulado no qual o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção (artigo 552º, 1, d), do CPC).
Por sua vez a contestação é o articulado do réu destinado à exposição das razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e dos factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, se as houver, devendo toda a defesa ser deduzida na contestação (artigos 572º e 573º do mesmo diploma).
Este aparente rigorismo processual é quebrado pela admissibilidade dos articulados supervenientes, que permitem às partes a introdução de novos factos essenciais, desde que supervenientes à apresentação do articulado da parte.
É nessa linha normativa que o artigo 588.º, 1, do CPC, estatui que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
 E para esse efeito consideram-se supervenientes os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos para a apresentação dos articulados normais da acção, como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo, nesse caso, produzir-se prova da superveniência (n.º 2 do preceito citado).
Estando em causa factos supervenientes que sejam constitutivos, modificativos ou extintivos dos direitos das partes, eles podem ser deduzidos, como se referiu, em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão da causa.
Porém, o preceito estabelece timing para o seu oferecimento, ao estatuir que o novo articulado é oferecido na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento; nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia; e na audiência final, se os factos ocorrerem, ou a parte dele teve conhecimento em data posterior às anteriormente referidas  (cfr. n.º 3, alíneas a), b) e c), do citado preceito).
A solução referida no citado art.º 588 do C.P.C. vigente é muito similar à plasmada no artigo 506.º do anterior CPC, numa exclusiva adaptação de terminologia, no reporte à audiência prévia em vez de audiência preliminar.
 Entendia a doutrina que os factos supervenientes à propositura da acção, englobando quer os objectivamente supervenientes quer os subjectivamente supervenientes, eram introduzidos no processo mediante alegação das partes, em articulado normal ou eventual ou, quando ocorressem ou fossem conhecidos depois da fase dos articulados, em articulado superveniente, até ao encerramento dos debates sobre a matéria de facto, mas com submissão aos prazos parcelares estabelecidos na norma (cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil, Anotado, Vol II, fls. 655 e Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol III, fls. 188).
            No caso em apreço o R. apresentou o requerimento de articulado superveniente em 31 de Janeiro de 2016, após a realização da audiência de discussão e julgamento que teve lugar em 29 de Janeiro de 2016, onde foi ordenado que fosse aberta conclusão para elaboração de decisão, ou seja foi apresentado após a audiência de discussão e julgamento.

O legislador optou, por razões de estabilidade da instância e de regular tramitação processual, que determina que a alegação superveniente esteja sujeita a momentos específicos preclusivos, dependentes da sua ocorrência ou do seu conhecimento (cfr. Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, fls. 147). Por isso, o legislador processual estabeleceu etapas para a apresentação de articulado superveniente e condicionou-a, como se acentuou, à superveniência dos factos alegados – após os articulados e, a partir dela, a prazos fixados para o efeito, em função da chamada dinâmica da instância. É que as normas de direito processual civil ordenam, encadeiam e articulam, lógica e temporalmente, os actos concretizadores da atividade dos sujeitos processuais, desenvolvidos numa unidade pré-ordenada à realização da heterocomposição do litígio (cfr Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, Elementos de Direito Processual Civil. Teoria Geral, Princípios e Pressupostos, 2014, págs. 90 e 98).
Face ao descrito o requerente apresentou o requerimento de articulado superveniente fora de prazo.
Assim, face ao exposto e sem necessidade de mais considerações por despiciendas, somos levados a concluir não ter o presente recurso fundamentos, o que, em consequência, terá de acarretar a sua improcedência.
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente esta apelação, assim confirmando o decidido em 1.ª instância
Custas pelo recorrente.
Coimbra, 11/10/2016 

Relator:
António Domingos Pires Robalo

Adjuntos:

1º -
Silvia Pires
2º -
Jorge Manuel Loureiro