Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | ILEGITIMIDADE SINGULAR SUPRIMENTO GESTÃO PROCESSUAL | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – CALDAS DA RAINHA – JUÍZO LOCAL CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS6.º, N.º 2, 195.º, N.º 1, 197.º, N.º 1, 199.º, N.º 1, E 200.º, N.º 3, 261.º, N.º 1, 262.º, 590.º, N.º 2, B), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | A ilegitimidade singular não é susceptível de suprimento, através do dever de gestão processual, previsto no art. 6º, nº 2, do NCPC. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | *
I – Relatório
1. AA, e mulher BB, residentes em ..., instauraram (em 11.9.2023) acção declarativa contra A... – ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIOS, S.A., com sede nas ..., pedindo a condenação desta a reconhecer que lhe incumbe a obrigação de proceder à realização de obras de limpeza do algeroz e do telhado, da fracção de que os Autores são proprietários no edifício sito na Avenida ..., em ..., ou em alternativa proceder á realização das obras necessárias à substituição do referido telhado. Para tanto alegam, em síntese, serem proprietários da fracção “A”, correspondente ao rés-do-chão, para garagem, do prédio urbano sito na Avenida ..., com o nº de policia ...8, em ... constituído em regime de propriedade horizontal, relativamente ao qual a ré foi eleita Administradora do Condomínio. Que os autores, pelo menos desde 2017, que vêm solicitando à ré, na qualidade de administradora do condomínio, para providenciar no sentido de tomar as medidas necessárias para se mandar proceder à limpeza do telhado sobre tal fracção, quer de pontas de cigarro, quer das peças de roupa, e outros objectos que caiem ou são arremessadas sobre o dito telhado, com o risco de alguma beata acesa poder iniciar um incêndio no lixo ali depositado, bem como, para proceder à limpeza do algeroz do mesmo telhado, porquanto quando chove o entupimento do algeroz provoca inundações de água na garagem dos autores. Que o autor recebeu a Ata nº 10 da Assembleia Ordinária do Condomínio do edifício onde se situa a sua garagem, datada de 21.7.2018, onde se pode ler que os presentes se demonstram preocupados pela falta de limpeza do telhado da garagem dos autores, pelo que lhe será enviada uma carta expondo a situação e a solicitar a limpeza e a propor a alteração desse mesmo telhado para outro devidamente homologado e certificado, bem como, em finais de Julho de 2018, recebeu uma carta que lhe foi enviada pela ré a solicitar-lhe que proceda á remoção dos objectos acumulados em cima do telhado tardoz ao nível do rés do chão, isto porque existe o perigo de queda dos mesmos, o que poderá provocar danos ou mesmo algum tipo de acidente e que proceda à substituição do telhado, por ser de telha de amianto, por um devidamente homologado e certificado, de modo a não por em causa a saúde publica. Que, nos termos do nº 1, alínea b), do art. 1421º do Código Civil, o telhado existente sobre a sua referida garagem é parte comum do prédio ao qual a mesma pertence e que, sendo o mesmo indispensável à utilização normal da garagem que integra a fracção propriedade dos autores, o mesmo não pode considerar-se de utilização exclusiva dos autores e, consequentemente, as despesas de limpeza em causa são despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns. Concluem, em conformidade que tais despesas são, à luz do disposto no nº 1 do art. 1424.º do Código Civil, da responsabilidade dos condóminos proprietários das fracções do Edifício, na proporção do valor das suas fracções. A ré contestou, arguindo a sua ilegitimidade passiva, sustentando que nos termos do art. 1437º do Código Civil, a acção deveria ter sido intentada contra o Condomínio, ainda que representado pelo administrador, o que não é o caso dos autos, pois a ré foi demandada em nome próprio, na qualidade de administradora do mesmo, sendo o pedido final formulado directamente contra a ré. Impugnou que o telhado seja parte comum do prédio em causa, bem como, os factos atinentes ao depósito de lixo sobre o mesmo, por desconhecimento. Que o telhado em causa é parte integrante da fracção dos autores, o próprio título constitutivo da propriedade horizontal do prédio esclarece que apenas são comuns as partes dos prédios que não tiverem sido individualizadas no título constitutivo, e que a responsabilidade pela limpeza em causa é dos autores e não do condomínio. Os autores responderam, esclarecendo que, ao intentarem a presente acção pretendiam demandar o condomínio do prédio em propriedade horizontal, representado pela sua administradora, a ora ré, e requereram serem convidados a apresentarem nova petição com vista a clarificarem contra quem é proposta a acção, e contra quem são intentados os pedidos de condenação, com as legais consequências. Foi proferido despacho saneador (em 4.3.2024), nos termos do qual se julgou totalmente improcedente a excepção de ilegitimidade processual passiva invocada, e declarou, em consequência, a ré como parte legítima na acção. Mais se desatendeu à pretensão dos autores a ser formulado convite ao aperfeiçoamento da petição inicial nos termos pretendidos, porquanto os convites ao aperfeiçoamento encontram-se limitados a meros esclarecimentos ou irregularidades nos articulados, supríveis, já não a operar a substituição processual passiva, pretendida pelos autores. Por falecimento do autor marido, foi proferida decisão a habilitar os respectivos herdeiros, a autora e a filha de ambos CC. * De seguida foi proferida sentença (em 15.10.2024) que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a R. do pedido. * 2. Os AA recorreram, tendo formulado as seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso interposto da decisão que absolveu a Ré (aqui Recorrente) do pedido, por considerar que não caberia convite ao aperfeiçoamento da petição inicial que, por lapso, identificou a Administração do Condomínio, ao invés do Condomínio. II. Entendem os Recorrentes que andou mal o Tribunal recorrido, porquanto a Jurisprudência vai no sentido de nestas situações, por via da aplicação do princípio da gestão processual, patente no artigo 6.º do CPC, o julgador ter o dever de convidar as partes a suprir a irregularidade. III. O Tribunal da Relação do Porto em 22.02.2022 no processo n.º 3077/20.9T8MAI.P1 já decidiu que: III – Se da petição inicial se pode extrair a ideia de que mais do que demandar a sociedade administradora os autores/condóminos pretendiam demandar o Condomínio representado pela administradora, embora tal não transpareça com nitidez do seu articulado, deve-lhes ser dada oportunidade de, através da apresentação de nova petição inicial, eliminarem as ambiguidades verificadas e de assim afastarem a situação de ilegitimidade passiva que dela poderia decorrer e que foi declarada na decisão recorrida. IV. Pelo exposto, dúvidas não restam de que o Tribunal recorrido deveria ter convidado o Autor a suprir a irregularidade do seu articulado em conformidade com os artigos 590º, nº 2, al. a) e 6º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil. Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida. Assim se fazendo, INTEIRA JUSTIÇA! 3. A R. contra-alegou, concluindo que: 1ª- O Tribunal a quo proferiu sentença a julgar totalmente improcedente a ação instaurada contra a aqui Recorrida e por consequência a absolver a mesma do pedido. 2ª- O Tribunal a quo considerou que não existia qualquer fundamento para ser deferido um convite ao aperfeiçoamento da petição inicial de forma a passar a contar como Ré o condomínio representado pela empresa A..., S.A. 3ª- Não existiu qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo. 4ª- A situação dos presentes autos não configura qualquer situação suscetível de aperfeiçoamento nos termos do disposto no artigo 590º do CPC. 5ª- O aperfeiçoamento da petição inicial não pode implicar a alteração dos sujeitos processuais, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.06.2014-Processo n.º 802/12.5TBLNH.L1-2 in www.dgsi.pt que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. 6ª- Os Recorridos ao apresentar uma nova petição inicial tendo como Réu o Condomínio representado pela aqui Recorrida pretendiam alterar os sujeitos da relação processual, o que não é admissível! 7ª- A alteração dos sujeitos processuais violaria, nos termos do disposto no artigo 260º do CPC o princípio da estabilidade da instância. 8ª- Acresce que, da petição inicial apresentada pelos Recorrentes não resulta sequer que os mesmos tenham querido apresentar a ação contra o condomínio representado pela aqui Recorrida e foi nessa medida que, a Recorrida “A... – Administração de Condomínio, S.A.” foi citada. 9ª- Não tendo os Recorrentes instaurado, como de fato não instauraram, a ação contra a Recorrida na qualidade de empresa administradora do condomínio, é a mesma parte ilegítima na presente ação, conforme entendimento sufragado no Acórdão de 27.01.2015 – Processo n.º 586/11.4TBACB-A.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra in www.dgsi.pt que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. 10ª- A Recorrida é pois parte ilegítima na presente ação. 11ª- Nos termos do disposto na alínea e) do artigo 577 do CPC, a ilegitimidade de alguma das partes, constitui exceção dilatória! 12ª- E, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 576º do CPC as exceções dilatórias obstam a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância. 13ª- Razão pela qual deve não existe qualquer fundamento legal para o recurso interposto pelos Autores, razão pela qual deve o mesmo ser julgado improcedente. 14ª- Pelo que mantendo a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, V. Exas. farão a tão costumada Justiça!
II – Factos Provados
Os factos provados são os que decorrem do Relatório supra.
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC). Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte. - Prolação de despacho pré-saneador a convidar os AA ao aperfeiçoamento da p.i. (art. 590º, nº 2, a), do NCPC).
2. Na sentença recorrida exarou-se que: “Os autores sustentam a pretensão exercida através da presente acção na natureza comum do telhado da garagem que constitui a fracção da qual são proprietários. E, nessa conformidade, imputam, desde logo, a responsabilidade pela respectiva manutenção ao conjunto dos condóminos, na proporção do valor das suas fracções. No entanto, demandam diretamente e a título pessoal, ainda que na qualidade de Administradora do Condomínio, a sociedade ora ré. Efectivamente, a estar em causa a realização de despesas de manutenção em partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal [de acordo com a pretensão dos autores, sem qualquer apreciação do mérito de tal natureza comum, que se mantém controvertida em face da oposição da ré], seria sempre o Condomínio, enquanto figura orgânica que representa o universo de condóminos, a entidade responsável para efeitos do disposto no art. 1424.º n.º1 do Código Civil. Ora, em termos substantivos, para imputação de responsabilidade, o Condomínio não se confunde com a Administradora eleita, aqui ré, a qual apenas responde civilmente perante os condóminos nos termos do art. 1436.º n.º3 do Código Civil, ou seja, quando não cumprir as funções que lhe são acometidas neste artigo, noutras disposições legais ou em deliberações da assembleia de condóminos. No caso dos autos, em face da causa de pedir delineada pelos autores não estamos perante qualquer situação subsumível à previsão normativa citada. E, nessa medida, ainda que os autores lograssem demonstrar a totalidade dos factos alegados e, bem assim, o direito que invocam à luz do disposto no art. 1424.º n.º1 do Código Civil, nunca poderia a aqui ré ser condenada a título pessoal pela execução das decisões do Condomínio. Em face do exposto, sem necessidade de qualquer outra apreciação de mérito, podemos, desde já, concluir, pela improcedência total da acção, tendo por base a demanda da ré em nome próprio.”. Os recorrentes discordam pelas razões constantes das suas conclusões de recurso (I. a IV.). Enquanto que a recorrida contrapõe com os motivos que refere nas suas conclusões de contra-alegações de recurso (a 2ª a 9ª). Entendemos que os argumentos recursivos dos apelantes não colhem. Dada a simplicidade da questão, iremos explicitá-las brevitatis causa. Previamente, temos já de sublinhar a incorrecção da afirmação feita na apelação quando se declara que se interpõe recurso da decisão que absolveu a R. do pedido, por considerar que não caberia convite ao aperfeiçoamento da p.i., quando isso não é verdade. Esse não cabimento de convite ao aperfeiçoamento da p.i. não foi decidido agora, com a sentença do tribunal a quo de 15.10.2024, mas sim com a decisão proferida no saneador de 4.3.2024. Por isso, face à confusão evidenciada pelos recorrentes, até é legítimo perguntar afinal de que decisão querem realmente recorrer (note-se que evidenciaram confusão na p.i. e agora o mesmo volta a acontecer com o recurso, o que pouco abona a favor dos recorrentes, que parece demonstrarem nada mais que um inconformismo com o decidido mas meramente inconsequente ...). Primeiro. Os recorrentes tanto falam em aperfeiçoamento dos articulados, realidade com previsão no art. 590º, nº 2, b), do NCPC, como mencionam o suprimento de excepções dilatórias, realidade diferente, prevista na a) de tal número artigo, misturando incorrectamente essas duas situações. Se estivesse em jogo o despacho pré-saneador previsto no citado art. 590º, nº 2, b) – providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados -, dir-se-ia que não é um despacho discricionário mas sim um despacho vinculado para o juiz: reza o mesmo que o juiz profere tal despacho. E no nº 4 que incumbe ao juiz. Não o fazendo, comete uma nulidade processual, a arguir pelos recorrentes na 1ª instância, perante o tribunal a quo, em prazo delimitado, e não em recurso, como decorre dos arts. 195º, nº 1, 197º, nº 1, 199º, nº 1, e 200º, nº 3, do NCPC (vide neste sentido Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., págs. 146, 155/157). Portanto, o tempo para arguir tal nulidade no tribunal a quo já teria passado há muito, não sendo admissível uma arguição processual do género, agora em recurso. Segundo. Tratando-se de suprimento de excepções dilatórias, nos termos dos arts. 590º, nº 2, a), e 6º, nº 2, como defendem os apelantes, que é realmente a verdadeira questão posta no recurso, diremos que o juiz deve providenciar por tal suprimento quando tais excepções são supríveis ! Se o não forem, não é possível providenciar por tal fim, nem o dever de gestão processual o consente, pois aí, no art. 6º, nº 2 que o estabelece, proclama-se expressamente que tal só ocorre se a falta de pressupostos processuais for susceptível de sanação (vide o mesmo autor e obra, a pág. 158). Ora, a ilegitimidade singular da parte não é sanável (vide na mesma pág. do citado autor, a nota 7), não podendo ser usado o referido dever de gestão processual a bel prazer do tribunal, antes só podendo ser manuseado dentro da janela da sua previsão. O que já podia acontecer se diferentemente estivesse em jogo a simples modificação subjectiva da instância pela intervenção de outras partes, através dos incidentes de intervenção de terceiros, ou pela substituição de alguma das partes, nos casos legalmente previstos (arts. 261º, nº 1, e 262º do NCPC). De sorte, que concluindo, não pode proceder o recurso dos AA. 3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida. * Custas a cargo dos AA. * Coimbra, 25.3.2025 Moreira do Carmo Carlos Moreira Vítor Amaral
|