Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2582/17.9T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: SOCIEDADE ANÓNIMA
PRESIDENTE
ASSEMBLEIA GERAL
CESSAÇÃO DE FUNÇÕES
Data do Acordão: 10/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, LEIRIA, JUÍZO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 391.º, N.º 4, DO CSC
Sumário: Decorrido o prazo para que foi eleito, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral de uma sociedade anónima mantém-se em funções até que seja designado/eleito um novo Presidente, apesar da cessação das suas funções pelo decurso do prazo, por interpretação extensiva do artigo 391.º, n.º 4, do CSC
Decisão Texto Integral:

           

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

A... , residente na Rua (...) , Bidoeira de Cima, veio intentar o presente processo especial de convocação de sócios, de harmonia com o disposto no artigo 1057º do CPC, pedindo que seja determinada a convocação de Assembleia Geral da sociedade B... , SA, com sede em (...) , Leiria.

Sustenta, para o efeito, que o mandato do anterior Presidente da Assembleia Geral, que era assumido por C... caducou pelo decurso do mandato, nos termos do art. 374º do CSC e cessou com a eleição dos órgãos sociais em 20.06.2015.

Por outro lado, por força da suspensão das deliberações sociais, tomadas na Assembleia Geral de 29.06.2015, no âmbito da qual foram nomeados os órgãos sociais e o Presidente da Assembleia Geral, é manifesta a vacatura do cargo de Presidente da mesa da Assembleia Geral.

O anterior presidente da mesa da Assembleia Geral, C....., através de comunicação enviada em 17-05-2017 e através de publicação registada no mesmo dia no site www.publicacoes.mj.pt, procedeu à convocação da assembleia geral anual.

Nos termos do nº 4 do artigo 391º do CSC os administradores mantêm-se em funções até nova designação.

A Lei não prevê a manutenção das funções do Presidente da Mesa da Assembleia, ao contrário do que se encontra previsto para a manutenção do cargo de Administradores. Assim, o mandato do Presidente da Assembleia nomeado para o triénio 2012-2014 caducou com a eleição dos órgãos sociais em 29-06-2015, sendo a convocatória efectuada é manifestamente irregular e inválida, tendo sido efectuada por pessoa sem legitimidade para convocar, actualmente, assembleias gerais da sociedade.

Assim, estando o Presidente da Assembleia nomeado em 29.06.2015 suspenso, dever-se-á aplicar o estatuído no nº 3 do artigo 374º do CSC, devendo ser nomeado como Presidente da mesa da Assembleia o presidente do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do concelho geral e de supervisão e como secretário um accionista presente.

Caso o fiscal único não compareça, deverá ser subsidiariamente nomeado como Presidente da Assembleia ad hoc, nos termos do nº 4 do artigo 374º do CSC o accionista com o maior número de acções, ou seja, D.....

Encontram-se reunidos todos os pressupostos legais para que seja convocada judicialmente a Assembleia Geral da sociedade comercial B...., S.A, uma vez que é manifesta a falta de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, permanente.

Conclusos os autos à M.ma Juiz, cf. decisão de fl.s 82 a 84 (aqui recorrida), foi liminarmente indeferido, por manifesta improcedência, o requerido, ficando as custas a cargo do requerente.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso o requerente A...., recurso, esse, admitido, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 100), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

a. Por decisão proferida nos autos de processo Especial de Convocação Judicial de Assembleia de Accionistas, foi indeferido o pedido de convocatória judicial intentado pelo requerente.

b. Entendemos que o Tribunal recorrido não efectuou a correcta valoração da matéria em causa nos autos, tendo indeferido o pedido de convocatória judicial, sem fundamentos factuais e/ou legais.

c. A sentença recorrida aplicou extensivamente e analogicamente ao regime do Presidente da Mesa da Assembleia Geral o regime estatuído legalmente para o órgão do Conselho de Administração.

d. Entendemos que a aplicação analógica e extensiva do regime dos Administradores ao regime do Presidente da Assembleia Geral é manifestamente injustificado, não atendendo ao elemento teleológico na interpretação nas normas jurídicas.

e. Por Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do procedimento cautelar que correu termos sob o nº 2411/15.8T8LRA, foram suspensos as deliberações tomadas em Assembleia Geral de 29-06-2015 da B...., S.A., nomeadamente, ficaram suspensos os órgãos sociais eleitos.

f. Tendo em consideração a suspensão das deliberações sociais, no âmbito das quais foram nomeados órgãos sociais para o triénio 2015-2017, o cargo de Presidente da Assembleia Geral, assumido anteriormente por C.... caducou, tendo cessado com a nomeação de órgãos sociais em 29-06-2015.

g. Nos termos do nº 4 do artigo 391º do CSC, os administradores mantém-se em funções até nova designação. Todavia, a Lei não prevê a manutenção das funções do Presidente da Mesa da Assembleia Geral.

h. Sendo que é manifesta a falta de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, uma vez que o Presidente eleito em 29-06-2015 encontra-se suspenso nas suas funções.

i. Nos termos do nº 3 do artigo 374º do CSC na falta de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, este é substituído pelo Presidente do Conselho Fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão e como secretário um accionista presente.

j. Não havendo Presidente da Mesa da Assembleia permanente, e sendo necessária e obrigatória a realização da Assembleia Geral Anual, deve a mesma ser convocada judicialmente, nos termos do artigo 1057º do CPC.

k. Seguindo a opinião e doutrina de Paulo Tarso Domingues, o qual refere que: atenta a importância atribuída nas sociedades anónimas à mesa da assembleia geral – e, sobretudo, ao respectivo presidente, a quem são atribuídas “competências próprias e permanentes no funcionamento interno da sociedade” – a lei prevê que os respectivos elementos, e em especial o seu presidente, exerçam as suas funções com carácter permanente.

Assim, a colectividade dos sócios poderá eleger os membros da mesa da assembleia para o exercício de funções por um determinado período de tempo, que não deverá exceder o prazo de quatro anos. Se tal não suceder, a lei estabelece um regime supletivo para a designação do cargo de presidente. Ele será, neste caso, exercido – também aqui, com carácter permanente – pelo presidente do órgão de fiscalização da sociedade: o presidente do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão, consoante o modelo de governação adoptado pela sociedade. A falta ou inexistência do presidente permanente só poderá ocorrer quando os sócios não tenham procedido à respectiva eleição (ou tendo sido eleito, tiver cessado funções), e quando cumulativamente, se verifique a vacatura do cargo do presidente do órgão de fiscalização, uma vez que nas sociedades anónimas este órgão sempre terá de existir. Se apesar do disposto na Lei, numa dada assembleia geral o presidente permanente da mesa não se encontrar presente – porque não existe ou não compareceu – assumirá a presidência ad hoc (apenas para aquela reunião) um sócio de acordo com os critérios estabelecidos no nº 4 do artigo 374º do CPC.

l. Refere ainda este autor que: o mandato do presidente da mesa da assembleia não pode exceder quatro anos (artigo 374º nº 2 do CSC), devendo considerar-se reduzida a tal limite qualquer designação que prescreva um prazo superior. Se os sócios não tiverem procedido à designação dos membros da mesa, o cargo de presidente da assembleia será, neste caso, exercido – também com carácter permanente – pelo presidente do órgão de fiscalização da sociedade: o presidente do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral e de supervisão, consoante o modelo de governação adoptado pela sociedade.

Neste caso, o cargo de presidente não depende de aceitação, ele decorre da lei e integra as atribuições legais indicados para ao presidente do órgão de fiscalização.

m. No caso dos autos, foi eleito um novo Presidente da Mesa da Assembleia Geral em 29-06-2015, o qual, pese embora ter sido eleito encontra-se suspenso, pelo que cessou obrigatoriamente o mandato do anterior Presidente da Mesa da Assembleia Geral, eleito para o triénio 2013-2015.

n. Refere ainda o Autor supra mencionado que: O terminus do mandato ocorrerá quando tenha sido eleito pelos sócios um novo presidente que substituirá aquele cujo mandato termina. Se tal não acontecer o presidente só cessará as suas funções quando se verifique a designação de um novo presidente de mesa (vide: Pedro Maia in “Presidente das assembleia de sócios”).

o. Importa sublinhar que o nº 4 do artigo 374º do CSComerciais compreende duas situações distintas de presidente ad hoc: prevê a falta e a não comparência do presidente permanente.

p. No caso de ausência (não comparência) do presidente permanente, a uma reunião, o presidente ad hoc tem os seus poderes limitados ao funcionamento da assembleia e à elaboração da acta. Nesta situação, o normal funcionamento do órgão está assegurado, uma vez que a sociedade tem um presidente que convocou a assembleia, mas que, encontrando-se ausente da reunião é substituído pelo presidente ad hoc.

q. Situação diferente é quando se verifica uma falta tout court do presidente permanente (quando os sócios não tenham procedido à respectiva eleição ou tendo sido eleito tenha cessado funções e quando cumulativamente se verifique a vacatura do cargo de presidente do órgão de fiscalização), aquele que substitui passa a desempenhar as funções de presidente, cabendo-lhe exercer todos os poderes inerente ao cargo. O presidente ad hoc não pode – uma vez que ele só começa a exercer funções com o início da assembleia – efectuar a convocatória da assembleia. E isto implica que, na falta de presidente permanente, a assembleia terá necessariamente que ser convocada judicialmente, sob pena de as deliberações que vierem a ser aprovadas numa assembleia não convocada dessa forma serem nulas. (Vide Paulo Tarso Domingues).

r. Assim, ter-se-á que aplicar o estatuído no nº 4 do artigo 374º do CSComerciais, devendo ser nomeado um presidente ad hoc para o cargo de Presidente da Assembleia Geral Anual.

s. Acresce ainda que, contrariamente ao alegado pelo tribunal a quo na sentença recorrida, a norma constante no artigo 391º do CSC referente aos administradores das sociedades comerciais não se aplica extensiva e analogicamente ao cargo de presidente da mesa da assembleia, uma vez que se tratam de dois órgãos sociais manifestamente distintos e com regimes jurídicos diferenciados e distintos.

t. Caso assim não fosse, certamente que o legislador não teria separado o regime destes órgãos, com normas e regras próprias para cada um deles.

u. Até porque, é manifesto que uma sociedade comercial consegue subsistir sem Presidente da Assembleia Geral, mas não consegue sobreviver sem Administradores nomeados.

v. Por serem órgãos totalmente distintos têm regras distintas para manutenção ou substituição dos mesmos.

w. Caso o legislador pretendesse que a regra fosse a mesma, certamente que teria expressamente referido tal situação, conforme consta no artigo 391º, no artigo 374º do CSComerciais, o que não acontece.

x. Até porque, no caso do órgão de Administração a vacatura do cargo teria como consequência imediata a paralisação da actividade da sociedade, prejudicando irremediavelmente a mesma.

y. Já no caso do Presidente da Mesa da Assembleia, tal consequência não decorre automaticamente, motivo pelo qual o legislador estabeleceu regimes distintos para os cargos de administradores e presidente da assembleia geral.

z. Entendemos que o tribunal a quo interpretou de forma excessiva a norma do artigo 391º do CSComerciais ao considerar que a mesma se aplica analogicamente e extensivamente ao cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, tendo considerado que se mantinha em funções o presidente da mesa da assembleia nomeado para o triénio 2013-2015.

aa. Acresce que, o artigo 9º do Código Civil estabelece que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”

bb.O sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador sempre que este seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios. (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado)

cc. José Oliveira de Ascensão entende que: “no que respeita à interpretação jurídica, dissemos que ela visa também, através de uma exteriorização, apurar um sentido. Há de característico a exteriorização de que se parte sem uma fonte, e o resultado que se procura atingir representar uma norma. (…) Na interpretação da lei devem considerar-se os seguintes elementos: 1) o elemento gramatical ou literal; 2) os elementos lógicos que são: a) sistemático, que tem em conta a unidade do sistema jurídico; b) o histórico, constituído por precedentes normativos, trabalhos preparatórios e occasio legis; c) teleológico, que é a justificação social da lei.”

dd.Por sua vez, Jorge Miranda entende que: na dúvida, os direitos devem prevalecer sobre restrições – in dubio pro libertate – devendo as leis restritivas ser interpretadas, se não restritivamente, pelo menos sem recurso à interpretação extensiva e à analogia.

ee. No parecer da PGR publicado no DR, II série, de 26-11-1992 é referido que: “o limite da interpretação é a letra, o texto da norma. A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal».

ff. Baptista Machado, considera que o texto ou letra da lei é o ponto de partida da interpretação e, como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. A letra, o enunciado linguístico, é, assim, um ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de limite, nos termos do artigo 9º nº

2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espirito, sentido) «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».

gg. Oliveira de Ascensão considera que: a letra é não só o ponto de partida mas também um elemento irremovível de toda a interpretação, funcionando também o texto como limite da busca do espírito.

hh.Tem sido salientada pela doutrina a dificuldade da distinção entre interpretação extensiva e aplicação analógica. A solução consagrada no artigo 9, nº 2 do CC corresponde à denominada “teoria da alusão”, segundo a qual a actividade interpretativa tem como limite um mínimo de correspondência verbal com o texto da lei, quinda que imperfeitamente expresso. Quando é ultrapassado esse limite é que já não se pode considerar estar-se perante uma actividade interpretativa, mas sim na aplicação analógica do texto legal.

ii. O nº 2 do artigo 10º do Código Civil refere que: há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.

jj. Ora, quanto à questão da manutenção do cargo de Presidente da Assembleia, após o decurso do prazo do mandato, a lei não é omissa, pelo contrário. A lei, especifica e estipula quem assumirá o papel de presidente. Se assim não fosse é que aplicar-se-ia analogicamente e extensivamente a norma do artigo 391º nº 4.

kk. Entendemos que o tribunal a quo não fez uma correcta interpretação da lei e das normas sobre a interpretação.

ll. Não existe qualquer omissão legal no regime jurídico do presidente da mesa da assembleia, estando definido expressamente a solução legal no caso de o mandato do presidente cessar, após o decurso do prazo de 4 anos.

mm. A sentença recorrida viola as regras do direito substantivo, aplicando de forma errónea o direito ao caso concreto.

nn.Deve a sentença recorrida ser revogada e alterada por outra em que seja deferida a Convocação Judicial de Assembleia Geral requerida nos autos, por se encontrarem reunidos os pressupostos legais.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente a acção especial de Convocação de Assembleia de Accionistas, com todas as legais consequências, nomeadamente, com a Convocatória e marcação da realização da Assembleia Geral da sociedade B...., S.A, assim se fazendo a necessária e costumada JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se no caso de cessação de funções do Presidente da Mesa da Assembleia Geral de uma sociedade anónima, pelo decurso do prazo, se aplica o disposto no artigo 391.º, n.º 4, do CSC; ou seja, se apesar de decorrido o prazo para que foi eleito, se mantém em funções, até que seja designado/eleito um novo Presidente.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1)- A sociedade B...., S.A. é uma sociedade anónima constituída em 1969, com o capital social de 1.000.000,00€, que tem como actividade comercial a extracção de argilas, areias, caulinos e outros inertes.

2) - Tem como accionistas: o requerente, E...., D...., C..... e F.....

3) - O accionista A.... é titular de 69.900 acções, a que corresponde o valor nominal de 349.500,00€ (34,95%) e o accionista D.... é titular de 70.000 acções a que corresponde ao valor de 350.000,00€ (35%).

4)- A accionista E...., é titular de 100 acções, a que corresponde o valor nominal de 500,00€ (0,05%) e o accionista F....que é titular de 50 acções, a que corresponde o valor nominal de 250,00€ (0,025%).

5) - O accionista C....é titular de 29,975% do capital social da sociedade B...., S.A. ou seja é titular de 59.950 acções, a que corresponde o valor nominal de 299.750,00€.

6) - C..... foi eleito presidente de mesa da assembleia geral para o mandato de 2012/2014.

7) - Em 29.06.2015 houve uma Assembleia Geral de 29.06.2015 que tinha a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto Um: deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício;

Ponto Dois: deliberar sobre a proposta da aplicação dos resultados;

Ponto Três: proceder à aprovação geral da administração e da fiscalização da sociedade;

Ponto Quatro: eleger os órgãos sociais para o triénio 2015 a 2017.

8) - O accionista C....intentou contra a requerente B...., S.A. uma providência cautelar de suspensão de deliberações sociais referente à Assembleia Geral Anual de 29.06.2015.

9) - As deliberações tomadas na assembleia geral da requerida encontram-se suspensas por decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que que julgou procedente a providência cautelar de suspensão de deliberações sociais.

10) - Não há ainda decisão na acção principal de anulação de deliberações sociais.

11)- C....., através de comunicação enviada em 17.05.2017 e através de publicação registada no mesmo dia no site www.publicacoes.mj.pt, procedeu à convocação da assembleia geral anual da sociedade.

Se no caso de cessação de funções do Presidente da Mesa da Assembleia Geral de uma sociedade anónima, pelo decurso do prazo, se aplica o disposto no artigo 391.º, n.º 4, do CSC; ou seja, se apesar de decorrido o prazo para que foi eleito, se mantém em funções, até que seja designado/eleito um novo Presidente.

O objecto do recurso consiste em determinar se encontrando-se suspensa a deliberação em que foram eleitos os órgãos sociais de uma sociedade anónima, designadamente o presidente da mesa da assembleia geral e ainda não tendo sido eleito outro em seu lugar, se o mesmo se mantém em funções e, no cumprimento do exercício das suas funções, pode convocar a assembleia geral.

Na decisão recorrida entendeu-se que sim, por aplicação extensiva do disposto no artigo 391.º, n.º 4, do CSC.

Defende o recorrente que esta norma apenas prevê a situação dos administradores e se o legislador quisesse que fosse aplicável o mesmo regime para o presidente da mesa da assembleia geral, teria consagrado idêntico regime.

Conforme dispõe o artigo 374.º, n.º 2 do CSC:

“O contrato de sociedade pode determinar que o presidente (…) da mesa da assembleia geral sejam eleitos por esta, por período não superior a quatro anos, de entre accionistas ou outras pessoas”.

Prevendo-se nos seus n.os 3 e 4 que, no silêncio do contrato, “na falta de pessoas eleitas nos termos do número anterior ou no caso de não comparência destas, serve de presidente da mesa da assembleia geral, o presidente do conselho fiscal, da comissão de auditoria ou do conselho geral ou de supervisão”.

Acrescentando-se no seu n.º 4 que, na falta ou não comparência destes, “preside à assembleia geral um accionista, por ordem do número de acções de que sejam titulares caso se verifique igualdade de número de acções, deve atender-se sucessivamente, à maior antiguidade como accionista e à idade”.

Por seu turno, estabelece o artigo 391.º, n.º 4, do CSC, a regra de que “Embora designados por prazo certo, os administradores mantêm-se em funções até nova designação, sem prejuízo do disposto nos artigos 394.º, 403.º e 404.º”.

Da análise de tais preceitos, como refere Paulo de Tarso Domingues, in CSC em Comentário, Vol. VI, Almedina, 203, a pág.s 31 e 32 “Se apesar do disposto numa dada AG, o presidente (permanente) da mesa não se encontrar presente – porque não existe ou não compareceu -, assumirá a presidência ad hoc (apenas para aquela reunião) um sócio, de acordo com os critérios estabelecidos no 374.º, 4”.

Salientando na nota 12 de pág. 31 que “A falta ou inexistência do presidente permanente só poderá ocorrer quando os sócios não tenham procedido à respectiva eleição (ou tendo sido eleito, cessado funções) e quando, cumulativamente, se verifique a vacatura do cargo do presidente do órgão de fiscalização (já que nas SA, este órgão sempre terá de existir)”.

Como refere Pedro Maia, in O Presidente das Assembleias de Sócios, Problemas Do Direito Das Sociedades, IDET, Almedina, 2003, a pág.s 425 e 426: “O artigo 374.º provê acerca de duas questões que importa distinguir: a primeira respeita à designação do presidente permanente da assembleia geral; a segunda prende-se com a condução dos trabalhos de uma reunião da assembleia de accionistas em que não esteja presente o referido presidente permanente.

No que toca à primeira questão dispõem os n.º 2 e 3 do art. 374.º, sendo a segunda tratada no âmbito do n.º 4 do mesmo artigo”.

O que se justifica, acrescenta, por ao presidente da mesa da assembleia terem sido atribuídos poderes que excedem a duração da reunião de accionistas, em que cabem, designadamente, a convocação da assembleia.

No acórdão do STJ, de 15/01/2004, Processo n.º 03B3827, disponível no respectivo sítio do itij, refere-se que no n.º 3 e 4 do artigo 374.º do CSC, apenas se abarcam as situações em que prevendo o pacto social a eleição do presidente da mesa pelos accionistas, esta ainda não se realizou ou o mesmo renunciou ou se demitiu de tais funções.

Daqui resulta, pois, que uma coisa é a inexistência ou não comparência de presidente da mesa da assembleia de accionistas permanente, eleito ou had hoc, em conformidade com o ali estabelecido; outra é este ter sido eleito, mas já ter decorrido o prazo do seu mandato ou; como no caso dos autos (o que equivale à mesma situação) estar a suspensa a deliberação que o elegeu.

Efectivamente, o mesmo foi eleito através de deliberação que se encontra suspensa, sem que tenha, ainda, sido eleito novo presidente da mesa da assembleia.

Do cotejo entre o disposto nos artigos 374.ºe 391.º do CSC, constata-se que no CSC, nada é previsto acerca da cessação de funções do presidente da mesa da assembleia geral.

Defendendo Pedro Maia, in ob. cit., pág. 430 que as mesmas “deverão cessar, naturalmente, pelo decurso do prazo por que tiver sido eleito, mas, tal como sucede com os membros do conselho de administração (art. 391.º, n.º 4) e do conselho geral (art.435.º, n.º 2), e com os directores (art.425.º, n.º 2), o presidente da assembleia deve manter-se no cargo até nova designação”.

O mesmo defende Paulo de Tarso Domingues, in ob. cit., pág.s 35 e 36 e 43 e 44, ali constando o seguinte:

“O presidente da mesa deve ser eleito para o exercício de funções por um período de tempo determinado, o qual não poderá ser superior a quatro anos (artigo 374.º, n.º 2). Por isso, em princípio, as suas funções terminarão pelo decurso do tempo e concluído que seja o prazo do respectivo mandato. Tal, porém, apenas sucederá quando, entretanto, tenha sido eleito pelos sócios um novo presidente que substituirá aquele cujo mandato termina. Se tal não ocorrer, o presidente só cessará as suas funções, quando se verifique a designação de um novo presidente da mesa”.

No mesmo sentido propugna Paulo Olavo Cunha in Direito das Sociedades Comerciais, 6.ª Edição, Almedina, 2016, pág.s 625 e 626, ali referindo que “As funções dos membros da mesa da assembleia geral cessam nos termos em que terminam as funções dos demais membros dos órgãos sociais, sendo a mais habitual o decurso do prazo para que foram designados (…).

Não sendo oportunamente substituídos – isto é, não sendo eleitos sucessores nos meses subsequentes ao fim do respectivo mandato -, os membros da mesa mantêm-se em funções até que sejam substituídos ou reconduzidos”.

Concluindo-se, assim, que a norma do artigo 391.º, n.º 4, pode ser interpretada, extensivamente, aos cargos de presidente da mesa da assembleia geral, permitida pelo disposto no artigo 11.º do Código Civil, ainda que de norma excepcional se tratasse, o que não se nos afigura – neste sentido o Acórdão do STJ, acima referido.

Consequentemente, face ao exposto, entendemos que, tal como decidido em 1.ª instância, se mantém a competência do anterior presidente da mesa da assembleia geral, para convocar a assembleia de accionistas.

Assim, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 17 de Outubro de 2017.