Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
339/09.0JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
Data do Acordão: 06/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ART.º 374º, N.º 2, DO C. PROC. PENAL
Sumário: · Se é verdade que a fundamentação não se basta com a simples indicação de provas, também é verdade que a análise crítica destas deve ser apenas a necessária e suficiente para dar a conhecer porque se decidiu o tribunal em determinado sentido.
· A análise crítica impõe-se sobretudo relativamente a meios de prova oral porque é em relação a estes que, pela sua natureza e especificidade, se torna necessário explicitar a convicção (desde logo a imediação é essencial para a sua avaliação).
· Já no que se refere a documentos ou prova pericial reveste-se o seu teor de um carácter objectivo e certo que na maioria dos casos dispensa considerações sobre o seu conteúdo, porque este se impõe sem que existam questões delicadas de credibilidade ou razão de ciência a equacionar.
· Especial prudência se deve ter na prova por escutas telefónicas, a fim de que todos percebamos que não há qualquer dúvida sobre a identidade da pessoa ou pessoas que dialogam, os alvos das escutas.
· Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
           
1. No processo comum colectivo n.º 339/09.0JACBR do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, foram julgados os seguintes 5 arguidos:
1º- A..., residente na Rua  … Montemor-o-Velho;
2º- B..., residente na … , Coimbra;
3º- C...,  …, Águeda;
4º- D...,  … Figueira da Foz;
5º- E...,  residente na… , Montemor-o-Velho;

            2. Por acórdão datado de 9 de Janeiro de 2012 (Volume 6º), FOI DECIDIDO:
«Condenar o arguido A... pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo art. 169º, nºs 1 e 2, al. a), do Código Penal, na pena de cinco (5) anos de prisão.
Condenar o arguido A... pela prática de um crime de detenção de armas proibidas, previsto e punido pelo artº 86º, nºs 1, al. c) e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão.
Condenar o arguido A... na pena acessória de seis (6) meses de proibição de conduzir veículos a motor.
Em cúmulo jurídico, ponderados os factos e a personalidade do arguido A..., fixamos-lhe a pena única de cinco (5) anos e nove (9) meses de prisão, acrescendo-lhe a pena acessória de seis (6) meses de proibição de conduzir veículos a motor.
                                                           *
Condenar o arguido B... pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo art. 169º, nºs 1 e 2, al. a), do Código Penal, na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão.
Condenar o arguido B... pela prática de um crime de detenção de munição proibida, previsto e punido pelo artº 86, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, na pena de três (3) meses de prisão.
Condenar o arguido B... na pena acessória de seis (6) meses de proibição de conduzir veículos a motor.
Em cúmulo jurídico, ponderados os factos e a personalidade do arguido B..., fixamos-lhe a pena única de três (3) anos e sete (7) meses de prisão, acrescendo-lhe a pena acessória de seis (6) meses de proibição de conduzir veículos a motor.
Suspendemos a execução dessa pena principal de prisão ao arguido B... pelo prazo de três (3) anos e sete (7) meses, sob regime de prova, mediante plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços da DGRS.
                                                           *
Condenar o arguido C... pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo art. 169º, nºs 1 e 2, al. a), do Código Penal, na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão.
Condenar o arguido C... pela prática de um crime de detenção de armas proibidas, previsto e punido pelo artº 86º, nºs 1, al. c) e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio, na pena de oito (8) meses de prisão.
Condenar o arguido C... na pena acessória de seis (6) meses de proibição de conduzir veículos a motor.
            Em cúmulo jurídico, ponderados os factos e a personalidade do arguido C..., fixamos-lhe a pena única de três (3) anos e dez (10) meses de prisão, acrescendo-lhe a pena acessória de seis (6) meses de proibição de conduzir veículos a motor.
Suspendemos a execução dessa pena principal de prisão ao arguido C... pelo prazo de três (3) anos e dez (10) meses, sob regime de prova, mediante plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços da DGRS.
                                               *
Condenar o arguido D... pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo art. 169º, nºs 1 e 2, al. a), do Código Penal, na pena de dois (2) anos e nove (9) meses de prisão.
Condenar o arguido D... na pena acessória de seis (6) meses de proibição de conduzir veículos a motor.
Suspendemos a execução da pena de prisão ao arguido D... pelo prazo de dois (2) anos e nove (9) meses, sob regime de prova, mediante plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços da DGRS.
                                                           *
Condenar o arguido E... pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo art. 169º, nºs 1 e 2, al. a), do Código Penal, na pena de dois (2) anos e nove (9) meses de prisão.
Condenar o arguido E... na pena acessória de seis (6) meses de proibição de conduzir veículos a motor.
Suspendemos a execução da pena de prisão ao arguido E... pelo prazo de dois (2) anos e nove (9) meses, sob regime de prova, mediante plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços da DGRS.

           3. Inconformados, recorreram 4 arguidos:
RECURSO A
D...
RECURSO B
E…
RECURSO C
A...
RECURSO D
B...

4. Vejamos, de seguida, os argumentos dos 4 recursos intentados.

4.1. RECURSO A
O arguido D...finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O acórdão recorrido é nulo, nos termos dos artigos 379.°, n.° 1, al. a), e 374.°, n.°
2 do C.P.P., porquanto o Tribunal a
quo não fez uma correcta apreciação ou exame crítico da prova que resulta da escutas com os depoimentos das testemunhas para dar como provados os factos que constam da acusação.
2. O art.374.°, n.° 2 do Código de Processo Penal - para que remete o art.379.°, al. a), citado - estabelece que , na sentença , ao relatório segue-se a fundamentação, «.. .que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.».
3. Esta exigência do exame crítico das provas é um aditamento levado a cabo pela Lei n.° 59/98 de 25 de Agosto, na sequência de jurisprudência que se vinha formando sobre essa necessidade, nomeadamente pelo STJ, que inter...u aquele dever de fundamentação no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova - há-de conter também os elementos que, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, um exame critico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do Tribunal num determinado sentido.- Cfr, entre outros acórdão do STJ , de 13 de Fevereiro de 1992 (CJ, ano XVII, 1° , pág. 36).
4. Ora nada disto acontece no acórdão recorrido, ficando-se por saber porque razão considerou o Tribunal a quo a matéria fáctica dada como provada, a interpretação que o Tribunal deu às escutas telefónicas que serviram de base à condenação e que foram relevantes para a decisão da condenação do arguido recorrente.
5. Mais, falta uma apreciação critica sobre os testemunhos que apontam para que
o arguido não seja conhecido no meio onde se lhe imputa a prática dos actos ilícitos
e a resultante das escutas, não sendo compreensível aos olhos de qualquer comum
mortal como o Tribunal faz a ligação entre quem foi escutado, identificado como
D...ou ... e o aqui recorrente.

6. O Tribunal a quo deu como provado que o recorrente, de acordo e em comunhão de esforços com os demais arguidos se dedicava à exploração de prostitutas, cabendo-lhe entre outras actividades, o transporte controle e protecção de prostitutas de e para os locais de prostituição, usando para isso o veículo de marca Mercedes, modelo 201, matricula ..., sua pertença, sendo conhecido por ... e que utilizava os n° de telemóvel … , não explicitando concretamente como o tribunal chegou a qualquer uma destas conclusões e a todas as demais que incriminam o arguido recorrente, em total contradição com o que se passou em sede de audiência de julgamento e com a demais prova existente nos autos.
8[1]. Apenas genericamente se refere na fundamentação probatória que o Tribunal estribou a sua convicção nos inspectores da PJ e nas escutas, o que é manifestamente insuficiente.
9. Não existe nos autos uma única prova concreta e cabal da participação do
arguido D...nos factos constantes da acusação e que vieram quase integralmente a ser reproduzidos na matéria fáctica dada como provada.

10. Nada nem ninguém com conhecimento directo de factos imputou quaisquer
actos que consubstanciem a prática do crime de lenocínio ao arguido, nomeadamente, não foi identificada em julgamento qualquer ofendida que imputasse ao arguido qualquer acto integrador do ilícito por que veio a ser condenado, ou qualquer outro, ninguém, e em especial nenhum inspector da PJ, referiu em audiência ter visto a arguido em qualquer acto de transporte, controle ou protecção a prostitutas, ninguém referiu conhecimento da existência de acordo ou sequer contactos entre todos os arguidos, nomeadamente do D...com qualquer outro, nenhuma das testemunhas de acusação ouvidas (prostitutas e pessoas ligadas a este mundo) afirmou conhecer o arguido, o seu nome ou sequer a alcunha que lhe é imputada, com excepção de alguns dos inspectores da policia judiciária sem conhecimento directo dos factos (que nem sequer efectuaram actos de investigação em que aquele fosse interveniente directo).

11. O Tribunal a quo não valorizou convenientemente os depoimentos das testemunhas ... e ..., que ocupavam a zona que os inspectores da PJ relacionavam com a zona de acção do arguido D...(Santa Luzia e Mealhada) referiram expressamente desconhecer o D...ou o ..., afirmando só conhecer duas pessoas que faziam o transporte de prostitutas para o A...: o ... e o ....
12. O Tribunal a quo não valorizou convenientemente os depoimentos das testemunhas ..., prostituta que trabalhava na zona de Aveiro, que disse não conhecer o D...ou o ..., e, da testemunha ..., prostituta que trabalhou na zona da Gala, Figueira da Foz, que no mesmo sentido disse desconhecer o D...ou o ....
13. O Tribunal a quo não valorizou convenientemente o depoimento da testemunha ..., marido da testemunha ..., prostituta que de dedicava a essa actividade na área de Santa Luzia/Mealhada/Luso, que disse também peremptoriamente não conhecer o arguido D...nem sequer alguém com a alcunha .... Disse ainda que o “...”, indivíduo encorpado, fazia o transporte das mulheres do A... para a zona da Mealhada e que só conhecia dois indivíduos que faziam o transporte de prostitutas para aquele, neles não incluindo qualquer D...ou ....
12[2]. O Tribunal a que não valorizou o facto de em julgamento não existirem prostitutas que dissessem conhecer o D...ou o ..., muito menos que lhe imputasse directamente qualquer acto ligado à prostituição.
13. O Tribunal a que não valorizou convenientemente o facto de nas buscas efectuadas à casa e veículo do arguido nada ter sido encontrado com relevância para o processo, nomeadamente, preservativos, armas, dinheiro, bem como a inexistência de vigilâncias ou seguimentos ao arguido, quando se lhe imputava o transporte, protecção e controle de prostitutas.
14. O Tribunal a que não valorizou convenientemente o facto de não ter sido apreendido qualquer objecto ao arguido, nomeadamente, qualquer cartão telefónico, telemóvel ou veículo.
15. Não existe prova legalmente admissível nos autos que leve a concluir que o arguido utilizava os números de telemóvel …. , nem em audiência de julgamento foi feita prova de tal.
16. Caso se considere que tal prova resulta das declarações da inspectora U...
, tal traduzir-se-ia numa violação do estabelecido no artigo 356° n° 7 do CPP,
o que expressamente se invoca, com as consequências legais.

17. Não existe qualquer prova nos autos que comprove, com o grau de certeza exigido para uma condenação, que o ... ou o D...referido nas escutas é o arguido D... ou que o arguido utilizava o seu veículo ou qualquer outro para o transporte de prostitutas.
18. O Tribunal a quo valorizou de forma deficiente os documentos de fls. 90, 91,
109, 140 e 241 dos autos, que serviram para fundamentar a decisão de condenação,
e que são elementos sem relevância probatória para o caso concreto, que em nada
incriminam o arguido.

19. Os documentos de fls 90, 91 e 140 são relatos de diligências externas efectuadas pelos investigadores da PJ e a prova que dela resulta em desfavor do recorrente não é fruto de uma constatação directa daqueles. É, assim, uma prova indirecta, sem qualquer relevância jurídica nos termos dos artigos 129° e 130° do CPP pelo que não poderia servir para fundamentar a decisão, como aconteceu.
20. O documento de fls. 104 é um documento privado da base de dados da PJ, a ficha biográfica do arguido, onde consta que o mesmo tem a alcunha de ..., sem que isso tenha qualquer relevância probatória.
21. O documento de fls 109 é um mero registo de propriedade do veículo automóvel do arguido, veiculo esse que nunca foi visto ou referenciado por ninguém em qualquer actividade ilícita.
22. Os documentos de fls. 241 são fotografias da residência do arguido e do seu veículo estacionado junto daquela sem que delas resulte qualquer prova relevante para a decisão.
23. O Tribunal a quo não valorizou convenientemente a prova resultante da inquirição em sede de audiência de julgamento dos inspectores T..., S..., R..., que não participaram em nenhum acto de investigação em que fosse alvo ou estivesse presente o arguido D...em nada incrimina o arguido recorrente.
24. A testemunha U..., inspectora titular do processo, que não participou em qualquer acto investigatório em que o arguido fosse o directamente visado, emitiu em audiência opiniões em relação à participação daquele nos factos constantes do libelo acusatório, sendo as mesmas baseadas unicamente nas escutas e na sua interpretação subjectiva das mesmas, como reconheceu, sem que posteriormente tivesse efectuado qualquer acto confirmativo da informação que daquelas teria resultado, pelo que o seu depoimento é um depoimento indirecto e sem qualquer valor probatório quanto ao arguido recorrente.
25. Contraria as regras da experiência comum, um individuo que faz transporte, controle e protecção de prostitutas não ser detectado com algum tipo de arma, de preservativos, de dinheiro quando é feita uma busca em sua casa ou na sua viatura, ou que não tenha na sua casa ou veiculo algo que o relacione com essa sua alegada actividade.
26. Contraria as regras da experiência, que alguém que se dedica profissionalmente à actividade de transporte, controle e protecção de prostitutas, para, e, na beira da estrada, não seja reconhecido, interceptado ou identificado nessa actividade quer pelos elementos policiais, quer por prostitutas, tanto mais que essa actividade pressupõe uma grande exposição de quem a pratica.
27. Tal como contraria as regras da experiência o facto de alguém que controla, dá protecção e transporte prostitutas não seja reconhecido no meio onde alegadamente actua.
28. Assim, a prova existente nos autos que legal e processualmente pode ser
aproveitada para a decisão, incluindo as escutas telefónicas com os n°s 905, 908 a
fls. 23/24, 2131, a fls4O/41, 6241, 6264, 6266, 6342 e 6442 de fls. 126 a 133 do apenso
1, conjugadas com as regras da experiência comum impunham que o arguido
D...fosse absolvido do crime de lenocínio agravado.

29. Foram, assim, violadas, para além de outros, as normas constantes dos artigos
129°, 130º, 356° n° 7, 379.°, n.° 1, ai. a), e 374.°, n.° 2 do Código Processo Penal, dos
artigo 32 no 1 e 205 n 1 da Constituição da República Portuguesa.

Nos termos do artigo 412° nos 3 e 4 do Código Processo Penal as provas que impõem decisão diversa são as declarações das testemunhas …………………………………….

Termos em que, revogando o acórdão proferido e substituindo-o por outro que o absolva do crime de lenocínio se fará inteira Justiça».

4.2. RECURSO B
O arguido E... finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito do acórdão proferido nos presentes autos, que condenou o Recorrente pela prática em co-autoria de um crime de lenocínio, p. p. art. 169.°, n.°s 1 e 2, al. a) do CP.
2. O Tribunal a quo considerou provado que:
a) O Arguido/Recorrente dedicava-se à exploração do ganho das prostitutas, de forma profissional desde pelo menos inícios de 2009.
b) O Arguido/Recorrente dedicava-se a tal actividade de modo reiterado e sucessivo e retirava dessa actividade a maioria dos proveitos económicos que auferia.
c) O Arguido/Recorrente tinha sob o seu domínio diversas prostitutas, às quais dava protecção, transporte e controlava à beira da estrada.
d) O Arguido/Recorrente cobrava uma percentagem do que as prostitutas auferiam, oscilando entre € 25,00, € 35,00 e € 50,00, como contrapartida da protecção, transporte e permissão a deixá-las prostituir-se nos locais dominados por ele.
e) O Arguido/Recorrente amedrontou e ameaçou as prostitutas por forma a conseguir que estas lhe pagassem as quantias exigidas.
f) O Arguido/Recorrente recebeu quantias em dinheiro de “maridos” de prostitutas de origem romena.
g) O Arguido/Recorrente tinha sob o seu controle inúmeras prostitutas, nomeadamente conhecidas ………………………………………………, ....
h) As quantias assim recebidas directamente das prostitutas e/ou dos tais «maridos» eram posteriormente divididas entre os arguidos.
i) O Arguido/Recorrente efectuava diariamente o transporte das prostitutas que controlava de e para os locais de prostituição que dominava.
j) Em Abril de 2009 o Arguido/Recorrente tentou controlar as prostitutas  ... e ....
k) A prostituta ... trabalhou para o Arguido/Recorrente durante o ano de 2009, exigindo-lhe dinheiro.
1) O Arguido/Recorrente fornecia preservativos às prostitutas.
m) O Arguido/Recorrente cumpriu pena de prisão.
n) O Arguido/Recorrente reitera em prosseguir vida criminosa.
2. Tal convicção assentou no depoimento das testemunhas de acusação … , Inspector-Chefe da PJ, U..., Inspectora da PJ,  … , Inspector da PJ,  … , Inspector da PJ,  …, Inspector da PJ,  … , Inspector da PJ e … , Inspector da PJ.
3. O único depoimento em que o Recorrente é referido é o da Inspectora U..., que explicou as transcrições das escutas telefónicas efectuadas de 02 de Junho a 27 de Agosto de 2009.
4. De acordo com a sentença, relativamente ao Recorrente relevam as escutas n°s 1440, 1443, 1651, 1654, 1706, 1729”.
4 (deveria ser 5). Do total de 87 dias de escutas, o Recorrente apenas comunicou 3 dias (conforme as datas das escutas referidas na conclusão anterior, o que não é fundamento suficiente para a condenação num crime que exige uma acção profissional ou habitual.
6. O Tribunal a quo estribou a sua convicção, ainda, nas testemunhas de acusação ..., ..., ....
7. Acontece que nenhuma destas testemunhas declarou conhecer o Recorrente.
8. Assentou, ainda, a convicção do Tribunal a quo nos autos de busca e apreensão, não tendo o Recorrente sido alvo destas.
9. Pelo exposto os factos foram incorrectamente dados como provados, verificando-se insuficiência para a decisão da matéria de facto dado como provada - art. 410.°, n.°2, alín. a) do
CPP.

10. Em consequência deve o Recorrente ser absolvido, com todas as consequências legais.
11. Sem prescindir do supra alegado, o Tribunal a quo fez incorrecta interpretação do art° 169°, n°1 do CP, no que respeita ao requisito do exercício profissional ou com intenção lucrativa da actividade, que não se encontra preenchido.
12. Devendo ser feita a correcta interpretação daquele artigo no sentido de se considerar como exigência da prática de um crime o preenchimento por factos que sustentem aquela actividade como um verdadeiro modo de vida ou de sustento, o que não é manifestamente o caso, devendo o Recorrente ser absolvido.
13. Caso assim se não entenda, não ficou, todavia, provado que o Recorrente tivesse preenchido alguma das alíneas do n.° 2 do art. 1 69.° (circunstâncias agravantes), que foram incorrectamente interpretadas, pois os factos praticados por outros arguidos não são extensíveis ao Recorrente sem mais.
14. Por conseguinte, o Recorrente não incorreu na prática de um crime de lenocínio agravado, não devendo ser condenado a pena superior a 12 meses, com suspensão da mesma, nos termos do art. 50º do CP.
15. A pena acessória a que foi condenado, de proibição de conduzir veículos a motor, revela-se desnecessária, uma vez que não se encontram presentes razões de prevenção (função preventiva adjuvante da pena principal) que justifiquem a sua necessidade e consequente aplicação, violando-se assim o disposto no art° 40° do CP».
 
4.3. RECURSO C
O arguido A... finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«I. O Recorrente foi condenado, pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 169.°, n.°s l e 2, al. a), do Código Penal, pela prática de um crime de detenção de armas proibidas, previsto e punido pelo artigo 86, n°1, ai. c) e n.° 2, da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei n.° 17/2009, de 6 de Maio, na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão; e na pena acessória de seis (6) meses de proibição de conduzir veículos a motor.
Formando a sua convicção no depoimento das seguintes testemunhas de acusação:
 … , Inspector-Chefe da PJ,
U..., Inspectora da PJ;
 … ; Inspector da PJ;
 … , Inspector da PJ;
... que estiveram ligadas aos arguidos à data dos factos, explicaram a
actividade ilícita daqueles e as ameaças que sentiram, (...)“;
...
.

II. O Tribunal dá como provado no parágrafo 1, pág. 3, que “Desde pelo menos inícios de 2009 que o arguido A..., de comum acordo e em concertação de esforços com os arguidos B..., conhecido por ..., , D..., conhecido por ... e E..., conhecido por E..., se vêm dedicando à exploração do ganho das prostitutas, deforma profissional”.
Todavia, como resulta do depoimento, o Senhor Inspector-Chefe João Paulo, só participou nas buscas realizadas a li de Novembro. Cfr. Excerto de depoimento acima transcrito a fls. 7.
Por sua vez, a Senhora Inspectora U... diz que após a depois da denúncia, as intercepções telefónicas tiveram início em Agosto de 2009. Cfr. Excerto de depoimento acima transcrito a fls. 7.
Já a testemunha ... não, que o ano passado não foi. Cfr. Excerto de depoimento acima transcrito a fls. 7.
III. De igual forma o Tribunal considerou provado no parágrafo 2 e 3, pág. 3 “Na verdade, era dessa actividade principal, a que se dedicavam de modo reiterado e sucessivo, que retiravam a maioria dos proveitos económicos que auferiam”
“Para tanto, os arguidos tinham sob o seu domínio diversas prostitutas, às quais davam protecção, transportavam de e para locais previamente estabelecidos, que controlavam, à beira da estrada, a fim destas aí angariarem clientes e com estes manterem relações de sexo remuneradas”.
Não foi produzida prova que demonstre elevado grau de certeza que o Recorrente se dedicava à exploração do ganho das prostitutas, de forma profissional.
Certo é que a testemunha ..., refere que nunca pagou qualquer importância a algum dos arguidos, nem ao Recorrente. Cfr. Excerto do seu depoimento acima transcrito a fls. 9.
Também a ... diz que era ela que ficava com o dinheiro dos clientes. Cfr. Excerto do seu depoimento acima transcrito a fls. 10 e 11.
IV. O Tribunal a quo dá como provado os factos constantes dos parágrafos 3 e 4, pág. 3, que “os arguidos tinham sob seu domínio diversas prostitutas, às quais davam protecção, transportavam de e para locais previamente estabelecidos, que controlavam, à beira da estrada, a fim destas aí angariarem e com estes manterem relações de sexo rernuneradas”.
E,
“Como contrapartida a essa protecção, transporte e permissão a deixá-las prostituir-se nesses locais por eles dominados, os arguidos cobravam-lhes urna percentagem do que elas auferiam por dia pelos actos sexuais que mantinham com os clientes, oscilando entre E 25, E35 e E50”.
V. Também relativamente a estes factos dados como provados, não há prova consistente para os consubstanciar veja-se o excerto de depoimento da testemunha ..., acima transcrito a fls. 9 e da testemunha ... a fls. 9 e 10.
VI. Considerou provado no parágrafo 5, pág. 4, que: “(...)os arguidos amedrontavam-nas, ameaçando-as (...)“. Acontece que, da análise da prova produzida resulta que não ficou demonstrado que o Recorrente nem os outros arguidos, tivessem violentado ou ameaçado gravemente quaisquer senhoras. Não há, em toda a prova produzida, um único testemunho donde o Tribunal possa infirmar que os arguidos ameaçavam e amedrontavam ou molestavam fisicamente as senhoras. A testemunha ... a instâncias do Senhor Procurador, afirmou mesmo: “Nunca nenhum deles me fez mal, por isso! O que é corroborado pelo depoimento dos Senhores Inspectores, relativamente ao uso que foi dado pelo Recorrente às armas apreendidas no âmbito das buscas realizadas. Cfr. Excerto dos depoimentos do Sr. inspector-Chefe … , acima transcrito a fls. 11 e da Senhora Inspectora U... a fls 2.
VII. Pelo teor dos depoimentos acima referidos, da restante prova feita nos presentes autos não há uma única referência a ameaças, ou que alguém tivesse referenciado de que foi objecto de violência, por parte do Recorrente ou dos outros arguidos.
O que impõe ao Tribunal a não agravação do crime.
VIII. O Tribunal a quo entendeu dar como provado nos parágrafos 6, 7, 8, 9 e 10, que as prostitutas romenas eram, em regra controladas por homens romenos “maridos”, os quais também cobravam a essa mulheres, os quais também pagavam então as quantias que estes lhe exigiam para permitirem que elas ocupassem locais de prostituição.
Feita a análise da prova, disse a testemunha ... que não sabe se eles pagam ou não, ou se é uma maneira de a tirarem do sítio. Afirma até, a instâncias do Meritíssimo Juiz que os romenos não eram os mesmos. Eram outros! Cfr. Excerto do seu depoimento acima transcrito a fls. 12 e 13.
Também a testemunha ... refere que só sabe o que os outros dizem, mas não sabe do quê que é esse dinheiro. Excerto do seu depoimento acima transcrito a fls. 14.
Para consubstanciar a falta de prova produzida quanto à matéria dada como provada nos parágrafos 6, 7, 8, 9 e 10, pág. 4 do Acórdão recorrido. Cfr. Excerto do depoimento da Sr.a inspectora U... transcrito acima a fls. 15.
IX. O Tribunal a quo não utilizou a faculdade de mandar chamar “os rnaridos”os romenos, pessoas intervenientes directamente no alegado pagamento ao Recorrente.
X. A utilização e valoração dos testemunhos em causa é incompatível com a estrutura acusatória do processo, por contrária aos princípios da imediação e de contra- interrogatório na fase de julgamento.
XI. Dado o teor do artigo 32.°, n.° 5, da CRP, devem considerar-se incompatíveis com a Constituição.
XII. Em síntese, tanto à luz da Constituição como à luz da interpretação que se nos afigura mais correcta do Código de Processo Penal, é forçoso concluir pela inadmissibilidade do depoimento indirecto no nosso Processo Penal.
XIII. Em consequência, não pode o Tribunal dar como provados os factos relatados nos depoimentos das testemunhas relativamente ao pagamento feito pelos “romenos” ao Recorrente.
XIV. O Tribunal considerou provado no parágrafo 11, pág. 4, que “As quantias assim recebidas directamente das prostitutas e/ou dos tais «maridos» eram posteriormente divididas entre os arguidos”.
Todavia, não foi produzida prova que demonstre, quanto, onde, se existiam quantias, e se, e de que forma eram efectivamente distribuídas pelos arguidos.
XV. O Tribunal a quo conseguiu dar como provados que “Em Abril de 2009, tentou ainda o arguido A... e demais arguidos controlar ... e ..., prostitutas, quando estas estavam a exercer esta actividade em Santa Luzia, Mealhada”. “Por ser área que o arguido e seu grupo dominavam, em confino, o arguido A... exigiu que cada urna lhes pagasse a quantia de E200,00 por semana, à semelhança do que exigiam a outras mulheres que controlavam na zona” “Mais lhes transmitiu que se não pagassem essas quantias seriam expulsas do local, à força” “Por não terem aceite pagar-lhes esses montantes, mas temendo que aqueles as viessem a agredir fisicamente, caso persistissem em se prostituir nessa zona de Santa Luzia, a ... e a ... mudaram de local, tendo ido para a estrada do Luso”.
XVI. Todavia é do conhecimento do Tribunal a quo, os mesmos factos foram já objecto de Julgamento no Proc. n.° 236/09.9JACBR, que correu termos no Tribunal Judicial da Mealhada conforme fez prova na Audiência de Julgamento.
O Recorrente juntou a fls. 1411 a 1420 a Sentença. o qual o Recorrente foi Arguido acusado em co-autoria, na forma tentada e em concurso efectivo da prática de dois crimes de extorsão, previsto e punido pelos artigos 23.° e 223.°, n.° 1 do Código Penal.
XVII. Os factos de que o Arguido é acusado nos presentes autos encontram-se englobados na acusação proferida naquele processo. Cfr. Excerto do depoimento da testemunha ..., acima transcrito a fls. 15 e 16; Cfr. Excerto do depoimento da testemunha ..., acima transcrito a fls. 16, 17 e 18. E Cfr. Excerto do depoimento da testemunha ....., acima transcrito a fls. 18, 19 e 20.
XVIII. O Recorrente juntou a fls. 1411 a 1420 dos presentes autos o Acórdão do Proc. n,° 236/09.9JACBR, que correu termos no Tribunal Judicial da Mealhada, que já transitou em julgado.
XIX. Onde resulta a fls. 1412 dos presentes autos, provado que:
- “1 “...e ... dedicam-se à actividade da prostituição na estrada do Luso e no 1C2, na zona de santa Luzia, área desta comarca”.
XX. A fls. 1415, 1416 e 1417 dos presentes autos não se provaram os seguintes factos:
“1. Entre o dia 01 e o dia 06 de 2009, quando ... se encontrava na estrada de Santa Luzia, foi abordada pelos arguidos A... e  … e um terceiro indivíduo de identidade não concretamente apurada e, enquanto aqueles dois permaneciam ao seu lado em atitude intimidatória, A... disse-lhe que: “aquela zona onde as mulheres trabalham era dele” e que se a ... ali quisesse permanecer teria de lhe pagar € 200,00 (‘duzentos euros) por semana, senão teria de sair daquele local”.
“2. Depois, os arguidos, acompanhados do terceiro indivíduo, aproximaram-se de ... que também ali se encontrava e o arguido A... disse-lhe que “aquilo era tudo dele” e que se ... ali quisesse permanecer teria de lhe pagar € 200,00 (duzentos euros) por semana, senão teria de sair daquele local”.
“3.  ... e ...  recusaram-se a entregar aos arguidos aquelas quantias e, perante a insistência destes, ... ... telefonou ao seu marido ... solicitando-lhe que se deslocasse ao local, o que veio a suceder”.
“4. Quando ..... ali chegou o arguido A... disse novamente aquelas palavras perante ....., dizendo-lhe que se ... ... não pagasse teria de tirar dali a sua mulher, se não “teria que se ver com ele”.
“5. Em resposta, ..... disse que a sua esposa não lhe entregaria aquela quantia, nem abandonaria o local ao que o arguido A... lhe disse que, nesse caso, iria ao carro, dando a entender que iria ali buscar qualquer objecto para os agredir”.
“6. Nessa altura, ... ... e ... . recusaram-se a pagar aquelas quantias e, por receio de que os arguidos as agredissem acabaram por abandonar o local contra a sua vontade.”
“10. Os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, de forma concertada e em união de esforços, ao abordar ... ... e ... naquelas circunstâncias e através das palavras proferidas, bem como dos actos praticados e acima descritos, com o propósito de, desse modo, causar a ... ... e ... medo e receio pela sua integridade física e forçar as ofendidas, contra as suas vontades, a entregar-lhes duzentos euros semana/mente, quantias que sabiam não lhes ser devidas, bem sabendo que essa entrega causaria às ofendidas uni prejuízo em igual medida, o que quiseram.”
XXI. Do julgamento resultou a absolvição do arguido A..., aqui Recorrente.
XXII. Não obstante, o Tribunal a quo, considera provados os factos constantes dos
Parágrafos 15, 16, 17, pág.
5 e parágrafo 18 da pág. 6 douto Acórdão, e condena o
Recorrente por factos que já haviam sido objecto de julgamento anterior (Proc. n.°
236/09.9JACBR, que correu termos no Tribunal Judicial da Mealhada).

XXIII. Termos em que ao julgar e condenar o Recorrente, por factos que já haviam sido objecto de julgamento anterior, violou o douto Acórdão sob recurso o disposto no n.° 5, do artigo 29.° da CRP, que impõe que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.
XXIV. O princípio ne bis in idem comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direíto de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto.
XXV. Assim, e de acordo com o que supra ficou dito, porque se verifica uma unificação da conduta do Arguido entre os factos submetidos a julgamento nestes autos, e dados como provados, e aqueles que foram objecto de condenação transitada em julgado, no processo n°236/09.9JACBR, que correu termos no Tribunal Judicial da Mealhada, conclui-se pela verificação de caso julgado.
XXVI. E como tal há que revogar o acórdão Recorrido, absolvendo-se o Recorrente nestes autos, pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 169.°, n.° 1 e 2, ai. a), do Cód. Penal.
XXVII. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, julgou incorrectamente os factos, porque em relação aos mesmos não foi produzida prova.
XXVIII. Nos autos não ficou amplamente demonstrado, que o Recorrente e os outros não ameaçaram ou exerceram violência sobre ninguém!
XXIX. Pelo que, considera a medida concreta da pena de (5) cinco anos de prisão, desproporcional, excessiva e violadora do princípio da igualdade.
XXX. Do texto do Acórdão recorrido resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a al. a), do n.° 2 do artigo 410.°, do Cód. Proc. Penal.
Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o Acórdão recorrido, tudo com as legais consequências».

4.4. RECURSO D
O arguido B...finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. O recorrente não se conforma com a matéria de facto dada como provada nos presentes autos face à insuficiência da prova produzida em sede de audiência de julgamento.
A) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Quanto ao crime de lenocínio:
2. Nenhum dos depoimentos prestados pelas testemunhas poderá ser suficiente para a comprovação factual de que o arguido B..., ora recorrente, tivesse profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentado, favorecido ou facilitado o exercício de prostituição.
3. Na verdade, da análise da prova produzida resulta que não se demonstrou que o ora recorrente obtivesse quaisquer proventos com aquela actividade.
4. Aliás, não foram provados quaisquer sinais exteriores de riqueza.
5. Os depoimentos das testemunhas, que dedicam-se à prostituição nas zonas supostamente controladas pelo arguido B..., foram peremptórios a afirmar que desconheciam o recorrente, nunca lhe entregaram dinheiro, nunca presenciaram a entrega de dinheiro ou sequer o transporte de prostitutas pelo recorrente.
6. Não se provou, com o devido respeito, que recorrente tenha tentado controlar seja quem for, uma vez que a prova testemunhal (da Sra. ... ..., da Sra. ... e do Sr. ....) contraria totalmente tal factualidade.
7. De resto, o “ouvi dizer que.. .“ não poderia ser tido em consideração pelo Tribunal a quo, uma vez que se trata de depoimento indirecto e, por isso, não aceite como meio de prova.
8. O Tribunal a quo limita-se a afirmar que os depoimentos das testemunhas são confirmados pelas escutas telefónicas.
9. Todavia para fundamentar a convicção do julgador torna-se necessário (neste concreto caso, em que as conversas não são explícitas), que os diálogos sejam comparados com outros meios probatórios.
10. Mesmo nas diligências externas e vigilâncias, efectuadas pelos Inspectores da Polícia Judiciária, não foi possível comprovar ou verificar a actividade conjunta dos arguidos, ou do recorrente B..., na prática do crime de lenocínio agravado.
11. Os depoimentos dos Inspectores da Policia Judiciária nada relataram que pudesse, de per si, fundamentar a convicção de condenação.
12. O que se entende, salvo melhor opinião, é que, como já abundantemente referido, não foi produzida em julgamento qualquer prova que submetida à livre apreciação do juiz e conjugada com as regras da experiência comum, levasse a dar, como fez o Colectivo de Juízes, a indicada matéria como provada, no que ao recorrente se refere.
13. A decisão em análise violou flagrante e preocupantemente as disposições conjugadas dos artigos 355º, 125° e 127°, todos do CPP e 32°, no 5 da Constituição da República.
Quanto ao crime detenção de munição proibida:
14. Face à prova produzida, também neste caso, não há preenchimento do tipo de ilícito previsto e punido pelos arts. 2°, n° 3, al. p) e 86°, n° 1, ai. d) da Lei 5/2006 de 23/02, na redacção da Lei 17/2009, de 06/05.
15. Na verdade, a munição foi encontrada em cima de uma mesa que se encontrava do lado esquerdo do quarto n° …  Pensão …, conforme fotografia de fls. 307 dos autos.
16. O recorrente não detinha, transportava, importava, transferia, guardava, comprava, adquiria a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usava ou trazia consigo a munição proibida.
17. Pelo que, o Tribunal errou ao considerar mal a prova, presumindo factos que não encontram sustento factual, violando novamente os preceitos normativos supra indicados.
B) DOS CRIMES E DA MEDIDA DA PENA
Quanto ao crime de lenocínio:
18. Foi aplicada ao arguido B..., ora recorrente, a pena cominada pelo n° 2 do art. 169° do CP, isto é, o Tribunal a quo considerou que o arguido incorreu na prática do crime de lenocínio agravado.
19. De toda a prova produzida, nenhum dos depoimentos prestados expôs uma situação concreta de violência ou ameaça onde o recorrente B... interviesse.
20. Não se comprovou em sede de audiência de julgamento que o ora recorrente se tenha aproveitado de uma especial situação de fragilidade ou que tivesse exercido coacção sobre a vítima, tirando-lhe, pelo menos, a liberdade de decisão de exercer ou não a prostituição.
21. Pelo que se deverá operar a necessária convolação, sendo que a haver condenação será pela forma simplificada do crime de lenocínio prevista e punida no art. 169°, n° 1 do CP.
Quanto ao crime detenção de munição proibida:
22. Não se aludem a condenações do género imputados ao arguido e o Tribunal a quo deveria ter retirado disso a necessária consequência, como aliás prevê o art. 71°, n° 2 ai. a), b) e d) do CP.
23. Pelo contrário, optou por aplicar a pena mais gravosa: a pena de prisão.
24. Quando a opção pela moldura abstracta da pena de multa mostrar-se-ia mais conveniente e adequada às finalidades da punição que a pena de prisão.
25. Sendo que, o Colectivo ao afastar a possibilidade de determinar a pena concreta no âmbito da moldura da pena alternativa de multa, violou os arts. 400, 500, 70°, 71° e 72° do Código Penal.
TERMOS EM QUE:
Deve o recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente:
a)-  Revogar-se o acórdão recorrido no que concerne à fundamentação de facto (factos provados), considerando-se como não provados os indicados nas conclusões; ou, quando assim se não entenda, deve a mesma ser declara nula com as legais consequências.
b) Na hipótese de ser verificar que o acórdão obedeceu à lei e à constituição, deve ser operada a convolação do ilícito imputado ao recorrente na forma simplificada do crime de lenocínio prevista e punida no art. 169°, n° 1 do CP e ainda, por se demonstrar mais conveniente e adequada às finalidades da punição, aplicar-se uma pena de multa ao crime de detenção de munição proibida».

            5. O Ministério Público em 1ª instância RESPONDEU aos 4 recursos, opinando que o acórdão recorrido deve ser mantido na íntegra, assente que o mesmo fez uma criteriosa fundamentação e aplicação da lei a cada um dos casos concretos.

            6. Admitidos os recursos e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República deu o seu parecer, reiterando as posições do Magistrado do MP de 1ª instância.

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. QUESTÕES A RESOLVER

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso[3], as questões a decidir consistem em saber se:

RECURSO A – D...
o a sentença é nula por não ter feito o exame crítico de toda a prova?
o há erro de julgamento quanto à intervenção do arguido D...no lenocínio?

RECURSO B – E... há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada?
o há erro de julgamento quanto à intervenção do arguido E... no lenocínio?
o está perfectibilizado, quanto a si, o requisito do exercício profissional ou com intenção lucrativa, ínsito no artigo 169º/1 do CP?
o estão perfectibilizadas as circunstâncias agravantes do artigo 169º/2 do CP?
o é desnecessária a pena acessória a si aplicada?

RECURSO C – A...
o há erros de julgamento?
o há violação do princípio «ne bis in idem»?
o a pena foi excessiva?

RECURSO D – B... há erros de julgamento?
o o crime de lenocínio deve ser agravado?
o há ou não preenchimento do tipo de ilícito previsto e punido pelos artigos 2º/3 p) e 86º/1 d) da Lei 5/2006 de 23/2, na redacção da Lei n.º 17/2009 de 6/5?
o deveria ter sido aplicada pena de multa pelo crime de detenção de arma proibida?


            2. DO ACÓRDÃO RECORRIDO

            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição mas com numeração nossa):

1. «Desde pelo menos inícios de 2009 que o arguido A..., de comum acordo e em concertação de esforços com os arguidos B..., conhecido por ..., , D..., conhecido por ... e E..., conhecido por E..., se vêm dedicando à exploração do ganho das prostitutas, de forma profissional.
2. Na verdade, era dessa actividade principal, a que se dedicavam de modo reiterado e sucessivo, que retiravam a maioria dos proveitos económicos que auferiam.
3. Para tanto, os arguidos tinham sob o seu domínio diversas prostitutas, às quais davam protecção, transportavam de e para locais previamente estabelecidos, que controlavam, à beira da estrada, a fim destas aí angariarem clientes e com estes manterem relações de sexo remuneradas.
4. Como contrapartida a essa protecção, transporte e permissão a deixá-las prostituir-se nesses locais por eles dominados, os arguidos cobravam-lhes uma percentagem do que elas auferiam por dia pelos actos sexuais que mantinham com clientes, oscilando entre €25, €35 e €50.
5. Para conseguirem que as prostitutas lhes pagassem as quantias exigidas, os arguidos amedrontavam-nas, ameaçando-as que se não o fizessem não as deixariam nesses locais exercer a prostituição e as molestariam fisicamente.
6. No que respeita a prostitutas de origem romena, as mesmas eram, em regra, controladas por homens também de origem romena, vulgarmente designados por «maridos», os quais também cobravam a essas mulheres parte das quantias que elas angariavam ao manterem relações de sexo remuneradas com clientes.
7. Nessa situação estavam, entre outras, as cidadãs romenas conhecidas pelos nomes de “ ….”.
8. Os tais «maridos», entre outros os conhecidos pelo nomes de “ …. ”, com o dinheiro que recebiam dos actos de prostituição das respectivas mulheres, pagavam então aos arguidos as quantias que estes lhes exigiam para permitirem que elas ocupassem locais de prostituição por eles dominados, sob pena de lhes infligirem agressões físicas e não as deixarem aí prostituir-se.
9. As quantias em dinheiro pelos tais maridos entregues aos arguidos eram variáveis, podendo ir de €60 a pelo menos €100/dia, chegando a perfazer entregas diárias/semanais de 180, 200, 360, 500 euros ou mesmo mais.
10. Esta actividade delituosa dos arguidos, de cobrança às prostitutas de percentagens do que elas auferiam pelos actos sexuais remunerados, assim como aos indivíduos de origem romena que controlavam outras prostitutas, estendia-se por diversas zonas geográficas, designadamente pelas áreas da Pombal, Penela, Condeixa-a-Nova (EN 1), Figueira da Foz, Tocha, Mira (EN 109), Mealhada, Águeda, Aveiro, Oiã, Palhaça, Oliveira do Bairro, Albergaria-a-Velha.
11. As quantias assim recebidas directamente das prostitutas e/ou dos tais «maridos» eram posteriormente divididas entre os arguidos.
12. Tinham os arguidos sob o seu controlo inúmeras prostitutas, nomeadamente as conhecidas por ………………………, ....
13. Diariamente os arguidos, tudo de acordo com o plano entre eles estabelecido, efectuavam o transporte das prostitutas que controlavam de e para os locais de prostituição que dominavam, sob orientação do arguido A....
14. Tanto assim que foram observados/constatados vários dos arguidos nestas tarefas, nomeadamente nas seguintes datas:
A) Em 5.5.2009, cerca das 19h30m, o arguido B..., conduzindo o seu veículo ligeiro de passageiros, marca Citroen, dirigiu-se à estrada entre Penela e Condeixa-a-Nova, onde apanhou uma prostituta, após o que se direccionou para o IC2, antiga EN1, a sul de Condeixa, onde apanhou mais duas prostitutas e as transportou para as suas residências.
B) Já em datas anteriores o arguido B... havia efectuado o mesmo tipo de transporte, quer utilizando o referido Citroen ZX, também registado seu nome, assim como o veículo ligeiro de mercadorias, marca Citroen,  o qual estava a ser pago pelo arguido A..., sendo cedido por este àquele para efectivação desse tipo de serviços.
C) Também o arguido D..., conduzindo o veículo ligeiro de passageiros, marca Mercedes, matrícula ..., sua pertença, efectuava o transporte de prostitutas nesses moldes.
D) O mesmo fizeram os arguidos E..., A... nos veículos automóveis que utilizavam para o efeito, tendo  … por vezes utilizado o Renault 19, e o A... os furgões …. , estes dois últimos registados em seu nome.
15. Em Abril de 2009, tentou ainda o arguido A... e demais arguidos controlar ... ... e ..., prostitutas, quando estas estavam a exercer esta actividade em Santa Luzia, Mealhada.
16. Por ser área que o arguido e seu grupo dominavam, em conluio, o arguido A... exigiu que cada uma lhes pagasse a quantia de €200,00 por semana, à semelhança do que exigiam a outras mulheres que controlavam na zona.
17. Mais lhes transmitiu que se não pagassem essas quantias seriam expulsas do local, à força.
18. Por não terem aceite pagar-lhes esses montantes, mas temendo que aqueles as viessem a agredir fisicamente, caso persistissem em se prostituir nessa zona de Santa Luzia, a ... ... e a ... mudaram de local, tendo ido para a estrada do Luso.
19. Também a ..., prostituta, trabalhou para o arguido ... e demais arguidos, na zona de Aveiro, durante o ano de 2009, entregando àquele as quantias que lhe exigiam, por ex. €35,00/dia, quantias que provinham do preço que cobrava pelas relações de sexo remunerados que mantinha com clientes. E fazia-o, de molde a que o ...e restantes arguidos a deixassem continuar a prostituir-se nesse local por eles controlado, sabendo que se não o fizesse sobre si exerceriam violência física e daí expulsá-la-iam.
20. No decurso das investigações, em 11.11.2009, foram realizadas as seguintes buscas, tendo sido apreendido a cada um dos arguidos designadamente o seguinte:
A) A....
i. Motel … , sito na rua … , Figueira da Foz, explorado pelo arguido A....
1. No escritório, na gaveta da secretária:
2. 1 (um) revólver, tipo British Bulldog, calibre .320, equivalente a calibre .32 Smith & Wesson, tendo o cano o comprimento de 54 mm;
3. 14 (catorze) kits de cartões da “Rede 4”;
4. 2 (dois) kits de cartões da TMN;
5. 1 (uma) caixa com 44 cartões de memória;
6. Vários pedaços de papel manuscritos com números de telemóvel e pagamentos associados a nomes estrangeiros;
7. 1 (uma) cédula de matrícula da cidadã brasileira…. ;
8. 1 (um) boletim sanitário de cães, em nome de … ;
9. Duplicado relativo à remessa para a Roménia da quantia de €500,00, através da … ;
10. 1 (um) telemóvel, marca Apple, modelo A8+, IMEI;
11. 1 (um) telemóvel, marca Nokia, modelo 3510i, IMEI;
ii. No escritório, na gaveta de um móvel metálico:
1. 1 (uma) nota emitida pelo Banco Nacional da Roménia, no valor de 1 LEU;
iii. No escritório, em cima de um móvel de gavetas:
1. 2 (duas) caixas de preservativos, de diversas marcas, entre as quais Unilatex, uma completa, com 144 (cento e quarenta e quatro) preservativos e a outra já só com 49 (quarenta e nove) unidades;
iv. No balcão da recepção:
1. 1 (um) emissor/receptor (walkie-talkie), marca Motorola, modelo T5622, n.º de série 175WGQOBWW;
v. Na despensa contígua à recepção, numa prateleira:
1. 1 (uma) pistola semi-automática, calibre 6,35mm Browning, marca Rigarmi, com respectivo coldre, a qual estava acondicionada numa caixa de cartão;
vi. No quarto n.º 10, utilizado pelo arguido, dentro do roupeiro:
1. 2 (duas) notas emitidas pelo Banco Nacional da Roménia, com o valor facial de 5 e 10 LEI, respectivamente, as quais estavam dentro da carteira do arguido;
2. 1 (um) telemóvel, marca NOKIA, modelo 5000d-2, IMEI;
3. 1 (um) telemóvel, marca NOKIA, modelo 6600, IMEI;
vii. No veículo ligeiro de mercadorias, marca Citroen, de cor branca, utilizado pelo arguido A..., que estava estacionado no parque do Motel:
1. 1 (uma) caixa completa, com 144 (cento e quarenta e quatro) preservativos, marca Unilatex, a qual estava debaixo do banco do condutor;
viii. No veículo ligeiro de passageiros, marca Mitsubishi, de cor preta, pertença e utilizado pelo arguido A..., que estava estacionado no parque do Motel:
1. 1 (um) emissor/receptor (walkie-talkie), marca Motorola, modelo T5622, que se encontrava em cima da consola central da viatura, junto à alavanca de velocidades;
ix. No veículo ligeiro de passageiros, marca Honda,  de cor preta, também utilizado pelo arguido A..., que estava estacionado no parque do Motel:
1. 4 (quatro) preservativos, marca Shadow, que estavam na porta do lado do condutor.
B) B....
i. Busca ao Quarto … , Coimbra, ocupado pelo arguido B...:
1. Em cima de uma mesa:
a. 1 (um) saco contendo 130 (centro e trinta) caixas individuais de preservativos, marca Zigzag - 10 (dez) caixas de preservativos contendo cada uma delas uma caixa com três, marca Bumper, perfazendo a quantidade de 30 (trinta);
b. 1 (uma) munição para revólver, calibre .38 Smith & Wesson Special, equivalente a 9 mm no sistema métrico, marca Remington Peters;
2. Por baixo da mesa, no chão
a. 1 (um) saco de plástico com 224 (duzentos e vinte e quatro) preservativos, em caixa individual, marca Zigzag;
b. diversos documentos;
3. Nas gavetas da mesa-de-cabeceira:
a. 30 (trinta) preservativos, marcas Control e Artsana; - 13 (treze) caixas de preservativos, cada uma com 3, marca Bumper, perfazendo 39 (trinta e nove) preservativos (cfr. exame de fls. 452 a 455);
4. Em poder do arguido:
a. a quantia de € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros), em notas do BCE.
b. Na ocasião, mais lhe foi apreendido o veículo ligeiro de passageiros, marca Renault,  pertença de … , que na ocasião estava na disponibilidade do arguido B..., sendo por este conduzido nas deslocações que realizava relacionadas com o transporte de prostitutas de e para os locais de prostituição.
c. Por despacho de 12.112009, a fls. 392, passou esse veículo a ficar apreendido à ordem do inquérito n.º 1970/09.9PCCBR, tendo sido restituído à proprietária em 18.12.2009, mediante termo de entrega a fls. 473.
C) C.......
i. Residência do arguido ..., sita na rua da … , Águeda.
1. Na cozinha, no interior de um móvel:
a. Duas soqueiras em metal, de cor preta, uma com bordos arredondados, tendo de comprimento 11 cm, que estava na 2ª gaveta, e a outra com bordos pontiagudos, com 9,5 cm de comprimento, num cesto em verga.
2. No quarto do arguido, dentro de um roupeiro:
a. 1 (um) taco de basebol, de madeira, com o comprimento de 88 cm;
ii. No veículo ligeiro de passageiros, marca Renault, pertença do arguido ... e por este utilizado, o qual estava estacionado no pátio da moradia:
1. 1 (um) cabo em madeira, com o comprimento de 1,02 m, o qual estava junto ao banco do lado do condutor;
2. 1 (uma) caixa contendo 11 (onze) embalagens de preservativos, marca Million, num total de 125 unidades, que estava em cima do banco de trás;
3. 1 (um) punhal, com cabo em madeira, tendo lâmina retráctil com 13 cm de comprimento, na porta do lado do condutor.
iii. Em poder do arguido:
1. 1 (um) telemóvel, marca NOKIA, modelo 2600, IMEI.
21. Os preservativos apreendidos destinavam-se a ser fornecidos por todos os arguidos às prostitutas que controlavam, de molde a estas os utilizarem nos clientes que com elas viessem a manter relações de sexo remuneradas.
22. Também os telemóveis, cartões SIM, os emissores/receptores (walkie-talkie) e demais acessórios para comunicação, aqui apreendidos, se destinavam a ser utilizados nos contactos que os arguidos desenvolviam nesta actividade, designadamente entre eles e entre eles e as prostitutas.
23. Entre outros números de telemóvel, nos contactos telefónicos que mantinham relacionados com a exploração do ganho das prostitutas, os arguidos utilizavam os seguintes:
A) A... -;
B) B... (...) -;
C) ... - 6;
D) D...(...) -;
E) E... -.
24. O dinheiro apreendido ao arguido B... era proveito da exploração do ganho das prostitutas, uma vez serem quantias que foram entregues pelas mesmas aquele, como contrapartida ao facto dos arguidos lhes darem protecção, as deixarem prostituir-se em zonas sobre as quais tinham domínio e transportarem-nas de e para esses locais.
25. A pistola semi-automática e revólver apreendidos ao arguido A..., sua pertença, não se encontravam manifestados nem registados em seu nome, nem o arguido possuía licença de uso e porte de arma de fogo.
26. O cabo de madeira, o punhal, o taco de basebol e as duas soqueiras apreendidos ao arguido ...eram sua pertença e destinavam-se a ser por si usados, como arma de agressão, nos frequentes conflitos que surgem entre as pessoas envolvidas no ganho da exploração da prostituição.
27. Todos os arguidos têm antecedentes criminais, tendo, inclusive, cumprido pena de prisão.
28. Não obstante as condenações e períodos de reclusão a que têm estado sujeitos, os arguidos, sempre que restituídos à liberdade, reiteram em prosseguir a sua vida criminosa, voltando a delinquir.
29. No que respeita ao arguido A...:
A) processo comum colectivo n.º 1341/97.8TAAVR (ex 309/97), do 1º Juízo Criminal de Aveiro, por acórdão de 20.4.1998, transitado em julgado, foi o arguido condenado como autor de crimes de sequestro, tráfico de pessoas e de lenocínio, praticados em 1993, na pena única de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual foi reduzida para 13 (treze) anos e 2 (dois) meses de prisão, em função do perdão resultante da Lei de Amnistia n.º 29/99, de 12 de Maio, por acórdão de 31.5.1999;
B) processo comum singular n.º 57/00.4TBMMV (ex 23/00), do Tribunal Judicial da comarca de Montemor-o-Velho, por sentença de 19.6.2000, transitada em julgado, foi condenado como autor de um crime de detenção de arma proibida, praticado em 19.9.1996, na pena de 3 (três) meses de prisão.
C) Efectuado cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo comum colectivo n.º 1341/97.8TAAVR (ex 309/97), foi condenado na pena única de 13 (treze) anos e 3 (três) meses de prisão.
D) processo comum colectivo n.º 1500/05.1PBFIG, do 3º Juízo, do Tribunal Judicial da comarca da Figueira da Foz, por sentença de 17.7.2007, transitada em julgado, foi condenado como autor de crimes de ofensa à integridade física qualificada, desobediência e resistência e coacção sobre funcionário, praticados em 15.12.2005, na pena única de 20 (vinte) meses de prisão, inicialmente suspensa na sua execução por 2 anos e depois reduzida para 20 (vinte) meses, por despacho de 5.11.2008. Mais foi condenado na sentença na proibição de conduzir veículos motorizados por 105 dias. Em função da prisão preventiva e penas de prisão efectivas em que foi condenado, o arguido A... esteve preso de 19.9.1996 a 28.7.2005, data em que saiu em liberdade condicional.
30. No que respeita ao arguido B...:
A) processo comum colectivo n.º 1341/97.8TAAVR (ex 309/97), do 1º Juízo Criminal de Aveiro, por acórdão de 20.4.1998, transitado em julgado, foi o arguido condenado como autor de dois crimes de lenocínio, praticados em 1993, na pena única de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão, à qual foram perdoados 2 (dois) anos de prisão, por acórdão de 14.7.1999.
B) À ordem desse processo esteve preso preventivamente de 3.10.1996 a 15.7.1998.
31. No que respeita ao arguido ...:
A) Para além de 6 (seis) condenações por crimes de condução sem carta, no processo comum colectivo n.º 1341/97.8TAAVR (ex 309/97), do 1º Juízo Criminal de Aveiro, por acórdão de 20.4.1998, transitado em julgado, foi o arguido condenado como autor de um crime de tráfico de pessoas e um crime de lenocínio, praticados em 1993, na pena única de 4 (quatro) anos e 8 (meses) meses de prisão.
B) Em prisão preventiva e cumprimento de pena esteve preso à ordem desse processo de 26.2.1997 a 26.10.2000.
32. No que respeita ao arguido D...(cfr. CRC de fls. 793 a 795, ficha biográfica de recluso de fls. 743 a 747 e certidão do processo comum colectivo n.º 1341/97.8TAAVR, de fls. 811 a 940):
A) processo comum colectivo n.º 1341/97.8TAAVR (ex 309/97), do 1º Juízo Criminal de Aveiro, por acórdão de 20.4.1998, transitado em julgado, foi o arguido condenado como autor de um crime de sequestro e um crime de violação, praticados em 5.6.1996, na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
B) Em prisão preventiva e cumprimento de pena esteve preso à ordem desse processo de 19.2.1997 a 28.7.2000, pena que foi declarada extinta por despacho de 11.12.2006.
33. No que respeita ao arguido E... (cfr. CRC de fls. 775 e 776 e ficha biográfica de recluso de fls. 748 a 751):
A) processo abreviado n.º 56/02.1GTLRA, do 2º Juízo, do tribunal Judicial da comarca de Porto de Mós, por sentença de 29.5.2003, transitada em julgado, foi o arguido condenado como autor de um crime de desobediência e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticados em 20.2.2002, na pena única de 115 (cento e quinze) dias de multa, à taxa de € 4,00, num total de €460,00, que pagou.
B) Esteve ainda preso preventivamente no âmbito do processo 213/98, do 3º Juízo de Competência Especializada Criminal de Aveiro, 1ª Secção, de 18.5.2001 a 22.10.2001, data em que foi restituído à liberdade.
34. Os cinco arguidos agiram voluntária, livre e conscientemente, de comum acordo e em concertação de esforços, sob a mesma resolução criminosa, com o propósito de obterem proveitos económicos indevidos, resultantes da exploração do ganho das prostitutas que tinham a trabalhar para eles, em locais previamente determinados, que dominavam.
35. Para tanto, em troca de protecção, transporte de e para esses locais e permissão para aí se prostituírem, os arguidos, agindo conluiados, exigiam-lhes a entrega de parte do preço que elas arrecadavam nos actos sexuais que mantinham com os clientes, sob ameaça de sobre elas exercerem violência física e de nesses sítios não as deixarem desempenhar essa actividade.
36. De igual modo actuavam ao exigirem a entrega de quantias em dinheiro aos indivíduos de origem romena, vulgo maridos, que controlavam prostitutas desse país originárias, para permitirem que estas nesses locais se pudessem prostituir, isto sob ameaça de agressões físicas e daí as expulsarem, caso não acedessem a tais exigências.
37. Os arguidos sabiam que todas as quantias em dinheiro exigidas e arrecadadas, entregues directamente pelas prostitutas ou pelos tais maridos, advinham do preço cobrado pelas mulheres ao manterem relações de sexo remuneradas com clientes.
38. O arguido A... ainda actuou de modo deliberado e consciente, ao deter a pistola e o revólver, ciente que não se encontravam manifestados e registados em seu nome e de que não possuía licença de uso e porte de arma de fogo.
39. Essas armas não estavam em condições de disparar imediatamente.
40. O arguido B... também agiu de modo deliberado e consciente, ao deter a munição calibre .38 Smith & Wesson Special, equivalente a 9 mm no sistema métrico, ciente que a mesma se destinava a ser utilizada em arma de fogo curta de repetição ou semiautomática.
41. Não ignorava não ser titular de licença de uso e porte de arma de fogo e que a munição se destinava a arma de fogo de calibre equivalente a 9 mm, cuja detenção não é permitida aos cidadãos em geral, como era o caso.
42. O arguido ...actuou de modo deliberado e consciente, ao deter o cabo de madeira, o taco de basebol, o punhal e as duas soqueiras, com vista a utilizá-los como instrumentos de agressão física, ciente de inexistir qualquer razão válida para a sua detenção.
43. Sabia que tais objectos eram aptos a molestar fisicamente os visados.
44. Os cinco arguidos tinham conhecimento de serem as suas condutas proibidas pela lei penal.
45. O arguido A... completou o ciclo preparatório.
A) Permaneceu inactivo até ingressar no serviço militar.
B) Depois casou-se e ficou a viver em Lisboa, trabalhando numa empresa do ramo alimentar, deslocando-se pelo País.
C) Teve outras relações de tipo marital e relacionou-se com indivíduos anti-sociais, acabando por ser preso.
D) Quando libertado, trabalhou na construção civil e posteriormente na gestão e exploração do Motel … .
E) Entregou o Motel aos donos e explora actualmente um “stand” de comércio de automóveis em … .
F) Vive em casa própria, com terrenos anexos.
G) A companheira é doméstica.
H) Têm filhos de ambos com 3 e 5 anos de idade, confiados a tios paternos por decisão judicial.
I) Os seus demais filhos são adultos, fruto de outra ligação de tipo marital.
J) Um deles vive consigo e é toxicodependente.
K) Tem a mãe doente, sendo amparada por todos os filhos.
L) O seu referencial de valores aparentemente distorcido poderá condicionar um baixo nível de consciência crítica quando confrontado com a situação dos autos, havendo risco de reincidência.
46. O arguido B... frequentou o antigo 3º ano do liceu.
A) A mãe faleceu e nada sabe do pai desde os seus dez anos de idade.
B) Após abandonar os estudos foi trabalhar numa casa de móveis até aos 18 anos, posto o que fez o serviço militar.
C) Seguidamente emigrou para Espanha, onde permaneceu 18 anos como «segurança» de discoteca, regressando a Portugal cerca de 1994/95, passando a viver de biscates.
D) É motorista, mas não tem qualquer veículo.
E) Tem 3 filhos, que estão a cargo da mãe deles.
F) Já não recebe o RSI.
G) Paga de renda de quarto, «com tudo incluído», a verba mensal de €150.
H) Presta ajuda no restaurante da pensão, para descontar no preço do quarto.
I) Faz prospecção imobiliária para a … , em Coimbra.
47. O arguido C... completou a 2ª classe do ensino primário; com dificuldade, sabe ler, escrever, contar e assinar o seu nome.
A) Era comerciante de Café, mas encerrou-o e agora é madeireiro, mas também vende automóveis usados.
B) Aufere nas suas actividades comerciais entre mil a mil e quinhentos euros por mês.
C) É viúvo, vive com a companheira, com cinco filhos dela e uma filha sua, mas de outra mãe.
D) Paga €250 de renda de casa.
E) Vendeu o seu automóvel Rover e circula com o veículo Honda Civic da companheira.
48. O arguido D... concluiu a instrução primária e foi trabalhar na construção civil.
A) Cumpriu pena de 4 anos de prisão aos 18 anos, por detenção de arma proibida.
B) Casou-se aos 23 anos, teve dois filhos e trabalhou novamente na construção civil, bem como na indústria vidreira.
C) Emigrou para a Holanda por algum tempo e posteriormente passou a ter trabalhos relacionados com diversões nocturnas.
D) Recentemente, após efectuar trabalhos diversos, passou a trabalhar com um cunhado na manutenção de gás natural para a «Lusitânia Gás», mas actualmente encontra-se a trabalhar no estrangeiro, sendo a esposa o principal suporte do agregado familiar, por trabalhar como cozinheira num restaurante.
E) Apresenta uma reduzida crítica sobre os factos de que foi acusado, de que não mediu as consequências por estar então desempregado.
49. O arguido E... completou o antigo 5º ano do ensino secundário.
A) Tem um filho com 28 anos, independente dele, fruto do seu casamento aos 20 anos.
B) Após o casamento trabalhou numa carpintaria, mas em 1983 emigrou para a Suíça com a família, vindo a divorciar-se após regressar a Portugal.
C) Emigrou para a Alemanha, onde viveu 6 anos e depois para o México, regressando a Portugal em 2001, onde apenas tem €500 de rendimento de duas casas arrendadas.
D) Ficou desempregado há cerca de três anos por motivos de saúde e actualmente ajuda o arguido A... no “stand”, fazendo trabalho de escritório, atendimento de telefone, vendas, limpezas e trabalho na quinta do 1º arguido, em agricultura de subsistência.
E) Tem viatura cedida pelo “stand”, mas também se desloca em viaturas do A... ou viaja de comboio.
F) Não apresenta consciência crítica sobre os factos de que vem acusado, devendo ser orientado para dar um novo rumo à sua vida, que seja socialmente responsável».

2.2. São estes os FACTOS NÃO PROVADOS (transcrição):

«Que o D... fosse conhecido por « … ».
Que o D... é pessoa trabalhadora, séria, honesta, socialmente integrada, respeitada e respeitadora, sendo a família bastante unida, pois todos os seus membros vivem na mesma residência.
Que o B... manteve comportamento adequado às regras sociais e legais antes e depois dos factos que lhe são imputados, sendo pessoa considerada no meio social onde se insere.
                                                                              *
                A classificação da actividade como ilícita é matéria de direito, não sendo facto a dar como provado ou não provado».                                         

2.3. Para formar a sua convicção, argumentou assim o tribunal «a quo» (transcrição):

«O Tribunal Colectivo estribou a sua convicção nos depoimentos das seguintes testemunhas de acusação:
…, Inspector-Chefe da PJ; U..., Inspectora da PJ; … , Inspector da PJ;  … Inspector da PJ; … , Inspector da PJ; … , Inspector da PJ aposentado; todos da Directoria de Coimbra; … , Inspector da PJ de Aveiro.
Os inspectores referiram as diligências de vigilância, buscas e apreensões que efectuaram e que estão documentadas nos autos, comprovando a actividade conjunta dos arguidos na actividade de lenocínio e a detenção de armas por alguns deles.
A inspectora U... explicou as transcrições das escutas telefónicas que foram lidas em julgamento, entendendo o tribunal que os factos por ela referidos correspondem à realidade, tanto pelo que foi ouvido e observado, como pelas regras da experiência.
..., ..., ... ., que estiveram ligadas aos arguidos à data dos factos, explicaram a actividade ilícita daqueles e as ameaças que sentiram, referindo-se ... especificamente ao arguido C....
Apesar de estarem então e algumas ainda agora a dedicar-se à prostituição, os seus depoimentos são confirmados pelas escutas transcritas.
....., casado, reformado, pedreiro, residente na Mealhada disse conhecer o A... e B...dos meios da prostituição, actividade onde a sua mulher andava e ainda anda, a testemunha ... ....
Referiu as ameaças às prostitutas se não pagassem ao A... determinadas verbas, mas que a si os arguidos nunca fizeram concorrência, porque tem duas mulheres na prostituição.
Com tanta franqueza, não se duvida do seu depoimento, aliás corroborado pelas escutas policiais quanto à actividade ilícita dos arguidos.
Quanto às testemunhas de defesa,  ….., divorciado, empresário de hotelaria, é amigo do A... há mais de 5 anos (apesar de ter sido preso), o qual tinha o motel e a testemunha servia-lhe ali as refeições, mas nada adiantou com interesse para o caso.
 … , divorciado, TOC, só conhece o A... e o colaborador E....
Conhece o D...da Figueira da Foz e não mais (a residência nesta cidade está confirmada pela PJ, que fotografou o automóvel desse arguido junto à sua residência, mostrando-se haver contacto entre ele e o A... para a actividade de controlo e apoio da prostituição, não só por isso, mas fundamentalmente pelas escutas referidas).
Nada mais se apurou de relevante deste depoimento, pois o resto que disse é melhor referido no relatório social do arguido A....
Tivemos em contas os seguintes exames e documentos:
- exame do LPC, de fls. 955 a 963, demonstrando que as armas não podiam fazer disparos imediatamente;
- exames a objectos, de fls. 352, 353, 452 a 455, 502 a 506 e 507 a 647, 657.
- autos de busca e apreensão, de fls. 283 a 286, 296 e 297, 303 e 304, 315, 328 e 329, 351; salienta-se o elevado número de preservativos apreendidos aos arguidos, compatível com a actividade da prostituição.
- fotografias de fls. 14 a 16, 92 a 96, 101, 102, 107, 108, 241 a 243, 288 a 294, 307, 308, 312, 330 a 333, 342 a 350, 451, 456 a 460, 722 a 726, do processo principal e fls. 30 a 38, do Apenso n.º 85/09.4JAAVR ;
- diversos documentos, designadamente de fls. 305, 306, 314, 365 a 370, 475 a 477;
- registo de propriedade de veículos, de fls. 5, 11 a 13, 17 a 25, 109, 110, 311, 966 a 970;
- termo de entrega, a fls. 473 e 474;
- CRC de fls. 770 a 795; 1295 e segs.
- certidão do processo comum colectivo n.º 1341/97.8TAAVR, de fls. 811 a 940;
- ficha biográfica de reclusos, de fls. 733 a 757;
- informação da PSP, a fls. 766 – falta de licença de armas por B...e A....
- relatórios sociais de fls. 1325 (D...); 1336 (E...); 1369 (A...); 1375 (B...); não foi possível elaborar o referente ao C..., por se encontrar ausente por motivos laborais em Espanha (fls. 1380).
- documento de fls. 1249/1250, representando um contrato de arrendamento do «stand» de automóveis ao arguido A... e documento de fls. 1478 e segs., de declaração de início da actividade nesse estabelecimento.
Escutas telefónicas:
- Sessões transcritas constantes do Apenso I e fls. 160 a 167, do Apenso A, mostrando o conluio entre todos os arguidos, os valores em causa e as ameaças de agressão a quem não lhes pagasse pela actividade de prostituição em determinados locais.
                Nomeadamente, quanto ao A...:
Além do mais, sessões transcritas do Apenso I, relativas a comunicações estabelecidas de 2.6.2009 a 27.8.2009 e de fls. 160 a 168, do Apenso A, referentes a comunicações estabelecidas em 29.9.2009, 3.10.2009, 10.10.2009 e 11.12.2009).
 Registos a favor do A... - fls. 21, 24.
Papéis manuscritos de fls. 367 a 369, apreendidos em poder do arguido A..., donde resulta a sua ligação com os romenos e respectivas mulheres prostitutas.
Quanto ao B...:
Fls. 6, 7, 11, 12, 13 e fotografias de fls. 15 e 16;auto de busca e apreensão a fls. 303 e 304 e diversas fotografias dos autos.
Quanto ao C......:
Auto de busca e apreensão de fls. 328, 329 e 351, fotografias de fls. 330 a 333, 341 a 350 e exame de fls. 352, 353 e 502 e diversas fotografias dos autos.
Quanto ao D...:
Ainda relevam contra si as escutas nºs 905, 908 a fls. 23 e 24; 2131, a fls. 40/41; 6241, 6264, 6266, 6342 e 6442 de fls. 126 a 133 do apenso I, comprovativas de que o arguido D...transportava prostitutas, fazia cobranças da prostituição e vigilâncias sob a orientação do A.... (cfr. fls. 90, 91, 109, 140 e fotografia de fls. 241).
Quanto ao E...:
Contra ele ainda relevam as escutas nºs 1440, 1443, 1651, 1654, 1706, 1729, a fls. 48 e segs. do apenso I, reveladoras de que transportava prostitutas, de que fazia o controlo e vigilância de prostitutas, bem como da concorrência de terceiros na actividade de prostituição, actuando ele sob a orientação do A...».


            3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

            3.1. Atenta a variedade e a relativa simultaneidade de argumentos aventados nos 4 recursos, abordaremos os mesmos com a seguinte ordem:
I. Nulidade do acórdão (recurso A)
II. Impugnação da matéria de facto
a. Vícios do artigo 410º/2 do CPP (recurso B)
b. Erros de julgamento (recursos A, B, C e D)
III. Violação do princípio do «ne bis in idem» (recurso C)
IV. Crime de lenocínio
a. Requisito do exercício profissional ou da intenção lucrativa (recurso B)
b. Agravação do crime (recursos B e D)
V. Crime de detenção de munição proibida (recurso D)
VI. Escolha e medida da pena (principal e acessória)
a. Medida da pena principal (recurso C)
b. Escolha da pena (recurso D)
c. Necessidade da pena acessória (recurso B)

3.2. NULIDADE DO ACÓRDÃO
a)- Invoca o arguido D..., no RECURSO A, que foi cometida uma nulidade de sentença, pelo facto de não ter sido devidamente cumprido o n.º 2 do artigo 374º do CPP (exame crítico das provas).
Entende o recorrente que não foi feito o exigível exame crítico das provas que possa justificar a sua condenação criminal, a qual rotula de arbitrária e exclusivamente assente nas intercepções telefónicas, não devidamente interpretadas e explicadas.

b)- QUID IURIS?
            Sabemos que o artigo 374º/2 do CPP exige que depois da enumeração dos factos provados e não provados, se faça na sentença uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para criar a convicção do tribunal.
O dever de fundamentação[4] das decisões judiciais é uma realidade, ainda que com contornos variados, imanente a todos os sistemas de justiça que nos são próximos, mesmo que sejam detectáveis variáveis do grau de exigência em função das matérias em causa, do tipo de decisão ou da tradição histórica e cultural de cada povo.
Afirmando-se progressivamente como verdadeira conquista civilizacional a partir da Revolução Francesa, o dever de fundamentação das decisões judiciais constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado “processo equitativo” a que aludem o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ([5]), o artigo 7º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e, por exemplo, o artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
Dispõe a Constituição, no nº 1 do artigo 205º, que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei". Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio substituir o nº 1 do artigo 208º, que determinava que "as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei". A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei".
A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.
Como refere Rui Pereira[6], a fundamentação jurídica das decisões pode ser analisada em três níveis. “O primeiro respeita à própria escolha das normas aplicáveis, segundo a regra da conveniência, regra essa que constitui o primeiro passo no sentido de garantir que a decisão judicial será uma decisão justa. O segundo refere-se à demonstração da própria legalidade lógica (ou lógico-valorativa) do silogismo judicial (subsunção). O terceiro envolve a demonstração da justiça da solução encontrada, garantindo, nomeadamente, que é feita uma interpretação normativa de acordo com as normas e princípios constitucionais ou, no caso de tal não ser possível, recusando a aplicação de normas infra constitucionais que lograram passar pelo crivo da regra da conveniência”.
A sentença é, por definição, a decisão vocacionada para a solução definitiva do problema concreto que foi colocado ao Tribunal.
Como tal, porque representa a definição do direito do caso concreto deve ser, um “documento de fácil leitura, simples, claro, logicamente ordenado, enxuto e esgotante”.
A sentença penal começa por um relatório que mais não é do que, como ensinava o Prof. Alberto dos Reis relativamente à sentença cível, um “resumo simples e lúcido da questão, elaborado de modo a que, quem o leia, apreenda sem esforço os termos essenciais da controvérsia”.
Adaptando tal ensinamento ao processo penal importa então identificar o objecto do processo, a parte acusadora, o arguido e o crime que lhe é imputado e fazer um breve resumo da contestação contendo a posição do arguido sobre os factos.
Seguem-se já no contexto dos fundamentos, a descrição dos factos provados (e não provados), a qual, para ser facilmente compreensível, deve obedecer à lógica própria de quem descreve um episódio concreto da vida real.
Em apoio dos factos considerados provados deve então a sentença passar a expressar a justificação da respectiva decisão, isto é, fazer a análise crítica da prova produzida, esclarecer quais os meios de prova que conduziram à convicção anteriormente enunciada.
Sem pretender ser exaustivo, a motivação da convicção do juiz no âmbito da análise crítica da prova implica que o Tribunal indique expressamente:
· quais os factos provados que cada testemunha revelou conhecer;
· quais os elementos que dos mesmos depoimentos permitem inferir a interpretação e conclusão a que o tribunal chegou;
· quais as razões que o levam a valorar determinado meio de prova em detrimento de outro ou outros meios de prova com ele contraditório;
· quais as razões porque não foi dada relevância a determinada prova ou meio de prova;
· quais as razões porque julgou relevantes, ou irrelevantes, certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória a prova resultante de documentos particulares, ou retirou certas conclusões da inspecção ao local, etc.
Finalmente, segue-se o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto apurada na qual o juiz vai analisar todos os factos apurados em ordem a concluir se o arguido cometeu ou não o crime de que vem acusado, se existem causas de exclusão da ilicitude da conduta ou da culpa do mesmo.
E é este o momento que, por vezes, alguns juízes aproveitam para tecer largas considerações sobre os tipos legais de crime em análise, ou sobre os institutos regulamentados na parte geral do Código Penal, nem sempre, adiante-se, com muito a propósito.
Também aqui colhe o ensinamento do Prof. Alberto dos Reis: na sentença o juiz não deve dizer nem mais nem menos do que é preciso, em especial no que se refere à argumentação de carácter jurídico em que assenta a decisão, sob pena de, como escrevia o Prof. Alberto dos Reis a sentença se tornar num “estendal pretensioso de doutrina e opiniões alheias” e instrumento de “alarde pomposo e inteiramente desnecessário, de erudição fácil”.
Tendo concluído que o arguido praticou um facto punível seguir-se-á na sentença a escolha e a determinação da medida concreta da pena.
           
c)- Vejamos o nosso caso concreto e analisemos a forma como fez o tribunal recorrido esse exame crítico das provas quanto à imputação criminosa ao arguido D....
            Ouçamo-la na parte atinente:
«Os inspectores - … , Inspector-Chefe da PJ; U..., Inspectora da PJ; … , Inspector da PJ;  … Inspector da PJ; … , Inspector da PJ; … , Inspector da PJ aposentado; todos da Directoria de Coimbra; … , Inspector da PJ de Aveiro - referiram as diligências de vigilância, buscas e apreensões que efectuaram e que estão documentadas nos autos, comprovando a actividade conjunta dos arguidos na actividade de lenocínio (…).
A inspectora U... explicou as transcrições das escutas telefónicas que foram lidas em julgamento, entendendo o tribunal que os factos por ela referidos correspondem à realidade, tanto pelo que foi ouvido e observado, como pelas regras da experiência.
..., ..., ...., que estiveram ligadas aos arguidos à data dos factos, explicaram a actividade ilícita daqueles e as ameaças que sentiram, referindo-se ... Rocha Campos especificamente ao arguido C....
Apesar de estarem então e algumas ainda agora a dedicar-se à prostituição, os seus depoimentos são confirmados pelas escutas transcritas.
(…)
Quanto às testemunhas de defesa,  … , divorciado, empresário de hotelaria (…) conhece o D...da Figueira da Foz e não mais (a residência nesta cidade está confirmada pela PJ, que fotografou o automóvel desse arguido junto à sua residência, mostrando-se haver contacto entre ele e o A... para a actividade de controlo e apoio da prostituição, não só por isso, mas fundamentalmente pelas escutas referidas).
Tivemos em contas os seguintes exames e documentos:
(…)
- exames a objectos, de fls. 352, 353, 452 a 455, 502 a 506 e 507 a 647, 657.
(…)
- fotografias de fls. 14 a 16, 92 a 96, 101, 102, 107, 108, 241 a 243, 288 a 294, 307, 308, 312, 330 a 333, 342 a 350, 451, 456 a 460, 722 a 726, do processo principal e fls. 30 a 38, do Apenso n.º 85/09.4JAAVR ;
- diversos documentos, designadamente de fls. 305, 306, 314, 365 a 370, 475 a 477;
- registo de propriedade de veículos, de fls. 5, 11 a 13, 17 a 25, 109, 110, 311, 966 a 970;
- termo de entrega, a fls. 473 e 474;
(…)
- relatórios sociais de fls. 1325 (D...) (…)
Escutas telefónicas:
- Sessões transcritas constantes do Apenso I e fls. 160 a 167, do Apenso A, mostrando o conluio entre todos os arguidos, os valores em causa e as ameaças de agressão a quem não lhes pagasse pela actividade de prostituição em determinados locais.
(…)
Quanto ao D...:
Ainda relevam contra si as escutas nºs 905, 908 a fls. 23 e 24; 2131, a fls. 40/41; 6241, 6264, 6266, 6342 e 6442 de fls. 126 a 133 do apenso I, comprovativas de que o arguido D...transportava prostitutas, fazia cobranças da prostituição e vigilâncias sob a orientação do A.... (cfr. fls. 90, 91, 109, 140 e fotografia de fls. 241)».

d)- Sabemos que o dever de fundamentação de uma sentença não é compatível com a mera enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, sem a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal.
Ouçamos, a este propósito o expressivo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98 de 2/12/1998:
«A verdade, porém, é que, estando em causa um elemento da sentença que releva para efeitos da respectiva validade, deve avaliar-se da conformidade constitucional da norma em apreciação à luz do texto constitucional vigente à data da prolação do acórdão. Diga-se porém, desde já, que a alteração do texto constitucional é, neste caso, irrelevante, pois sempre se chegaria à mesma conclusão.
É certo que a Constituição não determina, ela própria, o alcance do dever de fundamentar as decisões judiciais, remetendo para a lei a definição do respectivo âmbito. Certo é também, igualmente, que o legislador, ao concretizar a liberdade de conformação que a Constituição lhe confere, não a pode reduzir de tal forma que, na prática, venha a inutilizar o princípio da fundamentação.
Como se escreveu no acórdão nº 310/94 deste Tribunal (Diário da República, II, de 29 de Agosto de 1994), ficou "devolvido ao legislador, em último termo, o seu ‘preenchimento’, isto é, a delimitação do seu âmbito e extensão. Com efeito, o legislador constituinte consagrou o dever de fundamentação das decisões judiciais – fê-lo na revisão constitucional de 1982 –, em termos prudentes, evitando correr o risco de estabelecer uma exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e excessiva. Daí o ter-se limitado a consagrar o aludido princípio ‘em termos genéricos’, deixando a sua concretização ao legislador ordinário.
Isso não significa, tal como se vincou nos arestos citados deste Tribunal (cfr. ponto 8. do acórdão citado), que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional.
Do princípio consagrado no artigo 208º, nº 1, da Constituição, enquanto garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (artigo 2º), há-de decorrer para o legislador, pelo menos, a obrigação de prever a fundamentação das ‘decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimidade da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso’ (cf. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, pp. 798-799). De qualquer modo, os limites a tal liberdade constitutiva do legislador (ou ‘discricionaridade’ legislativa) hão-de ser muito largos e respeitar a um núcleo essencial mínimo de decisões judiciais. De outro modo, na verdade, ‘subverter-se-á o próprio sentido da cláusula constitucional (que é intencionalmente o de uma ‘incumbência’ ao legislador) e o seu citado propósito cautelar" (...).
Ora, tal como se afirma no mesmo acórdão 310/94, a determinação do alcance que o legislador ordinário há-de conferir à obrigação de fundamentar as decisões judiciais obriga a indagar quais as funções desempenhadas pela fundamentação, tendo em conta que, diferentemente do caso ali em análise, nos encontramos perante uma decisão condenatória proferida em processo penal.
Assim, desde logo, a fundamentação de uma sentença contribui para a sua eficácia, já que esta depende da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral. Escreve EDUARDO CORREIA: "só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, 'convencer' as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por 'convencido' sugere" (Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o artigo 653º do Projecto, em 1ª Revisão Ministerial, de alteração do Código de Processo Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXVII (1961), pág. 184).
A fundamentação permite, ainda, quer pelas próprias partes, quer, o que é de realçar, pelos tribunais de recurso (v. MICHELE TARUFFO, Note sulla garanzia costituzionale della motivazione in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LV (1979), págs. 31-32), fazer, como escreve MARQUES FERREIRA, "intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso (...)" ("Meios de prova, in Jornadas de Direito Processual Penal - o novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1992, pág. 230).
Mais importante, todavia, é a circunstância de a obrigação de fundamentar as decisões judiciais constituir um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (v. MICHELE TARUFFO, op. cit., págs. 34-35, que escreve: "a garantia constitucional do dever de fundamentação ocupa um lugar central no sistema de valores nos quais deve inspirar-se a administração da justiça no Estado democrático moderno").
É indiscutível que "o princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito e no Estado Social de Direito contra o arbítrio do poder judiciário", v. PESSOA VAZ, Direito Processual Civil - do antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, pág. 211.
(…)
Não sendo naturalmente uniformes as exigências constitucionais de fundamentação relativamente a todo o tipo de decisões judiciais, como já se referiu, algumas destas hão-de ser objecto de um dever de fundamentar de especial intensidade. Entre elas, facilmente se convirá estarem as decisões finais em matéria penal, mormente as condenatórias, na primeira linha.
Atentos os fundamentos encontrados para o dever de fundamentação, é inelutável que abrange a decisão em matéria de facto e a decisão em matéria de direito. Ora a fundamentação das sentenças penais – especialmente das sentenças condenatórias, pela repercussão que podem ter na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas – deve ser susceptível de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador, devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida. Afigura-se ser este o núcleo central da exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais.
Vistas as coisas a esta luz, parece impossível compatibilizar o nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal de 1987, na interpretação adoptada pelo Tribunal recorrido quanto à fundamentação da decisão em matéria de facto, com as exigências constitucionais de fundamentação decorrentes da Constituição.
Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça inter...u e aplicou a referida disposição do Código de Processo Penal no sentido de a fundamentação das decisões em matéria de facto se bastar com a "simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância", acrescentando, com citação de decisões anteriores do mesmo Tribunal, que "só a ausência total, na sentença, da referência às provas que constituíram a fonte da convicção do tribunal constitui violação do artigo 374º, nº 2, do CPP, o que acarreta a nulidade da decisão por força do artigo 379º do mesmo Código".
Tal interpretação é coerente com o entendimento, também adoptado no acórdão recorrido, de que a função da fundamentação neste âmbito reside tão-só em possibilitar "o controle da legalidade dos meios de prova produzidos em audiência", mas contradiz as bases em que assenta teleologicamente o dever constitucional de fundamentar.
               A norma em apreciação, isoladamente considerada, contraria, portanto, o disposto na Constituição sobre fundamentação das decisões judiciais. Mas falta ainda apurar se, tomada no contexto em que se insere, designadamente na sua relação com as alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal de 1987, o nº 2 do artigo 374º viola os direitos da defesa, previstos no nº 1 do artigo 32º da Constituição.
Ao texto até há pouco vigente do nº 1 do artigo 32º, que fixava que "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa", acrescentou a Revisão Constitucional de 1997 a menção "incluindo o recurso".
O Tribunal Constitucional pronunciou-se já por diversas vezes sobre a questão da constitucionalidade do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, bem como deste em conjugação com o seu artigo 433º. Recentemente, através do acórdão nº 573/98 (D.R. II, 13.11.98) julgou o plenário (maioritariamente) que não ofende a Constituição o regime fixado no Código de Processo Penal de 1997, de acordo com o qual o Supremo Tribunal de Justiça, competente para conhecer dos recursos do tribunal colectivo (alínea c) do art. 432º), vê os seus poderes de cognição em matéria de facto circunscritos aos casos de "insuficiência para a decisão da matéria de facto provada", "contradição insanável da fundamentação" e "erro notório na apreciação da prova", "desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum" (nº 2 do artigo 410º).
Na verdade, embora reconhecendo que "no domínio processual penal há que reconhecer, como princípio, o direito a um duplo grau de jurisdição" (v., p. ex., o acórdão nº 322/93, cujo teor foi no essencial retomado por diversos outros arestos, entre os quais o citado acórdão nº 573/98), este Tribunal tem decidido que, "tratando-se de matéria de facto há razões de praticabilidade e outras (decorrentes da exigência de imediação da prova) que justificam não poder o recurso assumir aí o mesmo âmbito e a mesma dimensão que em matéria de direito" (v. acs. 61/88, 124/90, 322/93 e 353/93).
Quanto à relação entre o nº 2 do artigo 374º e o nº 2 do artigo 410º, escreveu-se no acórdão 322/93, a propósito do problema da constitucionalidade deste último:
"Pode, de igual modo, argumentar-se (no sentido da inconstitucionalidade das normas sub iudicio) com o facto de que, tendo o vício (para conduzir ao reenvio do processo para novo julgamento) que resultar 'do texto da decisão recorrida , por si ou conjugado com as regras da experiência comum,' só muito dificilmente também este poderá censurar o julgamento do facto, mesmo em casos em que ele seja grosseiramente errado.
É que - dir-se-á - a fundamentação da sentença resume-se, muitas vezes, a uma remissão genérica para os diferentes meios de prova (para os depoimentos destas ou daquelas testemunhas, por exemplo). Ora, se ela não explicitar o que é que, de acordo com as regras da experiência e da lógica, fez com que a convicção do tribunal se formasse num determinado sentido (e não noutro) e, bem assim, porque é que se teve por fiável certo meio de prova (e não outro), o Supremo ver-se-á impossibilitado de, a partir do texto do acórdão recorrido, concluir pela 'insuficiência para a decisão da matéria de facto provada', pela 'contradição insanável da fundamentação' ou pela existência de 'erro notório na apreciação da prova.
Perante tal argumentação há, desde logo, que advertir que, por força do que dispõe o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, a fundamentação da sentença - para além de dever conter uma 'enumeração dos factos provados e não provados' -, tem que consistir numa 'exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal'.
Este dever de fundamentação foi interpretado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cf. acórdão de 13 de Fevereiro de 1992, Colectânea de Jurisprudência, ano XVII (1992), tomo I, páginas 36 e 37) no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova - há-de conter também os 'elementos que, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal colectivo se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação', ou seja, ao cabo e ao resto, um 'exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo' num determinado sentido.
Estando em causa uma decisão de um tribunal colectivo e tendo a fundamentação, por isso - como se assinalou no acórdão nº 61/88 -, que traduzir ou reflectir o 'mínimo de acordo ou convergência consensual ou maioritariamente apurada no seio do tribunal' (onde pode ser diverso, de juiz para juiz, o fundamento da resposta num dado sentido ou 'oferecer entre todos cambiantes significativas'), há-de ela (a fundamentação) permitir, no entanto (e sempre), avaliar cabalmente o porquê da decisão. Ou seja: no dizer de MICHELLE TARUFFO ('Note sulla garanzia costituzionale della motivazione', in Boletim da Faculdade de Direito, vol. IV, páginas 29 e seguintes), a fundamentação da sentença há-de permitir a 'transparência' do processo e da decisão.
Feita esta advertência, há que acrescentar que a dificuldade de o Supremo Tribunal de Justiça despistar o vício invocado como fundamento do recurso, relativo ao julgamento do facto, a partir do texto da decisão recorrida, 'por si ou conjugada com as regras da experiência comum', tem mais propriamente a ver com a completude ou incompletude da fundamentação do acórdão do que com o facto de o vício ter de concluir-se a partir do texto da decisão".
Julgou, portanto, o Tribunal Constitucional, em plenário, não enfermarem de inconstitucionalidade o nº 2 do artigo 410º e o nº 2 do artigo 433º do Código de Processo Penal de 1987 no pressuposto - que se afigura inelutável - de que o nº 2 do artigo 374º do mesmo Código impõe uma obrigação de fundamentação "completa", permitindo a "transparência do processo e da decisão". Como se afirma no acórdão 172/94 (e se reafirma, por exemplo, no acórdão nº 504/94), "a fundamentação da decisão do tribunal colectivo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório".
Do exposto cabe concluir que, num sistema que circunscreve do modo indicado os poderes de apreciação da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça, o aspecto central do qual depende a possibilidade efectiva – embora limitada – de reapreciação da matéria de facto é a imposição de um dever de fundamentação da decisão em matéria de facto com intensidade suficiente.
Pode, pois, afirmar-se que a interpretação do nº 2 do artigo 374º adoptada pelo acórdão recorrido vem na prática inviabilizar o direito ao recurso ou a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, consagrados no nº 1 do artigo 32º da Constituição, ainda que se conceba esta garantia e aquele direito como tendo um âmbito e uma dimensão reduzidos por comparação com a matéria de direito.
Razão pela qual se deve também considerar inconstitucional a norma em apreciação, na interpretação consagrada no acórdão recorrido, em conjugação com a norma do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal de 1987, por violação do direito ao recurso previsto no nº 1 do artigo 32º da Constituição. Trata-se, é de sublinhar, de um juízo de inconstitucionalidade que não incide sobre este último preceito, mas tão só sobre aquele, tendo em conta que se insere em um determinado contexto normativo».

e)- Aqui chegados, parece-nos que o Tribunal da Figueira da Foz NÃO acatou devidamente o comando legal do n.º 2 do artigo 374º do CPP, de forma suficientemente esclarecedora (apesar de as escutas telefónicas terem sido lidas em julgamento e terem sido ouvidas testemunhas de acusação sobre elas, a verdade é que pouco perpassa de concreto no texto da motivação).
Era necessário explicar com maior rigor a forma como os indicados elementos probatórios, todos conjugados, indicavam que o D...– que o tribunal terá de explicar como se convenceu que era o ... das gravações (devendo ter algum cautela  neste campo, sob pena de se violar o preceituado no artigo 356º, n.º 7 do CPP) e que o mesmo usava de facto os números de telemóvel referenciados no facto 23 (nossa numeração), assente ainda que da transcrição das escutas resulta apenas que elas foram feitas ao alvo A..., inexistindo em 4 delas a referência ao nº do «...»[7] - tinha o papel de controlador de prostitutas, recebedor de valores destas, reportando a A... situações relacionadas com a actividade das prostitutas.
É certo que temos a referência à diligência externa policial que verificou a presença do arguido e da sua viatura Mercedes ... a recolher prostitutas e a transportá-las, conforme fls 90, 91, 109 e 140 e fotos de fls 240/241.
Mas a prova vive pelo seu todo.
Refere-se o tribunal recorrido às declarações dos inspectores da Policia judiciária que assumiram a investigação e efectuaram diligências e vigilâncias várias.
Veja-se que algumas das sessões acima indicadas foram objecto de interpretação por U..., Inspectora da Policia judiciária, a qual, na sessão de 9/11/2011, TERÁ EXPLICADO ao Colectivo o contexto e significado das conversas e mensagens trocadas entre o arguido D... e A....
Mas seria necessário e fundamental, sob pena de não sairmos do mesmo círculo vicioso (entender que as transcrições confirmam o que vieram dizer as testemunhas e que as testemunhas confirmaram as escutas), explicar a razão pela qual a dita testemunha U...foi credível a este propósito – note-se que se deixa escrito na motivação que «a inspectora U... explicou as transcrições das escutas telefónicas que foram lidas em julgamento, entendendo o tribunal que os factos por ela referidos correspondem à realidade, tanto pelo que foi ouvido e observado, como pelas regras da experiência».
Mas que factos foram esses?
Ignoramos de todo em todo.
Em que medida as declarações concretas das testemunhas de acusação (ficaria bem ao tribunal referir-se expressamente a cada um das testemunhas inspectoras da PJ) vieram dar corpo à acusação que pendia sobre os arguidos?
E por via de prova directa ou indirecta (também permitida e valorada em processo penal)?
Não se deixa de concordar com a defesa do recurso A que temos pouca prova directa do envolvimento do D...na actividade do lenocínio, no segmento «contacto directo com as prostitutas».
E, por isso, seria imprescindível que o tribunal fizesse o óbvio – demonstra, ... no branco, sem qualquer dúvida, que ficou convencido da culpabilidade do D...«neste negócio de carne branca», invocando, para o efeito, as provas que considerou relevantes, a forma pela qual tal relevância se lhe impôs, fazendo o exigido exame crítico da prova.
Parece-nos muito conclusivo o discurso probatório do Tribunal recorrido, não só quanto ao D..., como quanto aos restantes arguidos.
Outro ponto – indica o tribunal na sua motivação que, relativamente ao D..., foram ainda decisivos os documentos de fls 90, 91, 109, 140 e a foto de fls 241.
Mas em que medida? O que revela cada um desses «documentos» - diligências externas (onde, por exemplo, apenas se refere, lateralmente[8], logo, como algo que não foi visualizado pela entidade que as dirigiu, que «apurou-se ainda que o A... tem alguns homens que procedem ao controle e transporte das mulheres para os locais da prostituição, nomeadamente para a zona da Mealhada e Luso, onde regularmente é visto – por quem e em que condições? perguntamos nós – um indivíduo conhecido pela alcunha de « …  » e também pela alcunha de «...», que conduz uma viatura de marca MERCEDES de cor branca, com a matrícula ... e que aí transporta – levando e recolhendo – as referidas mulheres para os locais onde se prostituem»), fichas biográficas da PJ, fotografias e registos automóveis - de relevante para a prova da sua culpabilidade?
Não duvidamos que a verdadeira justiça material é feita pelos tribunais de 1ª instância, onde a imediação directa é uma constante, onde os rostos pairam à frente dos julgadores, onde a prova corre mais viva do que nunca…
A nós, tribunais de recurso, não competirá um 2º julgamento, mas apenas remediar erros de facto e de direito constatados.
Portanto, compete aos tribunais de 1ª instância explicar, de forma assaz convincente, a razão pela decide por uma caminho ou por outro.
Que não se conte com os tribunais de recurso para suprir as deficiências de tais julgamentos - uma sentença, um acórdão recorrido deve valer por si só, sem esperar por uma validação complementar por parte de um foro de recurso.
Por todos este motivos, torna-se óbvio que o tribunal NÃO explicou devidamente a sua convicção de que este homem – nomeadamente o D...- estava ligado à prática de actos de lenocínio, obtendo ganhos com tal actividade, associado com outros arguidos e tendo o arguido  … como a pessoa que dirigia o seu trabalho.
Digamos que o processo equitativo garantido no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pressupõe a motivação das decisões judiciárias, que consiste na correcta enunciação dos pontos de facto e de direito fundantes das mesmas, em ordem a garantir a transparência da justiça, a persuadir os interessados e a permitir-lhes avaliar as probabilidades de sucesso nos recursos, assente ainda que uma motivação deficiente ou inexacta deve ser equiparada à falta de motivação.
Essa motivação conforme as exigências do processo equitativo não obriga a uma resposta minuciosa a todos os argumentos das partes, contentando-se com uma descrição clara dos motivos fundantes da decisão, sendo a extensão da motivação em função das circunstâncias específicas, nomeadamente da natureza e da complexidade do caso.
Lopes da Rocha diz mesmo que «o princípio do processo equitativo é compatível com motivação sumária, mas impõe-se uma motivação precisa quando o meio submetido à apreciação do juiz, caso se revele fundado, é de natureza a influenciar a decisão; a obrigação de motivar reveste uma importância peculiar quando se trate de apreciar uma pretensão na base de uma disposição de sentido ambíguo, caso em que é exigível uma motivação adequada e proporcional à complexidade da hipótese».
O exame crítico das provas deve indicar no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
Sem que se defina legalmente em que consiste o propalado “exame crítico da prova”, tal exame há-de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
Tal desiderato não foi logrado na decisão condenatória – no caso, tal falhou quanto à culpabilidade do arguido D..., só se vendo razões para exigir do tribunal recorrido uma fundamentação mais precisa, individualizada e concretizada, deixando os «lugares comuns generalizantes» e voando agora pela concreta prova que paira nos autos (seria bom saber o que se diz nas escutas em causa – e as escutas não são assim tão longas, estando nós a falar de um mero volume de processo -, seria bom saber a interpretação que o tribunal deu a estas conversas escutadas, seria bom que o tribunal se desse todo na explicação da sua íntima convicção…).

f)- Em suma:
· Vigorando na nossa lei adjectiva penal um sistema de persuasão racional e não de íntimo convencimento, instituiu o legislador mecanismos de motivação e controle da fundamentação da decisão de facto, dando corpo ao princípio da publicidade, em termos tais que o processo - e, portanto, a actividade probatória e demonstrativa -, deva ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo, e presumivelmente se convença como o julgador.
· A obrigação de fundamentação respeita à possibilidade de controlo da decisão, de forma a impedir a avaliação probatória caprichosa ou arbitrária e deve ser conjugada com o sistema de livre apreciação da prova.
· É, pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador. 
· A razão de ser da exigência de fundamentação em geral está ligada ao próprio conceito do Estado de direito democrático, sendo um instrumento de legitimação da decisão que serve a garantia do direito ao recurso e a possibilidade de conhecimento mais autêntico pelo tribunal de recurso.    
· Deste modo, a fundamentação da decisão deve obedecer a uma lógica de convencimento que permita a sua compreensão pelos destinatários, mas também ao tribunal de recurso.
· Sublinhe-se que a necessidade de motivar as decisões judiciais é uma das exigências do processo equitativo, um dos Direitos do Homem, consagrados no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na medida em que a motivação é um elemento de transparência da justiça inerente a qualquer acto processual.
· Na sequência disso, é entendimento da jurisprudência de que o dever de fundamentação se não basta com a mera indicação dos meios de prova, não dispensando uma explicitação do processo de formação da convicção do tribunal de 1ª instância, sob pena de violação do artigo 205.º, da CRP e do direito ao recurso.
· Só motivando nos moldes descritos a decisão sobre matéria de facto, mesmo vendo a questão do prisma do decisor, é possível aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da referida convicção, para que seja permitido sindicar se a prova não se apresenta ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.
· Para essa lógica de convencimento e de possibilidade de controlo por via de recurso, não se exige que se proceda a uma análise crítica exaustiva dos meios de prova e, nomeadamente, com apelo sistemático ao conteúdo concreto da prova - esta vertente apenas se impõe na medida do necessário para a compreensão da decisão, da sua lógica intrínseca, de modo a que não possa apresentar-se como arbitrária ou injustificada, não porque o fosse mas porque indemonstrada a sua justificação.
· Se é verdade que a fundamentação não se basta com a simples indicação de provas, também é verdade que a análise crítica destas deve ser apenas a necessária e suficiente para dar o conhecer porque se decidiu o tribunal em determinado sentido.
· A análise crítica impõe-se sobretudo relativamente a meios de prova oral porque é em relação a estes que, pela sua natureza e especificidade, se torna necessário explicitar a convicção (desde logo a imediação é essencial para a sua avaliação).
· Já no que se refere a documentos ou prova pericial reveste-se o seu teor de um carácter objectivo e certo que na maioria dos casos dispensa considerações sobre o seu conteúdo, porque este se impõe sem que existam questões delicadas de credibilidade ou razão de ciência a equacionar.
· Especial prudência se deve ter na prova por escutas telefónicas, a fim de que todos percebamos que não há qualquer dúvida sobre a identidade da pessoa ou pessoas que dialogam os alvos das escutas.
· Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
· E foi aqui que falhou o Colectivo da Figueira da Foz, deixando a meio um exame crítico que não se esgotou devidamente nos termos em que foi feito, de forma mais enunciativa do que explicativa.

g)- Qual a sanção para este vício?
Estipula a lei que é a nulidade da sentença [artigo 379º, n.º 1, alínea a) do CPP, referido ao 374º/2 do mesmo diploma] NO SEU TODO.
Equivale isto a dizer que a sentença incumpriu o dever de fazer o exigível exame crítico das provas com vista a concluir de forma rigorosa pela culpabilidade criminal do arguido D...– o que também pode ser estendido à situação dos restantes 3 arguidos, sendo como é oficioso o conhecimento desta nulidade -, como lhe ordena o normativo do nº 2 do artº 374º do C.P.Penal – tal, face ao disposto na al. a) do nº1 do artº 379º do mesmo diploma legal, acarreta a sua nulidade e determina a prolação de nova decisão, expurgada do apontado vício (NÃO sendo caso de anulação do julgamento ou de aplicação do disposto no artigo 715º/1 do CPC e no artigo 379º/2, 2ª parte do CPP).
Urge, pois, «baralhar e dar de novo», colmatando as omissões detectadas e assinaladas, dali retirando as consequências jurídico-penais que se tiverem agora por convenientes.

3.3. Se assim é, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões aduzidas nos recursos A, B, C e D (artigo 660º do CPC, ex vi artigo 4º do CPP).

            III – DISPOSITIVO

            Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em: 
- Anular o acórdão recorrido, que deverá ser substituída por outro que colmate as lacunas apontadas, decidindo em conformidade.
Sem tributação.
           
                        Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelos signatários, sendo também revisto pelo 2º – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


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(Paulo Guerra)

                                ________________________________________
(Alberto Mira)


[1] A numeração está errada, passando do 6 para o 8.
[2] Volta a haver erro de numeração.
[3] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e su...das nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[4] Seguimos aqui muito de perto as sábias considerações de Manuel Aguiar Pereira no «Manual sobre Fundamentação dos actos judiciais», CEJ.
([5]) “1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:
a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;
b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;
c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem;
d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;
e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.”
[6] “A fundamentação das sentenças em processo penal”
[7]  Vejamos essas 4 sessões indicadas como sendo as decisivas contra o Aníbal:

I. Número da sessão do Alvo: 905 (sem destinatário identificado pelo n.º de telemóvel, apenas se referindo que se trata do ...)
II. Número de sessão do Alvo: 908 (sem destinatário identificado pelo n.º de telemóvel, apenas se referindo que se trata do … )
III. Número da sessão do Alvo: 2131 (sem destinatário identificado pelo n.º de telemóvel, apenas se referindo que se trata do ...)
IV. Número da sessão do Alvo: 6342 (sem destinatário identificado pelo n.º de telemóvel, apenas se referindo que se trata do ...)


[8] O que poderá reconduzir o uso de tal informação constante da diligência externa para o âmbito d a prova proibida, à luz do artigo 129º do CPP (depoimentos indirectos).