Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
65/12.2TBRSD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 10/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J1 -
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.140 CPC, 342, 487 CC
Sumário: 1. A declaração do justo impedimento, de cariz excecional porque tardiamente afetante de direitos da outra parte, importa, por banda da parte impetrante, a clara prova de que o evento obstaculizante da prática atempada do ato processual não lhe é imputável a título de culpa ou negligência – artºs 487º nº2 e 342º nº2 do CC.

2. Se a ré, empresa multinacional supostamente bem organizada e assessorada, na sequência da morte do seu advogado em 17.12.2015, não dá conhecimento do facto e apenas junta ao processo nova procuração em 24.03.2016, sem provar causa justificativa para tal delonga, não pode beneficiar de tal figura jurídica e, assim, ser-lhe concedido prazo adicional para recorrer da sentença que naquele ínterim foi notificada ao falecido mandatário e cujo prazo já tinha decorrido.

Decisão Texto Integral:



ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

Proferida e notificada a sentença dos autos, os atuais mandatários da ré A (…) introduziram nos autos requerimento a esta atinente.

 Com o seguinte teor:

«A Ré …vem informar do inesperado falecimento do Dr. (…), mandatário constituído da Ré, ocorrido no dia 17 de Dezembro de 2015, conforme assento de óbito que aqui se junta.

Atento o falecimento do mandatário, desde já se requer a junção aos autos de nova procuração emitida a favor dos advogados signatários.

O anterior mandatário Dr. (…) tinha a seu cargo, só desta sua constituinte A (…), cerca de 600 processos judiciais em tramitação.

Nos termos das procurações emitidas, como se pode verificar da que ora se junta aos presentes autos, o Dr. (…) era o único mandatário constituído em cada um desses processos.

 Na sequência do seu súbito falecimento, os aqui signatários entraram em conversações com a A (…) com vista à continuação do seu patrocínio nos processos judiciais em curso.

 Assim, não obstante a data de emissão da procuração ora junta, só posteriormente, no final de Janeiro de 2016 chegou a mesma às mãos dos signatários.

 A partir desse momento, e considerando o elevado número de processos em curso, com considerável esforço têm os signatários vindo progressivamente a proceder à junção da referida procuração aos mesmos.

Aquando da preparação da junção da procuração aos presentes autos no passado dia 21 de Março, verificaram os signatários que no presente processo já havia sido proferida douta sentença, notificada via CITIUS ao anterior mandatário no dia 2 de Fevereiro de 2016.

Face à data da notificação da douta sentença, constata-se que nos termos do C.P.C., o prazo para eventual análise e reacção processual já transcorreu…

. Em face do exposto, e considerando as infelizes circunstâncias acima explanadas, vem a Ré aqui representada pelos seus novos mandatários, requerer a V. Exa. ao abrigo do artigo 140º do C.P.C. se digne conceder prazo não inferior a 10 dias para efeitos de análise e eventual reacção à douta sentença proferida nos autos.»

O autor opôs-se a tal pretensão.

2.

Após o que foi proferida a seguinte decisão:

«…Estabelece o n.º 1 do art. 140º do CPC que se considera justo impedimento “o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato”.

Desde já, e provada que se encontra o infeliz decesso do único mandatário constituído pela ré nos autos (cf. fls. 31), importa considerar que a sociedade de advogados que o mesmo Ilustre Advogado integrava não foi constituída mandatária – pelo que o exercício do mandato era individual.

De igual forma não foi o substabelecimento outorgado por aquele ao seu Exmo. Colega que compareceu na audiência de julgamento declarado sem qualquer reserva, razão pela qual continuou o mandatário inicial a constar do sistema Citius, tendo sido por essa razão a notificação da sentença endereçada ao mesmo (ignorando-se naturalmente o seu decesso na altura em que teve lugar). Assim, e se, por um lado, ao contrário do defendido pelo autor, a sociedade de advogados de que o Mandatário da ré fazia parte nada tinha que ver com este processo (e, pelo que alega a requerente, com qualquer outro que o falecido causídico patrocinava em representação da AIG), pelo que não se lhe pode imputar qualquer negligência ou falta de cuidado na observância dos prazos que cabiam exclusivamente àquele Sr. Advogado observar, por outro lado ignora-se quem procedeu à leitura da notificação da sentença efetuada, não se podendo, salvo o devido respeito, retirar dessa leitura, que foi efetuada por quem não representava a AIG (cujo mandato conferido se extinguiu com a morte do mandatário), as consequências pretendidas pelo autor.

É do conhecimento comum que as companhias seguradoras, como a requerente, têm muitos processos judiciais em curso. Assim, independentemente do número em concreto de processos pendentes da AIG em que se encontrava constituído mandatário o falecido, certo é que cabe no caso especial cuidado na observância dos princípios da cooperação e da boa-fé processual que norteiam o processo civil, consignados nos arts. 7º e 8º do CPC.

 Ora, encontrando-se o processo concluso para decisão aquando do decesso do ilustre causídico, não ocorria fundamento para suspensão da instância (art. 271º). E, aplicando-se as regras da experiência comum, é compreensível e facilmente aceitável o invocado pela ré no requerimento em apreço, tendo o volume de serviço respeitante á ré e entregue a apenas um único advogado causado grande transtorno no escritório da sociedade de advogados, dificuldades na gestão de todos os processos, e inclusive cumprimento de prazos – como sucede no caso dos autos. São estes constrangimentos que entendemos dever compreender, em cumprimento do dever de colaboração e do princípio da boa-fé processual.

 No entanto, é certo que um dos Exmos. Advogados requerentes, como novo mandatário da ré, esteve presente, com substabelecimento, na audiência de julgamento dos autos. Porém, a notificação da sentença não lhe foi endereçada, não existindo elementos donde se possa extrair que teve conhecimento do teor da mesma, bem como as consequências daí advenientes. Aceita-se a existência de um especial dever de cuidado no tratamento das notificações judiciais,  designadamente quando dirigidas a um Sr. Advogado. No entanto, tal cuidado poderá não ser suficiente em determinadas circunstâncias, nomeadamente em que de forma inerente ocorre um acréscimo anormal de serviço que impeça os novos mandatários de acorrer a todas as situações/processos pendentes.

Estas, em suma, as razões que determinam o nosso entendimento de que se verificou, no caso dos autos, o justo impedimento invocado, nos termos do n.º 1 do art. 140º do CPC.

 Atendendo ao objeto dos autos, e não se tratando de matéria juridicamente complexa (sendo certo que um eventual recurso incidirá apenas sobre matéria de direito, face ao acordo obtido quanto à factualidade controvertida), entendemos ser suficiente um prazo suplementar de 5 dias para os novos mandatários da ré aquilatarem da viabilidade de interporem recurso da sentença entretanto proferida – prazo que se concede a partir da notificação da presente decisão.».

3.

Inconformado recorreu o autor.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

Acham-se provados, em face dos requerimentos em causa apresentados pela AIG e pelo A./recorrente, os seguintes factos, comprovados documentalmente nos autos:

1) A audiência de discussão e julgamento realizou-se no dia 01/12/2015;

2) O Dr. (…), Ilustre Mandatário da R. AIG faleceu no dia 17/12/2015;

 3) A R. AIG, na sequência do falecimento do anterior Mandatário, outorgou procuração forense no dia 22/12/2015, constituindo seus mandatários os Ilustres Advogados constantes da mesma, a fim de continuarem o patrocínio nos diversos processos judiciais em curso, incluindo o dos presentes autos;

4) A douta sentença que condenou a R. AIG no pagamento de € 28.000,00, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, foi proferida no dia 01/02/2016;

 5) A dita sentença foi notificada electronicamente a todos os mandatários no dia 02/02/2016;

 6) A notificação electrónica feita ao Ilustre Mandatário da R. AIG foi lida.

7) O requerimento pelo qual a R. AIG invocou justo impedimento e juntou procuração a que se faz alusão no antecedente ponto 3) foi apresentado a juízo pelo juízo pelo pelos Ilustres Mandatários constituídos no dia 24/03/2016.

O requerimento da R. AIG pelo qual foi invocado o justo impedimento foi “instruído” com um assento de óbito (que certifica o infeliz falecimento do Dr. (…) e com uma procuração forense outorgada pela própria, no dia 22 de Dezembro de 2015. Nenhuma outra prova foi junta ou requerida ou requerida pela R. AIG.

 Do requerimento da R. AIG resulta que decorreram:

(iii) 42 dias entre a data da outorga da procuração forense aos novos Ilustres Mandatários (22/12/2015) e a data da notificação da douta sentença proferida nos presentes autos (02/02/2016);

(iv) 93 dias entre a data da outorga da procuração forense aos novos Ilustres Mandatários e a junção da mesma aos autos.

 Os novos Ilustres Mandatários da AIG demoraram 93 dias (ou seja, mais de 3 meses) para promoverem a junção aos presentes autos da procuração forense que lhes havia sido outorgada pela R..

Um dos novos Ilustres Mandatários constituídos pela pela R. AIG–Dr(…) teve intervenção processual (com substabelecimento do falecido Dr. (…)), pois interveio na audiência de discussão e julgamento, que se realizou no dia 01/12/2015,

(iii) 16 dias antes do infortunado falecimento do Dr. (…);

 (iv) 21 dias antes de ser constituído novo mandatário da AIG.

 6º

Era, assim, do perfeito e exacto conhecimento deste novo mandatário (Dr. (…)) que os presentes autos se achavam conclusos para ser proferida sentença, tando mais que se assentaram por mútuo acordo entre as partes todos os factos que se demonstravam controvertidos nos autos.

Caso os novos Ilustres Mandatários da AIG - com conhecimento directo dos presentes autos e da fase em que os mesmos se encontravam - tivessem sido diligentes, teriam promovido a junção da procuração forense aos autos, muito a tempo de serem notificados da douta sentença, que, repita-se, apenas foi proferida e notificada 42 dias depois.

 8º

 Compulsado o requerimento em que foi invocado o justo impedimento, resulta cristalino que

 (iv) a R. AIG aceita ter constituído novos Ilustres Mandatários no dia 22/12/2015, em virtude do falecimento do anterior Mandatário (do que tiveram, portanto, conhecimento) com vista à continuação do seu patrocínio nos processos judiciais em curso, incluindo os presentes;

(v) que os novos Ilustres Mandatários logo trataram de promover a junção aos processos em curso a procuração outorgada;

 (vi) e que apenas o fizeram nos presentes autos no dia 24/03/2016, decorridos 93 dias da outorga da procuração, bem sabendo que à data do falecimento do anterior mandatário e da outorga da nova procuração, os autos estavam conclusos à Mmª Juiz para proferir sentença.

Desta alegação depreende-se que a AIG pretende a “desculpabilização (com base no instituto do justo impedimento) pelo facto de não terem os novos Ilustres Mandatários promovido atempadamente a procuração aos autos, invocando, para o efeito, justo impedimento que não se verifica, pois a sua não junção atempada resulta da omissão dos Ilustres Mandatários e não do falecimento do Dr. (…)

10º

 Em suma, a AIG não fundamenta nem estriba o justo impedimento no infeliz falecimento do Dr. (…), sendo que o motivo invocado pela R. AIG como consubstanciador do justo impedimento é o facto de não terem os novos Ilustres constituídos promovido atempadamente a procuração forense que lhe havia sido outorgada 93 dias antes, não obstante terem perfeito conhecimento dos presentes autos e da fase em que os mesmos se encontravam.

11º

Bastaria aos novos Ilustres Mandatários da AIG dar conhecimento do falecimento do Dr. (…) nos presentes autos para que os mesmos fossem declarados suspensos a partir da sentença (artigo 271º do CPC) com notificação da R. AIG para constituir novo mandatário (embora os mesmos já tivessem sido (embora os mesmos já tivessem sido constituídos por procuração outorgada 42 dias antes da sentença), pois estamos perante lide judicial em que a constituição de mandatário é obrigatória.

 12º

O requerimento em causa não foi elaborado e remetido aos autos no exacto momento em que se aperceberam da situação, pois, na própria alegação da R. (embora tal facto não se ache demonstrado ou provado, antes infirmado pelo facto de a notificação da sentença ter sido LIDA no próprio dia 02/02/2016).

 13º

O justo impedimento só pode ser invocado nas situações em que ainda não tenha ainda decorrido o prazo normal para praticar o acto (ou seja, quando o mesmo ainda está em curso –o que não é o caso, pois o falecimento do Dr (…) verificou-se em data anterior ao início do mesmo prazo), devendo a parte, logo que cesse o impedimento, praticar o acto alegando simultaneamente o justo impedimento.

14º

As regras processuais admitem a hipótese, a título excepcional, da prática de acto processual fora de prazo, desde que se prove justo impedimento, numa derrogação da regra geral da disciplina processual de extinção do direito de praticar o acto pelo decurso de um prazo peremptório.

15º O cerne do conceito legal de justo impedimento situa-se, pois, na não imputabilidade do evento à parte ou ao mandatário e já não na sua normal imprevisibilidade.

16º

 Para a afirmação do justo impedimento não é suficiente a verificação de uma situação incapacitante do exercício da actividade profissional, sendo ainda necessário que o facto incapacitante determine a impossibilidade de praticar o acto por terceiro.

17º

Decidindo verificar-se o justo impedimento invocado pela R. AIG e, em consequência, conceder um prazo suplementar de 5 dias para aquilatar da viabilidade de interposição de recurso da sentença entretanto proferida, a Mmª Juiz a quo fez errada interpretação do estatuído no nº 1 do artigo 140º do C.P.C., violando-o.

Contra alegou a recorrida pugnando pela manutenção do decidido, com os seguintes argumentos finais:

I. Os fundamentos de facto e direito abordados pelo Recorrente nas sua alegações de recurso não são correctos nem provados; não constam dos autos; e não constam do Douto Despacho recorrido.

 II. Ao arrepio do disposto no artigo 639º do C.P.C., o Recorrente pede a revogação do Douto Despacho recorrido sem se referir a um único fundamento jurídico ou fáctico sobre o qual o Tribunal se estribou para a prolação do Despacho.

III. O Recorrente não chega sequer a identificar quaisquer vícios de interpretação, aplicação ou determinação de normas jurídicas.

 IV. Na realidade o Douto Despacho não enferma de quaisquer vícios, pois o mesmo aplica correctamente o direito aos factos apurados como verdadeiros nos autos, ao subsumirem-se os mesmos às regras do justo impedimento do artigo 140º do C.P.C.

V. Não merece pois qualquer censura o Douto Despacho recorrido quer na apreciação dos factos, quer na aplicação do direito, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente.

4.

Sendo que, por via de regra - artºs 635º e 639º-A  do CPC -, de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

(In)verificação de uma situação consubstanciadora de justo impedimento.

5.

Apreciando.

5.1.

Os factos essenciais a considerar são os seguintes:

1) A audiência de discussão e julgamento realizou-se no dia 01/12/2015;

2) O Dr. (…) Ilustre Mandatário da R. AIG, faleceu no dia 17/12/2015;

3) A R. AIG, na sequência do falecimento do anterior Mandatário, outorgou procuração forense no dia 22/12/2015, constituindo seus mandatários os Ilustres Advogados constantes da mesma, entre os quais o Dr(…),  a fim de continuarem o patrocínio nos diversos processos judiciais em curso, incluindo o dos presentes autos;

4) Foi já o Dr (…) que compareceu à audiência de julgamento, ao abrigo de substabelecimento com reserva outorgado pelo Dr. (…).

5) A  sentença que condenou a R. AIG no pagamento de € 28.000,00, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, foi proferida no dia 01/02/2016;

 6) A dita sentença foi notificada electronicamente a todos os mandatários no dia 02/02/2016;

 7) A notificação electrónica feita ao Ilustre Mandatário da R. AIG foi lida.

8) A R. AIG e os seus novos ilustres mandatários, alegaram ter conhecimento da sentença em 21.03.206 e invocaram justo impedimento dia 24/03/2016.

5.2.

O justo impedimento é figura que deve ser acolhida excecional e cautelosamente  - cum granno sallis -, pois que possibilitando ela a prática de ato processual para além dos prazos legais, pode, se duvidosamente concedida, acarretar a violação dos relevantes princípios da igualdade, da auto responsabilidade das partes, e da lealdade na litigância.

Por conseguinte:

«A invocação do justo impedimento, para evitar o efeito extintivo do decurso do prazo, tem de ser feito logo que cesse a causa impeditiva, devendo as provas ser oferecidas no respetivo requerimento, de modo a permitir ao juiz averiguar se o motivo invocado preenche os requisitos legais da imprevisibilidade, da inimputabilidade à parte ou aos seus representantes e se era obstativo, de todo em todo, da prática, em tempo, do ato judicial em causa» - Abílio Neto, in Breves Notas ao CPC, 2005, p. 50.

Ademais: «O justo impedimento só pode ser invocado nas situações em que ainda não tenha decorrido o prazo normal para praticar o acto, devendo a parte, logo que cesse o impedimento, praticar o acto alegando simultaneamente o justo impedimento.» - Ac. da RC de 17.03.2015 p. 610/08.8, in dgsi.pt.

Destarte, estatui o artº 140º do CPC.

1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.

2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.

O artigo correspondente do CPC, pretérito à reforma de 1995 – artº 146º -  tinha a seguinte redação:

« 1. Considera-se «justo impedimento» o evento  normalmente imprevisível, estranho à vontade  da parte, que a impossibilite de praticar o ato, por si ou por mandatário.»

Verifica-se assim que o quid nuclear para averiguar da existência, ou não, de uma situação de justo impedimento, passou de um jaez objetivo -evento que impossibilitasse a pratica do ato – para um cariz subjetivo – não imputabilidade de tal evento à parte ou seu mandatário -.

Na verdade: «a definição conceitual de «justo impedimento», em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam.» - preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95.

Efetivamente: «O que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento”– mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário (…) a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no nº 2 do art. 487º do CC (…)» - Lopes do Rego  in Comentários ao CPC 125.

 Nesta conformidade: «Tratando-se do cumprimento de um ónus processual devido pela parte, valerão as normas dos arts.799º e 487º, nº2, do Código Civil…

Assim, a culpa é presumida e avalia-se em abstrato, pela diligência de “um bom pai de família”, nas circunstâncias do caso.» - Ac. da RC de 24.03.2015, p. 1804/12.7TBTNV-B.EI.C1, com citação corroborante de L. Freitas, Código de Processo Civil Anotado, p. 274 e Ac. do STJ de  15.1.2014, p. 1009/06, dgsi.pt.

A não imputabilidade traduz-se em não ser possível, ou razoável, fazer incidir sobre o requerente um juízo de atuação sua com culpa ou negligência para o despoletar do evento impeditivo, ou ulterior eficaz contribuição para a produção dos seus efeitos – cfr. entre muitos outros, os Acs. da RC de 16.02.2005, p. 3287/0, da RP de 17.05.2012, p. 163/09.0TBRSD-A.P1 e da RL de 02.12.2015, p. 4748/11.6TTLSB.L1-4.

A formulação de pedido de declaração do justo impedimento  acarreta o iniciar de processado incidental.

No âmbito do qual o requerente deve carrear toda a prova com o respetivo requerimento – cfr. artº 293º nº1 do CPC.

E, com ela, provar e convencer da sua falta de culpa ou negligência

Quer porque tal resulta da previsão da norma: há que provar não a imputabilidade mas a não imputabilidade, que aproveita ao requerente.

Quer porque, inclusive, estando em causa a prova de um facto excetivo impeditivo da produção de certos efeitos – preclusão da prática de um ato processual -  sobre o respetivo arguente impende este ónus probatório – artº 342º nº2 do CC.

A não prova da culpa ou negligência é, pois, essencial, como se viu, para que a sua pretensão possa ser deferida.

Na verdade, e reiterando o já supra mencionado:

 «…a verificação do justo impedimento depende da comprovação da inexistência de culpa, negligência ou imprevidência da parte, seu representante ou mandatário na produção desse evento, valoradas em consonância com o critério geral estabelecido no nº 2 do artigo 487º do Código Civil» -  RL de  22.1.2015, p. 1069/14.6TVLSB-A.L1-2; cfr., ainda, Ac. RC de 30.03.2004, p. 212/04.

Finalmente urge ter presente que:

« A parte que invoque o justo impedimento para a prática de um acto processual em tempo deve arguir o incidente e praticar esse acto logo que cesse o justo impedimento.

O efeito do justo impedimento não é nem o de impedir o início do curso de prazo peremptório nem o de interromper tal prazo quando em curso, no momento em que ocorre o facto que se deva considerar justo impedimento, inutilizando o tempo já decorrido, mas tão somente o de suspender o termo de um prazo peremptório, deferindo-o para o dia imediato aquele que tenha sido o último de duração do impedimento» - Ac. da RC de 18.07.2006, p. 1887/06.

5.3.

No caso vertente.

Perante as considerações supra expendidas e os factos apurados, a decisão recorrida é de censurar.

Na verdade, nem a ré, nem os seus atuais ilustres mandatários, provaram ter atuado sem culpa ou negligência.

Falecido o primitivo mandatário da ré em 17.12.2015, pela ré foi outorgada procuração para o processo aos, entre outros, ilustres mandatários subscritores do requerimento em causa, no dia 22.12, ou seja, passados apenas cinco dias daquele decesso.

Ora impunha-se que a ré, ou tais ilustres mandatários, fizessem juntar a procuração aos respetivos processos nos dias imediatamente subsequentes.

Se assim tivesse acontecido nos presentes autos, certamente que a sentença já lhes seria notificada e eles poderiam cumprir o prazo legal do recurso.

Certo é que os ilustres causídicos referem que apenas em final de janeiro a procuração lhes chegou às mãos.

Mas  de tal asserção eles não fizeram prova.

E mesmo que a provassem seria, só por si, porque vaga, inoperante.

Primus porque não aduzem, como deviam, factos ou circunstancias justificativas - e, também aqui, não à ré ou a si, como mandatários, imputável – para o alegado facto de só terem entrado na posse da procuração passado mais de um mês após a sua outorga.

Secundus  porque, mesmo que apenas em final de janeiro – e o final de um mês, numa interpretação admissível, pode considerar-se o período a partir do seu dia 25 – tivessem tido, justificadamente,  acesso à procuração, certo é que se a tivessem juntado aos autos nos dias seguintes,  como deviam, já a notificação da sentença, porque apenas efetivada em 02.02., seria feita na sua pessoa.

Ademais, tendo a sentença sido notificada para o sucumbido Dr. Armando em 02.02., a requerente alega que apenas no dia 21 de março teve conhecimento da sentença.

Mas aqui cabe perguntar: como é possível  e justificável que apenas passados cerca de sete semanas a ré e os seus mandatários entretanto constituídos tenham tido conhecimento de matéria processual notificada para o falecido?

Não era suposto e exigível que, sabendo eles da sua morte, diligenciassem para ter acesso imediato a todas as comunicações judiciais que lhe eram (seriam) feitas, máxime porque, pelos vistos, pelo menos em alguns processos que o Dr. (…)patrocinava, como o presente, ainda não tinham junto nova procuração?

Finalmente há a considerar que a ré não cumpriu, temporalmente, conforme exigível.

Se teve conhecimento da sentença – leia-se: do seu teor – em 21 de março deveria, até porque o recurso apenas incidia sobre matéria de direito nem sequer complexa, praticar o ato recursivo no dia seguinte, simultânea e concomitantemente com o pedido de declaração do justo impedimento.

Mas só passados três dias efetivou este pedido, e  ainda requerendo prazo adicional de dez dias para o recurso.

A decisão, para além de menos curial na subsunção dos factos ao direito, é contraditória nos seus termos.

Pois que, considerando, e bem, que o facto de os ilustres advogados pertencerem a uma sociedade de advogados é irrelevante, já que os causídicos que constam na procuração é que são os mandatários da ré, e não aquela sociedade, acaba por justificar a  junção tardia da procuração com factos atinentes à sociedade, expendendo que:

«É do conhecimento comum que as companhias seguradoras, como a requerente, têm muitos processos judiciais em curso…tendo o volume de serviço respeitante á ré e entregue a apenas um único advogado causado grande transtorno no escritório da sociedade de advogados, dificuldades na gestão de todos os processos, e inclusive cumprimento de prazos.

Acresce que, para além desta contradição, dá como provados, sem prova - em intolerável substituição à ré e/ou aos ilustres advogados subscritores -, factos e circunstancias, que taxa de justificativos.

Isto  apenas com base na experiência ou conhecimento comuns.

Ora esta prova apresenta-se, in casu, ilegal e inadmissível.

Na verdade, nada nos autos demonstra o aventado elevado número de processos que o malogrado causídico patrocinava para a ré.

 E, muito menos,  mesmo que tal número pudesse ser taxado de elevado, que tal tenha causado transtorno no escritório da sociedade  com força a magnitude bastantes para justificar a junção de uma simples nova procuração ao processo mais de três meses após a morte do primitivo mandatário.

Antes pelo contrário, considerando a indiciada razoável dimensão da sociedade de advogados, é admissível presumir, pelas regras da experiência comum, que ela tenha um substrato organizacional mais do adequado para acudir, atempadamente, à prática de atos processuais  na sequência do decesso de um dos seus membros.

O que, aliás, é outrossim suposto verificar-se com a ré, enorme empresa multinacional, a qual, assim, é  de presumir estar eficientemente estruturada e organizada e douta e proficientemente assessorada, vg. a nível jurídico.

Se assim não acontece(u), sibi imputet, apenas os ilustres mandatários requerentes, e a ré, de si e/ou da sociedade de advogados, se podendo queixar.

Em todo o caso, e como se mencionou, não é a organização, ou falta dela, da sociedade de advogados, que releva, mas antes a atuação da ré e/ou dos seus mandatários que está em causa.

Ora para além do já supra expendido há que evidenciar que, no presente processo, um dos atuais mandatários – Dr. (…) - já tinha estado presente na audiência final de julgamento, aliás, aqui sim, com a admissível presunção que tal se verificou já ex vi de doença do Dr. (…).

 Naturalmente que após  a audiência final se seguiria a prolação da sentença.

A qual, porque nem encerrava decisão sobre a matéria de facto, já que o acervo factual foi fixado por acordo das partes, presumivelmente seria brevemente prolatada e notificada, como, até certo ponto, o foi.

É assim por demais evidente que, ao menos neste processo e considerando este circunstancialismo, a ré e os mandatários ex novo constituídos deveriam assumir cautelas acrescidas, estando de sobreaviso quanto aquela notificação.

Atuação diligente e proactiva esta que eles, de todo em todo, não demonstraram e convenceram ter-se verificado.

Não provado o magno requisito legal desta figura jurídica, a pretensão da recorrida deveria ter sido declarada improcedente.

Procede o recurso.

6.

Sumariando.

I -  A declaração do justo impedimento, de cariz excecional porque tardiamente afetante de direitos da outra parte, importa, por banda da parte impetrante, a clara prova de que o evento obstaculizante da prática atempada do ato processual não lhe é imputável a título de culpa ou negligência – artºs 487º nº2 e 342º nº2 do CPC.

 II - Se a ré, empresa multinacional supostamente bem organizada e assessorada,  na sequência da morte do seu advogado em 17.12.2015,  não dá conhecimento do facto e apenas junta ao processo nova procuração em 24.03.2016, sem provar causa justificativa para tal delonga, não pode beneficiar de tal figura jurídica e, assim, ser-lhe concedido prazo adicional  para recorrer da sentença que naquele ínterim foi notificada ao falecido mandatário e cujo prazo já tinha decorrido.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogar a decisão que julgou verificado o justo impedimento e, consequentemente, declarar o não direito da recorrente ao recurso da sentença final, com as legais consequências.

Custas pela ré.

Coimbra, 2016.10.18

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos