Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
109/14.3GATBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
SENTENÇA
MEDIDA E FINS DAS PENAS
Data do Acordão: 03/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART.389.º-A, DO CPP; ART. 40.º E 71.º DO CP
Sumário: I - A tramitação processual do processo sumário está regulamentada nos art. 381.º a 391.º, do CPP, designadamente quanto à prolação, formalismo e estrutura da sentença, não havendo disposição especial que imponha a transcrição automática em consequência da interposição de recurso.

II - A interposição de recurso de sentença oral proferida em processo sumário, não obriga a transcrição da mesma, fundamentando-se este entendimento no princípio da celeridade e no facto da gravação integral da audiência incluir obrigatoriamente a sentença, nos termos dos art. 363.º, 364.º e 389.º-A, n.º 3, do CPP.

III - Devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.

IV - O tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada, sem fundamento, com desvios aos critérios legalmente apontados.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

No processo supra identificado, foi condenado o arguido A... , pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do CP, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de  €7,00, perfazendo o montante de €490,00.

Foi ainda condenado na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses, nos termos do art. 69.º, n.º, 1, al. a) do CP.


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Da sentença interpôs recurso o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:

«A. O arguido A... foi acusado, em processo sumário, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p.p, pelo artigo 292.°, n.º 1 e 69.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal e condenado pela prática desse ilícito em face da factualidade dada como provada nos presentes autos - numa pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 7,00 e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de três meses.

B. Ficou provado que o arguido conduzia um veículo a motor na via pública com uma taxa de 1,94 g/l de alcoolemia; e que possui uma anterior condenação, em 24 de Fevereiro de 2010 pelo pratica do mesmo ilícito criminal, numa pena de 85 dias de multa, à taxa diária de 8,50 e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 06 meses.

C. Conduzindo o arguido com tal taxa de álcool no sangue ter-se-á de considerar que a culpa do arguido é elevada, bem como é elevado o grau de ilicitude do facto.

D. A pena principal e a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, previstas nos artigos 47.º, 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal devem ser graduadas, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º, 70.º, 71.º, do Código Penal.

E. A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, sendo a sua finalidade a intimidação da generalidade dirigindo-se, ainda, à perigosidade do agente, razão pela qual dentro da moldura penal abstracta de três meses a três anos, há que atender à culpa do arguido e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor ou contra ele.

G. Na fixação das medidas das penas há que atender aos critérios da culpa, da prevenção geral e da prevenção especial, sendo que quanto a esta importa a necessidade de ressocialização do arguido e a vertente da necessidade de advertência individual para que não volte a delinquir, bem como o facto de dever ser especialmente considerado um fator que, de certo modo, também toca a culpa: a suscetibilidade de o agente ser influenciado pela pena.

G. Atentos os bens jurídicos violados, a gravidade do ilícito, a medida da culpa e as necessidades de prevenção (geral e especial), em face da moldura penal abstratamente aplicável - de 10 dias a 120 dias, quanto à pena de multa; e de 03 meses a 03 anos, quanto à pena acessória -, o arguido teria de ser condenado numa pena de multa não inferior a cem (100) dias e a uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período não inferior a oito (08) meses;

H. Ao não o fazer e ao condenar o arguido nas penas em que condenou, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 69.°, n.º 1, alínea a), 70.º, 71.º e 292.°, n.º 1, do Código Penal.

I. Pelo que deve a Sentença ser substituída, nesta parte, por outra que condene o arguido como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo artigo 292.º, n.º 1 e 69.°, n.º 1, alínea a) do Código Penal, numa pena de multa não inferior a cem (100) dias e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período não inferior a oito meses.

Nestes termos e nos demais de Direito a Sentença proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.°, n.º 1 e 2, 69.º, n.º 1, alínea a), 70.°, 71.° e 292.º, n.º 1, todos do Código Penal, pelo que deverá ser revogada, no que à medida da pena principal de multa e da pena acessória de inibição de conduzir concerne, e substituída por outra que, condene o arguido, no mínimo, a uma pena de cem (100) dias de multa e a uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de oito (08) meses».


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Notificado o arguido, nos termos do art. 411.º, n.º 6, para efeitos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, não apresentou reposta.

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Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, acompanhando a posição do Ministério Público na 1.ª instância, emitiu douto parecer no sentido da sentença ser alterada nos termos propostos nas conclusões da motivação de recurso.

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Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, foram colhidos os vistos legais, pelo que cumpre decidir.

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II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questão a decidir:

Aferir da adequação da medida da pena de multa e da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.

Fixação dos factos relevantes em processo sumário, em que foi proferida sentença oralmente, nos termos do art. 389-A,n.º1 e 2, do CPP.

O Ministério Público questiona nos fundamentos do recurso a brandura das penas aplicadas, quer da pena principal de multa, quer da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.

Pugna assim o recorrente que, face à taxa de álcool no sangue e ao facto do arguido já ter sido condenado pelo mesmo crime, a pena de 70 dias de multa e a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de 3 meses, devem ser aumentadas respectivamente para 100 dias de multa e 8 meses a pena acessória.

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do C. Penal, pelo qual foi condenado o arguido é punível com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias.

Por força do disposto no art. 69.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, este mesmo crime é ainda sancionado com sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos.

Para podermos aferir da adequação das penas aplicadas importa antes de mais atentar na matéria de facto dada como provada.

Nos termos do art. 389.º-A, n.º 1, al. a), do CPP, a sentença é proferida oralmente e deve conter designadamente a indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação.

Só assim não será quando for aplicada pena privativa da liberdade ou excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, em que o juiz elaborará sentença por escrito, por imposição do n.º 5, do mesmo artigo.

Assim, numa primeira impressão, havendo sentença oral, da qual foi interposto recurso, seríamos levados a crer que houvesse necessidade de transcrever a sentença para os autos ou pelo menos a matéria de facto, dado que está em causa apenas a medida da pena. 

Como processo especial, o julgamento em processo sumário regula-se pelas disposições do Código de Processo Penal relativas ao julgamento em processo comum, com as modificações das normas que especialmente lhe são aplicáveis, constantes dos art. 381.º a 391.º, do CPP, devendo os actos e termos do julgamento ser reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa, por força do art. 386.º, do mesmo diploma legal.

A Lei 20/2010, de 30/8, com entrada em vigor em 29/10/2010, reforçou a simplificação da forma processual dos processos especiais, que despiu ainda mais de formalismos, face ao regime que anteriormente vigorava, designadamente relativamente ao processo sumário e concretamente na parte relativa à sentença.

E, nesta matéria a simplificação de formalismos da sentença, já vigorava, face à forma de processo comum, pois já anteriormente era “logo proferida verbalmente e ditada para a acata” face ao disposto no art. 389.º, do CPP dirigido à tramitação do processo sumário, desde o início do julgamento até à prolação da sentença.     

A Lei 20/2010, de 30/8, introduziu uma disposição nova, a constante do art. 389.º-A, relativamente às formalidades da sentença no processo sumário.

E face a esta alteração, a sentença que substancialmente nada tinha de diferente, relativamente à forma de processo comum, a não ser a simplificação e prolação oral de imediato e ditada para a acta, passou a ter o seguinte regime, constante dos n.º 1, 2 e 5, quanto à sua elaboração e estrutura:

«1. A sentença é logo proferida oralmente e contém:

a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucinto das provas;

b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamenta, a decisão.

c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da pena aplicada;

d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º;

2. O dispositivo é sempre ditado para a ata.

(…)

5. Se for aplicada pena privativa da liberdade ou excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura». 

A jurisprudência divide-se quanto, quanto à obrigatoriedade de transcrição da sentença proferida oralmente, em caso de recurso.

Há quem defenda que sendo o tribunal de recurso um tribunal quem aprecia e sindica a decisão da 1.ª instância, não faria muito sentido ser esta instância superior a transcrever a sentença recorrida antes de a apreciar.

Nesta conformidade a sentença teria de ser transcrita pela secção de processos da 1.ª instância, tendo-se já pronunciado neste sentido, entre outros, os seguintes acórdãos dos diferentes Tribunais da Relação:

TRL: 13/10/2011-Proc. 574/11.0PYLSB.l1-9; 11/10/2011-Proc. 617/10.5BMFR.L1-5; 27/09/2011-Proc. 430/11.2SILBS.L1-5; 7/04/2011-Proc. 1343/10.0BPGLRS.L1-9.

TRP: 28/09/2011 – Proc. 11/11.0PFPRT.P1

TRC: 7/09/2011 – Proc. 53/11.6GAMIR.C1

TRG: 23/05/2011 – Proc. 804/10.6PBVCT.G1.

Em sentido contrário de que a interposição de recurso de sentença oral proferida em processo sumário, não obriga a transcrição da mesma foi a decisão do Ac. TRL de 5/06/2012 – Proc. 87/12.3PAPTS.L1.5, fundamentando-se no princípio da celeridade e no facto da gravação integral da audiência incluir obrigatoriamente a sentença, nos termos dos art. 363.º, 364.º e 389.º-A, n.º 3, do CPP.

Acompanhamos este entendimento, sob pena de se perder o alcance da celeridade e simplicidade de formalismo que o legislador quis imprimir ao processo especial sumário, cuja tramitação está regulamentada nos art. 381.º a 391.º, do CPP, designadamente quanto à prolação, formalismo e estrutura da sentença, não havendo disposição especial que imponha a transcrição automática em consequência da interposição de recurso.

E nada tendo dito o legislador a este respeito temos seguido o entendimento de ouvir o registo áudio na parte com interesse para decidir o recurso, não estando em causa a aplicação de pena de privação da liberdade.

O tribunal de recurso deve recorre-se da sentença, quer seja oral ou escrita, sendo que a primeira foi a forma simples por que optou o legislador, em regra para o processo sumário.

E nesta conformidade, tendo sido proferida sentença oral, entendemos não ser obrigatória a transcrição da mesma.

Porém, conforme consta da acta a fls. 46 dos autos, houve confissão integral e sem reservas, considerada relevante por despacho, que expressamente, e bem, considerou que implicava a renúncia à produção de prova relativamente aos factos que lhe eram imputados ao arguido e consequentemente considerando estes como provados, dispensando a produção de prova, de acordo com o art. 344.º, n.º 1 e 2, al. a), do CPP.

Ora, de acordo com o art. 130.º, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º, do CPP, não devem ser praticados actos inúteis no processo.

Nesta conformidade, não se justifica a reprodução a escrito da factualidade considerada como provada, pois estão disponíveis os factos provados que constam da acusação de fls. 22 e 23, dada a confissão integral e sem reservas, complementada pelo talão do teste de pesquisa de álcool no sangue de fls. 4 e CRC de fls. 18.

Por outro lado, complementarmente, a bem da simplificação, fazemos uso da audição da gravação da sentença proferida oralmente, cuja matéria de facto relativamente à personalidade, condição social e económica do arguido consta da gravação da leitura da sentença (00.21 a 4.15).

Está assente nos autos, com interesse para aferir da adequação da medida concreta das penas aplicadas, o seguinte circunstancialismo resultante da acusação, por força da confissão integral e sem reservas considerada relevante em acta e da sentença oralmente proferida, gravada em DVD, que para o efeito ouvimos (00.21 a 4.15):

1. O arguido conduzia, no dia 25/05/2014, cerca das 3h42m, o automóvel ligeiro de passageiros matrícula (...) BX, na via pública com uma TAS de 1, 94g/l de álcool no sangue.

2. Agiu com dolo directo.

3. O arguido foi condenado em 24/2/2010, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1,do CP, na pena de 85 dias de multa, à taxa diária de €8,50, perfazendo o montante de €722,50 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses.

4. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado e mostra arrependimento.

5. O arguido é director comercial e tem como habilitações o 12.º ano.

6. Aufere o vencimento mensal de €1400,00 mensais.

7. Vive sozinho em casa arrendada, pagando a renda mensal de €375,00 e ajuda os pais, contribuindo mensalmente com a quantia de €300,00.

8. Necessita do veículo para exercer a sua actividade profissional.

Aqui chegados procuremos agora aferir se foram observados os critérios lealmente impostos para aplicação das penas, principal e acessória, que devem ser fixadas de forma adequada à conduta do agente, necessidades de prevenção geral e especial.

Não se questiona na motivação de recurso a opção do tribunal quanto à pena principal, que nos termos do art. 70.º, do CP, entre a aplicação de pena de prisão e pena de multa, se decidiu, e bem, pela escolha da pena de multa, por entender que a pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Assim, há apenas que dirimir a conflitualidade de entendimento entre o tribunal a quo e o Ministério Público, aqui recorrente, relativamente ao quantum das penas aplicadas.

A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).

A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.

Uma vez escolhida a natureza da pena há que determinar a sua medida concreta, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.

E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.

E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.

Esta circunstâncias são meramente exemplificativas.

A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.

Os critérios legais previstos para as penas principais, acima mencionados, são integralmente aplicáveis às penas acessórias, apesar da lei ser especificamente omissa.

E não há razão para assim não ser, pois as penas acessórias, embora pressuponham a condenação do arguido numa pena principal (prisão ou multa), são verdadeiras penas criminais, também elas ligadas à culpa do agente e justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª edição, 2013, pág. 34).

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por cuja prática foi o arguido condenado, é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Nos termos do art. 69º, nº 1, a) do C. Penal, a proibição de conduzir veículos com motor para arguido punido pela prática do crime previsto no art. 292.º do mesmo código, é fixada num intervalo de três meses e três anos.    

O tribunal a quo aplicou:

- A pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 7,00.

- A proibição de conduzir veículos com motor por 3 meses.

A taxa diária da multa que nos termos do art. 47.º, n.º 2, do CP, que deve ser fixada entre €5,00 e €500,00, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, não sofreu reacção, por parte do recorrente.

Por isso, pronunciar-nos-emos apenas sobre os dias de multa fixados numa moldura abstracta que vai de 10 a 120 dias de multa (art. 47.º, n.º 1 e 292.º, n.º 1, do CP) e sobre a proibição de conduzir veículos com motor que vai de três meses a três anos.    

No caso dos autos há que ponderar as seguintes circunstâncias agravantes:

- O arguido agiu com dolo directo.

- Conduzia veículo ligeiro com uma TAS considerada elevada (1,94 g/l de álcool no sangue, excedendo de forma relevante o limiar da tipicidade.

- Já fora condenado, em 24 de Fevereiro de 2010 pela prática do mesmo ilícito criminal, numa pena de 85 dias de multa, à taxa diária de 8,50 e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses, o que revela que esta condenação não surtiu os efeitos pretendidos e evidencia as exigências de prevenção especial.

As necessidades de prevenção geral são elevadas, quer pela frequência com que, por toda a parte, é praticada a condução automóvel influenciada pelo álcool, quer pelas negras estatísticas nacionais no que respeita à sinistralidade rodoviária, com elevado índice de acidentes são provocados por condutores alcoolizados.

São pois elevadas as exigências preventivas, sendo certo que nos encontramos perante um crime de perigo abstracto.

Em favor do arguido intervêm as seguinte circunstâncias:

- Confessou de forma integral e sem reservas dos factos que lhe eram imputados e mostrou arrependimento, embora neste tipo de ilícito, seja de relativa importância, face á prova da TAS resultar de meios técnicos ou periciais, não deixando no entanto a sua postura de significar capacidade de assumir de forma integral, o desvalor dos actos por si praticados e por isso, a sua culpa.

- O arguido é um cidadão inserido, profissional, familiar e socialmente, pois é director comercial, colabora no sustento dos pais.

- Necessita do veículo para exercer a sua actividade profissional.

Face aos critérios apontados pelos art. 40.º e 71.º, do CP, concluímos que as circunstâncias agravantes sobrepõem-se às circunstâncias atenuantes, embora sem evidência acentuada, que justifique a alteração das penas nos termos da motivação de recurso.

São significativas as necessidades de prevenção geral e especial, considerando no entanto que se justifica apenas o agravamento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pois sem nos pautarmos por meras regras de proporcionalidade matemática, a sua fixação pelo mínimo legal, com a TAS constante dos autos, só muito excepcionalmente se poderia justificar.

A pena de multa, pelo contrário, não mostra assim evidentes desvios, na sua fixação, pois, num intervalo de 10 a 120 dias, foi fixada em 70 dias, acima do ponto médio da moldura penal abstracta.

O tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada, sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados.

Assim, não se justifica a alteração da pena principal de 70 dias de multa, em que o arguido foi condenado.

A aplicação do mínimo legal de 3 meses para a pena acessória é manifestamente desadequada, ao arrepio daqueles princípios da aplicação das penas e ao arrepio dos critérios que vimos seguindo, bem como a generalidade da jurisprudência deste tribunal da Relação.

Não há fundamentação nos autos para tal.

Nesta conformidade, ponderando todas as circunstâncias que devemos ter em conta para determinação da medida concreta, justifica-se que seja elevada de 3 para 6 meses, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.

Esta condenação será por certo um aviso sério ao arguido e por isso, traduzindo-se o sofrimento da pena acessória, num castigo maior que a própria pena principal, nesta caso de multa, não se justificando a sua elevação para 8 meses.

Estando o arguido inserido familiar e profissionalmente, consideramos que o período de 6 meses de proibição de condução de veículos com motor assegura de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


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III- Decisão:

Nestes termos, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

a) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, consequentemente, revoga-se a sentença na parte em que o arguido, A... foi condenado, por crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.°, n.º 1 e 69.º, n.º 1 al. a) do Código Penal, na pena acessória de 3 (três) meses de proibição de conduzir veículos motorizados, a qual se substitui pela condenação em 6 (seis meses) de proibição de conduzir veículos motorizados.

b) No demais confirma-se o acórdão recorrido.


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Sem custas, por o Ministério Público delas estar isento.

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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP.

Coimbra, 18 de Março de 2015



(Inácio Monteiro - relator)


(Alice Santos - adjunta)