Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
174/13.0GAVZL-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: SEGREDO DE JUSTIÇA
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PROCESSO
Data do Acordão: 02/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 86º, 89º, Nº 1 E 2 E 194º NºS 6 E 8 CPP
Sumário: 1.- Em inquérito sujeito a segredo de justiça, o regime especial de consulta dos elementos do processo previsto no nº 8 do art. 194º do C. Processo Penal não está sujeito à disciplina prevista no art. 89º, nº 1 e 2 do mesmo código;

2.- O juiz de instrução pode, nos termos do art. 194º, nº 8 do C. Processo Penal, não autorizar a consulta, no prazo para a interposição do recurso da decisão que aplicou a prisão preventiva, de certos elementos do processo determinantes da aplicação da medida, mesmo que os tenha feito constar da enunciação que integra a fundamentação do despacho, quando entende estar verificado algum dos perigos previstos na alínea b) do nº 6 do mesmo artigo;

3.- Decorrido o prazo previsto para a interposição do recurso do despacho que aplicou a medida de coação, extingue-se a compressão operada por aquele regime especial no regime geral do segredo de justiça, não havendo a partir daí lugar à autorização de consulta pelo arguido dos elementos do processo.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO


No inquérito nº 174/13.0GAVZL que corre termos nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da comarca de Vouzela, são arguidos......
No início de Setembro de 2013 o Ministério Público determinou a aplicação ao inquérito do segredo de justiça, tendo esta decisão sido validada pela Mma. Juíza de instrução, por despacho proferido em 6 de Setembro de 2013 (fls. 28 a 30 da presente certidão de recurso).
 
O arguido .......foi sujeito a 1º interrogatório judicial de arguido detido em 6 de Setembro de 2013, no termo do qual a Mma. Juíza de instrução proferiu despacho aplicando a medida de coacção de prisão preventiva (fls. 31 a 53 da presente certidão de recurso).  

No decurso do prazo para o recurso do despacho que decretou esta medida de coacção, o arguido ........ requereu ao Ministério Público, com vista à interposição do recurso, que fosse autorizada a consulta do processo na secretaria e passadas fotocópias ou entregue suporte digitalizado, contendo todos os elementos que fundamentaram a promoção da medida de coacção e o despacho dela determinativo, tendo especificado concretos meios de prova pretendidos (fls. 54 e 55 da presente certidão de recurso). 
A Digna Magistrada do Ministério Público, por despacho de 10 de Setembro de 2013, considerando estar o inquérito em segredo de justiça, nos termos das disposições conjugadas do nº 6 a contrario, e do nº 8, do art. 86º do C. Processo Penal, e por não se verificarem as excepções previstas no nº 7 do mesmo artigo, deferiu parcialmente o requerido pelo arguido, determinando a entrega de cópia do seu auto de interrogatório e do seu auto de 1º interrogatório judicial de arguido detido (fls. 56 da presente certidão de recurso).
O arguido  ............., por requerimento de 11 de Setembro de 2013, reclamou deste despacho para a Mma. Juíza de instrução, invocando a violação do art. 194º, nº 6, b) e 8 do C. Processo Penal e o art. 32º, nº 1 da Constituição da República, e requereu a final que lhe fosse permitida a consulta dos autos e ordenada a passagem de cópia dos elementos pretendidos (fls. 58 a 60 da presente certidão de recurso).      

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            Em 16 de Setembro de 2013 a Mma. Juíza de instrução proferiu o despacho recorrido, que tem o seguinte teor:
            ..................

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            Inconformado com a decisão dela recorreu o arguido ............, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
            ................

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            O recurso foi admitido, para subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

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            Respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:
            “ (…).
           

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, defendendo a irrecorribilidade do despacho sindicado e subscrevendo, quanto ao mérito, a argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância, e concluiu pela improcedência do recurso.
 
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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Respondeu o recorrente, reafirmando que não discute o segredo de justiça mas a violação do art. 194º, nº 8 do C. Processo Penal ao não lhe ser permitida a consulta dos elementos que fundamentaram a sua prisão preventiva, que a directiva que invocou, ainda que não transposta, já obriga a interpretação conforme o seu conteúdo, que em caso de dúvida, deve lançar-se mão do reenvio prejudicial, o que requer, a fim de se saber se o princípio da cooperação leal e do primado impõem a interpretação conforme do art. 194º, nº 8 citado com os arts. 6º do TUE, 48º, nº 2 da CDFUE e 7º, nº 1 e 2 da Directiva 2012/13/EU do Parlamento e do Conselho de 22 de Maio de 2012, e conclui pela revogação do despacho recorrido.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO


            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se, estando o inquérito em segredo de justiça por determinação do Ministério Público validada pelo juiz de instrução pode, nos termos do art. 89º, nº 1 e 2 do C. Processo Penal, ser restringido o acesso do arguido aos elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção durante o prazo previsto para a interposição de recurso da decisão que aplicou a medida.

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            1. A Reforma do Processo Penal operada pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto alterou o modelo até então vigente do segredo de justiça, passando a regra a ser a da publicidade do processo, nas suas fases preliminares, inquérito e instrução [o código não prevê sequer o segredo de justiça nesta última]. Assim, dispõe o art. 86º, nº 1 do C. Processo Penal que, o processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei.
            O segredo de justiça, excepção à regra apontada, arrasta consigo um inevitável conflito entre os interesses da investigação, especialmente, o interesse na descoberta da verdade material, e os interesses do arguido, em especial, o do pleno exercício do direito de defesa.

            A publicidade do processo penal tem como conteúdo essencial o direito de assistência, pelo público em geral, à realização do debate instrutório e do julgamento, o direito de narração ou reprodução dos actos processuais pela comunicação social e, o direito de consulta do auto e obtenção de cópias e certidões de qualquer parte dele (art. 86º, nº 6 do C. Processo Penal).
Inversamente, o segredo de justiça implica a proibição de assistência a acto processual a que os vinculados não tenham o direito ou o dever de assistir ou a tomada do conhecimento do seu conteúdo, e a proibição de divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos (nº 8 do mesmo artigo). Pode ser interno, quando se impõe aos sujeitos e participantes processuais, e externo, quando se impõe a terceiros portanto, a todas as pessoas que são alheias à relação processual.  

A determinação do segredo de justiça na fase do inquérito ocorre de duas distintas formas: a) a requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido, onde o juiz de instrução, ouvido o Ministério Público, decide por despacho irrecorrível (art. 86º, nº 2 do C. Processo Penal); b) quando o Ministério Público, entendendo que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justificam, o determina, ficando a decisão sujeita a validação, pelo juiz de instrução, no prazo de setenta e duas horas (nº 3 do mesmo artigo).
Assim, apesar de integrar a categoria de bem jurídico constitucional (art. 20º, nº 3 da Lei Fundamental), o segredo de justiça deixou de ser uma opção legal, pois que a ele não há lugar, se não for requerido por arguido, assistente ou ofendido, ou determinado pelo Ministério Público e validado pelo juiz de instrução, passando antes a estar na disponibilidade de intervenientes processuais.
2. O facto de o inquérito estar sujeito a segredo de justiça não significa uma absoluta impossibilidade de acesso ao conteúdo de actos ou documentos necessários para o exercício de direitos.
Desde logo, o art. 89º, nº 1 do C. Processo Penal prevê a quebra do segredo interno, permitindo ao arguido, assistente, ofendido, lesado e responsável civil a consulta do processo ou de elementos do mesmo e a obtenção das correspondentes cópias e certidões, desde que a tal não de oponha o Ministério Público. Havendo oposição do Ministério Público com fundamento em prejuízo para a investigação ou para direitos dos participantes processuais ou das vítimas, o requerimento é apresentado ao juiz de instrução que decide por despacho irrecorrível.    
O nº 9 do mesmo artigo permite também que a autoridade judiciária, fundamentadamente, dê ou permita que seja dado a conhecer a determinadas pessoas o conteúdo de certo acto ou documento, por conveniência para a descoberta da verdade ou por ser necessário ao exercício de direitos, desde que não seja posta em causa a investigação.

Por outro lado, há ainda a considerar o regime especial de acesso à informação previsto nas normas que regem o 1º interrogatório de arguido detido e a fundamentação da aplicação das medidas de coacção, na origem do qual estão as particulares características e consequências das medidas de coacção privativas da liberdade, e a eventual inutilização de direitos por o seu exercício ter que aguardar fases mais adiantadas do processo, já não sujeitas ao segredo e portanto, onde o contraditório se encontra plenamente assegurado. Assim:
i) Nos termos do art. 141º, nº 4, e) do C. Processo Penal, no âmbito do interrogatório judicial, o arguido é informado dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, cuja comunicação não coloque em causa a investigação, não dificulte a descoberta da verdade nem crie perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos intervenientes processuais ou das vítimas do crime.
ii) Da mesma forma, quanto à fundamentação do despacho que aplica medida de coacção, o art. 194º, nº 6, b) do C. Processo Penal determina que dela conste, sob pena de nulidade, a enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, desde que a sua comunicação não ponha gravemente em causa a investigação, não impossibilite a descoberta da verdade, nem crie perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos intervenientes processuais ou das vítimas do crime.
Por outro lado, dispõe o nº 7 do mesmo artigo que, sem prejuízo do disposto na alínea b) do nº 6, não podem fundamentar a aplicação ao arguido de medida de coacção, quaisquer factos ou elementos do processo que não lhe tenham sido comunicados. A regra é, portanto, a de que só o que foi comunicado ao arguido pode ser usado na fundamentação, com a ressalva das excepções da tutela da investigação e dos direitos referidos na citada alínea.
Finalmente, o nº 8, também do mesmo artigo, estabelece um especial direito à consulta do processo, dispondo que, sem prejuízo do disposto na alínea b) do nº 6, o arguido e o seu defensor podem consultar os elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção, durante o interrogatório judicial e no prazo previsto para a interposição de recurso.    

Para concluir este ponto diremos que o regime descrito, privativo que é do 1º interrogatório de arguido detido e da fundamentação da aplicação das medidas de coacção, porque regime especial, não é afastado pelas regras gerais do segredo de justiça.
Com isto pretendemos significar que o direito à consulta do processo previsto no nº 8 do art. 194º do C. Processo Penal não tem que ser exercido nos termos e com os limites previstos no art. 89º do mesmo código. Com efeito, trata-se de um reflexo directo da recepção feita pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, de jurisprudência recente e constante do Tribunal Constitucional sobre o segredo de justiça no âmbito da aplicação de medidas de coacção – referimo-nos, entre outros, aos Acórdãos nº 121/97, nº 416/2003 e nº 417/2003, in, www.tribunalconstitucional.pt – que conferiu prevalência ao direito de defesa do arguido sobre o interesse da investigação, salvo quando a esta fosse posta gravemente em causa ou fosse criado perigo para os mais importantes direitos fundamentais dos participantes processuais e das vítimas (cfr. Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X, in, DAR, 2ª série – A, nº 31, de 23 de Dezembro de 2006).
Aliás, se assim não fosse, careceria de sentido a existência da norma do nº 8 do art. 194º do C. Processo Penal, uma vez que o art. 89º do mesmo diploma já regularia o afastamento do segredo interno em todos os casos, incluindo o acesso a elementos dos autos no 1º interrogatório judicial e no prazo do recurso do despacho que aplicou medida de coacção.

3. Revertendo para a questão sub judice.
O inquérito encontra-se sujeito ao segredo de justiça, por determinação do Ministério Público, validada pela Mma. Juíza de instrução em 6 de Setembro de 2013. Portanto, tudo nos termos do art. 86º, nº 3 do C. Processo Penal.
Imediatamente após a validação, decorreu o 1º interrogatório judicial de arguido detido do recorrente Luís Teixeira, findo o qual, lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva. Assim, quando o arguido é interrogado pela Mma. Juíza de instrução e quando é proferido o despacho que o sujeitou àquela medida de coacção, já o inquérito estava em segredo de justiça.
Porque pretendia recorrer, o arguido solicitou ao Ministério Público a consulta do processo nos respectivos serviços e cópia ou digitalização de todos os elementos que fundamentaram a promoção e a aplicação da prisão preventiva, que especificou. O Ministério Público, invocando o segredo e o disposto no art. 86º, nº 6 e 8 do C. Processo Penal, deferiu apenas a entrega de cópia do auto de interrogatório e do 1º interrogatório judicial do arguido.
O arguido reclamou para a Mma. Juiz de instrução que, pelo despacho recorrido, deferiu a consulta de alguns dos elementos da informação de serviço de fls. 3 a 11, de parte do autos de inquirição de fls. 62 a 65, 134 a 139, 141 a 143, 150 a 156, 157 a 162, 163 a 168, e de fls. 169 a 176, e indeferiu o demais requerido.
No recurso, o arguido pretende apenas ser autorizado a consultar os elementos do processo que fundamentaram a medida de coacção a que foi sujeito.
 Impõe-se pois, convocar a disciplina dos arts. 141º e 194º do C. Processo Penal.

No auto de 1º interrogatório judicial do arguido, a Mma. Juíza de instrução, dando cumprimento, além do mais, ao disposto no art. 141º, nº 4, e) do C. Processo Penal, informou-o «(…) designadamente: ..............
E no despacho que decretou a prisão preventiva ao arguido, a Mma. Juíza de instrução, dando cumprimento ao disposto no art. 194º, nº 6, b) do C. Processo Penal, fez constar o que segue:
....................
O conteúdo da informação prestada pela Mma. Juíza de instrução ao arguido, no interrogatório deste, sobre os elementos do processo indiciadores dos factos que lhe eram imputados corresponde aos elementos do processo enunciados na fundamentação do despacho que decretou a prisão preventiva, indiciadores dos factos imputados, excepção feita ao relatório do Núcleo Ambiental de Viseu que só consta da informação prestada no interrogatório.
Sendo os supra identificados elementos do processo aqueles cuja consulta era pretendida pelo arguido – a que acrescem o auto das declarações por si prestadas à Polícia Judiciária e o auto do seu 1º interrogatório de arguido detido –, pretensão que viu parcialmente indeferida pelo despacho recorrido, não se compreende a afirmação que consta deste despacho no sentido de que alguns desses elementos não «serviram para a aplicação da aludida medida de coacção, e, por tal razão, não foram dados a conhecer ao arguido durante o primeiro interrogatório judicial de arguido detido a que o mesmo foi sujeito.», já que, por certo, aqui não são visados o auto de declarações do arguido à Polícia Judiciária e o auto do 1º interrogatório, e o único elemento pretendido pelo arguido que não serviu para a fundamentação do despacho que decretou a prisão preventiva – o relatório do Núcleo Ambiental de Viseu –, foi-lhe efectivamente comunicado no 1º interrogatório.

Já deixámos referido que a Reforma do Processo Penal operada pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto clarificou uma matéria que até aí era objecto de profundas divergências, consagrando a tese defendida pelo Tribunal Constitucional quanto ao conhecimento dos elementos do processo indiciadores dos factos imputados, segundo a qual, o arguido deveria poder conhecer tais elementos, a não ser que a esse conhecimento se opusesse um juízo de ponderação concreta dos interesses conflituantes.
No actual desenho processual penal, este juízo de ponderação encontra-se legalmente positivado nos arts. 141º, nº 4, e) e 194º, b), do C. Processo Penal nos termos dos quais, não haverá lugar, no interrogatório judicial, à informação dos elementos do processo indiciadores dos factos imputados, e não haverá lugar à enunciação destes mesmos elementos na fundamentação do despacho que aplicou medida de coacção, sempre que aquela informação e esta enunciação ponham gravemente em causa a investigação, impossibilitem a descoberta da verdade, ou criem perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime.   

Daqui resulta que no interrogatório, o juiz de instrução pode não efectuar a informação dos elementos indiciadores, como pode não permitir a sua consulta, se entender estar verificado algum daqueles perigos.   
Mas como nota Nuno Brandão (Revista do CEJ, 1º Semestre 2008, nº 9 (Especial), Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, pág. 87 e ss.), a mera informação e enunciação dos elementos do processo indiciadores dos factos imputados pode não dar origem a qualquer daqueles perigos, mas o mesmo pode já não acontecer, se for facultado ao arguido a consulta e portanto, o conhecimento do conteúdo desses elementos, caso em que o juiz de instrução não deve autorizar a consulta desses elementos, ainda que os tenha comunicado ao arguido. E, conclui este autor, «será ainda compatível com o novo regime legal a decisão do juiz de instrução que, no decurso do interrogatório ou posteriormente no prazo para a interposição do recurso e com fundamento em algum dos perigos elencados na alínea b) do art. 194.º-4 [actualmente, 6], nega ao arguido o acesso aos autos por ele requerido para consulta dos elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção, apesar de antes, na inquirição ou no despacho de aplicação da medida, lhe ter enunciado esses elementos».  
Assim, e ressalvado sempre o devido respeito, contrariamente ao entendimento do arguido, cremos que o juízo de ponderação que vimos referindo não tem, necessariamente, que ser feito no despacho que aplica a medida de coacção podendo, em certas circunstâncias, ser formulado posteriormente, na decisão que nega o acesso a tais elementos a solicitação do arguido, no prazo do recurso daquele despacho.

4. No despacho que determinou a sujeição do arguido a prisão preventiva a Mma. Juíza de instrução enunciou na fundamentação os elementos do processo indiciadores dos factos imputados, sem qualquer reserva expressa de conteúdo, o que vale dizer que também não assinalou e muito menos invocou, a existência de qualquer dos perigos previstos na alínea b), do nº 6 do art. 194º do C. Processo Penal. Nele não existe portanto, formulada qualquer limitação à consulta dos elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção.

Vejamos agora o despacho recorrido.
A Mma. Juíza de instrução começou por distinguir entre os elementos com que o arguido foi confrontado de forma genérica, para possibilitar a sua defesa, e aqueles com que foi confrontado de forma específica e, eventualmente, lidos, para concluir que só estes últimos lhe devem ser facultados.
O despacho que aplicou a prisão preventiva não fez esta distinção na enunciação dos elementos do processo indiciadores da imputação. Mas ainda que assim tenha efectivamente acontecido no 1º interrogatório, a lei não prevê tal distinção, pois só exige a informação sobre os elementos (art. 141º, nº 4, e) do C. Processo Penal) e a enunciação dos mesmos (art. 194º, nº 6, b) do mesmo código) e não, a confrontação do arguido com eles, embora também não proíba que tal aconteça. Depois, todos os elementos constam da fundamentação do despacho – com a excepção referida – como indiciando os factos imputados, sem qualquer referência a que o conteúdo de algum ou de alguns deles só parcialmente relevou, pelo que, sendo a indiciação do preenchimento do tipo legal elemento fundamental para a escolha da medida de coacção, torna-se evidente que tais elementos, in casu, foram determinantes da aplicação da medida de prisão preventiva.
Desta forma, não seria por esta via que poderia ser interditado ou limitado o acesso ao arguido dos elementos pretendidos.

No despacho recorrido, relativamente a uma informação de serviço do Departamento de Investigação Criminal de Aveiro da Polícia Judiciária, a fls. 3 a 11 do inquérito, escreveu-se:
.................
A Mma. Juíza de instrução entendeu portanto, que o conhecimento pelo arguido de todo o conteúdo desta informação poderia conduzir à frustração da aquisição de prova e à manipulação de prova, o que tem o significado de que existia risco grave para a investigação e o risco de não poder ser alcançada a descoberta da verdade.
Face ao que supra se deixou dito, podia a Mma. Juíza, nos termos do art. 194º, nº 8 do C. Processo Penal, negar ao arguido a consulta daquela informação de serviço, nos termos em que o fez – e, note-se, a permissão de consulta de parte deste elemento, revela clara preocupação quanto ao direito de defesa –, apesar de ter feito constar este elemento da enunciação da fundamentação do despacho.

Por último, não suscita crítica a não autorização da consulta do relatório do Núcleo Ambiental de Viseu, a fls. 21 a 22 do inquérito porque o mesmo não integrou a enunciação dos elementos indiciadores da imputação que consta do despacho que decretou a prisão preventiva o que, dada a não invocação dos perigos previstos na alínea b), do nº 6 do art. 194º do C. Processo Penal, necessariamente significa não ser elemento determinante da aplicação daquela medida de coacção. 

De tudo isto resulta que:
- Não merece censura a proibição de acesso do arguido e seu Ilustre Mandatário, ao conteúdo do relatório do Núcleo Ambiental de Viseu (fls. 21 a 22 do inquérito);
- Não merece censura a proibição de acesso, parcial, do arguido e seu Ilustre Mandatário, ao conteúdo da informação de serviço do Departamento de Investigação Criminal de Aveiro da Polícia Judiciária (fls. 3 a 11 do inquérito);
- Carece de fundamento legal a proibição de acesso do arguido e seu Ilustre Mandatário, ao conteúdo do auto de notícia (fls. 12 a 20 do inquérito), ao conteúdo do auto do 1º interrogatório judicial do co-arguido (fls. 108 a 129 do inquérito), do conteúdo do auto de apreensão (fls. 146 do inquérito) e do conteúdo do relatório de diligência externa da Polícia Judiciária (fls. 177 a 178 do inquérito);
- Carece de fundamento legal a proibição parcial de acesso do arguido e seu Ilustre Mandatário, ao conteúdo dos autos de inquirição de fls. 62 a 65, 134 a 139, 141 a 143, 150 a 156, 157 a 162, 163 a 168 e 169 a 176, do inquérito.

5. Não obstante o que antecede, certo é que o art. 194º, nº 8 do C. Processo Penal só confere o direito de consulta dos elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção, durante o interrogatório judicial e no prazo para a interposição de recurso. Esgotados estes dois momentos, aqueles elementos ficam cobertos pelo manto do segredo de justiça e sujeitos, como todos os demais, à disciplina do art. 89º, nº 1 e 2 do C. Processo Penal.

O arguido .............., como é referido no despacho que admitiu o presente recurso (fls. 11 destes autos de recurso) interpôs recurso do despacho que aplicou a prisão preventiva em 24 de Setembro de 2013. Está pois, necessariamente esgotado o prazo assinalado no art. 194º, nº 8 do C. Processo Penal para a consulta dos pretendidos elementos, acrescendo que o arguido, exerceu o direito de recurso, numa das opções possíveis [o recurso 174/13.0GAVZL-A.C1 foi julgado improcedente, em conferência, na sessão de 18 de Dezembro de 2013, como pode ser consultado no site do Tribunal da Relação de Coimbra].
Daqui resulta que não, estando já reunidos os pressupostos legais de que dependia a consulta pretendida, não pode agora, ser a mesma autorizada.  

6. Finalmente, e independentemente da sua transposição, uma nota sobre a Directiva 2012/13/EU do Parlamento e do Conselho de 22 de Maio de 2012, invocada pelo arguido na resposta ao parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto.
O considerando 32 da Directiva admite que o direito nacional possa restringir o acesso aos meios de provas quando tal acesso possa fazer perigar direitos fundamentais de primeira grandeza, ou interesses públicos importantes. E por isso, no art. 7º, nº 4 da Directiva se prevê que, na condição de não prejudicar o direito a um processo equitativo, pode ser recusado o acesso a certos elementos do processo se esse acesso for susceptível de constituir uma  ameaça grave para a vida ou os direitos fundamentais de outras pessoa ou se a recusa for estritamente necessária para salvaguardar um interesse público importante, como nos casos em que a concessão de acesso poderia prejudicar uma investigação em curso ou comprometer gravemente a segurança nacional do Estado-Membro em que corre o processo penal.
Diremos pois, que os arts. 141º, nº 4 e 194º, nº 6, b) e 8, ambos do C. Processo Penal, têm conteúdos plenamente conformes com o da Directiva, na interpretação que lhes foi dada.  

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            Em síntese conclusiva:
- Em inquérito sujeito a segredo de justiça, o regime especial de consulta dos elementos do processo previsto no nº 8 do art. 194º do C. Processo Penal não está sujeito à disciplina prevista no art. 89º, nº 1 e 2 do mesmo código;
- O juiz de instrução pode, nos termos do art. 194º, nº 8 do C. Processo Penal, não autorizar a consulta, no prazo para a interposição do recurso da decisão que aplicou a prisão preventiva, de certos elementos do processo determinantes da aplicação da medida, mesmo que os tenha feito constar da enunciação que integra a fundamentação do despacho, quando entende estar verificado algum dos perigos previstos na alínea b) do nº 6 do mesmo artigo;
- Decorrido o prazo previsto para a interposição do recurso do despacho que aplicou a medida de coacção, extingue-se a compressão operada por aquele regime especial no regime geral do segredo de justiça, não havendo a partir daí lugar à autorização de consulta pelo arguido dos elementos do processo.
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            III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso. Consequentemente, decidem:

A) Revogar o despacho recorrido na parte em que não permitiu ao arguido, no prazo previsto para o recurso do despacho que aplicou a prisão preventiva, a consulta, do auto de notícia (fls. 12 a 20 do inquérito), do auto do 1º interrogatório judicial do co-arguido (fls. 108 a 129 do inquérito), do conteúdo do auto de apreensão (fls. 146 do inquérito) e do conteúdo do relatório de diligência externa da Polícia Judiciária (fls. 177 a 178 do inquérito), bem como na parte em que apenas permitiu ao arguido o acesso a parte dos autos de inquirição de fls. 62 a 65, 134 a 139, 141 a 143, 150 a 156, 157 a 162, 163 a 168 e 169 a 176, do inquérito.

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B) Confirmar, quanto ao mais, o despacho recorrido.

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            Recurso sem tributação atenta a parcial procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).
 
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 (Heitor Vasques Osório - Relator)
 (Fernando Chaves)