Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
149/23.1T8OLR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
AUDIÇÃO DOS MENORES NA CONFERÊNCIA DE PAIS
PRESENÇA DE MANDATÁRIO
CRITÉRIOS DE ATRIBUIÇÃO DA CONFIANÇA DOS MENORES A UM DOS PROGENITORES
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLEIROS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 36.º, 5 E 69.º, 1, DA CRP
ARTIGOS 986.º; 987.º; 988.º, 1, 1.ª PARTE E 989.º, DO CPC
ARTIGOS 1878.º, 1; 1885.º, 1; 1906.º, 3, 5 E 8 E 198.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 3.º, C); 4.º, 1; 5.º; 12.º; 35.º, 1 E 3 E 40.º, 1 E 2, DO RGPTC
Sumário: 1. Na Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, processo de jurisdição voluntária (art.º 12º do RGPTC), o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, tendo a liberdade de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa (mais conveniente e oportuna) (art.º 987º do CPC), a que melhor serve os interesses em causa; o princípio do inquisitório é assumido em toda a sua plenitude, sobrelevando ao princípio do dispositivo, concedendo-se ao tribunal o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes, sendo apenas admitidas as provas que o juiz considere necessárias.
2. É permitido ao julgador usar de liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, seja para coligir oficiosamente provas que repute essenciais às finalidades do processo, seja para prescindir de atos ou de provas que repute inúteis ou de difícil obtenção (art.º 986º do CPC) e, neste sentido, incompatíveis com o superior interesse da criança, que também se projeta no direito a uma decisão em tempo adequado e razoável.

3. Se, na conferência dos pais, os menores foram ouvidos para exprimirem a sua opinião e não como meio de prova (art.º 5º, n.ºs 1 e 2, do RGPTC), manifestando a sua posição/vontade relativamente ao litígio criado pelos progenitores e ao seu interesse, tal procedimento não está sujeito às regras previstas no art.º 5º, n.º 7 do RGPTC, podendo o juiz ouvir as crianças sem a presença de qualquer Mandatário.

4. A escolha do progenitor a quem o menor deve ser confiado deve recair no que esteja em melhores condições de lhe assegurar um desenvolvimento harmonioso, mormente a nível físico, psíquico e afetivo.

5. Em princípio, os irmãos devem crescer juntos, fator relevante para a estabilidade emocional e adequada estruturação da personalidade.

Decisão Texto Integral:
Relator:
Fonte Ramos
Adjuntos:
Luís Cravo
Fernando Monteiro


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            (…)

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            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:        

                       

            I. Em 16.3.2023, AA veio requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais (RERP) contra BB, relativamente aos filhos menores de ambos, CC, DD e EE (...).

           Na conferência dos pais de 18.4.2023 procedeu-se à audição das crianças; foi fixado regime provisório de RERP.

            Na impossibilidade de acordo dos progenitores, estes alegaram; foram realizadas diligências de instrução.

           Efetuado o julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 21.8.2023, decidiu/determinou a RERP nos seguintes termos:

           «1. As crianças fixam residência com o progenitor, na morada deste, sita na Rua ..., ... ....

               2. As responsabilidades parentais relativas à vida corrente e ao quotidiano das crianças são exercidas pelo progenitor com quem se encontrem.

               3. As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida das crianças serão exercidas em conjunto, por ambos os progenitores.

            4. A progenitora poderá contactar as crianças diariamente, seja por telefone ou videochamada, sem prejuízo das obrigações escolares e dos horários de descanso daquelas, em horário a acordar entre os progenitores.

               5. A progenitora poderá conviver com as crianças em períodos a acordar previamente com o pai, mediante a sua deslocação aos Açores, sem prejuízo de havendo acordo entre ambos poderem estas deslocarem-se a Portugal Continental, ainda que durante o período letivo, desde que não implique com as respetivas obrigações escolares e períodos de descanso.

               6. As crianças passarão, alternadamente, com cada um dos pais, os dias de 24 e 25 de dezembro, e 31 de dezembro e 1 de janeiro, bem como o Carnaval e a Páscoa.

                7. Nas férias escolares de verão das crianças, estas passarão necessariamente 15 dias consecutivos com o pai e todo o restante período com a mãe, devendo tais períodos ser ajustados entre ambos os progenitores até 30 de março.

                8. Os Aniversários, Dia da Mãe e Dia do Pai serão acordados entre ambos os progenitores, podendo as crianças deslocar-se a Portugal Continental ou a mãe aos Açores, desde que não cause prejuízo às suas obrigações escolares e períodos de descanso.

                9. A progenitora pagará ao progenitor, a título de alimentos, a quantia mensal de € 100 (cem euros), por cada uma das crianças, quantia que enviará àquele através de transferência bancária para a conta titulada pelo pai, até ao dia 08 do mês a que respeitar, excecionando-se esse pagamento nos meses de julho e agosto.

                9.1. Esta quantia será anualmente atualizada, em janeiro, em função dos índices de preços ao consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, do ano anterior e na mesma proporção.

                9.2. Os progenitores suportarão em partes iguais as despesas médicas e medicamentosas, na parte não comparticipada pelos serviços competentes, bem como as despesas escolares, atividades extracurriculares, desportivas e lúdicas acordadas mediante entrega dos respetivos documentos comprovativos.

               9.3. Até ao final de cada mês, respetivamente, o progenitor que realizar as despesas apresentará ao outro progenitor por e-mail ou outro meio escrito, as faturas e respetivos comprovativos de pagamento das despesas médicas e medicamentosas, escolares, atividades extracurriculares, desportivas e lúdicas que tiver pago no decurso daquele mês, relativas às crianças, pagando a sua metade por transferência bancária para a conta do outro progenitor, até ao 30º dia a seguir àquele em que as despesas lhe forem comunicadas e disserem respeito.

               10. O custo das viagens aéreas com a deslocação das crianças entre os Açores e Portugal Continental será suportado pelo progenitor.»

            Inconformada, a progenitora/requerente apelou[1], formulando as seguintes conclusões:

        1ª - A audição dos menores CC, DD e EE por determinação oficiosa da Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, pela Mm.ª Juiz, e apenas com a presença do Digno Procurador do Ministério Público, realizada em sede de conferência de pais, no dia 18.4.2023, é nula e não podem as referidas declarações serem considerados meios probatórios, como consta da sentença recorrida.

           2ª - A audição dos menores foi realizada sem a presença das respetivas mandatárias das partes, e sem a assessoria técnica, não tendo sido dado conhecimento às partes e/ou aos seus mandatários o teor de tais declarações, nem foi dada a possibilidade dos mandatários fazerem perguntas adicionais ou pedido esclarecimentos.

            3ª - Consequentemente, deverá considerar-se para os devidos e legais efeitos, que a tomada das declarações das crianças, foi realizada nos termos do artigo 5º, n.ºs 1 a 5 do RGPTC e não no âmbito da sua “audição”, como meio probatório, atento o disposto os n.ºs 6 e 7 do artigo 5º do RGPTC.

            4ª - Não obstante, o Tribunal a quo considerou as declarações dos menores para dar como provados factos constantes da sentença recorrida, designadamente, os factos provados nos pontos 102 e 103, fazendo referência expressa às mesmas na motivação de facto da sentença recorrida.

           5ª - Assim, tendo a audição dos menores sido assumida pelo Tribunal a quo como uma diligência probatória, e não tendo a mesma sido efetuada nos termos legais, está a mesma ferida de nulidade, nos termos do artigo 5º, n.º 7, al. b) do RGPTC e art.º 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 549º, n.º 1, do CPC, nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos.

          6ª - Por outro lado, sobre os requerimentos apresentados pelas partes para audição dos menores, em sede de audiência de julgamento, aquando da apresentação das alegações nos termos do artigo 39º, n.º 4 do RGPTC, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho de 11.7.2023: “Vieram ambas as partes requerer a audição das crianças. Estatui o artigo 5º, n.º 1, do RGPTC, que a criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse. As três crianças foram ouvidas no dia 18-4-2023, aquando da designação de data para conferência de pais, no exercício do seu direito de audição, onde manifestaram a sua opinião. Face ao exposto, por tal diligência ter sido efetuada e não se vislumbrar, por ora, necessidade de sujeição das crianças a nova audição, indefere-se o requerido.

            7ª - Não obstante o Tribunal a quo ter proferido o despacho a indeferir a audição de imediato, deixou em “aberto” a possibilidade de em momento posterior os menores; contudo, após a produção da prova testemunhal apresentada pelas partes, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo não só não ouviu os menores como requerido, como não proferiu qualquer despacho que justificasse a omissão da audição das crianças, enquanto meio probatório nos termos e sujeita às regras enunciadas nos n.ºs 6 e 7, do art.º 5º do RGPTC.

           8ª - Nem o despacho proferido pelo Tribunal a quo em 11.7.2023 justifica a omissão da audição das crianças, enquanto meio probatório nos termos referidos, nem posteriormente o Tribunal a quo se pronunciou sobre a audição dos menores, que havia relegado para momento posterior a pertinência da audição das crianças nos termos requeridos pelas partes.

            9ª - Consequentemente, a omissão de audição, sem despacho que a justifique, constitui, com repercussão na decisão proferida por a tornar nula em razão de decidir de matéria sobre a qual lhe estava vedada pronúncia sem aquela audição, vício da previsão do art.º 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, pelo que, a decisão recorrida deve ser anulada.

            10ª - Considerou a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo nos factos provados que “10. O requerido é agente da Polícia Marítima, exercendo funções nas operações especiais.”

            11ª - Sucede que o requerido apesar de ser agente da Polícia Marítima, não exerce há vários anos as funções nas operações especiais, conforme foi referido expressamente pelo mesmo nas suas declarações -o motivo do seu pedido de transferência para a ..., em 2022, foi exatamente porque saiu do grupo de ação tática, isto é, operações especiais, o que implicava não conseguir prever os dias que tinha de estar ao serviço.

            12ª - Pelo que deve ser considerado como facto não provado o facto constante do ponto 10 dos factos provados.

            13ª - A sentença recorrida deu como provado no facto 12) que “Em setembro de 2021, o requerido passou a exercer funções no Comando da ...”, mas o próprio requerido CC confirmou que foi em setembro de 2022 que passou a exercer funções no Comanda da ..., pelo que, deve ser dado como não provado o facto constante do ponto 12 dos factos provados.

            14ª - O Tribunal a quo considerou provado que “Os horários do requerido sustentavam-se numa escala de serviço, havendo ocasiões em que conseguia passar entre 5 a 6 dias seguidos em casa, e outras, quando estava nas operações especiais, que o obrigavam a passar mais dias fora de casa.” (facto 13).

           15ª - Contudo, foi o próprio requerido que referiu, mais uma vez, que fazia dois a três dias de serviço, outras vezes três, quatro em conformidade com as trocas que conseguia fazer e com a escala de serviço, pelo que, objetivamente, trabalhando 2, 3 dias ou 4,5 dias, e considerando que a semana tem 7 dias, não é possível dar como provado que “havendo ocasiões em que conseguia passar entre 5 a 6 dias seguidos em casa”.

           16ª - O Tribunal a quo deu como provado que “O requerido aceitou a transferência que lhe foi proposta pelo Comando da Polícia Marítima, de passar a residir na cidade da ..., ilha ..., Região Autónoma dos Açores, e ali exercer a profissão de agente da Polícia Marítima, no mínimo pelo período de quatro anos, por motivos financeiros e de estabilidade profissional.” (facto 32).

           17ª - Quanto ao facto 32 dos factos provados, não foi referido pelo Tribunal a quo qualquer meio de prova que sustentasse, concretamente, a convicção do tribunal, para dar como provado o facto do requerido ter aceite a transferência, sendo que foi o requerido que pediu a transferência para os Açores, conforme refere nas suas declarações gravadas.

         18ª - Acresce que, das declarações juntas aos autos pelo requerido em 20.4.2023, consta expressamente que o movimento do requerido para o Comando Local da ... foi autorizado através de despacho de S. Exa. o Vice-Almirante Comandante Geral da Polícia Marítima (declaração de 11.4.2023) e ainda “(…) a duração da comissão é de quatro anos, quando efetuada na modalidade de oferecimento.” ´

            19ª - No que se reporta às motivações que levaram o requerido a pedir transferência para os Açores, consta dos factos provados da sentença recorrida, concretamente nos pontos 6. a 9. que em virtude do requerente e requerido terem adquirido dois imóveis em ... têm a obrigação de pagar mensalmente as respetivas prestações bancárias, atualmente no valor de € 423,16, referente ao apartamento, e de € 759,38, referente à moradia.

            20ª - Esta obrigação de pagamentos das prestações dos mútuos bancários para além de se manterem, conforme extratos bancários juntos aos autos, o requerido não irá ter os custos das deslocações de ... para a ... e regressos, mas irá ter mais uma despesa uma renda mensal pelo arrendamento do imóvel que como consta do facto provado em 90, entre os € 30 e os € 50.

           21ª - E ainda, conforme consta do ponto 89 dos factos provados continuará a auferir na ... o ordenado mensal de € 1 607,56, como vinha acontecendo em Portugal continental, uma vez que não vai receber um subsídio como havia declarado inicialmente, conforme consta expressamente na Motivação de facto da sentença recorrida.

           22ª - O requerido, em momento algum das suas declarações referiu quaisquer valores efetivamente gastos mensalmente com as deslocações entre ... e a ..., pelo que o Tribunal a quo não tem qualquer meio de prova que sustente a sua convicção de que (...) é financeiramente compensador, uma vez que deixará de ter de suportar custos elevados com deslocações, como tem vindo a suceder, tendo em conta a distância entre ... e ....”, pelo que deve considerar-se como não provado o facto provado constante do ponto 32 da sentença recorrida.

            23ª - Considerou a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo provados os factos constantes dos pontos 35, 36, 40 a 44, 46, 53 a 60 e 65 a 68 da sentença recorrida.

Para tanto, na Motivação de facto é referido que o Tribunal atendeu “às declarações das consultas de psicologia, consulta externa e processo clínico referente às três crianças, concatenados com a demais prova produzida nos termos infra explanados.

           24ª - Não podem ser valorados documentos clínicos que para além de não serem relatórios de avaliação psicológica, foram manuscritos por terceiros – a psicóloga que acompanhou os menores – sem que o Tribunal a quo tivesse inquirido a mesma por forma a ser possível concluir em que termos foram escritos determinados factos ali constantes e bem assim, qual a razão de ciência subjacente aos mesmos, o que o Tribunal a quo não fez.

           25ª - Os documentos clínicos juntos aos autos, são apenas registos manuais das consultas tendo o Tribunal a quo, a partir de tais registos manuais concluído como provado os factos supra indicados e que se sindicam.

           26º - Existem nos autos três declarações da psicóloga que acompanhou os menores CC, DD e EE, juntas pelo requerido na primeira conferência de pais, no dia 18.4.2023, datadas de 27.3.2023, devidamente assinadas pela referida psicóloga cujos teores não coincidem com o teor dos registos manuais.

            27ª - Aquando da junção aos autos dos referidos documentos, é o próprio Coordenador da UCSP de ..., Dr. FF, que no ofício que remete para o Tribunal a quo, juntando as cópias dos registos manuais das consultas realizadas refere expressamente que “(…) a psicóloga, porque suspendeu a sua atividade na ULSCB em junho do corrente ano e passou a residir fora do país, está impossibilitada de lavrar os requeridos relatórios. Disponibilizou-se, contudo, para, se o Tribunal assim o entender, participar por vídeo conferência se o testemunho for necessário.”

            28ª - Ora, os registos manuais das consultas de psicologia, não substituem nem poderão substituir relatórios psicológicos aos menores ou pelo menos os relatórios das consultas devidamente elaborados pela psicóloga.

           29ª - O Tribunal a quo, para dar como provados os factos mencionados na conclusão 23ª, limitou-se a valorar com juízos desprovidos de qualquer razão de ciência, fazendo tábua rasa de tal informação e sugestão médica.

           30ª - Impõe-se referir que nos referidos registos manuais, existem consultas que não contêm sequer qualquer apontamento/ nota, não existindo nestes documentos uma sequência nem cronológica nem factual que permita valorar os mesmos como documentação clínica passível de permitir considerar tais registos manuais como meios idóneos de avaliação psicológica dos menores.

            31ª - Por outro lado o Tribunal a quo valorou as declarações do progenitor BB, quando o mesmo, para além do episódio de 28.12.2022 que a mãe confirmou, relatou factos alegadamente ocorridos entre a requerente e os menores, em especial com a DD, de forma vaga e confusa, sem contextualizar concretamente, temporalmente, a prática dos alegados factos perpetrados pela mãe à menor DD e que não foram confirmados nem pela requerente.

            32ª - Refira-se que o progenitor BB nas declarações prestadas, chega mesmo a referir que não tinha conhecimento  que a menor DD teve acompanhamento médico, sendo que posteriormente, acaba por se “lembrar que afinal em 2018 e 2019” a menor tinha estado a ser acompanhada, como aliás consta do facto provado no ponto 45. da sentença recorrida, como se transcreve: “Anteriormente às referidas consultas, a DD foi acompanhada em pedopsiquiatria, tendo sido realizadas duas consultas, a 03-05-2018 e a 29-05-2019.”

            33ª - Mais, nas declarações do progenitor e requerido o mesmo refere que não tem conhecimento que a menor DD tenha alguma dificuldade comportamental, de aprendizagem, que tenha notado ou que seja diagnosticado,

           34ª - Contudo, o próprio progenitor, aquando da audição técnica especializada, refere expressamente, em relação à menor DD, que: “CC verbaliza que a filha DD tem comportamentos desafiantes, mais acentuados com os adultos do que com as crianças.”

           35ª - A própria professora primária da menor DD, GG, professora da menor desde o ano letivo de 2019 a 2023, refere que DD estava a ser acompanhada, a nível de escola o apoio pedagógico, pois tem mais dificuldades a matemática, estando a ser apoiada na aprendizagem por um outro professor que também faz parte da escola.

           36ª - Acresce que a Mma.ª Juiz do Tribunal a quo, na motivação de factos que considerou provados nos pontos indicados na conclusão 23ª, supra, sustenta a convicção do Tribunal nas declarações tomadas aos menores no dia 18.4.2023, nos termos do artigo 5º, n.ºs 1 a 5 do RGPTC e não no âmbito da sua “audição”, como meio probatório, atento o disposto nos n.ºs 6 e 7 do artigo 5º do RGPTC, pelo que não podem as mesmas serem valoradas pelo Tribunal a quo como meio probatório.

            37ª - Impõe-se referir ainda que, atédia27.3.2023, data em que a psicóloga emite as três declarações de avaliação dos menores, e em concreto no que se reporta à menor DD apenas consta da referida declaração que: “Bom contacto, verbaliza com facilidade as suas preocupações e emociona-se com facilidade. Revela que sente que por ser adotada as pessoas se comportam consigo de modo diferente”.

           38ª - Da referida declaração da psicóloga, esta sim, assinada e datada, e que deve ser valorada como meio de prova, não é feita qualquer referência à AA, designadamente, que por ser adotada a mãe AA ou os irmãos se comportam consigo de modo diferente.

            39ª - Devem igualmente serem valoradas todas as declarações emitidas pela psicóloga dos menores emitidas no dia 27.3.2023, sendo que em nenhuma das declarações consta qualquer referência aos alegados tratamentos diferenciados da requerente para com os filhos.

            40ª - Mais, foi inquirida a professora primária das menores CC, DD e EE - GG (quanto à DD e EE, foi a professora das menores desde setembro de 2018 a junho de 2023; do menor CC, do primeiro ao quarto ano de escolaridade).

           41ª - Esta testemunha, enquanto professora dos menores, contactou diariamente com os menores, e foi perentória em afirmar que a escola que os menores frequentaram dispõe de equipa multidisciplinar, composta por terapeutas e psicólogas, e que em momento algum sentiu necessidade de os referenciar para qualquer tipo de acompanhamento em consultas de psicologia.

            42ª - A referida testemunha, não só pelas suas competências técnicas, mas porque contactou e relacionou-se diariamente com estas crianças, durante quatro anos, tem um conhecimento direto dos comportamentos destas crianças, tendo feito uma descrição pormenorizada destas crianças, em termos de personalidade, forma de estar e do relacionamento com os seus pares e com os adultos, e bem assim, um conhecimento direto dos sentimentos e preocupações de cada um deles, afirmando que nunca sentiu necessidade de os referenciar para qualquer tipo de acompanhamento em consultas de psicologia.

           43ª - A testemunha HH, irmã do requerido, prestou o seu depoimento, e quando inquirida pela mandatária do requerido, fê-lo de forma detalhada, referindo que viveu longos períodos com a recorrente e recorrido e filhos deste e referiu expressões e comportamentos alegadamente praticados pela requerente sobre a filha DD, que nem o próprio irmão, aqui requerido referiu em qualquer momento do processo; contudo, quando inquirida pela mandatária da requerente sobre os períodos em concreto que residiu com o então casal, ficou demonstrado que em 2012 viveu nove meses, quando a  DD ainda não residia com o requerido e com a recorrente e que após 2015 ia a ... a casa do casal cerca de um semana.

            44ª - Mais, contrariamente ao que a testemunha HH pretendeu fazer crer o Tribunal a quo quanto ao conhecimento que tinha da vida familiar desta família (requerente, requerido, CC, DD e EE), questionada sobre a data de nascimento da sobrinha EE, a mesma não conseguiu sequer precisar o ano em que a sobrinha nasceu.

            45ª - Acresce que a testemunha HH referiu factos falsos que a recorrente ainda conseguiu obter a prova documental e comprovou a falsidade dos factos relatados pela testemunha, a saber que a recorrente se havia ausentado de férias para os Açores, no ano de 2018, durante o período de uma semana e que tinha conhecimento direto deste facto, porquanto foi a mesma que ficou com os menores, uma vez que o seu irmão/requerido, também estava fora em missão.

            46ª - Sucede que ao contrário do referido pela testemunha, a requerente viajou, de facto para os Açores, mas no ano de 2017, tendo saído no dia 21 de julho e regressado na manhã de dia 24.7.2017, isto é, esteve ausente 3 dias, conforme documento junto aos autos no dia 28.7.2023.

            47ª - Pelo que, tendo em conta que o tribunal valorou os registos manuais das consultas de psicologia, sem inquirir a subscritora dos mesmos, tendo em conta o teor do depoimento da testemunha HH, e ainda as declarações emitidas pela psicóloga, datadas de 27.3.2023, bem como a informação da audição técnica especializada e o depoimento da professora primária dos menores, devem ser considerados como não provados os factos constantes dos pontos 35, 36, 40 a 44, 46, 53 a 60 e 65 a 68 da sentença recorrida.

            48º - O Tribunal a quo deu como provado os factos constantes no ponto 102 e 103 sustentando a sua convicção nas declarações tomadas aos menores no dia 18.4.2023, as quais não foram sujeitas às regras enunciadas nos n.ºs 6 e 7, do art.º 5º do RGPTC, pelo que não podem ser tais declarações valoradas como meios probatórios.

            49ª - Assim, tendo a audição dos menores sido assumida pelo Tribunal a quo como uma diligência probatória, e não tendo a mesma sido efetuada nos termos legais, está a mesma ferida de nulidade, nos termos referidos, pelo que devem ser considerados como não provados os factos dos pontos 102 e 103 da sentença.

           50ª - A sentença recorrida é nula por erro de julgamento resultante da distorção da realidade factual e na aplicação do direito (de forma a que o decidido não corresponde à realidade ontológica e normativa).

           51ª -  Das declarações subscritas pela psicóloga que estava a acompanhar os menores, assinadas e datadas de 27.3.2023, apenas o menor CC é referenciado para as consultas de pedopsiquiatria, não existindo da parte da psicóloga qualquer indicação ou encaminhamento das menores DD e EE para esta especialidade.

            52ª - Mas ainda que se considere valorar os registos manuais do processo clínico dos menores, o Tribunal ad quem não pode deixar de atender aos seguintes factos constantes dos mesmos.

            53ª - O CC foi o primeiro dos filhos a começar a ser seguido e logo na primeira consulta em 08.11.2022 o CC refere que tem conhecimento que a DD é sobrinha do pai, facto que nem a DD nem a EE referem em qualquer momento nas referidas consultas.

           54ª - O facto de a DD ser filha de uma irmã do recorrido, e consequentemente ser sua sobrinha, só foi dado a conhecer à filha DD já após a sua deslocação a tribunal, pelo que nem ao Tribunal teve conhecimento pelas menores, no dia em que foram ouvidas, no dia 18.4.2023.

            55ª - Este segredo que o menor CC guardava permitiu que o paio usasse nesta fase decisiva da separação e que o levasse a ter de “decidir” um dos lados na separação.

            56ª - O menor CC está a vivenciar uma situação de  alienação parental perpetrada pelo pai como comprovam os sinais / mudanças apesentadas pelo menor desde o momento que os pais decidiram separa-se: Retraimento social; Alteração no relacionamento com os colegas; Mudanças de humor repentinas; Tristeza por longos períodos; Irritação constante; Sentimentos como ansiedade, medo e insegurança – veja-se os registos clínicos da psicóloga juntos aos autos e ideias suicidas, facto que consta da informação da audição técnica especializada, junta aos autos.

            57ª - Constam dos registos manuais das consultas que todos os menores referem existir discussões destes pais com os filhos, sendo que tanto a DD como o CC, referem que a mãe ralha com a DD por causa das notas da escola.

            58ª - Mais, o menor CC, na consulta de 19.5.2023, referindo-se à dinâmica na casa do pai e da mãe refere que a mãe normalmente não liga quando fazemos asneiras e só quando é grave é que ralha, ou seja, ambos os pais ralham com os menores, e a mãe ralha quando a asneira é grave.

           59ª - Fazendo agora referência ao vídeo/ áudio, que o menor CC enviou ao pai, a mãe já teve a oportunidade de esclarecer as circunstâncias de modo de tal discussão. A DD mentiu sobre um assunto grave e a mãe reagiu. De referir que tal como o pai declarou neste tribunal o pai estava presente quando a menor mentiu e quando a mãe discutiu com esta. Esteve presente, depois saiu de casa para ir trabalhar e o filho gravou uma das partes da conversa e enviou para o pai, áudio que por sua vez foi junto aos autos pelo requerido e alegadamente com o consentimento do filho CC.

            60ª - E depois deste áudio/vídeo surgem pelos menos mais dois, sendo que estranhamente, um deles apenas tem 23 segundos, quando se ouve a mãe a falar.

            61ª - A filha DD, que também quer ir com o pai para os Açores, e conforme consta registos manuais da psicóloga, já sabia em 23.11.2023 na consulta, que os pais iriam viver para apartamentos diferentes.

            62ª - De referir que o pai declarou neste tribunal que só decidiu sair de casa depois do vídeo/ áudio que o filho CC lhe enviou no dia 28 de dezembro e que consta dos pontos 24 a 27 dos factos provados.

            63ª - Para além da DD, nem o CC nem a EE saberiam deste facto. Aliás só nas consultas – CC 09.01.2023 e EE na consulta de 16.01.2023 é que deram a conhecer à psicóloga que o pai saíra de casa na altura do Natal.

           64ª - Consta    ainda   das      declarações     da        recorrente        gravadas que já após a vinda dos menores a Tribunal, a DD e a EE chegaram a casa e contaram que o pai tinha dito à DD que era sua sobrinha.

            65ª - Chegados aqui temos factos importantes e que ditam os comportamentos e sentimentos dos filhos CC e DD, para com o pai: são estes segredos entre o pai, o filho CC e a filha DD que geraram que estes menores estejam a ser usados e manipulados pelo pai, sendo que são estes dois filhos que disseram em Tribunal que pretendem ir com o pai para os Açores.

            66ª - Mas repare-se que a filha DD, apesar de saber que os pais iam viver para apartamentos diferentes desde novembro de 2022, e já depois do pai ter saído de casa, e os pais terem acordado residência alternada, semanalmente, a DD, na consulta de 16.01.2023, e já após o episódio registado pelo irmão CC e enviado ao pai, a menor refere que gostaria de estar 3 dias com cada um dos pais e depois nos fins de semana um fim de semana com cada um.

            67ª - Mais, analisando ainda os registos manuais da psicóloga o CC refere que quando o pai saiu de casa, na época do Natal perguntou: quem quer ir comigo? E eu fui… o que corrobora a nossa tese de manipulação por parte do pai em relação ao CC e à DD.

            68ª - Finalmente quanto aos registos manuais das consultas de psicologia dos menores, é possível constatar que contrariamente ao entendimento do Tribunal ao considerar provados os factos constantes dos pontos 49, 102 da sentença recorrida, todos os menores têm amigos em ...; todos os menores têm igualmente colegas de escola com quem não se relacionam e de quem não gostam; todos os menores têm como referências familiares o tio II e a família materna, sendo que da família paterna apenas fazem referência à tia HH; Todos os menores passaram de ano escolar; Todos praticam uma atividade extracurricular de que gostam, em ....

            69ª - Ficou provado que estes três menores são muito diferentes em termos de personalidade e de carácter, o que implica que a mãe, que está diariamente com eles, ao contrário do pai, tenha de lidar com os filhos em conformidade com a postura de cada um - veja-se que o menor CC refere que a mãe só ralha quando algum deles faz uma asneira grave e concretiza que a mãe ralha 70 % com a DD, depois com ele CC e depois com a EE. Ou seja, quem faz mais asneiras graves é a DD, depois o CC e depois a EE – referido pelo próprio CC.

           70ª - Conforme consta dos documentos juntos e dos depoimentos das testemunhas, nomeadamente da professora das menores, em momento algum esta testemunha viu necessidade de sinalizar nenhum dos menores para a CPCJ, nem tão pouco de os encaminhar para qualquer tipo de acompanhamento para especialidades das equipas multidisciplinares, nomeadamente, psicóloga.

            71ª - E de facto, quer a EE quer a DD, por decisão da psicóloga que a mãe procurou, tiveram, ambas, 5 consultas de psicologia. Já o CC, para além e ter 7 consultas de psicologia, logo em março, segundo declaração da psicóloga junta aos autos, foi solicitado encaminhamento de pedopsiquiatria, em virtude da complexidade da sintomatologia depressiva que manifesta.

            72ª - Em relação à EE da declaração emitida pela Psicóloga no dia 27.3.2023 a mesma refere que quanto à EE “Bom contacto, verbaliza com facilidade as suas preocupações, nomeadamente, que quer que os pais fiquem juntos e alguma instabilidade escolar e na relação com a sua Professora.”

           73ª - Em relação à DD consta da declaração emitida pela Psicóloga no dia 27.3.2023 a mesma refere que quanto à DD “Bom contacto, verbaliza com facilidade as suas preocupações e emociona-se com facilidade. Revela que sente que por ser adotada as pessoas se comportam consigo de modo diferente.

           74ª - No que concerne às competências parentais da mãe/recorrente, ficou provado que é uma mãe presente, em todos os momentos da vida dos filhos e por isso, é quem ralha mais e impõe regras aos filhos, não obstante, e que só em situações graves é que age.

           75ª - Foi a recorrente que sempre assumiu as funções de encarregada de educação dos menores na escola, que sempre procurou as atividades extracurriculares dos filhos, e os incentivou e incentiva e ter vida social, com convívios com amigos e a manter relações saudáveis com os seu pares, conforme consta dos factos provados 21 e 69 a 77, e ainda das declarações das respetivas escolas, e das declarações emitidas pelas diferentes entidades onde os menores frequentam as atividades extracurriculares e que se encontram juntas e valoradas pelo Tribunal a quo.

            76ª - Foi sempre a recorrente que tomou a iniciativa de procurar ajuda médica para os filhos, quer em concreto em 2019 para a DD, quer em 2022 junto da psicóloga para os 3 filhos, conforme declarações da psicóloga datadas de 27.3.2023, e ainda da declaração junta aos autos que o Tribunal a quo considerou para dar como provados os factos constantes nos pontos 38, 45, 46, 47, 50, 51 e 64.

           77ª - Pelo menos desde 2015, data em que recorrente e recorrido decidiram ir viver para ..., foi sempre a recorrente que abdicou da sua carreira profissional, em prol dos filhos, conforme factos provados nos pontos 18 a 20 da sentença recorrida e documentos juntos e valorados pelo Tribunal a quo.

           78ª - Conforme consta no facto 3 provado, por sentença proferida a 31.3.2020, no âmbito do processo n.º 107/19...., do Juízo de Competência Genérica ..., foi decretada a adoção de DD pela requerente e requerido.

            79ª - Sendo do conhecimento funcional quer do Tribunal a quo quer do Tribunal ad quem que para a adoção se concretizar nos termos em que a Lei Portuguesa determina a recorrente teve não só de se sujeitar a avaliações quer quanto à sua personalidade quer quanto às suas competências parentais, desde pelo menos quando o processo de promoção e proteção se iniciou que o requerido declara ter sido quando a DD tinha um ano e seis meses, conforme o pai declarou.

            80ª - Ora, se a recorrente não amasse a menor DD, como filha, porque haveria de persistir e levar até ao fim o processo judicial da adoção? E se a recorrente maltratava a menor DD, desde pelo menos 2015, tratando-a de modo distinto dos irmãos CC e EE, como seria possível que o processo de adoção fosse concluído com a procedência do pedido de adoção requerido pela recorrente e marido?

            81ª - Quanto à fixação da residência dos menores com o pai, nos Açores, o Tribunal a quo fundamenta tal decisão no facto de não dever separar os irmãos e de considerar que a mãe, tem uma forma de educar distinta do pai, e que o pai revelou maior competência parental.

            82ª - No entanto, o Tribunal a quo valorou as declarações dos menores prestadas na primeira conferência de pais, em18.4.2023, e ouviu os progenitores nesse mesmo dia, sendo que na mesma conferência decidiu manter a residência alternada de todos os menores, semanalmente com a mãe e com o pai.

            83ª - Mais, até à prolação da sentença, os menores estiveram com ambos os progenitores, sem qualquer intervenção técnica de acompanhamento - havendo de facto, algum tratamento diferenciado e antipedagógico da parte da mãe, impunha-se que o Tribunal tomasse de imediato medidas cautelares, o que nunca fez.

            84ª - Mais, o pai dos menores foi viver para os Açores em julho de 2023, tendo os menores ficado todo o mês de julho com a mãe, não tendo existindo nesse período quaisquer factos que suscitassem a necessidade de alterar o regime em vigor.

           85ª - Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo na sentença recorrida, a informação sobre a audição técnica especializada datada de 22.5.2023, junto aos autos, e ao contrário do que o pai veio declarar em sede de julgamento (o pai declarou que o que o levou a pedir a transferência para os Açores prende-se com questões económicas).

            86ª - São as próprias técnicas responsáveis pela elaboração da informação suprarreferida que reportam expressamente que o pai CC apresenta declarações assinadas por colegas e amigos que se prontificam para o apoiar na deslocação com os filhos para o ... e as quais anexamos a esta informação. Contudo, estas pessoas não têm atualmente qualquer relação com as crianças, nem se conhecem entre si.”

           87ª - E efetivamente em sede de julgamento a testemunha arrolada pelo requerido que alegadamente será a colega de trabalho do requerido que irá dar apoio aos menores, refere expressamente que não conhecia os menores pessoalmente e que apenas os viu porque o requerido fez uma videochamada - Testemunha JJ.

           88ª - Mas mais, o requerido juntou aos autos registos áudio alegadamente gravados pelo filho CC, já após a saída do requerido de casa, os quais se desconhece em que circunstâncias de modo os mesmos foram obtidos, nomeadamente se o menor CC gravou e enviou para o pai, por estar sobre pressão do mesmo, o que só com uma avaliação psicológica e psiquiátrica ao menor se poderá comprovar, mas que não foi determinado pelo Tribunal a quo.

            89ª - Ouvidos os áudios/ e vídeo, e com exceção do áudio que a mãe confrontou a menor DD com uma mentira que a mesma havia criado sobe uma determinada situação, das demais gravações juntas aos autos, não é possível sequer concluir qualquer comportamento desviante ou de tratamento diferenciado da parte da mãe para com os três filhos.

            90ª - Pelo exposto, é notório que o requerido não protegeu os filhos da exposição a qualquer divergência e conflitos entre o casal, quer quanto ao divórcio quer quanto ao exercício das suas responsabilidades. Pelo contrário, usou os menores, em especial a filha DD e o filho CC, para criarem situações de conflito com a mãe, por forma a que a mesma ficasse destabilizada emocionalmente e agisse de forma que fosse posta em causa as suas competências parentais.

            91ª - Veja-se que os três registos áudio/ vídeo que foram juntos aos autos e que temporalmente foram obtidos já após a saída do requerido de casa, isto é, após o dia .../.../2023, não obstante os menores contactarem o pai diariamente e estarem com ele semanalmente.

            92ª - Em 28.12.2022 e conforme consta provado nos factos 24 a 27 da sentença recorrida, o requerido por sentir e ver que a requerente maltratava a filha DD, decidiu sair de casa.

            Contudo, os menores, e concretamente a filha DD, continuaram a residir com a mãe, por acordo dos progenitores, em residência alternada semanalmente, até prolação da sentença recorrida, tendo o recorrido ido viver definitivamente para os Açores no dia 2 de julho, deixando os menores com a mãe.

            93ª - Impõe-se ainda referir que foi a recorrente que intentou a ação de regulação das responsabilidades parentais dos filhos menores, sendo que o pai nada fez, até ser citado para a conferência de pais.

            94ª - Ao contrário do que o requerido referiu sobre o facto da requerente não fazer programas familiares foi a própria DD que referiu numa das consultas com a psicóloga, falando das atividades que mais gosta de fazer: ir ao cinema com os cinco (pai mãe e manos) e jogarem em família ao monopólio, em casa.

            95ª - No que concerne às competências parentais do requerido e conforme consta dos factos provados da sentença nos pontos 11 a 16, trata-se de um de um pai pouco presente na vida dos filhos, que até 2022 trabalhou em ..., só pedindo transferência para mais próximo de ... em setembro de 2022 - o recorrido durante os últimos anos, e designadamente em 2018 e 2019, fez várias comissões de serviço quer na Grécia quer nos Açores, por períodos de um mês e de dois meses, chegando a estar ausente de casa, no ano de 2029, só em comissões de serviço, pelo menos 5 meses, para além dos dias de trabalho em ....

            96ª - Já após estar a vigorar o regime de residência alternada dos menores com cada um dos progenitores, o requerido decidiu pedir transferência para os Açores, em concreto para o ..., alegadamente (conforme consta da sentença recorrida) pela oportunidade de trabalho nos Açores que surgiu devido as dificuldades financeiras no Continente e procura de estabilidade para os seus filhos.

            97ª - Contudo, já em julgamento, acabou por confirmar que irá manter o mesmo vencimento e que as obrigações mensais com a aquisição dos bens do casal mantêm-se. Ou seja, foi para o ..., com o mesmo vencimento, deixando para trás dois imóveis em ..., que são do casal, e onde chegou a residir, e que em conjunto com a mãe, decidiram fazer residência alternada para os filhos, semanalmente, conseguindo manter as rotinas dos filhos, e a sua estabilidade.

            98ª - Ir para os Açores foi a forma que o requerido encontrou de tentar penalizar a requerente em virtude da separação, tentando de forma legal e aparentemente por motivos profissionais e económicos, afastar os filhos da recorrente.

           99ª - Sabendo que tal como ele a requerente também tem dificuldades económicas para conseguir honrar os pagamentos dos empréstimos dos imóveis, levar os menores para os Açores foi a forma de penalizar a recorrente, limitando completamente a recorrente de poder estar com os filhos regularmente, em virtude dos gastos das viagens.

           100ª - O requerido, para além da irmã HH, testemunha nos presentes autos não tem qualquer relação familiar com a restante família, com uma total ausência de afeto e ligação umbilical e familiar à sua família, conforme aqui foi descrito pela testemunha e irmã do requerido, HH, e como consta expressamente da Motivação de facto da sentença recorrida.

            101ª - Os menores estão matriculados em escolas em ... como sempre estiveram tendo feito sempre nesta vila o seu percurso escolar.

            102ª - Continuam a ter acompanhamento médico, agora em ... nos termos indicados pela psicóloga que já os acompanhava desde novembro de 2022.

           103ª - A mãe tem um horário laboral que lhe permite garantir todas as rotinas dos filhos.

           104ª - Em ... os menores têm amigos e família de suporte, concretamente o irmão da recorrente, a testemunha II, que lhes permite continuar a fazer as suas vidas em ..., com a estabilidade que qualquer criança e adolescente precisa, e ainda mais o CC com sintomatologia depressiva diagnosticada.

            105ª - A DD e a EE conseguiram entrar no ensino articulado, em ..., como desejavam e continuarão a frequentar as atividades extracurriculares que já frequentam em ....

           106ª - Na cidade da ... irão residir num bairro onde residem outras famílias de polícias marítimos, que os menores não conhecem sequer, e que apenas falaram com um dos casais que o marido é colega do pai “e que se conheceram por vídeo chamadas”.

            107ª - No ..., os menores não irão ter a presença da recorrente diariamente, para que cresçam de forma equilibrada, a mãe que sempre esteve ao lado deles, em todos os momentos da vida e cuja ausência nas suas vidas, pela distância geográfica por uma decisão voluntária e unilateral do pai, trará grandes sofrimentos a qualquer um destes menores, com a agravante do CC estar com comprovada sintomatologia depressiva.

           108ª - Em ... não terão o pai, que, apesar de ter todas as condições para ficar, decidiu ir embora e que, e como ficou provado as alegadas causas que o levaram a decidir pedir transferência ficaram frustradas, a saber, melhor vencimento e menos encargos.

            109ª - Pela prova produzida, o superior interesse do CC, da DD e da EE só ficará salvaguardado se os menores continuarem a residir em ... com a mãe, a que deverá ser atribuído os atos da vida corrente dos três menores.

           110ª - Os menores CC e DD, até pelos seus discursos, após saberem que os pais se iam separar, revelam que os menores estão a ser alvo de pressões do lado paterno para fazer uma escolha e tomar uma decisão sobre o seu projeto de vida futuro que não lhes compete, em virtude das suas tenras idades.

           111ª - Estamos perante menores que estão a viver uma experiência traumática para observando-se a presença de um enorme conflito de lealdade, sentindo-se os menores CC e DD compelidos a escolher entre duas figuras de especial relevo afetivo.

            112ª - É urgente libertar estes menores desta responsabilidade, sob pena de a sintomatologia apresentada se poder cristalizar.

            113ª - Quanto à filha EE, o requerido desde o primeiro momento que declarou que aceita que a menor continue a viver com a mãe, a saber: em sede de audição técnica especializada refere expressamente que “Reporta que os 2 filhos mais velhos querem ir consigo para os Açores e que a filha mais nova quer ficar junto da mãe, o que não concorda, mas aceita, por ser a vontade da mesma.”

            114ª - Também em sede de alegações o requerido peticionou ao Tribunal a quo que “Assim se requer que o tribunal decida pela manutenção do exercício das responsabilidades parentais partilhada, entre os progenitores, no que se refere às questões de maior importância na vida dos 3 menores, entregando-se a guarda destes, ou pelo menos a do CC e da DD ao requerido, fixando-se a sua residência na mesma do pai, nos Açores (...). 36. Se a menor EE for entregue à guarda da mãe deverá ser fixada a sua residência junto desta.

           115ª - Não podendo objetivamente ser fixada a residência alternada e que esteve em vigor até à prolação da decisão recorrida, há que escolher a situação menos má, fixando-se a residência com o progenitor com o qual as crianças viveram a maior parte do seu tempo de vida e que representa para as crianças o seu porto de abrigo, o seu espaço de vivência, segurança e felicidade, que no caso da EE é, sem qualquer dúvida, com a mãe, como o próprio pai aceita.

            116ª - Pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada, por existir erro de julgamento que resulta de uma distorção da realidade factual na aplicação do direito, concretamente do disposto no artigo 1878º do Código Civil (CC), porquanto o decidido não corresponde à realidade ontológica e normativa - deve ser revogada a sentença recorrida que determinou que os atos da vida corrente dos menores CC, DD e EE fossem atribuídos ao pai, fixando-se a residência dos menores na ilha ..., na cidade da ..., substituindo-se por outra decisão que fixe a residência dos menores CC, DD e EE, com a mãe, aqui recorrente, em ....

           O requerido e o M.º Público responderam concluindo pela improcedência do recurso.

           Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa reapreciar/decidir, sobretudo: a) questões adjetivas / “nulidades”; b) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); c) regulação das responsabilidades parentais (maxime, se é de alterar o decidido quanto à “residência” dos menores).


*

            I. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

           1) Requerente e requerido contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, na freguesia ..., concelho ..., em 24.4.2008.

            2) Têm três filhos menores de idade: CC, nascido em .../.../2009, DD, nascida em .../.../2012, e EE, nascida em .../.../2013.

           3) Por sentença proferida a 31.3.2020, no processo n.º 107/19...., do Juízo de Competência Genérica ..., foi decretada a adoção de DD pela aqui requerente e requerido.

            4) A criança DD passou a residir com requerente e requerido a 23.9.2014.

            5) À data, requerente e requerido residiam em ....

           6) Requerente e requerido decidiram ir viver para ... em dezembro de 2015.

           7) Para tanto adquiriram num primeiro momento um apartamento, sito na Rua ..., em ....

           8) Em 16.10.2020 adquiriam a moradia sita na Rua ..., em ..., onde passaram a residir.

           9) Têm a obrigação de pagar mensalmente as respetivas prestações bancárias, atualmente no valor de € 423,16, referente ao apartamento, e de € 759,38, referente à moradia.

           10) O requerido é agente da Polícia Marítima, exercendo funções nas operações especiais.

            11) Em 2015, o requerido exercia funções no Comando de ....

           12) Em setembro de 2021, o requerido passou a exercer funções no Comando da ....

           13) Os horários do requerido sustentavam-se numa escala de serviço, havendo ocasiões em que conseguia passar entre 5 a 6 dias seguidos em casa, e outras, quando estava nas operações especiais, que o obrigavam a passar mais dias fora de casa.

           14) Nos últimos anos, o requerido fez várias comissões de serviço.

            15) Em 2018, o requerido realizou pelo menos uma comissão de serviço no ..., com a duração de um mês.

           16) Em 2019, o requerido realizou três comissões de serviço, duas na Grécia, com a duração de dois meses cada, e uma nos Açores com a duração de um mês.

           17) Por pertencer ao quadro das operações especiais, a realização de comissões de serviço era obrigatória.

           18) A partir do momento em que foram residir para ..., a requerente trabalhou em ..., na Secretaria de Estado, o que sucedeu entre novembro de 2018 e agosto de 2020.

           19) Em novembro de 2021, a requerente passou a exercer funções como bombeira em ....

            20) A requerente teve oportunidades laborais na carreira militar e na área da aviação civil, que não aceitou por ir para ..., ou por já ali se encontrar.

            21) A requerente tem vindo a exercer as funções de encarregada de educação das crianças.

           22) Requerente e requerido encontram-se separados de facto desde janeiro de 2022, tendo permanecido a viver na mesma casa.

           23) A relação entre requerente e requerido deteriorou-se, entre o mais, por desentendimentos quanto ao modo como os filhos são tratados pela requerente.

           24) No dia 28.12.2022, ocorreu um desentendimento entre a requerente e a DD.

           25) Na sequência do referido desentendimento, a requerente apelidou a DD de “mentirosa de merda”.

           26) O requerido tomou conhecimento do sucedido através de um vídeo que lhe foi enviado pelo seu filho CC.

            27) Nesta sequência, o requerido saiu de casa no próprio dia do sucedido, a 28.12.2022, passando a residir na Rua ..., em ..., tendo o CC e a DD manifestado vontade de acompanhar o pai.

           28) A requerente manteve-se a residir na casa de morada de família.

           29) Desde janeiro de 2023 que as crianças passaram a residir alternadamente com cada um dos progenitores, em períodos semanais, com início à sexta-feira, após as atividades escolares e término na sexta-feira seguinte no início das atividades escolares.

           30) O requerido comunicou à requerente que passaria a residir na ilha ..., nos Açores, para onde iria trabalhar.

           31) Posteriormente, numa conversa que teve com os três filhos, comunicou-lhes o mesmo, tendo CC e DD demonstrado vontade de acompanhar o pai e com ele viver nos Açores.

            32) O requerido aceitou a transferência que lhe foi proposta pelo Comando da Polícia Marítima, de passar a residir na cidade da ..., ilha ..., Região Autónoma dos Açores, e ali exercer a profissão de agente da Polícia Marítima, no mínimo pelo período de quatro anos, por motivos financeiros e de estabilidade profissional.

           33) A ida para os Açores implica uma redução de custos, designadamente de deslocação, correspondente à distância percorrida pelo requerido entre ... e ....

           34) A transferência para os Açores garante que o requerido já não tenha de realizar missões no estrangeiro.

            35) A relação entre DD e a requerente tem vindo a ser pautada por conflitos, inclusive antes da separação do casal, relacionada com o tratamento diferenciado entre irmãos, em especial relativamente à EE.

           36) A DD transmitiu à requerente, ao requerido e à psicóloga que sente que é tratada de modo distinto dos irmãos.

           37) Após a separação do casal, por iniciativa da requerente, as crianças passaram a ter acompanhamento psicológico no Centro de Saúde ..., pela Dra. KK.

           38) A DD teve consultas no dia 23.11.2022, 16.01.2023 e 22.02.2023.

            39) Nas mesmas, a DD revelou que sente que por ser adotada as pessoas se comportam consigo de modo diferente.

            40) Na consulta de 23.11.2022, a DD referiu que acha que a mãe gosta mais dos irmãos, referindo que aquela trata a EE por princesa, o CC por príncipe e a si por DD.

            41) Referiu que a requerente se chateia muito consigo por causa das notas.

            42) Referiu ser adotada.

           43) Na consulta de 16.01.2023, a DD referiu que acha uma injustiça porque a mãe trata diferente os irmãos e que desejava ser feliz, e ter o amor da mãe.

           44) Na consulta de 22.5.2023, a DD referiu que a requerente andava a ralhar muito, que não ajudava nos trabalhos e que o CC vinha a ajudá-la sempre.

            45) Anteriormente às referidas consultas, a DD foi acompanhada em pedopsiquiatria, tendo sido realizadas duas consultas, a 03.5.2018 e a 29.5.2019.

            46) Na consulta de 03.5.2018, constam como preocupações da requerente as seguintes: “ (…) a DD tem dias em que em vez de concentrar nas brincadeiras fica concentrada em contrariar a mãe, tem comportamentos de masturbação, a mãe está preocupada porque ela sabe que essa situação deve ocorrer em privado e a DD por vezes tem este comportamento fora do contexto adequado, nas alturas em que a DD está “descompensada” coloca-se em riscos nessas alturas quer a mãe fale a bem quer fale a mal a DD reage sempre de forma oposicionista, sobre tudo e constantemente (…) tinha episódios em que ficava do nada a chorar 30’. A DD ajuda muito e porta-se bem, mas tem os momentos em que não obedece ou desobedece, mas já não destabiliza a sala inteira a educadora não liga e acaba por lhe passar, a dificuldade da mãe é que não pode ignorá-la sempre que ela está assim… (…)”.

           47) Na mesma consulta, efetuada a respetiva avaliação, conclui-se o seguinte: “A DD colaborou com interesse na avaliação de desenvolvimento. Apresenta avaliação de desenvolvimento global normal.”.

            48) Nada foi diagnosticado à DD.

           49) A DD convive pouco com os colegas de turma, e não tem grupo de amigas.

           50) O CC teve consultas no dia 08.11.2022, 09.01.2023, 18.01.2023, 22.02.2023 e 24.3.2023.

           51) Devido à sintomatologia que o CC vinha a manifestar, foi solicitado pela psicóloga o encaminhamento para Consulta de Pedopsiquiatria.

           52) O CC demonstra profundo desconforto pelo tratamento desigual entre as irmãs.

            53) Na consulta de 08.11.2022, o CC referiu que a requerente tem preferidos, ele e a EE, e que a DD é posta de parte.

           54) Manifestou como preocupações, entre o mais, o sono, não conseguir descansar, estar mais desconcentrado, aulas, futebol, a relação diferente da mãe com os três.

           55) Na consulta de 09.01.2023, referindo-se aos eventos ocorridos a 28.12.2022, o CC referiu que a requerente estava a tratar mal a DD, chamou nomes, e que fez um áudio e mostrou ao pai.

            56) Na consulta de 24.3.2023, o CC referiu que a requerente às vezes se descontrola emocionalmente.

            57) Referiu ainda que a requerente e a EE chateiam a DD e que intervém e sobra para si.

           58) Referiu que já decidiu que quer ir para os Açores e a DD também.

            59) Referiu que a EE recebe muitos benefícios da mãe.

            60) Na consulta de 19.5.2023, o CC referiu que a relação entre a mãe e a DD é ralhar, que a mãe normalmente não liga quando fazem asneiras, só quando é grave é que ralha, referindo ser 70 % com a DD, depois consigo e depois com a EE.

           61) Desde 28.12.2022, o CC tem vindo a enviar vídeos ao requerido referentes ao comportamento da requerente perante a DD e a EE.

            62) O CC relata desentendimentos com os colegas da escola, já tendo em diversas ocasiões pedido para o irem buscar à escola.

            63) O CC e a DD partilham confidências e sentimentos com o requerido.

           64) A EE teve consultas no dia 23.11.2022, 16.01.2023 e 22.02.2023.

            65) Na consulta de 23.11.2022, a EE referiu que conversa mais facilmente com a requerente e que a DD fala mal com a requerente.

            66) Na consulta de 26.4.2023, a EE referiu que quer ficar em ... com as amigas e que às vezes chora de noite.

            67) Na consulta de 29.5.2023, a EE referiu como preocupação, entre o mais, que não quer que o pai vá para os Açores.

            68) Referiu que sempre lhe apeteceu ficar filha única, só vai ter saudades de os chatear, referindo-se aos irmãos.

            69) Até à presente data, as crianças frequentaram a escola em ..., Agrupamento de escolas ..., sendo que o menor CC frequentou o 8º ano, e as menores DD e EE frequentaram o 4º ano de escolaridade.

            70) As três crianças têm bom aproveitamento escolar, passando sempre de ano letivo.

           71) O CC frequenta a atividade de futebol na Associação Desportiva e Cultural de ... semanalmente, tendo treinos à terça-feira, quarta-feira e quinta-feira, e tem jogos aos sábados.

           72) O CC interrompeu o futebol derivado a desentendimentos com os colegas, tendo regressado há cerca de três anos.

           73) A menor DD frequenta as aulas de yoga, semanalmente, à quinta-feira, em ....

           74) A menor EE frequenta as aulas de ballet, semanalmente, à terça-feira e à quinta-feira, em ....

            75) Em virtude de articulação pedagógica entre o Conservatório de Música de ... e o Agrupamento de Escolas ..., foi criado um programa curricular que integra disciplinas da competente geral e de formação musical.

            76) A DD e a EE têm vaga no referido programa.

            77) O CC encontra-se matriculado na Escola Secundária ..., em ....

           78) O irmão da requerente, II, reside numa localidade próxima de ..., em ..., e tem prestado apoio à requerente.

           79) A requerente é bombeira prestando serviço na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de ....

           80) Tem horário flexível, tendo de realizar 7 horas diárias em jornada contínua, de segunda a sexta, entre as 08:00 e as 20:00 horas.

            81) Aufere o vencimento mensal líquido de € 950.

           82) Para além do seu vencimento a requerente tem um imóvel que adquiriu ainda solteira, o qual está arrendado pela renda mensal de € 700, sendo que de empréstimo bancário pela aquisição e condomínio paga a prestação mensal de € 450.

           83) Paga de empréstimo mensal com a casa onde habita atualmente o valor mensal aproximado de € 670.

           84) O requerido exerce funções como agente da Polícia Marítima na ilha ....

           85) O seu horário habitual é entre as 8:00 horas e as 16:00 horas.

           86) Numa frequência máxima de duas vezes por semana, o requerido exercerá as suas funções entre as 8:00 horas e as 20:00 horas, ficando a partir desta última de prevenção a partir de casa.

            87) Tem o serviço efetivo limitado a 40 horas semanais, ficando pelo menos 48 horas seguidas por semana em casa.

            88) O exercício das suas funções nos Açores garante que não irá em missões para o estrangeiro.

            89) Aufere o ordenado mensal de € 1 607,56.

           90) Reside na Rua ..., ..., num apartamento de tipologia T3, e pelo qual pagará uma renda mensal entre os € 30 e os € 50.

           91) Nos Açores, cada botija de gás tem o custo de € 23, as telecomunicações o valor aproximado de € 70, e um casal com um filho despende em despesas de eletricidade cerca de € 40 mensais.

           92) A EE e a DD têm vaga assegurada na Escola Básica Integrada da ....

            93) O CC tem vaga assegurada na Escola Secundária ..., na ....

           94) As três crianças estão registadas na lista de espera da valência do ATL ..., sito na ....

           95) Na cidade da ... estão disponíveis escolas de futebol, hip-hop, yoga, ballet, entre outras atividades.

            96) O CC e a EE têm vindo a manifestar interesse pela atividade de surf, que também está disponível na cidade da ....

           97) A cidade da ... tem Conservatório de Música, no qual é possível entrar até ao 6º ano sem necessidade de realizar qualquer exame.

           98) O jovem CC tem asseguradas consultas com a Dra. LL, psicóloga, com Especialidade Geral em psicologia clínica e da saúde; psicologia da educação; e Especialidade ...; Psicologia vocacional e do desenvolvimento da carreira, com morada profissional na Rua ..., ....

           99) As três crianças têm vaga para beneficiar de acompanhamento psicológico na Clínica ..., sita na ..., podendo ser encaminhados, através da mesma, para o ..., E.P.E., para serem acompanhados na área de pedopsiquiatria.

            100) O requerido tem Colegas, também eles com filhos, que se revezam na ajuda de guarda e acompanhamento dos menores, caso seja necessário.

            101) A cidade da ... fica situada na ilha ..., sendo um local onde a proximidade entre as pessoas e serviços é uma predominante, onde o contacto com a natureza (em especial o mar) é diário e faz parte quer de projetos escolares, quer de projetos empresarias e/ou da comunidade.

            102) CC e DD pretendem ir viver com o pai para os Açores, manifestando não querer ficar com a mãe e não ter amigos ou atividades que os façam ter vontade de ficar em ....

            103) A EE pretende ficar a viver com a mãe, manifestando ter amigas em ....

            2. E deu como não provado:

           a) O requerido é uma pessoa imprevisível, instável, emocionalmente desequilibrada, que se determina em função dos seus interesses pessoais em detrimentos das necessidades dos filhos.

           b) Em virtude desta instabilidade emocional, o requerido não consegue fixar-se muito tempo no mesmo lugar e sempre aproveitou a facilidade e oportunidades que tem em termos laborais para estar ausente de casa.

           c) O requerido tem transportado essa sua instabilidade emocional e pessoal para os filhos, fazendo-os sentir que estão sempre quase a perder o pai, fazendo que estes tenham sempre a necessidade de o conquistar, levando os menores a ter comportamentos que até então nunca tinham tido.

            d) O requerido realizou comissões de serviço em 2020.

            e) A criança DD padece de perturbação de oposição e desafio.

           f) A decisão do requerido ir para os Açores surge após uma tentativa de aproximação deste à requerente, no sentido de retomarem a vida em comum, e a requerente não ter aceite.

           g) Foram a EE e a DD, que por sua iniciativa, pediram à requerente para frequentar o 5º ano em ensino articulado com o Conservatório de Música.

           h) Os menores cresceram com o tio II, existindo uma grande proximidade afetiva entre eles.

          i) Para além do tio II, requerente e requerido têm um grupo de amigos residentes em ..., na sua maioria casais com filhos das idades dos menores, com quem têm grande proximidade afetiva.

            j) Todas estas crianças e jovens, para além de serem colegas de escola dos menores, têm fortes ligações de amizade, existindo uma verdadeira amizade quer entre adultos, quer entre as crianças, ajudando-se e apoiando-se mutuamente, em todas as situações da vida.

            k) Na ilha ... não há outro familiar ou amigo próximo e conhecido dos menores, que os possa ajudar e apoiar na ausência do pai em serviço, que tem horários diurnos e noturnos.

            3. Cumpre apreciar e decidir.

Para efeitos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível/RGPTC (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.9)[2], constituem providências tutelares cíveis, nomeadamente, a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes (art.º 3º, alínea c)).

Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes: a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto; b) Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação, e, excecionalmente, relatados por escrito; c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse[3] (art.º 4º, n.º 1). Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o juiz afere, casuisticamente e por despacho, a capacidade de compreensão dos assuntos em discussão pela criança, podendo para o efeito recorrer ao apoio da assessoria técnica (n.º 2).

A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse (art.º 5º, n.º 1).[4] Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz promove a audição da criança, a qual pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o efeito (n.º 2). A audição da criança é precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma (n.º 3). A audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente: a) A não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais; b) A intervenção de operadores judiciários com formação adequada (n.º 4). Sempre que o interesse da criança o justificar, o tribunal, a requerimento ou oficiosamente, pode proceder à audição da criança, em qualquer fase do processo, a fim de que o seu depoimento possa ser considerado como meio probatório nos atos processuais posteriores, incluindo o julgamento (n.º 6) A tomada de declarações obedece às seguintes regras: a) A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito; b) A inquirição é feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais; (…) (n.º 7).

Os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária (art.º 12º).

            Autuado o requerimento ou a certidão, os pais são citados para conferência, a realizar nos 15 dias imediatos (art.º 35º, n.º 1). A criança com idade superior a 12 anos ou com idade inferior, com capacidade para compreender os assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é ouvida pelo tribunal, nos termos previstos na alínea c) do artigo 4º e no artigo 5º, salvo se a defesa do seu superior interesse o desaconselhar (n.º 3).

Na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela (art.º 40º, n.º 1 do RGPTC). É estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança (n.º 2, 1ª parte).

4. Tratando-se de processo de jurisdição voluntária, o tribunal não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente/não está sujeito a critérios de legalidade estrita, tendo a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa (mais conveniente e oportuna) (art.º 987º do CPC), a que melhor serve os interesses em causa[5]; o princípio do inquisitório é assumido em toda a sua plenitude, sobrelevando ao princípio do dispositivo, concedendo-se ao tribunal o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes[6], sendo apenas admitidas as provas que o juiz considere necessárias; salvaguardados os efeitos já produzidos, será sempre possível a alteração de tais resoluções com fundamento em circunstâncias supervenientes[7] (cf. os art.ºs 986º, n.º 2; 987º; 988º, n.º 1, 1ª parte e 989º, do CPC).

Daí que, em cada caso, releve, sobretudo, a preocupação de respeitar a verdade material e a finalidade prosseguida no processo, pelo que os princípios e as regras do Processo Civil poderão ser secundarizados (amovendo, quando oportuno, determinados princípios que enformam o processo civil[8]) se e quando colidam ou inviabilizem a possibilidade de proferir a decisão tida como mais equitativa, conveniente e oportuna.

Assim, estando em causa a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes, é permitido ao julgador usar de liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, seja para coligir oficiosamente provas que repute essenciais às finalidades do processo, seja para prescindir de atos ou de provas que repute inúteis ou de difícil obtenção (art.º 986º do CPC) e, neste sentido, incompatíveis com o superior interesse da criança, que também se projeta no direito a uma decisão em tempo adequado e razoável.

            5. Sendo estes alguns dos princípios e regras que norteiam o processo em análise, a solução do presente caso é, necessariamente, ditada pelos direitos e interesses das crianças, que têm primazia.[9]

           Estando em causa duas crianças (uma, com a idade de 11 anos e, outra, que amanhã completará a mesma idade) - generosas e inocentes (como todas as crianças - quiçá, supremo e imerecido bem dos adultos[10]),- e um jovem (agora, à beira dos 15 anos), é inegável que, ante as vicissitudes da sua vida e, até, as vicissitudes e ocorrências adjetivas dos autos, a posição/vontade destas crianças e deste jovem, expressa perante o Tribunal e, sobretudo, ante a sua Professora Primária, acaba por ser fundamental para a resposta encontrada na 1ª instância e que, como se verá, no essencial, será confirmada.

           Esta Relação analisou toda a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento e as posições assumidas pelos diversos intervenientes processuais.

           De seguida, conhecerá, sucintamente, das questões adjetivas suscitadas na parte inicial do recurso; depois, da impugnação da decisão relativa à matéria de facto; por último, da decisão de mérito, especialmente, a problemática da residência dos menores.

            6. Aquando da conferência dos pais (de 18.4.2023), os menores foram ouvidos, no exercício do seu direito de audição (como sujeitos do processo), para exprimirem a sua opinião e não como meio de prova (art.º 5º, n.ºs 1 e 2, do RGPTC)[11]; manifestaram a sua posição/opinião/vontade relativamente ao litígio criado pelos progenitores, obrigatoriamente tida em consideração pela autoridade judiciária na determinação do seu superior interesse, procedimento não sujeito às regras previstas no art.º 5º, n.º 7 do RGPTC, não existindo qualquer nulidade quando a mesma não é realizada na presença de advogados, podendo o juiz ouvir a criança sem a presença de qualquer Mandatário.[12]

Então, manifestaram a sua posição (opinião atendível; manifestação de vontade dos menores, relevante na concretização e conformação do seu superior interesse) quanto ao regime da guarda.

            A Mm.ª Juíza observou devidamente o direito das crianças à confidencialidade, reserva e intimidade pessoal e o preceituado nos art.ºs 4º, n.º 1, alínea c), 5º, n.º 1 e 35º, n.º 3, do RGPTC, sendo que os factos que agora se impugnam, sobretudo, os pontos 102) e 103) - como melhor se explicitará adiante -, não suscitam as dúvidas ou a divergência (a nível probatório) também convocadas neste enquadramento.

            Acresce que no mencionado despacho de 11.7.2023[13] ficou bem explicitada a razão de ser da audição já realizada e da não realização de nova audição (para o mesmo fim e/ou fim diverso...), de harmonia, no fundo, com o superior interesse dos menores, sem que alguém se tenha insurgido contra tal despacho (e/ou, pelo menos, no plano formal, contra o despacho de 17.3.2023) e a forma como se procedeu à audição, ou sequer alguma vez sugerido a formulação de quaisquer concretas perguntas/questões adicionais[14], e sabendo-se que, não se antolhando necessária a realização de nova audição, assim se contrariava a já excessiva exposição ao conflito parental (nefasta para os menores, a nível psíquico e emocional).

            Evidentemente, no apontado circunstancialismo, não se vislumbra que tenha sido cometida alguma nulidade processual e, menos ainda, que exista qualquer nulidade (“congénita” ou consequencial) das decisões depois proferidas.

           7. Segundo a requerente/recorrente «tendo em conta que o tribunal valorou os registos manuais das consultas de psicologia, sem inquirir a subscritora dos mesmos, tendo em conta o teor do depoimento da testemunha HH, e ainda as declarações emitidas pela psicóloga, datadas de 27.3.2023, bem como a informação da audição técnica especializada e o depoimento da professora primária dos menores, devem ser considerados como não provados os factos constantes dos pontos 35, 36, 40 a 44, 46, 53 a 60 e 65 a 68 da sentença recorrida» (cf. “conclusão 47ª”, ponto I., supra).

           Pugna, ainda, para que se dê como não provados os factos indicados em II. 1. 10), 12), 13), 32), 102) e 103), supra.

           Não obstante as demais “questões” suscitadas, conexas ou diretamente ligadas à impugnação da decisão sobre a matéria de facto (a apreciar), o que se deverá adquirir para os presentes autos face à posição dos progenitores e aos diversos elementos juntos aos autos, e, ainda, o insuficiente cumprimento dos ónus a cargo da recorrente previstos no art.º 640º do CPC (ex vi do art.º 33º, n.º 1, do RGPTC)[15], importa, pois, determinar a realidade a atender face aos meios de prova produzidos e disponíveis, reapreciando o que se vê impugnado (atendendo, necessariamente, à forma e ao conteúdo dessa impugnação) e a fundamentação e análise crítica apresentada pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo (no confronto com os elementos dos autos relevantes para o efeito).

            8. Partindo da motivação da decisão sobre a matéria de facto, apresentada pela Mm.ª Juíza, e tendo em atenção o objeto do recurso, destacamos os seguintes excertos:

            «A convicção do tribunal relativamente à matéria de facto dada por provada fundou-se na análise conjugada da prova produzida, designadamente da apreciação crítica da documentação junta aos autos, das declarações prestadas pelos progenitores e dos depoimentos das testemunhas inquiridas, prova essa valorada à luz das regras de normalidade e de experiência comum, não se descurando [a] manifestação da opinião das crianças decorrente da sua audição[16],

            (...) Mais se atendeu à declaração do Comando-Geral da Polícia Marítima, referente à transferência do progenitor para os Açores, (...)

               (...) Atendeu-se ainda às declarações das consultas de psicologia, consulta externa e processo clínico referente às três crianças para prova dos factos n.ºs 37 a 48, 50, 51, 53 a 60, 64 a 68, concatenados com a demais prova produzida, nos termos infra explanados.

               Valoraram-se ainda as declarações de cada um dos progenitores e, bem assim, os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento.

               O progenitor BB (...) prestou declarações, tendo esclarecido os moldes em que decorreu a vivência entre o casal, a relação com os filhos, as questões laborais de ambos, e bem assim os fundamentos que o levaram a aceitar transferência para os Açores.

               Quanto ao seu percurso profissional, esclareceu as suas funções, os locais onde prestou serviço e respetivo horário, neste conspecto salientando que tentava fazer a jornada de trabalho em moldes que o permitissem ficar em casa o maior número possível de dias seguidos.

            No que concerne à ida para os Açores, de forma objetiva e concretizada, esclareceu os motivos de tal decisão: ainda que inicialmente pensasse vir auferir um subsidio que não se confirmou, a verdade é que a transferência para os Açores é financeiramente compensador, uma vez que deixará de ter de suportar custos elevados com deslocações, como tem vindo a suceder, tendo em conta a distância entre ... e ....

           Mas sobretudo a sua decisão prende-se com o facto de, exercendo funções nos Açores, não ser chamado para comissões de serviço fora do país, garantindo mais estabilidade e disponibilidade de tempo.

               Acresce (...), como referiu, a circunstância de os Açores proporcionar uma maior qualidade de vida, não só pelos fatores já referidos, como pelas características próprias da ilha ..., designadamente com a proximidade entre local de trabalho, habitação, escolas, e todas as instalações e equipamentos necessários ao dia-a-dia (hospitais, clínicas, associações desportivas, etc.), que permitem uma poupança significativa de tempo, aumentando significativamente os períodos de convívios com os filhos.

               No mais, e de forma particularmente emotiva, descreveu o relacionamento entre a progenitora e as crianças.

               Entende que existe uma diferença de tratamento entre as crianças, com particular ênfase na DD. Entende que a progenitora é particularmente repreendedora e agressiva com a DD, não existindo manifestações de carinho.

               Afirmou que a progenitora tem dificuldades em gerir certas situações com a DD, referindo-se ainda à questão da masturbação, uma problemática ocorrida há uns anos atrás, tendo aquela criticado a DD e comentado tal situação à frente dos irmãos.

                Entende que a severidade com que a progenitora trata a DD não sucede com os outros filhos, em particular com a EE, afirmando aqui que é patente e frequente uma validação de comportamentos desta última.

               Tudo isto é sentido pela DD e transmitido, quer a si, quer à progenitora.

           Esclareceu ainda que este tipo de atuações tem vindo a causar desconforto também ao seu filho CC, que a dado ponto começou a enviar-lhe vídeos de conflitos que iam ocorrendo em casa, designadamente entre a progenitora e a DD. Enviou ainda outro vídeo onde é evidente a situação de validação de comportamentos por parte da EE.

            Esclareceu que foi o CC que espontaneamente começou com tal comportamento, isto é, a enviar vídeos, que relaciona com o facto de ser um jovem introvertido, reservado, e que é a forma que terá encontrando de comunicar e transmitir tais situações.

           Igualmente reportou as dificuldades de socialização do CC, esclarecendo que teve algumas situações desagradáveis com colegas, que inclusivamente o levaram a deixar o futebol, que quando estas ocorriam ligava para o pai a pedir auxílio, não recorrendo à mãe nesses momentos.

               A progenitora AA (...) prestou igualmente declarações, tendo também esclarecido as suas circunstâncias laborais, os moldes em que decorreu a vivência entre o casal, a relação com os filhos e as questões laborais do progenitor.

        Temos desde já de assinalar que analisadas as declarações de ambos os progenitores, facilmente se constata que no seu essencial coincidiram.

        Não discordaram no relato da vivência, (...) inclusive quanto às comissões de serviço, nem mesmo quanto ao processo de adoção da DD.

           O que se denota, no fundo, é, antes de mais, uma perspetiva totalmente distinta quanto às necessidades educativas dos filhos, e ao relacionamento com os mesmos.

           A progenitora relatou com detalhe o processo de adoção da DD, reconhecendo ter sido uma criança difícil de lidar. Disse igualmente que foi difícil com os outros dois filhos, que faziam comentário sobre o facto de a DD ser adotada.

         Neste conspecto, afirmou que não queria que a DD se vitimizasse por ser adotada, pois, nas suas palavras, “não pode ser coitadinha”.

           Reconheceu ter tido dificuldade em lidar com a questão da masturbação da DD, que disse não o ter feito do melhor modo.

           Assume que a DD se queixa de existirem diferenças de tratamento entre os filhos.

            Afirma que a DD tem transtorno de oposição.

            Reconhece na DD dificuldades em se relacionar com crianças da sua idade, não tem grupo de amigas, não brinca.

            Esclareceu o sucedido no dia 28-12-2022, contextualizando as suas palavras, dizendo que decorreu do facto de se ter enervado com a circunstância de a DD ter mentido quanto à lesão que dizia ter na cara, e que entende que a DD tem tendência a mentir.

            Questionada, disse não ser acompanhada psicologicamente por esta tendência.

           Quanto ao CC, refere-o como reservado, que amua, tranca-se no quarto dele quando se chateia, que se isola, mas que tem de saber distrair-se, que esteve cerca de 2/3 anos sem ir ao futebol, tendo voltado há cerca de 3 anos atrás, que lhe explicou que agora joga menos bem do que aqueles que não pararam.

           Questionada quanto aos amigos do CC e a eventuais desentendimentos com estes, disse que tem amigos, e que sabe de desentendimentos, mas que se ele faz aos outros, também terá de lidar com o que os outros fazem, referindo que tem de saber lidar com as frustrações; disse que o CC se queixa, mas ele faz igual.

                Disse ainda que o CC agora tem mostrado interesse por fazer surf nos Açores.

               Quanto à EE, referiu ser vaidosa, “pindérica”, sociável, tem grupo de amigas, uma princesa.

            (...) Quanto à relação com o progenitor, temos por assinalar a forma espontânea como o afastou da classificação como pai ausente.

                Sendo certo que foi relatando que a sua presença na vida dos filhos era mais constante do que a do progenitor, em virtude das suas funções laborais, a verdade é que igualmente afirmou que o requerido é um pai presente, que fazia atividades em família e dava apoio, sendo certo que essa presença tem vindo a aumentar.

               Ora, desde logo concatenando as declarações de ambos os progenitores, e porque nelas coincidiram em absoluto, não havendo, assim, dissenso quanto a tais circunstâncias, permitiu ao Tribunal dar por provados os factos n.ºs 5, 6, 11, 12, 14, 18, 19, 22 a 31, 49, 62 e 72.

           Ainda assim, urge acrescentar que a relação do casal era pautada por discordância quanto ao modo de educar e tratar os filhos: não só isso resultou absolutamente claro das declarações do requerido (confirmadas pela testemunha HH, sua irmã, a quem terá confidenciado tais preocupações), como da própria requerente, que assume existir essa manifestação por parte dos filhos, pelo menos da DD, aliada ao facto de espontaneamente ter afirmado que, referindo-se ao requerido, “quando começa a pôr o dedo na educação deles é que isto descamba”, numa evidente manifestação de discordância, pelo menos, quanto aos métodos educativos.

           Acrescente-se ainda que muito se falou do episódio de 28-12-2022, que na verdade não foi descrito de formas distintas pelos progenitores: o que sucede apenas é que relataram o sucedido da forma como o viveram, sendo certo que a sua presença não foi simultânea ao longo de toda a cadeia de eventos. Certo é que nenhum deles coloca em causa a existência do referido desentendimento, tendo tido atuações distintas perante a crise que se manifestava na altura (decorrente de uma mera brincadeira na qual a DD se terá magoado, entendendo o requerido que a requerente não terá atendido à DD como devia, e a requerente entendendo que aquilo decorreu de uma mentira da DD), mas que não colocam em crise o sucedido.

           A requerente contextualizou o sucedido, como já referido, admitindo que não reagiu da melhor maneira, o que resulta ainda do vídeo junto aos autos e que confirma o ocorrido, isto é, a reação da progenitora perante os comportamentos da DD.

            Certo é que igualmente resulta, nesta sequência, a saída de casa do requerido, após ter tomado conta do comportamento da requerente perante a DD, o que soube através de um vídeo enviado pelo CC, uma vez que na altura já se tinha ausentado de casa para ir trabalhar, como aliás, foi confirmado por ambos os progenitores.

                No mais, e agora quanto às testemunhas, temos o seguinte:

           (i) a testemunha MM, amiga da requerente, que afirmou ter acompanhado a mudança do casal para ... em 2015, que trabalhou com a progenitora na Secretaria de Estado, que vê o CC como um jovem reservado e com dificuldade de socialização, a DD como extrovertida e faladora, a EE como sociável e princesinha; disse saber que o progenitor realizava comissões de serviço fora, sendo um pai presente quando está; falou nas reservas do progenitor na adoção da DD, e que a progenitora é que terá insistido na mesma; negou ter conhecimento de diferenças de tratamento entre as crianças; questionada, disse que a última vez que esteve com as crianças foi num convívio da aldeia no S. João e que a última vez que estiveram na sua casa foi há cerca de ano e meio;

                (...)

            Quanto a estas três testemunhas temos por dizer o seguinte: antes de mais e de forma objetiva, não podemos deixar de assinalar que se tratam de testemunhas com pouco convívio com a família e em particular com as crianças; efetivamente, basta notar que a primeira testemunha afirmou que a última vez que esteve com as crianças foi num convívio da aldeia no S. João e que a última vez que estiveram na sua casa foi há cerca de ano e meio (...)

            Temos pelo contrário a testemunha GG, professora das crianças, que se revelou absolutamente objetiva e isenta, e por isso credível.

           Esclareceu o momento em que teve contacto com as três crianças e o acompanhamento que fez das mesmas. Descreveu o CC como um jovem muito reservado, tímido, mais isolado, muito bom aluno e muito exigente consigo próprio. Evidenciou desconhecer agressões graves entre colegas. Descreveu a DD como tímida, meiguinha e que se sente feliz quando alguma coisa corre bem. Descreveu a EE como líder, gosta de dar nas vistas e de se evidenciar. Distingue as irmãs, sendo a EE “mais cor de rosa”, e a DD mais realista e que vinha pedir para falar. Assinala discussões entre as irmãs. Identificou a progenitora como encarregada de educação. Disse que a EE tem uma personalidade muito forte, que tem ascendente sobre a irmã, mas que a DD está a começar a libertar-se da irmã. Disse que informou os pais de ser da opinião de as irmãs serem colocadas em turmas diferentes. (...) A DD não queria ir para o ensino articulado, mas depois mudou de opinião. Disse que a DD tem uma tristeza que às vezes a deixa preocupada, que é muito madura, preocupa-se muito, isolava-se da turma no intervalo, procurava os mais pequeninos, isolados e desfavorecidos. Terminou o seu depoimento ao esclarecer que a EE lhe terá dito que não se queria separar da irmã, comentário na sequência de um jogo em que tinham de escolher amigas (...).

            Por seu turno, a testemunha NN, amiga e colega de trabalho do progenitor, é outra testemunha que nos merece inteira credibilidade. Efetivamente, prestou um depoimento objetivo, sem comentários conclusivos ou tendenciosos, esclarecendo a respetiva razão de ciência.

                (...)

            Descreveu com conhecimento direto a habitação do progenitor, uma vez que é igual à sua, estando porta a porta, descrevendo o apoio de que beneficia dos colegas de trabalho com os seus filhos, apoio que igualmente será prestado aos filhos do progenitor, designadamente por si. Disse já ter falado com as crianças por videochamada.

            Descreveu a cidade da ... e da proximidade do local de trabalho com todos os serviços (escolas, hospitais, etc.); disse ser dona do crossfit, haver escolas de dança, grupos desportivos, futebol, etc., sendo maioritariamente gratuitos. Esclareceu ainda a existência de Conservatório de Música e que as crianças podem entrar sem necessidade de requisitos adicionais até ao 6º ano.

            Descreveu, referindo-se à sua situação pessoal, que tem maior qualidade de vida nos Açores e que o acompanhamento à sua filha é muito maior, dando exemplos, como a circunstância de poder almoçar todos os dias com a filha e de não perder tempo no trânsito.

           Por fim, temos o depoimento dos familiares, II, irmão da requerente, e HH, irmã do requerido.

            A testemunha II esclareceu que vive nos ... há cerca de 7 anos. Referiu costumar tomar conta das crianças, dizendo que já sucedeu ter de o fazer na semana do progenitor, porque aquele não podia (referindo-se à altura em que estava instituída a residência alternada); esclarece que trabalha a partir de casa e que pode dar ajuda em situações urgentes; referiu-se às crianças como sendo todas diferentes, e que por isso têm de se educar de forma diferente, mas que são todas iguais; (...) disse que a EE não quer ir para os Açores; disse que nenhum dos três disse que queria ficar; disse que a DD, depois de vir a tribunal, disse que queria ficar; (...) disse que a progenitora tem amigos para a ajudar.

           Sem descurar a natural proximidade entre a testemunha e a requerente, temos um depoimento globalmente objetivo, respondendo com serenidade ao que lhe ia sendo perguntado. Ressalta a sua presença na vida dos sobrinhos, ainda que a mesma se tenha circunscrito aos momentos após a separação. Fica, todavia, ainda patente, o desconhecimento de algumas situações familiares, que aparentemente não eram consigo partilhadas (...) e bem assim o facto de a DD e o CC não abordarem consigo alguns temas que os preocupam, como é a questão do tratamento desigual.

                Por outro lado, temos a testemunha HH, irmã do requerente.

               Explicou os motivos pelos quais a família paterna se tem resumido a si e ao seu irmão, tendo ficado claro que deriva de eventos que em nada são imputáveis quer ao progenitor, quer à testemunha, prendendo-se com uma vivência familiar complexa, já desde a respetiva infância e que implicou a separação da família.

                Falou de tal situação para contextualizar o motivo da ausência de contactos e da cautela do progenitor aquando da adoção da DD. Explicou o modo como acompanhou a relação do casal e dos filhos, os momentos em que esteve a residir ou a passar férias com estes, localizando no tempo e os motivos para o fazer.

            Relatou ter assistido a insultos por parte da progenitora à DD, evidenciando conhecimento da situação da masturbação, aqui descrevendo o comportamento da progenitora, tendo tal situação sido exposta pela progenitora à frente dos irmãos, apelidando a OO. Disse que a DD acaba por responder por tudo, por ser o bode expiatório. Assistiu a discussões entre o casal derivado a este tipo de atuações da progenitora. Disse que tentou falar com a progenitora sobre isto, mas não era muito recetiva. Admite que a DD era uma criança difícil. Descreveu os sermões que a progenitora dava à DD como extensos e longos, e referiu gestos como cutucar na cabeça da DD. Disse que era recorrente a progenitora chamar a DD de mentirosa.

               Refere que em situações que a EE faz disparates nunca viu a progenitora a chamar-lhe nomes, nem ao CC.

               Afirmou que muito poucas vezes assistiu à valorização das coisas positivas que a DD fazia. Disse que a EE é uma princesa, o CC um príncipe e que nunca viu a DD ser designada por isso (o que aliás vai de encontro não só às declarações do progenitor, mas sobretudo dos registos clínicos das consultas, onde a DD refere precisamente tal situação).

                Disse que a DD começou a reagir a estes comportamentos da progenitora.

               O CC também começou a reagir. Disse que é um jovem que sempre se retirou, com exposição frequente ao ecrã, e que o sucesso na escola é-lhe muito importante.

                Referiu que o progenitor lhe terá confidenciado que há muitos anos que se queria divorciar, mas que ia aguentando por causa dos filhos. Disse que a questão da diferença de tratamento entre os filhos foi determinante na relação do casal.

            Disse que a DD fez uma série de caixas para ir com o progenitor para os Açores. O CC também quer ir. Para a EE é certo que fica.

           Disse que a DD manifestou preocupação com as confidências que fez ao pai, por não saber se o pai teria falado das mesmas em tribunal.

               Relatou que o progenitor lhe terá transmitido ter recebido um telefonema do CC por querer ir embora da escola. Relatou questões de conflitos na escola e no futebol com os colegas do CC.

           Esta testemunha prestou um longo depoimento, mantendo sempre uma postura serena, ainda que quando contrainquirida, concretizou e detalhou o que ia afirmando, assumiu quando não se recordava de algo ou desconhecia alguma circunstância, inexistindo qualquer evidência de procurar empolar os factos.

            Toda a prova supra referida foi tida em conta pelo Tribunal, analisada à luz das regras da experiência comum e da normalidade dos acontecimentos da vida, concatenada ainda com os demais elementos probatórios, inclusivamente com a prova documental.

            Ora, quanto aos horários laborais do requerido, e bem assim às comissões de serviço, temos as declarações do próprio, que explicou os moldes em que as mesmas decorriam, concretizando as comissões que se recordava ter realizado, os motivos pelos quais se encontrava obrigado a participar nas mesmas, relacionado com a circunstância de pertencer ao quadro de operações especiais. Os anos em que realizou comissões foram ainda mencionados pelas testemunhas HH, que tem conhecimento dos factos, pela circunstância de nessa altura ter estado com os sobrinhos, e NN, colega de trabalho do requerido, e que tem conhecimento dos factos em virtude das funções que exerce, igualmente descrevendo as comissões de serviço que tinha conhecimento que o requerido efetuou, e as circunstâncias que o obrigavam a tal (factos provados n.ºs 13, 15 a 17).

            Foi ainda da concatenação das declarações do requerido com o depoimento das testemunhas supra referidas, que ficaram claros os motivos que presidiram à decisão de pedir transferência para os Açores, não só da componente financeira, mas ainda e primordialmente da possibilidade de deixar as operações especiais, possibilitando uma maior disponibilidade, estabilidade e presença na vida dos filhos (factos provados n.ºs 32 a 34).

            (...) Quanto às despesas que irá suportar nos Açores, decorrem das suas próprias declarações, uma vez mais prestadas de forma objetiva e não procurando empolar qualquer despesa (facto provado n.º 91), (...)

                (...)

               Quanto à relação entre as crianças e os progenitores, e em particular à relação entre a DD e a requerente, temos primeiramente os registos clínicos das crianças.

               Note-se que das consultas realizadas pela DD com a psicóloga é notório e constante o discurso relativo ao sentimento de ser tratada de modo diferente relativamente aos seus irmãos, dando exemplos concretos de situações em que tal sucedeu.

           Esse relato da DD à psicóloga é não só corroborado pelas declarações do requerido, como pela própria requerente, que reconhece que a DD manifesta tal entendimento. Igualmente resulta essa circunstância do depoimento da testemunha HH, que relatou situações concretas em que assistiu a tal tratamento diferenciado, não se podendo pôr em crise tal depoimento, porquanto o mesmo encontra sustentáculo na demais prova produzida, seja os próprios progenitores, seja o respetivo registo das consultas da DD, como ainda do registo de consultas do CC, que igualmente de forma recorrente relata desconforto com tal comportamento por parte da requerente.

            Independentemente das razões que possam estar subjacentes a tal conflito, a verdade é que negar a sua existência colidiria com a abundante prova que consta dos autos.

                Efetivamente, vejamos.

           Como se disse, tivemos primeiramente as declarações do requerido. Descreveu com pormenor as circunstâncias em que detetou tais diferenças de tratamento, exemplificando com situações e atuações concretas, a sua reação diante tais comportamentos, e sobretudo a reação dos seus filhos, em particular nos últimos tempos. Tudo o que fez de forma particularmente emocionada, evidenciando preocupação com tais eventos. Circunstanciou o modo como em particular afeta a DD, e o modo e situações que esta lhe reporta, o que igualmente fez com o CC, igualmente reportando as reações deste perante a atuação da mãe e o modo que encontrou de transmitir o sucedido ao requerido (através dos vídeos). Igualmente descreveu os motivos da sua preocupação com a EE, descrevendo um favorecimento em relação aos irmãos, receando, como disse, que a constante validação de comportamentos afete o seu crescimento.

               (...) Por outro lado, temos as declarações da requerente. E aqui temos antes de mais por dizer que mesmo nesta matéria não é possível afirmar que tenha dissidido significativamente das do requerido. A verdade é que nos deparamos com declarações que não contrariam as do requerido. Apresentou, antes, uma perspetiva distinta daquilo que é a sua atuação com os filhos, contextualizando algumas das suas atuações (como foi a do dia 28-12-2022), aceitando que por vezes não possa ter tido a reação ideal, mas sobretudo entende que as três crianças são distintas entre si, e por isso é natural que a sua atuação seja igualmente distinta.

           Descreveu as dificuldades no processo da adoção da DD, igualmente sentidas nos anos subsequentes, evidenciando um percurso difícil e exigente, e consequentemente o desgaste que daí decorreu. Conhece e assumiu o sentimento da DD de ser tratada de maneira distinta dos irmãos, contudo, não assumindo que efetivamente assim seja, a não ser naquela medida de todos os filhos serem diferentes, exigindo, assim, diferentes atuações.

            Denota-se no seu discurso uma postura mais exigente: entende que a DD não pode ser coitadinha por causa de ser adotada; que exige muita atenção; que tem tendência a mentir; quanto ao CC, que tem de saber distrair-se; que não pode ser tudo quando o menino quer; que se faz aos outros tem de se aguentar.

            Conseguindo perceber o contexto de tal discurso, não podemos deixar de notar que em momento algum existiu um discurso similar relativamente à EE.

               Acresce ainda a tudo isto, o depoimento da testemunha II e HH. E falamos apenas destas porquanto as demais testemunhas não revelaram no seu depoimento razão de ciência bastante que nos permitisse a ele recorrer para a presente matéria.

           Eram estas duas testemunhas quem frequentavam a casa da família.

               A testemunha II reportou ser seu entendimento que não existiam diferenças de tratamento; contudo, afirmou tal como a requerente que as crianças são todas diferentes e por isso exigem atuações diferentes.

           Contudo, instado a concretizar alguns elementos, ainda que tenhamos que concluir pela sua presença (e assim concluímos), também concluímos que tal presença não o foi em moldes de permitir a concretização de aspetos íntimos da vida familiar, como as angústias e preocupações dos sobrinhos.

           De modo distinto, a testemunha HH de forma particularmente detalhada inclusive quanto aos períodos temporais concretizou em que momentos acompanhou a família, em que períodos e respetiva duração e motivos, o que não pode deixar de lhe conferir credibilidade.

            Relatou com detalhe as circunstâncias em que assistiu a atuações da requerente que evidenciavam distinção de tratamento entre os filhos, com concretização dos momentos temporais, motivos e circunstâncias, esclareceu a sua própria atuação diante da mesma e igualmente do requerido. (...)

           Toda esta prova concatenada, por si só, já tornava difícil, ou mesmo impossível, ignorar a existência de situações de tratamento diferenciado causadores de desconforto às crianças.

                Mas se dúvidas restassem, como se disse, é impossível ignorar os elementos clínicos.

            Repare-se que tanto a DD, como o CC, desde a primeiríssima consulta (a do CC a 08-11-2022, e a da DD a 23-11-2022) evidenciam precisamente a existência de atuações da requerente que os deixam desconfortáveis.

               A DD constantemente reporta sentir-se tratada de maneira distinta, referindo atuações da requerente que beneficiam os irmãos, em particular, a EE em seu detrimento. O culminar de tal sentimento verifica-se quando nas notas da consulta se constata que a DD, como elemento para ser feliz, refere “o amor da mãe”. Mais, não se diz.

                E tudo isto acaba por ser confirmado pelos elementos clínicos referentes às consultas do CC.

            Como decorre dos elementos clínicos do CC, este tem vindo a relatar frequentemente em consulta o assunto do tratamento diferenciado, em benefício da EE e em detrimento da DD, inclusivamente mesmo quanto a si, e de forma madura, relevando que é ele próprio beneficiado em relação à DD, revelando sentir-se incomodado com tal situação. Refletem tais notas o desconforto com tais eventos, referindo ainda que a mãe se descontrola emocionalmente.

               O CC desembocou na necessidade de acompanhamento de pedopsiquiatria.

               Dito isto, acrescente-se, que o Tribunal não ignora que se manifestou de forma evidente na prova produzida uma vivência complexa na relação do casal e em particular na adoção da DD, tendo-se tratado de um processo emocionalmente exigente pelas circunstâncias que o rodearam, tendo existido um período de adaptação difícil, necessitando a DD de particular apoio e atenção, sendo natural que decorra de tais circunstâncias um desgaste dos pais, tanto individualmente como enquanto casal.

           Aliás, essa dificuldade de lidar com a DD é já patente nos registos clínicos referente às consultas anteriormente realizadas, em 2018, motivadas pela questão da masturbação, que a própria requerente admitiu não ter conseguido lidar. Desses registos, denota-se já a complexidade da situação, com a requerente a reportar um comportamento “oposicionista” da DD, e as suas próprias dificuldades em lidar com o mesmo. Não se diagnosticou qualquer patologia à DD.

               Todavia, a verdade é que tais dificuldades não se podem refletir nas crianças, nem podem afetar o seu equilíbrio e bem-estar, como se denota que tem vindo a suceder, tanto com a DD, como com o CC, que assume as dores e a responsabilidade sobre a irmã.

            O envio de vídeos pelo CC ao requerido resulta não só das declarações do requerido, como dos vídeos juntos aos autos, como do depoimento da testemunha HH que tomou conhecimento de tal situação através do irmão.

            O mesmo com os desentendimentos com os colegas da escola, optando o CC por os confidenciar ao requerido, como confirmado pelo próprio e pela requerente.

               A partilha de confidencias é evidente: não só decorrente do envio dos vídeos, mas ainda das declarações do requerido, que descreveu aquilo que os filhos lhe vão relatando, e confidenciando, seja referente a preocupações do dia-a-dia, como seja as quezílias na escola, como os sentimentos relativamente aos eventos que vão ocorrendo nas suas vidas, inclusive em casa e na relação familiar.

               Quanto à EE, tanto das declarações do requerido como da requerente decorre a sua opção por ficar com a mãe, o que vai de encontro aos elementos clínicos juntos aos autos.

                Tudo o que sustentou a prova dos factos n.ºs 35 a 68.

           Quanto à opinião das crianças, manifestada perante este Tribunal, durante todo o tempo em que as mesmas sentiram necessário e quiseram partilhar, temos por dizer o seguinte.

            Apresentaram-se diante nós três crianças absolutamente distintas entre si, que manifestaram a sua opinião e vontade, e a qual fundamentaram nos moldes que infra nos reportamos.

               Adiante-se, o CC e a DD manifestaram preferência pelos Açores, e a EE por ....

                E fundamentaram-no.

           O CC, atualmente com 14 anos de idade, evidencia ser um jovem tímido, reservado, com um sentido de maturidade e responsabilidade absolutamente acima do que se vai assistindo em crianças da mesma idade.

                Esclareceu as suas vivências, a sua relação com o pai e com a mãe, o modo como encarou a separação e os eventos que têm vindo a ocorrer desde então. Assumiu plenamente a sua discordância com o comportamento da mãe perante a irmã DD, revelando uma atitude protetora, e de responsabilidade perante a irmã, quase compatível com a de um progenitor.

                Evidenciou sinais de tristeza e cansaço, com tal circunstância, mas ainda com a escola (a qual claramente evitou falar, sendo manifestamente um assunto que o deixava desconfortável).

                Manifestou mais à-vontade em confidenciar com o pai.

            Não teve qualquer hesitação em dizer que quer ir com o pai para os Açores, o que fez de forma sustentada no que acima se disse, evidenciando que ponderou tais assuntos, referindo que a única coisa que o fez pensar são os primos de França que vêm cá no Verão, mas que ainda assim prefere ir com o pai.

               Temos por dizer que a final, o CC numa outra manifestação de extremo sentimento de responsabilidade, questionou diretamente o Tribunal sobre os trâmites subsequentes, evidenciando preocupação no desfecho do assunto.

               Por seu turno, a DD, atualmente com 10 anos de idade, surge-nos como uma criança meiga, carinhosa, com vontade de falar, mas com evidente medo, o que foi notório na sua postura corporal, tendo estado durante toda a conversa de mão dada com a signatária, que ia apertando com frequência. Ao longo do seu discurso foi revelando uma maturidade acima da média, na medida em que revelou uma postura particularmente realista para a sua idade.

                Esclareceu as suas vivências, a sua relação com o pai e com a mãe, o modo como encarou a separação e os eventos que têm vindo a ocorrer desde então. Manifestou com tristeza a questão de se sentir tratada de maneira diferente, deu exemplos de situações concretas que a deixaram desconfortável e triste.

           Evidenciou medo em que o por si relatado fosse transmitido à mãe. Relatou uma relação difícil com a irmã EE e o sentimento de proteção com o irmão CC.

               Com uma certeza avassaladora, manifestou vontade de acompanhar o pai para os Açores.

           Por fim, a EE, atualmente com 10 anos de idade, teve inicialmente dificuldade em falar com o tribunal (agarrava-se ao pai, não saindo do seu colo), pouco tempo decorrido mudou radicalmente de postura. Apresentou-se como uma criança faladora, cheia de confiança, contrapondo razões e argumentando.

                Esclareceu as suas vivências, a sua relação com o pai e com a mãe, o modo como encarou a separação e os eventos que têm vindo a ocorrer desde então. Manifestou preferir que os pais estivessem juntos. Igualmente não teve dificuldade em manifestar mais facilidade em falar com a mãe. Disse chatear-se às vezes com os irmãos e que a DD diz mentiras, mas que nunca ouviu quais.

            Referiu primeiramente que quer ficar com a mãe e ir nas férias aos Açores, tendo ainda referido que também podia ser duas semanas com a mãe e uma com o pai.

                Manifestou que quer ficar com a mãe. Perguntado como seria com o pai, disse que a mãe disse que ia lá nas férias.

               Evitava falar mais prolongadamente sobre a irmã DD, mais dizendo que se a DD e o CC fossem com o pai e ficasse cá ficava mais ou menos triste.

               Não temos dúvidas da maturidade destas crianças, sendo certo que o CC e a DD ainda evidenciam uma maturidade acrescida relativamente à EE.

    Certo é que manifestaram a sua opinião, e fizeram-no de forma fundamentada e sustentada, explicando os motivos da sua opção, tudo o que relevou terem efetivamente ponderado o assunto.

                Dando-se assim por provados os factos n.ºs 102 e 103. (...)»

            9. A descrita análise crítica da prova afigura-se correta.

            Ouvida a prova pessoal, com especial destaque para a invocada na alegação de recurso, vejamos, pois, alguns excertos do que de relevante foi dito:

            - Declarações do requerido (13.7.2023):

           Transmitiu o comportamento/atuação da requerente, qualificando-o como “agressivo” sempre que se relacionava com a menor DD; “(...) situações em que havia conflitos, alguma maior dificuldade da mãe em lidar com certos comportamentos com a DD, e a minha relação sempre foi no sentido de interagir enquanto família, promovendo sempre que participássemos em atividades que é uma coisa que acaba sempre por nos unir e a partir de determinada altura começou a ser francamente mais acentuado esta diferença de tratamento e incapacidade até de se relacionar de uma forma saudável com a DD; (...) havia um não ligar ou um não participar muito em atividades de família digamos assim; (...) comportamentos com a DD estamos a falar na forma como são abordadas questões, por exemplo, quando existe um comportamento que é menos correto por parte dela a abordagem era e manteve-se extremamente ofensiva, agressiva, (...) a forma de falar era estou a falar contigo, estás-me a ouvir, isto durante um período de sei vinte minutos consecutivos em que perguntas sucessivas, sistemáticas, que não oportunidade de muitas vezes de resposta por parte da criança. Pronto, eu advertia-a, procurava, longe dos miúdos, corrigir, explicar isto não é forma (...). É preciso carinho, é preciso um abraço, é preciso um beijinho, isso não havia, isso foi crescendo. Portanto, comportamentos com a EE. (...) a mãe falava para a DD de cima para baixo, eu estou a falar contigo, estás a ouvir, a bater assim com o dedo, mas com força na cabeça, estou a falar contigo, estás a me ouvir, não respondes, coisas assim. (...) todo um discurso muito psicológico, muito duro, parece que não gostas de mim, não sei o que hei de fazer contigo, és uma mentirosa, eu tenho câmaras em casa, e eu vi, o teu nariz está a crescer. (...) iam para a cama, a DD e a EE partilhavam um quarto, por exemplo, e normalmente era a DD que se levantava da cama porque a EE dizia-lhe podes ir buscar não sei o quê, porque ela sabia que a mãe ia focar nela, e depois a mãe ia ao quarto, o que é que estás a fazer fora da cama, falei contigo, e a partir daí começava tudo, ´não, não fui eu`, por causa disto tentava justificar (...); este tipo de situações por vezes básicas e que é preciso repreender, e eu concordo com isso, de uma forma não tão ostensiva e é preciso que a criança no fim compreenda - eu gosto de ti, está tudo bem, mas vamos não tentar repetir; (...) notava-se um desligar, como disse pouco, de práticas em família, ir buscar os meninos à escola, ia o pai, apesar de estar alguns dias fora, mas seria apenas normal fazermos juntos, mostrar que somos fortes, começou a deixar de acontecer, atividades em família ao fim de semana, normalmente sábado era o dia de ir à piscina, é uma atividade boa, a piscina não tinha ninguém; (...) estas diferenças foram crescendo e foi um disparar de acontecer isto, foi uma videochamada em que a DD estava a falar comigo, ela estava triste, papá coiso e tal está tudo bem e tal, ela estava meio a chorar, mas o que é que se passa, ah, não me recordo bem, mas acho que foi a mamã está zangada comigo, e o que me chamou a atenção foi o ouvir um comentário por trás a dizer assim: ´então agora vais ficar a chorar feita estúpida?` E eu, pá, pera, ´vai à sala entrega o tablet à mamã, se faz favor, para eu falar` e, pronto, isto não pode ser, (...) a partir de certa altura houve a tomada de comportamentos de discrepância de comportamento, de diferenciação aquilo que é o carinho, a atenção e a repreensão gigante. (...) o processo de promoção e proteção iniciou quando a DD tinha um ano e seis meses (altura em que passou a residir com a requerente e o requerido); (...) penso que há, na minha opinião, um problema de rejeição da criança, das atitudes que são tidas, a forma como é falada por exemplo com a EE ou com o CC não é igual de todo; (...) ela nunca se terá identificado efetivamente com a DD, com os comportamentos que a DD possa evidenciar, mas que as crianças não são todas iguais, e portanto um processo de adoção é como ter um filho, compreende o termos de aceitar como as crianças são (...)”.

            Aludiu ao comportamento dos filhos, como vemos descrito nos autos (inclusive, nos elementos do processo de acompanhamento em consultas de psicologia clínica), referindo, nomeadamente, que o CC “defende” a DD e que, no seu relacionamento com a mãe, por vezes, “acaba no quarto trancado e não deixa a mãe entrar”.

            - Declarações da requerente: 

           Explicou, longamente, as circunstâncias dos procedimentos conducentes à adoção da DD. Referiu a “filha biológica” como “muito mais parecida comigo; (...) a DD tem um carácter mais vincado, por exemplo, ela é capaz de fazer dez asneiras... seguidas!, para chamar a atenção, para fazer isto, para fazer aquilo...; vamos lá a ver, a DD não é..., eu não quero fazer diferenças entre a DD e os outros, mas a verdade é que ela tem já um passado completamente diferente de uma criança que nasce normalmente, nove meses à espera..., os pais ali, não sei quê, não sei que mais..., é diferente, então, ela tem chamadas de atenção e acho que comportamentos que, necessita..., necessita de uma atenção diferente...; (...) a evolução foi, no início, foi complicado, não vou estar a mentir, (...) uma criança já é o que é, duas crianças é o que é, três... é o que é...; (...) mas as coisas foram evoluindo, porque os miúdos habituam-se entre eles..., toda a gente aprende a lidar e eu sei que a gente conseguiu isso...; (...) e, infelizmente, eu e o meu marido, a gente separa e isto está o caos..., mas a gente tinha conseguido!”; o CC “tem de saber distrair-se a ele próprio...”.

            - Testemunha GG (professora primária dos menores):

            O CC “é um menino muito reservado, muito tímido”; “(...) a EE é uma menina mais líder, gosta de dar nas vistas (...); a DD, não, é uma menina mais tímida, (...) muito meiguinha, (...) é uma menina amorosa (...) e quando as coisas lhe correm bem, fica maravilhada (...); eu achei, ao longo destes quatro anos, (...) como a EE é uma personalidade muito forte, (...) eu acho que a DD precisava de se afastar..., irem para turmas diferentes (o que chegou a transmitir à mãe/encarregada de educação), (...) mas elas concorreram ao ensino articulado, da música, (...) e os alunos que entraram para o ensino articulado têm de ficar todos juntos...; (...) na Páscoa, nem o pai nem a mãe não foram, (...) a avaliação tive de a enviar para casa;  (...) não senti isso (a necessidade de suscitar a intervenção do apoio da equipa multidisciplinar/acompanhamento psicológico); (...) a DD, eu pedi a nível de escola foi o apoio pedagógico (...), tinha mais dificuldades a matemática..., o apoio de um professor também da nossa escola;  (...) a EE, é uma menina..., sem dúvida...; (...) a DD tem um bocadinho..., eu não digo que ela não é feliz, mas pronto..., há ali, às vezes, assim, um bocadinho uma tristeza... (que deixava a depoente) preocupada com ela...”

            Numa determinada ocasião em que os alunos da turma foram convidados a formar grupos, tendo as menores DD e EE ficado em grupos diferentes, a EE confidenciou-lhe, “(...) já depois de eles saírem”, dizendo: “ó professora, eu não escolhi a DD, mas, se calhar, eu devia dizer o nome da minha mana para ficar comigo...; (...) se calhar era boa ideia ter escolhido a mana...”, revelando, assim, que “está a crescer...”.

            - Testemunha HH (irmã do requerido; frequentou as residências da requerente e do requerido):

            Referiu que a requerente AA dirigia-se à menor DD, de forma “agressiva”, chamando-a “estúpida de merda”, “és uma porca”, “mentirosa”, etc.

           “(...) A DD era a explicação para tudo o que corria mal naquele espaço familiar!; (...) total (desigualdade de tratamento dos três filhos, por parte da requerente), (...) em todo o género de situações”.

            10. Vejamos, agora, os concretos pontos de facto impugnados e a resposta a dar:

            - Relativamente aos factos 10) e 12), a própria recorrente (cf., v. g., “conclusões 11ª e 13ª”, ponto I., supra) admite existir erro/lapso na indicação do ano (2022); sabendo-se quando o requerido deixou de exercer funções nas “operações especiais”, importa retificar em conformidade.

           - Quanto ao ponto 13), a matéria em causa foi claramente explicada nas declarações prestadas pelo requerido em 13.7.2023 (principalmente, minutos 30 e 31), tal como consta da factualidade dada como provada.

           - No que concerne ao ponto 32), verifica-se que se encontra relacionado, pelo menos, com os dois pontos seguintes [por exemplo, no ponto 33), refere-se a redução de custos/gastos, designadamente, com as deslocações - os simples dados da experiência comum permitem concluir pelos “custos elevados com deslocações (...) tendo em conta a distância entre ... e ....”] e os pontos 87), 88) e 101) da factualidade provada; no mais, há que atender, principalmente, à “declaração” do Comando da Polícia Marítima junta aos autos pelo requerido e às declarações (complementares) por este prestadas.

           Resta, apenas, retificar e clarificar/sintetizar em conformidade. [17]

            - A sustentar a impugnação sobre os factos 35), 36), 40) a 44), 46), 53) a 60) e 65) a 68), diz a requerente/recorrente que “o tribunal valorou [indevidamente] os registos manuais das consultas de psicologia, sem inquirir a subscritora dos mesmos” e que não teve em conta “o teor do depoimento da testemunha HH, e ainda as declarações emitidas pela psicóloga, datadas de 27.3.2023, bem como a informação da audição técnica especializada e o depoimento da professora primária dos menores”.

           A recorrente afirma, e bem, que o Tribunal valorou “documentos clínicos (...) manuscritos por terceiros – a psicóloga que acompanhou os menores”, “(...) juntos aos autos pelo Centro de Saúde ..., (...) no dia 20.7.2023, (...) perante a recusa da psicóloga em depor, invocando o sigilo profissional”.

            Na verdade, consta da ata da sessão da audiência de julgamento de 17.7.2023, que a testemunha KK, psicóloga (à data, com domicílio em ..., Bulgária), afirmou “conhecer a requerente e o requerido por ter sido psicóloga no Centro de Saúde ... e ter acompanhado os filhos do casal”; porém, veio a invocar “estar sujeita ao sigilo profissional recusando-se por esse motivo a responder às questões colocadas”.

           De imediato, o requerido, através da sua Exma. Mandatária, “desistiu” da inquirição da testemunha e pediu que fosse solicitado “o relatório completo do acompanhamento destes menores”, por considerar “absolutamente fundamental saber o que se passou com estas crianças!”.

           Observado o contraditório (sem oposição), a Mm.ª Juíza proferiu o seguinte despacho: «Oficie ao Centro de Saúde ... com nota de muito urgente que sejam remetidos aos presentes autos os processos clínicos de acompanhamento psicológico das crianças CC, DD e EE, devendo constar todos os elementos que integram cada um dos processos, nomeadamente e sem prejuízo de outros, relatórios, consultas, marcações com os pais, advertências, desde que as crianças são acompanhadas em consulta de psicologia. / Vindo, notifique o Ministério Público e as partes para se pronunciarem no prazo de cinco dias.  (...)»

            O que existia no dito processo de acompanhamento psicológico dos três menores foi enviado ao Tribunal em complemento das declarações da Consulta de Psicologia datadas de 27.3.2023 e subscritas pela Psicóloga KK (estas, reproduzidas a fls. 8 a 10)[18].

            A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, nas descritas circunstâncias[19] e fazendo uso dos seus poderes-deveres em processo de jurisdição voluntária cuja natureza urgente declarara por despacho de 11.7.2023, veio a conjugar, de forma adequada e inteligente, todos os elementos ao seu dispor, extraindo daquelas declarações (datadas de 27.3.2023), da “Informação sobre audição técnica especializada” datada de 22.5.2023 e das aludidas “notas”[20] o que se revelava essencial para a boa compreensão da situação dos menores e seus progenitores. Fê-lo, pois, de uma forma que não nos suscita o menor reparo!

            Ademais, tais elementos foram conjugados com a prova pessoal produzida em audiência de julgamento, especialmente, as declarações dos progenitores e o depoimento da Senhora Professora Primária (depoimento que se crê essencial para a ponderação da questão da residência dos três menores).

            Salvo o devido respeito por entendimento contrário, não tem, assim, o menor fundamento dizer que, para dar como provados os factos em causa, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quolimitou-se a valorar com juízos valorativos desprovidos de qualquer ciência algumas das notas/apontamentos ali constantes”, sendo que, como afirma o requerido/recorrido na resposta à alegação de recurso, tais “documentos nunca foram alvo de qualquer impugnação e/ou incidente de falsidade, pelo que juntos nos autos, passam a poder ser livremente apreciados pelo tribunal ´a quo`, podendo [o Tribunal a quo] através da análise crítica dos mesmos, aliado às declarações dos progenitores, às declarações juntas pela psicóloga, opinião das 3 crianças e demais testemunhas relevantes, neste campo, como a testemunha PP (Professora das menores DD e EE), ou a testemunha HH (tia paterna dos 3 menores), ter decidido como decidiu (...)”.
            Concluindo: nenhuma violação houve por parte do tribunal a quo, quanto a esta valoração dos documentos juntos pelo Centro de Saúde ..., nos termos em que o fez, documentação que confirma, nomeadamente, as declarações dos progenitores, o assinalado tratamento desigual por parte da mãe/recorrente e os demonstrados efeitos nos filhos.

           - Por último, os factos 102) e 103) decorrem do que foi constantemente manifestado pelos menores e o que neles se encerra é ainda corroborado pelas declarações dos progenitores, conjugadas, principalmente, com os elementos do processo clínico de acompanhamento psicológico; as testemunhas HH e II (tios dos menores) também demonstraram ter conhecimento dessa realidade. Relevante, ainda, neste contexto, a matéria dada como provada em II. 1. 49), 62) e 72), supra, sendo que não ficou provado, por exemplo, o que consta das alíneas i), j) e k) (factualidade tida como não provada).

            11. Face ao exposto no ponto anterior, conclui-se que é correto o decidido e adequada a fundamentação apresentada pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, introduzindo-se, contudo, a seguinte retificação/clarificação aos pontos de facto 10), 12) e 32):

           - 10) O requerido é agente da Polícia Marítima, tendo exercido funções nas operações especiais até setembro de 2022.
           - 12) Em setembro de 2022, o requerido passou a exercer funções no Comando da ....
           - 32) Orequerido pediu transferência ao Comando-Geral da Polícia Marítima, para a A..., ilha ..., Região Autónoma dos Açores, para ali viver e exercer a profissão de agente da Polícia Marítima, no mínimo pelo período de quatro anos, por motivos financeiros e estabilidade profissional, o que também lhe propicia maior qualidade de vida (´v. g., estabilidade e disponibilidade de tempo para a família e convívios com os filhos).

           12. Podemos assim concluir que a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, elaborada pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, afigura-se correta, e apenas será de introduzir a mencionada retificação/clarificação.

           Na verdade, face à mencionada prova pessoal e documental, podemos dizer que a decisão de facto respeita a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, sendo que, até em razão da exigência de (especial) prudência na apreciação da prova pessoal[21], a Mm.ª Juíza não terá desconsiderado as regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[22]

           A Mm.ª Juíza analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, respeitando as normas/critérios dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º do CPC, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC, ex vi do art.º 33º do RGPTC).

13. Preceitua o n.º 1 do art.º 1878º, do CC[23], que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.

Segundo o art.º 1906°, n.º 5, do CC, o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.

E nos termos do n.º 8, do mesmo art.º[24], o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.[25] [26]

           14. A lei não define o que deva entender-se por interesse do menor, cabendo ao juiz em toda a amplitude que resulta daqueles preceitos legais identificar e definir, em cada caso, esse interesse superior da criança, por alguns já definido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”[27] ou como tratando-se de uma “noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral”.[28]

           15. As “responsabilidades parentais” não são “um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respetivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objetivo primacial de proteção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral”.[29]

            Estão, pois, em causa o exercício de poderes-deveres visando a promoção do interesse da criança, a que se reportam diversos normativos da lei ordinária (cf. ainda, v. g., os art.ºs 1885º, n.º 1 e 1918º, n.º 1, do CC, que estabelecem o dever dos pais de promoverem o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos e de não colocarem em perigo a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor), da Lei Fundamental (cf., v. g., os art.ºs 36º, n.º 5 e 69º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consagrando, o primeiro, o direito fundamental da criança à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral e, o segundo, o poder-dever dos pais de educação e manutenção dos filhos) e do Direito Internacional.

            16. A Mm.ª Juíza do tribunal a quo salientou, designadamente:

- Na fixação da residência o tribunal deverá orientar-se pela salvaguarda do superior interesse das crianças e atender a todas as circunstâncias que possam relevar em cada caso concreto, designadamente a idade, a existência de irmãos, os concretos vínculos afetivos e a figuras de referência, a disponibilidade demonstrada por cada progenitor para assegurar o desenvolvimento harmonioso da criança.

            - No que tange às competências dos progenitores enquanto pais, temos que globalmente revelam ter capacidade para assegurar de forma proficiente o bem-estar das crianças, o que têm vindo a fazer, a despeito das adversidades que tenham tido de ultrapassar, seja a nível pessoal ou profissional.

            - A DD e o CC mostram desconforto e tristeza com as reações da requerente; a DD passou a demonstrar esses sentimentos marcados pelo trato diferenciado relativamente à irmã EE, diretamente à recorrente.

            - O impacto emocional e no bem-estar que tal sentimento tem tido na DD é evidente, que recorrentemente refere tal situação, culminando com o desejo de “amor da mãe”.
            - A requerida mantém a sua postura quanto à DD e nada tendo feito ou demonstrado fazer para minimizar o sentimento da DD, nem o desconforto do CC, que se tem vindo a agravar (necessitando, agora, de apoio pedopsiquiátrico).
           - Não pondo em causa o acompanhamento da requerente e a sua preocupação com o bem-estar dos filhos, a verdade é que sobressai que neste momento se encontra afetado o equilíbrio psíquico e emocional dos filhos, em concreto da DD e do CC, levando a que estes procurem no pai o seu confidente e apoio, e sintam maior conforto com este.

           - Acresce a manifestação da opinião das crianças, perante o Tribunal e os próprios pais, mantendo o CC e a DD a vontade de acompanhar o pai aos Açores, tendo explicado os motivos subjacentes a tal vontade e que se prende precisamente com os sentimentos supra vertidos.

           - Quanto à EE, certo é que temos uma manifestação distinta, pretendendo ficar a residir com a requerente.
           Todavia, há fatores que impedem que tal corresponda ao seu superior interesse, nomeadamente, a validação dos comportamentos da EE pela mãe junto dos irmãos (o referido tratamento diferenciado), que atinge já a DD em ambiente escolar (cf. depoimento da testemunha GG); esta, fora da sala de aulas, afasta-se dos seus colegas para se juntar a outras crianças, tendencialmente mais desfavorecidas e/ou mais isoladas, e/ou mais pequenas em idade; por outro lado, a separação dos irmãos é frontalmente contrária ao seu superior interesse - já sofreram e sofrem com a separação do casal, que não deixa de constituir uma separação da família com reflexos nas crianças; importa, assim, proteger o núcleo familiar que inclui estas três crianças.
           - Não se separam irmãos, em que a salvaguarda do seu vínculo familiar e emocional já se encontra fragilizado com a separação do casal; atentas as idades das crianças, existe já um relacionamento duradouro, reforçando-se os laços entre os três irmãos, em especial da EE com a DD e da EE com o CC (permitindo ainda ao CC atenuar a posição protetora e de responsabilidade que assumiu perante as irmãs, e a construção de uma relação da fratria mais harmoniosa e serena).

           - Tais circunstâncias evidenciam que a fixação de residência junto do pai é a solução que melhor salvaguarda o superior interesse destas crianças neste momento, primordialmente o seu equilíbrio psicológico e emocional.

            - E nada obsta a tal conclusão tratar-se de uma mudança para os Açores, porquanto as crianças poderão manter as mesmas condições e rotinas que tinham em ...; e continuar os seus estudos, ingressando no próximo ano letivo nas respetivas escolas nos Açores, onde já têm vaga assegurada; se a DD e a EE assim o pretenderem, poderão igualmente enveredar pela área da formação musical, uma vez que têm disponível o acesso ao Conservatório de Música; quanto a atividades extracurriculares, poderão manter as já existentes e terão à sua disposição outras relacionadas com o mar.

           - A proximidade de serviços essenciais e a facilidade de deslocação entre a residência, o local de trabalho do progenitor e a escola, assegurando períodos de convivência superiores, não só com o progenitor, como entre irmãos.

           - O apoio prestado pelos amigos e colegas do progenitor - instituído na comunidade - assegura qualquer necessidade urgente; residem todos próximos, porta com porta, na mesma situação laboral, e existindo outras crianças com quem os menores conviverão.

           - Quanto ao CC e a DD, a ida para os Açores evidencia-se como uma possibilidade de cessar com o tendencial isolamento que apresentam e a oportunidade de construir novas relações num novo ambiente liberto de pressões, preconceitos ou histórias pregressas.

            - Quanto à EE, sendo certo que tem amigos na escola onde tem estado, atenta a sua personalidade tal alteração não será prejudicial - sendo particularmente sociável e confiante, não se afigura que uma nova escola, como sempre sucederia, uma vez que ia mudar de turma (para o 5º ano), seja impedimento à criação de novas amizades.

           Concluiu, depois, que, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, a fixação da residência das crianças CC, DD e EE junto do progenitor, é a solução que melhor salvaguarda o seu superior interesse, tendo em vista o seu desenvolvimento sadio e harmonioso e o seu equilíbrio emocional, a solução que mais se adequa ao superior interesse dos três menores.

           17. A descrita fundamentação, no sentido da fixação da residência dos menores junto do pai, revela adequação, razoabilidade e bom senso; os elementos disponíveis, dizem-nos, claramente, que o requerido está verdadeiramente comprometido com o crescimento saudável e harmonioso dos filhos, a todos os níveis - na família, na escola e na comunidade - e, estes, devem crescer juntos, em benefício da sua estabilidade emocional e adequada estruturação da personalidade.[30]

           E tudo nos diz que os menores, e o pai, passarão a ter uma maior qualidade de vida, propiciada por uma acrescida disponibilidade de tempo para a família e convívios.

            18. No recurso, não se questiona o decidido sobre o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das crianças (por ambos os progenitores, nos termos previstos no art.º 1906º, n.º 1, do CC) e aos atos da vida corrente (caberá ao progenitor que com as crianças se encontre – art.º 1906º, n.º 3, do CC), bem como o regime do convívio/contactos com a progenitora e a prestação de alimentos.

19. Soçobram, desta forma, as (demais) “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais.


*

            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida (com a retificação/clarificação aos pontos de facto indicados em II. 11., supra).  

            Custas pela requerente/apelante.


*

24.01.2024


[1] Recurso admitido «a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo».
[2] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.

[3] Acolhendo, diga-se, a Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26.01.1990 (aprovada, para ratificação, por resolução da AR n.º 20/90, de 12.9) e que consigna, no seu art.º 12º, que Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade (n.º 1). Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja diretamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional (n.º 2).

   Foi também ratificada a Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos das Crianças que estabelece:

   - A presente Convenção aplica-se a menores de 18 anos (art.º 1º, n.º 1). A presente Convenção, tendo em vista o superior interesse das crianças, visa promover os seus direitos, conceder-lhes direitos processuais e facilitar o exercício desses mesmos direitos, garantindo que elas podem ser informadas, diretamente ou através de outras pessoas ou entidades, e que estão autorizadas a participar em processos perante autoridades judiciais que lhes digam respeito (n.º 2). Para efeitos da presente Convenção, entende-se por processos perante uma autoridade judicial que digam respeito a crianças, os processos de família, em particular os respeitantes ao exercício das responsabilidades parentais, tais como a residência e o direito de visita às crianças (n.º 3).

   - À criança que à luz do Direito Interno se considere ter discernimento suficiente deverão ser concedidos, nos processos perante uma autoridade judicial que lhe digam respeito, os seguintes direitos, cujo exercício ela pode solicitar: a) Obter todas as informações relevantes; b) Ser consultada e exprimir a sua opinião; c) Ser informada sobre as possíveis consequências de se agir em conformidade com a sua opinião, bem como sobre as possíveis consequências de qualquer decisão (art.º 3).

   - Nos processos que digam respeito a uma criança, a autoridade judicial antes de tomar uma decisão deverá: a) Verificar se dispõe de informação suficiente para tomar uma decisão no superior interesse da criança e, se necessário, obter mais informações, nomeadamente junto dos titulares de responsabilidades parentais; b) Caso à luz do Direito Interno se considere que a criança tem discernimento suficiente: - Assegurar que a criança recebeu toda a informação relevante; - Consultar pessoalmente a criança nos casos apropriados, se necessário em privado, diretamente ou através de outras pessoas ou entidades, numa forma adequada à capacidade de discernimento da criança, a menos que tal seja manifestamente contrário ao interesse superior da criança; - Permitir que a criança exprima a sua opinião; c) Ter devidamente em conta as opiniões expressas pela criança. (art.º 6º).
[4] Ibidem.
[5] Vide Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra, 1982, págs. 400 e 401.

[6] Cf. o acórdão da RL de 24.6.2010-processo 461/09.2TBAMD.L1-6, publicado no “site” da dgsi.
[7] Isto é, no dizer da lei, tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (art.º 988º, n.º 1, 2ª parte, do CPC).
[8] Cf. o acórdão do STJ de 31.01.2019-processo 3064/17.4T8CSC-A.L1.S1, publicado no “site” da dgsi.

[9] Veja-se, a propósito, o acórdão da RP de 04.11.2013-processo 10588/10.2TBVNG.P1 [assim sumariado: I - Os direitos dos menores consagrado no art.º 180º da OTM e no art.º 1878º, n.º 1 do Código Civil, tutelados igualmente no art.º 69º da Constituição da República Portuguesa – direito à infância, indubitavelmente prevalecem sobre interesses e direitos dos seus progenitores. II - É inerente à natureza humana que um pai, ou uma mãe, concedam os seus próprios interesses em beneficio da estabilidade emocional e psicológica do filho. III - Não se trata, sequer, de abdicar dos seus direitos, mas, primordialmente, de cumprir os seus deveres. IV - Ser pai, ou mãe, é também manifestar naturalmente este comportamento, sacrificando os seus naturais sentimentos e anseios, em homenagem aos direitos fundamentais de uma criança crescer com segurança e apoio nas suas referências primeiras como são os comportamentos dos progenitores no que à sua própria pessoa respeita], publicado no “site” da dgsi.
[10] E podemos, porventura, lembrar as palavras de um filósofo-poeta da segunda metade do Séc. XIX, que dizia que “a criança é inocência e olvido, novo começar, jogo, roda que se move por si própria, primeiro móvel, afirmação santa.
[11] De resto, o âmbito/objeto e a forma da audição dos menores haviam sido adequadamente definidos e explicitados no despacho de 17.3.2023 (reproduzido a fls. 3-A).

[12] Cf., nomeadamente, o acórdão da RL de 06.6.2019-processo 3573/14.7T8FNC-C.L1-6 [assim sumariado: «I. A audição da criança para ser ouvida com vista a emitir a sua opinião (art.º 5º, n.ºs 1 e 2) não se confunde, com a audição para tomada de declarações para efeitos probatórios (art.º 5º, n.ºs 6 e 7). II. A audição da criança para livremente exprimir a sua opinião (n.º 1, do art.º 5º), não está sujeita às regras enunciadas nos n.ºs 6 e 7, do mesmo art.º 5º, do RGPTC, designadamente, a uma inquirição - pelo Juiz, com perguntas adicionais pelo Ministério Público e advogados – gravada mediante registo áudio ou áudio visual.»], publicado no “site” da dgsi.

[13] Com o seguinte teor: «Vieram ambas as partes requerer a audição das crianças. / Estatui o artigo 5º, n.º 1, do RGPTC, que a criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse. / As três crianças foram ouvidas no dia 18-4-2023, aquando da designação de data para conferência de pais, no exercício do seu direito de audição, onde manifestaram a sua opinião. / Face ao exposto, por tal diligência ter sido efetuada e não se vislumbrar, por ora, necessidade de sujeição das crianças a nova audição, indefere-se o requerido

[14] Assim, também, na resposta do recorrido/requerido à alegação de recurso “(...) nada mais foi pedido, por nenhuma das partes, até ao encerramento da última sessão de julgamento”.

[15] Por exemplo, quanto ao depoimento da testemunha JJ, indicou-se, apenas - e, aparentemente, à margem da impugnação da decisão relativa à matéria de facto... -, «Minutos 00:00:02 a 00:45:48», ou seja, todo o depoimento... (cf. fls. 58), sem qualquer concretização dos excertos tidos como relevantes.
[16] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[17] Porquanto toda essa realidade poderá/deverá ser englobada e sintetizada, neste ponto 32) dos factos provados, ao abrigo do disposto no art.º 662º, n.º 1, do CPC, ex vi do art.º 33º do RGPTC.
[18] Os elementos em causa - juntos ao processo eletrónico - foram notificados às partes e demais intervenientes processuais, em 20.7.2023; na sequência da notificação, não houve pronúncia, formal, sobre o seu teor.

   O Coordenador da UCSP de ..., no ofício (de 19.7.2023) enviado ao Tribunal a quo, juntando as referidas cópias, referiu: «Em cumprimento ao que nos foi solicitado (...) e com o conhecimento da Dr.ª KK, psicóloga que acompanhou os menores (...), transferimos cópia dos registos manuais das consultas realizadas. A referida psicóloga suspendeu a sua atividade na ULSCB em junho do corrente ano e passou a residir fora do país, estando por isso impossibilitadas de lavrar os requeridos relatórios. Disponibilizou-se, contudo, para, se o Tribunal assim o entender, participar por vídeo conferência se o testemunho for necessário.” (sublinhado nosso)
[19] E porventura levando ainda em conta o teor do ofício do UCSP de ..., de 19.7.2023, citado na “nota 18”, supra.
[20] E a recorrente/requerida mencionou-as, amiúde, no derradeiro ponto da sua alegação de recurso.
[21] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 277.
[22] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e A. Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.
[23] Na redação conferida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10.
[24] Na renumeração da Lei n.º 65/2020, de 04.11.

[25] Estatuição que faz lembrar os Princípios 2 e 8 da Recomendação n.º R (84) sobre as responsabilidades parentais, adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 28.02.1984, na 367ª reunião dos Delegados Ministeriais, e que havia sido preparada pelo Comité de Peritos sobre o Direito da Família instituído sob os auspícios do Comité Europeu de Cooperação Jurídica - Qualquer decisão da autoridade competente relativa à atribuição das responsabilidades parentais ou ao modo como essas são exercidas, deve basear-se, antes de mais, nos interesses dos filhos. O progenitor com quem a criança não reside deve, pelo menos, ter a possibilidade de manter relações pessoais com o filho, exceto quando essas relações prejudiquem seriamente os interesses deste.
[26] Regime aplicável a progenitores que, tendo vivido em condições análogas às dos cônjuges, cessem a sua convivência, assim como a progenitores que não vivam (nem viveram) em condições análogas às dos cônjuges - art.ºs 1911º e 1912º do CC (redação introduzida pela Lei n.º 5/2017, de 02.3).

[27] Vide Almiro Rodrigues, Interesse do Menor – Contributo para uma Definição, Revista de Infância e Juventude, n.º 1, 1985, págs. 18 e seguinte.
[28] Vide Rui Epifânio e António Farinha, Organização Tutelar de Menores – Contributo para uma visão interdisciplinar do direito de menores e de família, Almedina, 1987, pág. 326.
[29] Vide Armando Leandro, Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária, Temas do Direito da Família – Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Almedina, pág. 119.

[30] Cf., de entre vários, o acórdão da RC de 02.6.2009-processo n.º 810/08.0TBCTB.C1 [sumariando-se: «1. O critério essencial a ter em conta na regulação do poder paternal (exercício das responsabilidades parentais) é o do interesse do menor; 2. A lei não fornece uma noção de interesse do menor, tratando-se de um conceito indeterminado que terá ser concretizado, em conformidade com as orientações legais sobre o conteúdo do poder paternal (responsabilidades parentais), designadamente as respeitantes à segurança e saúde do menor, ao seu sustento e educação, ao seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, à sua instrução geral e profissional, à auscultação da sua opinião, de acordo com as suas idade e maturidade, e à sua autonomização progressiva; 3. A escolha do progenitor a quem o menor deve ser confiado deve recair no que esteja em melhores condições de lhe assegurar um desenvolvimento sadio, a nível físico, psíquico, afetivo, moral e social, bem uma correta estruturação da personalidade; 4. Em regra, os irmãos devem crescer juntos, sendo isso relevantíssimo para a sua estabilidade emocional e adequada estruturação da personalidade, pelo que a possibilidade de os reunir deve ser ponderada na escolha do progenitor a quem devem ser confiados. (...)»], publicado no “site” da dgsi.