Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2179/14.5TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO
INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÃO LEGAL
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 11, 186 Nº2, 2 D) E F), Nº 3ª) CIRE
Sumário: I - Visto o disposto no artigo 11.º do CIRE, a decisão de qualificar a insolvência como culposa pode assentar em factos diversos dos constantes no parecer do administrador da insolvência.

II – A falta de pagamento de rendas, de contribuições à segurança social e de impostos à Fazenda Nacional nos últimos seis meses tem, aos olhos do CIRE, o significado de um indício de insolvência da sociedade devedora (subalínea i), ii) e iv) da alínea g) do n.º 1 do artigo 20.º), ainda que o devedor cumpra outras obrigações suas.

III - A alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE contém uma presunção iuris tantum de insolvência culposa.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

O administrador da insolvência da sociedade G (…), Lda apresentou parecer no sentido de a insolvência ser qualificada como dolosa e de serem afectados por tal qualificação JC (…) sócio e gerente da sociedade, e JF (…).

Declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência, os autos foram com vista ao Ministério Público, que declarou a sua concordância com o parecer do administrador da insolvência.

A sociedade declarada insolvente, JC (…) e JF (…) foram, respectivamente, notificada e citados para se oporem à qualificação da insolvência como culposa.

JF (…) opôs-se à sua afectação pela qualificação da insolvência dizendo, em síntese, que não tinha legitimidade para o incidente e que, em todo o caso, devia ser absolvido de qualquer responsabilidade relativamente a eventuais actos culposos que tenham afectado o património social.

JC (…) opôs-se pedindo a sua absolvição de que qualquer responsabilidade na insolvência culposa da devedora.

O processo prosseguiu os seus termos e após a audiência final foi proferida sentença que decidiu:
1. Qualificar a insolvência da sociedade como culposa;
2. Declarar o gerente da insolvente, JC (…), afectado pela qualificação da insolvência;
3. Considerar que a culpa revestia a modalidade de culpa dolosa;
4. Decretar a inibição do requerido JC (…) para administrar patrimónios de terceiros, por um período de 3 (três) anos, a contar da data do trânsito em julgado da sentença;
5. Decretar a inibição do requerido JC (…) para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de 3 (três) anos, a contar da data do trânsito em julgado da presente sentença;
6. Determinar a perda, pelo requerido JC (…), de qualquer crédito eventualmente reclamado pelo mesmo sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente;
7. Condenar o requerido JC (…), no pagamento de indemnização a favor dos credores, indemnização, esta, correspondente ao valor dos créditos não satisfeitos, reclamados e reconhecidos pelo administrador da insolvência aos mesmos, no âmbito do apenso de reclamação de créditos, até às forças do respectivo património, e relegar para liquidação de sentença a quantificação dos prejuízos sofridos, fixando como critério a usar na futura quantificação deles, a diferença entre o valor global do passivo da insolvente e o que o activo possa vir a cobrir;
8. Absolver o requerido JF (…)do pedido da sua afectação com a dita declaração da insolvência como culposa.

JC (…) não se conformou com a sentença que qualificou a insolvência como culposa e interpôs o presente recurso de apelação.

Imputou à sentença a errada interpretação e aplicação do artigo 186.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas d) e f), e n.º 3 alínea a), do mesmo artigo.

Pediu a revogação e a substituição da sentença por acórdão que declarasse como fortuita a insolvência da sociedade T (...) , Lda.    

O Ministério Público respondeu, pedindo se julgasse improcedente o recurso.


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A questão suscitada pelo recurso é a de saber se a sentença, ao qualificar a insolvência como culposa, fez errada interpretação e aplicação do artigo 186.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas d) e f), e n.º 3 alínea a), do CIRE.

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Não tendo havido impugnação da decisão relativa á matéria de facto e não havendo razões para a alterar oficiosamente, consideram-se provados os seguintes factos discriminados na sentença:
1. G(…), Lda., sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de (...) , com o NIPC (…) foi constituída em 15.06.2010, com sede na (...) , cujo objecto social consiste na produção, concepção e gestão de eventos culturais, sociais, desportivos, recreativos e artísticos; actividades de restauração e de bebidas, nomeadamente restaurante e bar; ensino desportivo, recreativo e cultural; comércio e aluguer de produtos e equipamentos relacionados com as actividades; administração e gestão de condomínios; produção audiovisual; animação publicitária e produção de eventos de animação de espaços, com o capital social de € 5.000,00, dividido em duas quotas, no montante, cada uma, de € 2 500,00, uma pertencente a J (…), e outra a N (…)nomeados gerentes.
2. Em 15.03.2012, foi registada a transmissão da quota no valor de € 500,00, então pertencente J (…), para JC (…)
3. Em 15.03.2012, foi registada a transmissão da quota no valor de € 2.000,00, então pertencente N (…), para JC (…)
4. Em 15.03.2012, foi registada a transmissão da quota no valor de € 2.500,00 então pertencente a J (…), para D (…)
5. Em 22.08.2012, foram designados como gerentes da sociedade G (…), Lda., JC (…), e D (…)
6. Em 13.03.2013, foi registada a transmissão da quota no valor de € 2.500,00 pertencente a D (…), para JC (…) e averbada a cessão de funções de gerência daquela, por renúncia.
7. Em 26.03.2014, foram unificadas as quotas nos valores de € 2.500,00, € 2.000,00, e € 500,00, numa quota única de € 5.000,00, titulada por JC (…), gerente, e na mesma data alterado o contrato de sociedade para sociedade unipessoal por quotas, que passou a adoptar a firma G (…), Lda., e alterada a sede da sociedade para G (…) (...) , mantendo-se inalterado o seu objecto social, tendo sido nomeado seu gerente JC (…)
8. Em 26.08.2014, J (…), então trabalhador da ora insolvente, requereu judicialmente a declaração de insolvência da mesma, que deu origem aos autos de insolvência que correm termos neste Tribunal com o nº 2179/14.5TJCBR, aos quais os presentes autos se encontram apensos.
9. Citada nos autos de insolvência, deduziu a requerida oposição ao pedido de declaração de insolvência.
10. Após, foi nesses autos de insolvência proferida sentença em 17.03.2015, transitada em julgado, que declarou em situação de insolvência a requerida G (…), Lda.
11. Na referida sentença deram-se como provados, ademais, os seguintes factos:
a) A requerida dedica-se ao exercício da indústria hoteleira, designadamente à actividade de exploração de actividade de restauração e bebidas (ponto 3. dos factos provados);
b) A principal actividade desenvolvida pela requerida era a exploração do estabelecimento conhecido como “Esplanada Bar/Café K (...) ”, sito na (...) , o qual lhe havia sido adjudicado pela Câmara Municipal de (...) e cuja exploração havia iniciado em Fevereiro de 2013 (ponto 4. dos factos provados);
c) O requerente foi admitido ao serviço da requerida em 22 de Fevereiro de 2013, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de empregado de mesa de 2ª no estabelecimento conhecido como “Esplanada Bar/Café K (...) ”, auferindo de retribuição mensal base € 530,00 (ponto 5. dos factos provados);
d) Em comunicação datada de 5 de Março de 2014, o requerente interpelou a requerida porquanto no dia 4 desse mês, quando se apresentou para trabalhar deparou-se com o estabelecimento encerrado, estando no mesmo funcionários da Câmara Municipal de (...) , acompanhados de elementos da Polícia Municipal, a proceder ao encerramento do estabelecimento (ponto 7. dos factos provados);
e) Em resposta, a requerida comunicou ao requerente o fim da concessão e a tomada de posse administrativa do estabelecimento designado por “ K (...) ” pela Câmara Municipal de (...) , referindo que “… não estão actualmente reunidas as condições para que o referido estabelecimento possa continuar a ser explorado pela empresa G (…), Lda.” (ponto 8. dos factos provados);
f) Em 4 de Março de 2014, o Município retomou a posse do espaço conhecido como “Esplanada – Bar/Café K (...) ” (ponto 9. dos factos provados);
g) A requerida fez cessar o contrato de trabalho que tinha com o requerente com fundamento em “Impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber” (ponto 11. dos factos provados);
h) O local onde o requerente trabalhava foi encerrado (ponto 12. dos factos provados);
i) O requerente aguardou que a requerida lhe distribuísse trabalho, uma vez que a requerida explora outro estabelecimento e a empresa não encerrou definitivamente (ponto 13. dos factos provados);
j) A requerida deve ao requerente a indemnização em substituição da reintegração (ponto 15. dos factos provados);
k) A requerida deve, também, ao requerente a retribuição do mês de Fevereiro de 2014, no montante ilíquido de € 618,86, bem como as férias vencidas a 01.01.2014, no montante de € 530,00, os proporcionais de férias de 2014, no montante de € 96,36 (ponto 16. dos factos provados);
l) Na mesma situação do requerente encontram-se três outros ex-trabalhadores da requerida: 1) A (…), empregado de mesa, admitido na mesma data do requerente, com retribuição mensal de € 530,00; 2) E (…), empregado de mesa, admitido na mesma data do requerente, com retribuição mensal no montante de € 530,00; 3) D (…) empregado de mesa, com retribuição mensal de € 530,00 (ponto 19. dos factos provados);
m) A todos os referidos ex-trabalhadores a requerida deixou de atribuir trabalho em 04.03.2014 e deve a retribuição do mês de Fevereiro de 2014, as férias vencidas a 01.01.2014, os proporcionais de férias do ano de 2014 e a formação profissional exigida por lei (ponto 20. dos factos provados);
n) A requerida deixou de explorar o estabelecimento que constituía a sua maior fonte de rendimentos/receitas (ponto 21. dos factos provados);
o) Foi tornado público e divulgado na Comunicação Social que a tomada de posse administrativa pela Câmara Municipal de (...) do estabelecimento K (...) deriva da resolução do contrato por falta de pagamento de rendas da requerida à Câmara Municipal de (...) , cuja dívida, em Novembro de 2013, ascendia a cerca de € 100.000,00 (ponto 22. dos factos provados);
p) A requerida ainda não liquidou a dívida à Câmara Municipal de (...) (ponto 23. dos factos provados);
q) A requerida deve à Segurança Social a quantia de € 32.973,12 e à Autoridade Tributária e Aduaneira a quantia de € 2.089,25 (ponto 24. dos factos provados).
12. No relatório elaborado pelo administrador da insolvência, nos termos do art.º 155º do CIRE, junto aos autos principais, consignou o mesmo, ademais: “A empresa apresenta um quadro de falência, com impossibilidade de solver os seus compromissos no curto e médio prazo. Não existe autonomia financeira. Não existe liquidez. (…) A insolvente não tem actividade. (…) A informação recolhida é bastante para concluir que o passivo acumulado pela Requerida é de tal montante que qualquer possibilidade de manutenção da actividade da empresa é, de todo, impossível. Atenda-se, desde logo à inexistência de património de valor suficiente para permitir qualquer iniciativa de manutenção/retoma de actividade, mas também ao facto de a Insolvente já não laborar, a que acresce ainda a crise económico-financeira do país (…)”.
13. Na Assembleia de Credores a que alude o art.º 156º do CIRE, foi proferido despacho determinando a passagem imediata à fase da liquidação, e o encerramento do estabelecimento da insolvente nos termos do art.º 156º, n.º 2, do CIRE.
14. O administrador da insolvência nomeado juntou, no Apenso de Reclamação de Créditos, lista elaborada nos termos do art.º 129º do CIRE, reconhecendo créditos no montante total de € 329.004,67.
15. Foram reclamados e reconhecidos créditos laborais.
16. Foram reclamados e reconhecidos créditos da Segurança Social no montante global de € 33 878,79, referentes a contribuições incidentes sobre remunerações pagas aos trabalhadores ao serviço da insolvente, sendo o montante de € 33 878,79 crédito de natureza privilegiada e o montante de € 59,71, de natureza comum.
17. Foram reclamados e reconhecidos créditos da Fazenda Nacional, no montante global de € 2.104,89, referentes a IRC e IVA, sendo o montante de € 115,54 crédito de natureza comum, e o montante de € 1.989,35, de natureza privilegiada.
18. Foi reclamado e reconhecido ao Município de (...) , um crédito no montante de € 174.220,49, de natureza comum, sendo o montante de capital no montante de € 166.751,83.
19. Para além do estabelecimento conhecido como “Esplanada – Bar/Café K (...) ”, a ora insolvente explorava igualmente um estabelecimento de restauração e bebidas, sito na (...) , denominado Restaurante “ Y (...) ”.
20. Para a instalação desse estabelecimento era necessário proceder a obras de remodelação e qualificação.
21. Com vista à instalação e exploração desse estabelecimento comercial, a ora insolvente na pessoa dos seus então sócios e gerentes, JC (…) e D (…), decidiu proceder a obras de qualificação do espaço, que custeou, de montante não concretamente apurado.
22. J (…) e D (…), então sócios e gerentes da ora insolvente, em nome e em representação desta, contrataram a empresa S (...) , Lda. para proceder à realização de tais obras.
23. A sociedade S (…), Lda, iniciou as obras em referência em data não concretamente apurada do ano de 2012, procedendo à sua realização de forma faseada, nunca as tendo concluído na íntegra, tendo entregado a obra à ora insolvente em data não concretamente apurada de finais do ano de 2013.
24. P (…), S.A., é uma sociedade comercial anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de (...) , com o (….)constituída em 15.01.2014, com sede na (...) , com o capital social de € 50.000,00, cujo objecto social é a exploração de restaurante tipo tradicional; exploração de café, bar e bebidas, pastelaria e casa de chá, exploração de estabelecimento de bebidas e de dança, com ou sem espectáculo, confecção de refeições a levar para casa e para eventos; comercialização de produtos alimentares, bebidas e tabaco; comércio a retalho em bancas, feiras e entidades móveis de venda de outros produtos; comércio por grosso de bebidas alcoólicas, açúcar, chocolate e produtos de confeitaria e outros jogos de aposta; gestão de instalações desportivas e actividades de ginásio; administração de condomínios; aluguer de bens recreativos e desportivos; aluguer de outras máquinas e equipamentos; actividade de manutenção e plantação de jardins; actividades educativas de ensino desportivo e recreativo e de serviço de apoio a educação, tendo sido nomeado como seu administrador único, Filipe José Duarte Rodrigues.
25. Em 26.03.2014, foi averbada na matrícula dessa sociedade a mudança da sua sede social para G (…). (...) , a mesma da ora insolvente.
26. R (…), Lda., é uma sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de (...) , com o (…) constituída em 21.05.2014, com sede em (...) , com o capital social de € 5.000,00, cujo objecto social é actividades de restauração e hotelaria, nomeadamente restaurante tipo tradicional, cafés, snack bares, bares; estabelecimento com e sem espaço para dança, e confecção de refeições prontas a levar para casa; fornecimento de refeições para eventos; comércio e representações de produtos alimentares, bebidas, tabaco, brindes publicitários, utilidades domésticas, produtos de higiene e afins; exploração de mini mercado e supermercado; comércio em bancas, feiras e entidades móveis de venda; exploração de máquinas de vending; gestão e exploração de instalações desportivas e ginásio; aluguer de bens e equipamentos recreativos e desportivos; ensino desportivo e recreativo; exploração de locais de alojamento; exploração de parques de campismo e de caravanismo; actividades de tempos livres e campos de férias; actividades das artes do espectáculo; organização e produção de eventos; organização de actividades de animação turística; agenciamento de artistas; registo de jogos autorizados pela Santa Casa da Misericórdia; actividades de plantação e manutenção de jardins.
27. O seu capital social, no montante de € 5.000,00, é titulado por uma quota única de € 5.000,00, pertencente a JF (…) nomeado seu único gerente.
28. A ora insolvente vendeu à sociedade P (…) SA., todo o seu imobilizado, pelo preço global de € 100.190,29.
29. Tal venda foi titulada pelas seguintes facturas emitidas pela ora insolvente em nome de P (…), S.A.:
a) Factura nº 9, no valor de € 694,95, com IVA incluído, com data de emissão de 26.02.2014, e vencimento em 08.03.2014;
b) Factura nº 10, no valor de € 48.900,37, com IVA incluído, com data de emissão de 26.02.2014, e vencimento em 08.03.2014;
c) Factura nº 11, no valor de € 50.594,97, com IVA incluído, com data de emissão de 26.02.2014, e vencimento em 08.03.2014.
30. Para pagamento do preço da factura nº 9 e pagamento parcial do preço da factura nº 10, P (…) SA., transferiu para a ora insolvente, em 24.02.2014, a quantia de € 5.000,00, tendo a ora insolvente emitido o correspondente recibo de quitação em 26.02.2014.
31. Para pagamento do preço da factura nº 10, P (…), SA., transferiu para a ora insolvente, em 27.02.2014, a quantia de € 14.593,32, tendo a ora insolvente emitido o correspondente recibo de quitação em 27.02.2014.
32. Para pagamento do preço da factura nº 10, P (…), SA., transferiu para a ora insolvente, em 10.03.2014, a quantia de € 15.000,00, tendo a ora insolvente emitido o correspondente recibo de quitação em 10.03.2014.
33. Para pagamento do preço da factura nº 10, P (…), SA., transferiu para a ora insolvente, em 19.03.2014, a quantia de € 15.000,00, tendo a ora insolvente emitido o correspondente recibo de quitação em 20.03.2014.
34. P (…), SA., e a ora insolvente, no acto devidamente representadas, respectivamente, pelo seu administrador de direito, e gerente, subscreveram um documento intitulado “Contrato de Aluguer de Equipamento”, no qual a primeira figura como locadora e a segunda como locatária.
35. Nesse escrito, P (…), SA., declarou “ser dona e legítima proprietária do equipamento melhor identificado no Anexo I, actualmente instalado no café/bar “ K (...) ”, sito na (...) ” (cfr. cláusula 1ª).
36. “E que pelo presente aceita dar de aluguer e a locatária aceita tomar de aluguer o equipamento referido no artigo anterior, melhor discriminado no Anexo I ao presente contrato “ (cfr. cláusula 2ª).
37. Nos termos da cláusula 3ª, § 1º desse escrito, o contrato teria a duração global de três anos, renovável automaticamente por períodos de um ano, sem prejuízo da possibilidade de oposição à renovação.
38. Na cláusula 4ª§ 1º desse escrito, fixaram as partes o valor mensal do aluguer da quantia de € 3.700,00, acrescida de IVA, a pagar até ao último dia do mês a que dissesse respeito.
39. Nesse escrito consignou-se: “O presente contrato foi celebrado em (...) , a 29 de Janeiro de 2014 em dois exemplares com duas páginas e um Anexo I, que fazem igualmente fé, ficando um em poder de cada uma das partes”.
40. P (…), SA., e a ora insolvente, no acto devidamente representadas, respectivamente, pelo seu administrador de direito, e gerente, subscreveram um documento intitulado “Acordo para pagamento antecipado de rendas”, no qual a primeira figura como primeira outorgante e a segunda como segunda outorgante.
41. Nesse escrito está consignado: “A. As partes celebraram no dia 28 de Janeiro de 2014 um contrato de compra e venda relativo aos bens móveis melhor descritos no Anexo I daquele contrato, pelo valor global de 41.134,12 euros (quarenta e um mil cento e trinta e quatro euros e doze cêntimos) acrescido de IVA, tendo a segunda contraente ficado credora da primeira contraente quanto a esse valor. B. O preço estipulado deveria ter sido pago no prazo de 30 dias a contar da data da celebração do contrato referido no considerando A. C. As partes celebraram no dia 29 de Janeiro de 2014 um contrato de aluguer de equipamento do equipamento descrito no Anexo I desse contrato, estipulando como renda mensal € 3.700,00 euros (três mil e setecentos euros) acrescido de IVA, contrato esse que tem a duração inicial de três anos. D. Por esse segundo contrato, a primeira contraente constituiu-se como credora da segunda contraente no valor das mensalidades que se forem vencendo. E. Ambas as partes são credoras e devedoras entre si. É livremente e de boa-fé ajustado e reciprocamente aceite o presente acordo que se rege pelas cláusulas seguintes: 1ª § A segunda outorgante procede ao pagamento antecipado de uma ano de rendas no valor global de 44.400,00 euros (quarenta e quatro mil e quatrocentos euros), o que a primeira outorgante aceita e dá quitação. § A primeira outorgante declara que prescinde do recebimento efectivo do montante referido no número anterior que deverá ser imputado como pagamento do contrato de compra e venda mencionado no considerando A., o que a segunda outorgante aceita e dá integral quitação. (…) O presente contrato foi celebrado em (...) , a 30 de Janeiro de 2014, em dois exemplares com duas páginas e um Anexo I, que fazem igualmente fé, ficando um em poder de cada uma das partes”.
42. Os equipamentos supra referidos em 35) e 41) são os discriminados na factura n.º 11, supra referida, referente ao imobilizado existente no café/bar K (...) .
43. P (..), S.A., emitiu em nome da ora insolvente a factura n.º 1, com data de emissão em 26.02.2014 e de vencimento em 08.03.2014, no montante de € 50.061,00, com IVA incluído, na mesma discriminando “rendas do equipamento de Fevereiro a Dezembro”.
44. Em 06.05.2014, P (…), S.A., transferiu para a ora insolvente a quantia de € 533,97.
45. JC (…), na qualidade de legal representante da ora insolvente, (…), na qualidade de legal representante da sociedade S (…) Lda., e J (…) subscreveram o documento junto a fls. 17 a 19 do presente apenso, datado de 08 de Abril de 2014, no qual a primeira outorgante, ora insolvente, declarou reconhecer ser devedora, nessa data, à aí segunda outorgante S (…) Lda., da quantia de € 22.653,65, comprometendo-se a pagar-lhe tal quantia em seis prestações mensais e sucessivas, sendo a primeira no valor de € 5.000,00, a pagar de imediato com a assinatura desse acordo, a segunda e terceira, no valor de € 2.500,00 cada, a pagar até ao dia 30.04.2014 e 31.05.2014, respectivamente, a quarta e a quinta no valor de € 5.000,00 cada a pagar até ao dia 30.06.2014 e 31.07.2014, respectivamente, e sexta, no valor de € 2.653,65, a pagar até 31.08.2014 (cfr. cláusulas 1ª e 2ª).
46. Nos termos da cláusula 6ª desse escrito, o aí terceiro outorgante, JF (…), declarou constituir-se fiador e principal pagador, assumindo pessoal e solidariamente com a primeira outorgante todas as obrigações decorrentes desse acordo, mais declarando renunciar ao benefício da excussão prévia e a qualquer outro ou prazo facultado por lei, bem como a fazer, ou invocar qualquer excepção, oposição ou reserva.
47. A dívida consignada nesse escrito reportava-se a tranches do preço em dívida pela ora insolvente pelas obras cuja realização encomendou à sociedade S (…) Lda., supra referidas em 21), 22) e 23).
48. Na sequência do escrito supra referido em 45., em 09.04.2014, S (…), Lda., emitiu, em nome da ora insolvente, recibo de quitação da quantia de € 5.000,00.
49. Na sequência do escrito supra referido em 45), em 29.04.2014, a ora insolvente transferiu a quantia de € 2.500,00 para S (…)Lda.
50. Na sequência do escrito supra referido em 45), em 02.07.2014 a ora insolvente transferiu a quantia de € 2.500,00 para S (…)Lda.
51. Na sequência do escrito supra referido em 45), em 03.07.2014, S (…), Lda., emitiu, em nome da insolvente, recibo de quitação da quantia de € 2.500,00.
52. Na sequência do escrito supra referido em 45), em 08.08.2014 a ora insolvente transferiu a quantia de € 5.000,00 para S (…) Lda.
53. Na sequência do escrito supra referido em 45), em 11.08.2014, S (…), Lda., emitiu, em nome da insolvente, recibo de quitação da quantia de € 5.000,00.
54. A sociedade P (…), S.A., foi constituída por decisão de J (…)com o objectivo decidido pelo mesmo, de tal sociedade ocupar, formalmente, mas não de facto, o lugar da insolvente na exploração do Restaurante Y (...) sito na (...) , e de ser transferido para a mesma o imobilizado da ora insolvente, com o fito de, assim, pôr o património da ora insolvente a coberto de eventuais penhoras por credores da ora insolvente, concretamente, do Município de (...) .
55. JC (…) sempre foi o administrador de facto da sociedade P (…)SA.
56. Foi JC (…) quem decidiu, em nome da ora insolvente e em nome da P (..:)  S.A., a realização do negócio de compra e venda do imobilizado da ora insolvente, celebrado entre estas duas empresas.
57. Foi JC (…) quem decidiu, em nome da ora insolvente e em nome da P (…), S.A., a realização do negócio de aluguer do equipamento celebrado entre estas duas empresas.
58. Foi JC (…) quem decidiu a subscrição do “Acordo para pagamento antecipado de rendas”, celebrado entre as referidas duas empresas.
59. Em data não concretamente apurada, a sociedade P (…) S.A., vendeu o imobilizado que lhe havia sido alienado pela ora insolvente a terceiras empresas, designadamente a R (…), Lda., embolsando o respectivo preço.
60. A actividade social da sociedade P (…), S.A., cingiu-se à celebração com a insolvente dos negócios de compra de venda de imobilizado, aluguer de equipamentos, acordo de pagamento antecipado de rendas, supra referidos, e à posterior venda do imobilizado a terceiras empresas.
61. A sociedade P (…), S.A., nunca teve ao seu serviço funcionários por si contratados.
62. A sociedade P (..), S.A., nunca explorou, de facto, o estabelecimento de restauração e bebidas, sito na (...) , denominado “Restaurante Y (...) ”.
63. A exploração do estabelecimento de restauração e bebidas, sito na (...) , denominado “Restaurante Y (...) ”, sempre foi feita, de facto, pela ora insolvente, utilizando esta para tanto os seus funcionários, e os equipamentos que alienou à sociedade P (…)SA. existentes nesse estabelecimento.
64. O imobilizado que era da ora insolvente existente no café/bar K (...) , não foi transferido para o estabelecimento de restauração e bebidas sito na (...) , denominado “Restaurante Y (...) ”, após os negócios de compra de venda, aluguer de equipamentos, e acordo de pagamento antecipado de rendas, supra referidos, nem em qualquer outra ocasião, aí sempre se tendo mantido até à sua venda pela P (…) SA.
65. Até à data, o administrador da insolvência não logrou apreender qualquer bem imóvel ou móvel, dinheiro e/ou contas bancárias, ou direitos, pertença da insolvente, continuando a endividar esforços para tanto.
66. O requerido J (…) nunca exerceu funções de representação e de gestão da ora insolvente, nunca tendo celebrado ou participado em qualquer negócio em nome da ora insolvente.
67. O requerido JF (…) subscreveu como fiador o documento supra referido em 45, por via das relações de amizade que então mantinha com JC (…) e pela circunstância dessa dívida da ora insolvente se reportar a negócio celebrado em ocasião em que D (…), sua mulher, era sócia e gerente da ora insolvente, e a credora ter exigido garantias de pagamento.

Factos julgados não provados:

I) Que no ano de 2014, a sociedade ora insolvente transmitiu gratuitamente todo o imobilizado que possuía, que tinha depositado no restaurante e bar que explorava na (...) para a sociedade P (…), S.A.;

II) Que a ora insolvente pagou pelas obras de qualificação do espaço de restauração e bebidas que explorava na (...) , quantia superior a cem mil euros;

III) Que na data da celebração, entre a ora insolvente e a sociedade P (…), SA., dos negócios de compra de venda de imobilizado, aluguer de equipamentos, e acordo de pagamento antecipado de rendas, supra referidos nos factos provados, JC (...) , era gerente de facto da ora insolvente, e administrador de facto da sociedade P (…), S.A.;

IV) Que a ora insolvente e a sociedade P (…), S.A., no âmbito de uma parceria informal, uniram esforços e sinergias comerciais e financeiras, com vista à continuidade da laboração da ora insolvente, e a conferir-lhe maior capacidade económica, sem que a ora insolvente perdesse a sua identidade no mercado da restauração;

V) Que, assim, a ora insolvente vendeu o seu imobilizado à sociedade P (…), S.A., com vista a angariar/potenciar de imediato valores monetários líquidos para pagar as suas dívidas e de continuar a sua laboração, através do montante em dinheiro que recebeu com essa venda;

VI) Que ora insolvente outorgou com a sociedade P (…) S.A., o “Contrato de Aluguer de Equipamento”, supra referido nos factos provados, com vista a poder continuar a sua laboração, através do uso e fruição de tal equipamento que se mantinha no estabelecimento, e era necessário à normal laboração do estabelecimento;

VII) Que a ora insolvente e a sociedade P (…) S.A. outorgaram o “Acordo para pagamento antecipado de rendas”, supra referido nos factos provados, com vista à regularização/acerto das contas entre ambas as sociedades nos negócios de compra e venda e aluguer de equipamentos que celebraram, dos quais eram ambas credoras e devedoras;

VIII) Que visando ainda a ora insolvente, com o pagamento antecipado de um ano de rendas, desonerar-se do pagamento mensal das rendas devidas pelo aluguer dos equipamentos, permitindo-lhe assim um renovado investimento no negócio e a continuação da sua actividade, por via da desoneração desse encargo mensal;

IX) Que a ora insolvente procedeu à realização de obras de qualificação e melhoramento para instalação do restaurante “ Y (...) ”, com vista a poder continuar a desenvolver a sua actividade comercial;

X) Que tais obras foram custadas na sua maior parte por parceiros particulares, que as financiaram por interesse comercial;

XI) Que a ora insolvente decidiu também custear, em montante reduzido, parte das mesmas, com vista a alcançar vantagens e posição de relevo em tal empreendimento;

XII) Que tendo tal participação da insolvente sido consubstanciada na assunção do pagamento do montante inscrito no “Reconhecimento de dívida e acordo de pagamento com fiança”, junto por cópia a fls. 17 a 18;

XIII) Que o requerido JC (…), face à parceria entre a ora insolvente e a P (…) S.A.”, às promessas de ajuda e apoio financeiro e de gestão, feitas por pessoas ligadas ao ramo de negócio, à renegociação da sua maior dívida com promessa de uma moratória no seu pagamento, e à possibilidade de recorrer a financiamento externo para pagamento de outras dívidas cujo pagamento viesse a ser requerido pelos credores, convenceu-se que a difícil situação económica da ora insolvente era reversível, motivo pelo qual não requereu a insolvência da G (…), Lda.


*

Descritos os factos, passemos à apreciação dos fundamentos do recurso.

Errada interpretação e aplicação do artigo 186.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas d) e f), do CIRE

O recorrente acusa a sentença de erro na interpretação e aplicação das normas citadas com base na seguinte alegação:
1. Que o incidente de qualificação de insolvência foi aberto com base no parecer do administrador da insolvência e que os factos constantes de tal parecer (concretamente que no ano de 2014 a insolvente transferiu gratuitamente todo o imobilizado depositado no restaurante e bar que explorava na Urbanização (...) para a sociedade P (…) não obstante esta sociedade não deter qualquer crédito sobre a insolvente, que a insolvente pagou quantia superior a 100 000 euros por obras de qualificação no espaço identificado, (...) , não tendo tais montantes sido ressarcidos pela sociedade P (…), não foram julgados provados;
2. Que cabia ao Ministério Público ou a qualquer outro interessado o ónus de fazer prova dos factos alegados;
3. Que as condutas do recorrente consubstanciadas nos actos de gestão corrente descritos no parecer do administrador exarado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 188.º do CIRE não foram praticados com dolo ou culpa grave, não tendo o mesmo, com tais actos de gestão, destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património da empresa devedora;  
4. Que o recorrente não criou ou agravou artificialmente passivos ou prejuízos, reduziu lucros, causou, nomeadamente, a celebração de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com ele especialmente relacionadas, como, aliás resulta da factualidade dada como “provada” e “não provada”, não obstante a “teoria da conspiração” apresentada que omite os factos em discussão nos autos;
5. Que não comprou mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
6. Que não dispôs dos bens da insolvente em proveito pessoal ou de terceiro, como resulta da consulta dos “Factos Provados” e dos “Factos não Provados”;
7. Que não exerceu, a coberto da personalidade colectiva da empresa, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da insolvente;
8. Que não fez de créditos ou bens da insolvente uso contrário ao interesse desta, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;
9. Que não prosseguiu, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração da insolvente deficitária, não obstante saber ou dever saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
10.Que nunca incumpriu, em termos substanciais, a obrigação de manter contabilidade organizada, nunca manteve uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade, sequer praticando irregularidades com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira da insolvente;
11.Que não incumpriu, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do Parecer referido no nº 2 do art.º 188º do CIRE.

Apreciação do tribunal

As normas cuja interpretação e aplicação estão em causa são as seguintes:
1. A que afirma que “a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência” (n.º 1 do artigo 186.º); e
2. As que afirmam: Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto tenham:

d) “Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros”;

f) “Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto”.

Apesar de acusar a sentença de ter errado na interpretação das normas citadas, o que o recorrente põe causa é a respectiva aplicação. Salvo o devido respeito, a sua alegação não colhe contra a sentença. Vejamos.

Antes de mais deve dizer-se que é exacta a alegação do recorrente de que o incidente de qualificação da insolvência foi declarado aberto com base no parecer do administrador da insolvência e que alguns dos factos que o levaram a propor a qualificação da insolvência foram julgados não provados pelo tribunal a quo, concretamente a transmissão gratuita do imobilizado depositado no restaurante e bar que explorava na (...) , para sociedade P (…) SA e o pagamento pela sociedade ora insolvente de quantia superior a cem mil euros pelas obras de qualificação do espaço de restauração e bebidas que explorava a (...) .

Sucede que, sendo exacta, a alegação do recorrente não põe em causa a decisão recorrida, visto que os factos que ela tomou em consideração para qualificar a insolvência ao abrigo das alíneas d) e f), do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE não foram os que figuram no parecer do administrador; foram outros, todos eles provados, concretamente: a venda do activo imobilizado da ora insolvente à sociedade P (…) S.A., o aluguer do equipamento à ora insolvente pela sociedade P (…) e o acordo para pagamento antecipado de rendas celebrado entre as referidas sociedades. Foi com base nestes negócios que o tribunal a quo afirmou que o ora recorrente dispôs dos bens da insolvente em proveito de terceiros e fez dos bens da insolvente um uso contrário ao interesse dela.

Sobre a alegação do recorrente de que o ónus da prova no presente incidente cabia ao Ministério Público ou a qualquer outro interessado com legitimidade para intervir e quisesse ver declarada a qualificação da insolvência como culposa, cabe dizer que a circunstância de não se terem provado as acções descritas no parecer do administrador da insolvência não implicava necessariamente decisão diversa da que foi proferida. É que, nos termos do artigo 11.º do CIRE, no incidente de qualificação de insolvência a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes. Assim, a circunstância de a sentença ter tomado em consideração factos diversos dos constantes no parecer do administrador da insolvência não configurou qualquer violação das regras do ónus da prova.

A parte restante da alegação acima transcrita consiste, em resumo, na afirmação de que os actos de gestão descritos no parecer do administrador nem foram praticados pelo recorrente com dolo ou culpa grave nem configuram as hipóteses de insolvência dolosa previstas nas diferentes alíneas do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.

Sobre ela cabe dizer o seguinte.

Em primeiro lugar, não tem sentido contrapor à decisão recorrida que os actos descritos no parecer não configuram nenhuma das hipóteses de insolvência culposa previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, quando as únicas situações de insolvência culposa tidas em consideração pela sentença recorrida foram as previstas nas alíneas d) e f) desse número.

Em segundo lugar, em relação a estas situações de insolvência culposa, não tem sentido sindicar a legalidade da decisão recorrida por referência às condutas descritas no parecer do administrador da insolvência, quando resulta do n.º 3 do artigo 607.º do CPC [aplicável ao incidente de qualificação de insolvência por remissão do n.º 1 do artigo 17.º do CIRE] que a legalidade deve ser aferida em função dos factos provados que serviram de base à qualificação e quando, como já se escreveu acima, tais factos não correspondem aos que constam do parecer do administrador da insolvência.

O que teria sentido como fundamento de recurso, mas que o ora recorrente não fez na sua alegação, seria questionar a aplicação das alíneas d) e f) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE aos negócios que o tribunal a quo tomou em consideração. Visto o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, na parte em que dispõe que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras [aplicável em sede de apelação por remissão do n.º 2 do artigo 663.º do mesmo diploma] e o facto de o recorrente não ter suscitado a questão da legalidade da decisão recorrida à luz dos negócios acima mencionados e de a lei não permitir nem impor ao tribunal da Relação o reexame oficioso da legalidade de tal decisão, conclui-se que não cabe a este tribunal pronunciar-se sobre a questão acima indicada.

Por todo o exposto improcede a alegação de que a sentença procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação das alíneas d) e f) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.


*

Incorrecta interpretação e aplicação do artigo 186.º, n.º 3, alínea a), do CIRE

Em causa está a norma que estabelece o seguinte: presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência.

A norma foi interpretada pela sentença no sentido de que consagrava uma presunção ilidível de culpa grave dos administradores, mas já não uma presunção de causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, pelo que a qualificação da insolvência como culposa ao abrigo de tal preceito exigia a demonstração, nos termos do n.º 1 do artigo 186.º do CIRE, que a insolvência havia sido causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta.

A decisão sob recurso afirmou que o ora recorrente não cumpriu o dever de apresentar a sociedade à insolvência, que valia contra ele a presunção de conhecimento da situação de insolvência, prevista no n.º 3 do artigo 18.º do CIRE, e que a omissão do ora recorrente aumentou os montantes em dívida, com o vencimento de novos créditos laborais e com o vencimento de juros, e impediu que os credores satisfizessem os seus créditos através de bens da devedora, já que o administrador da insolvência não conseguiu, até á data, apreender para a massa quaisquer bens da insolvente.

O recorrente contesta a qualificação da insolvência como culposa, ao abrigo da alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE, com a seguinte alegação: 
a) Que ficara provado e resultava dos depoimentos das testemunhas arroladas que a insolvente nunca fez cessar a sua actividade, nunca incumpriu com os seus trabalhadores ou fornecedores, nunca teve falta de equipamentos ou de produtos para o seu comércio;
b) Que tinha uma dívida, em litígio e negociação com a Câmara Municipal de (...) [ ...], de valor elevado, mas que a Câmara ... nunca lhe exigiu o pagamento e nunca o recorrente e demais sócios tiveram no seu horizonte essa obrigação como um problema imediato ou que, de alguma forma, pudesse tolher ou cercear a sua actividade comercial;
c) Que só quando a Câmara ... mudou de executivo com a entrada de novo partido é que, de imediato, procedeu á posse administrativa do café/bar explorado pela ora insolvente;
d) Que só quando a Câmara ... tomou a decisão de tomar posse administrativa do café/bar K (...) é que o estado falimentar real e efectivo se tornou efectivo e inevitável e em que o recorrente e os demais interessados ou responsáveis tomam consciência de que não podiam solver os compromissos financeiros da insolvência e que a mesma se encontrava numa situação falimentar, não tendo tipo para se apresentarem à insolvência, uma vez que um trabalhador com um crédito que nem perfazia mil euros se encarregou de o fazer.

Como se vê pela exposição efectuada, o recorrente não questiona a interpretação da alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º, nem põe em causa que ele, enquanto gerente, tinha o dever de requerer a declaração de insolvência da sociedade dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la [n.º 1 do artigo 18.º do CIRE].

O que ele põe em causa é a afirmação de que incumpriu do dever de apresentar a sociedade à insolvência ou a de que o incumpriu culposamente. Põe em causa estas afirmações com a alegação de que só tomou consciência - formal, objectiva e intransponível - de que a sociedade não podia solver os seus compromissos quando a Câmara Municipal de (...) tomou a posse administrativa do café/bar explorado pela insolvente e que já não teve tempo para se apresentar à insolvência, mesmo que o pretendesse, uma vez que um trabalhador, com um crédito que nem perfazia mil euros, se encarregou de o fazer.

Esta alegação não colhe.

Em primeiro lugar, mesmo que se laborasse no pressuposto em que labora o recorrente de que só tomou consciência de que a sociedade caíra em situação de insolvência quando a Câmara tomou posse do café/bar – e já veremos que o pressuposto não tem amparo nos factos provados – ainda assim seria de concluir que o ora recorrente não cumpriu, enquanto gerente, o dever de pedir a declaração de insolvência da sociedade e que o não cumpriu dolosamente. Com efeito, estando provado que a Câmara ... tomou posse do café/bar em 4 de Março de 2014 e dizendo o recorrente que tomou consciência da situação de insolvência da sociedade em tal data, então, em cumprimento do n.º 1 do artigo 18.º do CIRE, era seu dever requerer a declaração de insolvência da sociedade até 4 de Abril de 2014. Não o fez. E a razão alegada para o não fazer (não ter tido tempo para tanto porque a insolvência foi requerida por um trabalhador) não procede. É que o trabalhador a que se refere, J (…), requereu a declaração de insolvência da sociedade, é certo, mas em 26 de Agosto de 2014, ou seja, 4 meses e 22 dias depois de esgotado o prazo para o pedido de declaração de insolvência. Assim, mesmo que se laborasse no pressuposto em que laborou o recorrente, teríamos de concluir que ele não cumpriu dolosamente o dever de requerer a declaração de insolvência da sociedade. 

A verdade é que, como se escreveu acima, há factos que apontam no sentido de que a sociedade caíra em situação de insolvência antes da posse administrativa do café/bar e que o ora recorrente tinha clara consciência de tal situação antes dessa tomada de posse.   

Os factos que apontam no sentido de que a sociedade caíra em situação de insolvência antes da posse administrativa do café/bar são os referentes ao passivo da sociedade, concretamente que tinha dívidas à segurança social no montante global de 33 878,79 euros, dívidas à Fazenda Nacional no montante global de € 2 104,89, referentes a IRC e IVA, uma dívida ao Município de (...) no montante de € 174 220,49 euros e dívidas a trabalhadores.

Apesar de não constar da matéria de facto as datas do vencimento das dívidas, sabe-se, em relação à dívida ao Município, que em 2013 ascendia a cerca de € 100 000,00, e pode afirmar-se, a partir dos factos que dão origem à dívida à segurança social e à Fazenda Nacional, que tais dívidas, ou pelo menos parte delas, eram necessariamente anteriores, e bem anteriores, à tomada de posse do café pela Câmara Municipal de (...) . Isto é, antes desta tomada de posse, a sociedade já não pagava há vários meses as rendas devidas pela exploração do bar, já não entregava à segurança social as contribuições devidas e já estava em situação de incumprimento quanto a obrigações tributárias.

Ora a falta de pagamento das rendas, das contribuições à segurança social e de impostos Fazenda nacional nos últimos seis meses tem, aos olhos do CIRE, o significado de um indício de insolvência da sociedade devedora (subalínea i), ii) e iv) da alínea g) do n.º 1 do artigo 20.º).

E tem este significado ainda que, como alega o recorrente, a sociedade cumprisse alguma das suas obrigações. É que, socorrendo-nos das palavras de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “de há muito que tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas. O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos”.

Quanto aos factos que apontam no sentido de que o ora recorrente tinha clara consciência de tal situação, eles compreendem a constituição, em 15 de Janeiro de 2014, da sociedade P (…) SA, com o propósito de ser transferido para ela o imobilizado da ora insolvente com o fito de pôr o património dela a coberto de eventuais penhoras por credores da sociedade, designadamente do Município de (...) , e a concretização deste propósito com a venda do imobilizado da insolvente a tal sociedade em Fevereiro de 2014, seguida do aluguer desse activo e do acordo para pagamento antecipado das rendas.  

De resto, o conhecimento da situação de insolvência sempre seria de presumir em data anterior à tomada de posse do café/bar pela Câmara, visto o disposto no n.º 3 do artigo 18.º do CIRE e a circunstância de os factos provados apontarem no sentido de que, antes de tal data, há mais de 3 meses que não eram pagas rendas devidas pela exploração do café/bar e contribuições para a segurança social.

Pelo exposto, não merece qualquer censura a decisão de julgar que o ora recorrente não cumpriu o dever de requerer a declaração de insolvência.  

 Onde não se concorda com a sentença – mas sem que esta divergência tenha qualquer influência na decisão do recurso - é na interpretação da alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º, no sentido de que consagra apenas uma presunção de culpa grave do administrador, mas já não uma presunção de insolvência culposa. 

Este tribunal entende que a interpretação da norma acima citada que é fiel aos critérios interpretativos enunciados nos n.ºs 1 e 3 do artigo 9.º do Código Civil é a de que tal norma contém uma presunção iuris tantum de insolvência culposa. Vejamos.

Em primeiro lugar, esta interpretação tem cabimento na letra da lei.

Em segundo lugar, o pensamento legislativo, reconstituído a partir do preâmbulo do diploma que aprovou o Código da Insolvência (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março) e de outras normas do CIRE, designadamente dos n.ºs 1, 2 e 5, do artigo 186.º, apontam no sentido de que o alcance da presunção é o que foi assinalado na decisão recorrida. Vejamos.

Ao falar sobre as soluções do CIRE relativas ao dever de apresentação à insolvência, escreveu-se no preâmbulo o seguinte: “Com o intuito de promover o cumprimento do dever de apresentação à insolvência, que obriga o devedor pessoa colectiva ou pessoa singular titular de empresa a requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data em que teve, ou devesse ter, conhecimento da situação de insolvência, estabelece-se presunção de culpa grave dos administradores, de direito ou de facto, responsáveis pelo incumprimento daquele dever, para efeitos da qualificação desta como culposa”.

No nosso entender, este trecho do relatório aponta no sentido de que o propósito da lei foi o de erigir o incumprimento do dever de apresentação à insolvência como base de presunção de insolvência culposa e não apenas como presunção de culpa referida ao não cumprimento de tal dever.

No mesmo sentido depõe a seguinte passagem do preâmbulo dedicada à explicação do novo incidente de qualificação de insolvência: “O incidente destina-se a apurar (sem efeitos quanto ao processo penal ou à apreciação da responsabilidade civil) se a insolvência é fortuita ou culposa, entendendo-se que esta última se verifica quando a situação tenha sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave (presumindo-se a segunda em certos casos), do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, e indicando-se que a falência é sempre considerada culposa em caso da prática de certos actos necessariamente desvantajosos para a empresa”.

No mesmo sentido depõe o n.º 5 do artigo 186.º cujos termos são os seguintes: “Se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar-se à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da situação económica do insolvente”.

Com efeito, se o legislador, no caso de pessoa não obrigada a apresentar-se à insolvência, entendeu que a não apresentação ou a apresentação tardia, ainda que determinante de um agravamento da situação de insolvência, não era de considerar insolvência culposa, é de presumir, por aplicação do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que quando afirmou que presumia-se a existência de culpa grave dos que não cumpriram o dever de requerer a declaração de insolvência estava a presumir a culpa no agravamento da situação de insolvência.

A interpretação que se vem defendendo é ainda aquela que preserva melhor a unidade do sistema jurídico, designadamente a relação do n.º 3 com as normas antecedentes. Vejamos.

O CIRE distingue dois tipos de insolvência, a culposa e a fortuita [artigo 185º].

O n.º 1 do artigo 186º diz que a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

Esta noção geral de insolvência culposa é complementada pelo n.º 2 e pelo n.º 3 do mesmo preceito.   

Sobre o n.º 2 não há dúvidas de que, nas suas várias alíneas, tipifica acções que qualificam a insolvência como culposa. E qualificam-na sem necessidade de demonstração que causaram ou agravaram a insolvência e/ou que o devedor actuou com dolo ou com culpa grave. Mais: tal preceito não só não exige, para qualificar a insolvência como culposa, a prova de que a acção do devedor causou ou agravou a insolvência e/ou a prova de que actuou com dolo ou com culpa grave, como veda ao devedor a prova de que a sua acção não causou a insolvência nem a agravou, bem como veda a prova de que não actuou com dolo ou com culpa grave.

Entre tais acções estão algumas que seguramente nem causaram nem agravaram a situação de insolvência. É o caso das tipificadas nas alíneas h) e i), respectivamente: incumprimento em termos substanciais da obrigação de manter contabilidade organizada, manutenção de uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou a prática de irregularidades com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor (h); incumprimento, de forma reiterada dos deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º [alínea i)].

Porém, tais acções foram erigidas em presunções inilidíveis ou em ficções legais de insolvência culposa porque os dados da experiência revelam que elas estão associadas com elevada probabilidade a situações de insolvência culposa e porque, em tais situações, tornava-se difícil a prova da conduta que causou ou agravou a situação de insolvência.

Nesta linha, é de presumir que a norma do n.º 3 do artigo 186.º se insira no sistema que complementa o n.º 1 do artigo 186.º; e complementa-o mediante a indicação de condutas que fazem presumir (iuris tantum) uma situação de insolvência culposa.       

A favor desta interpretação cita-se ainda a seguinte nota de direito comparado.

Sabe-se, através do preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE, que o tratamento dispensado ao incidente de qualificação da insolvência inspira-se, quanto a certos aspectos, na Ley Concursal Espanhola [Lei 22/2003, de 9 de Julho].

O artigo 165.º desta lei, sob a epígrafe “presunções de culpabilidade”, estabelece no n.º 1 que a insolvência se presume culpável, salvo prova em contrário, quando o devedor ou os seus representantes legais, administradores ou liquidatários tiverem incumprimento o dever de requerer a declaração de insolvência.

Dadas as semelhanças notórias entre os termos deste preceito da lei Espanhola e os da alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE pode dizer-se com segurança que aquele preceito serviu de inspiração à norma da lei portuguesa.

Ora, como se pode ler na sentença do Tribunal Supremo Espanhol proferida em 1/6/2015, no recurso n.º 1449/2013, publicada em http://www.poderjudicial.es/, constitui jurisprudência consolidada a que afirma que o artigo 165.º, n.º 1, da Lei Concursal é uma norma complementar do artigo 164.º, n.º 1 (cuja epígrafe é insolvência culposa), que contém a concretização do que pode constituir uma conduta gravemente culposa com incidência causal na criação ou agravação da insolvência e que estabelece uma presunção iuris tantum, que, no caso do incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência, se estende tanto ao dolo ou culpa grave como à sua incidência causal na agravação da insolvência.

Isto é, a norma da Lei Concursal que inspirou a alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º do CIRE é interpretada pelo tribunal superior do poder judicial de Espanha no sentido de que estabelece uma presunção iuris tantum de insolvência culposa.

Interpretada a alínea a) do n.º 3 do artigo 186.º com o sentido exposto, havia fundamento para, ao abrigo dela, qualificar como culposa a insolvência da sociedade G (…) Lda, pois o recorrente não ilidiu, como era seu ónus [n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil], a presunção de que a insolvência fora causada com culpa grave.

Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Condena-se o recorrente nas custas (encargos) por ter decaído no recurso e por resultar dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC que a decisão que julgue os recursos condenará em custas a parte vencida.

Coimbra, 19 de Dezembro de 2018   

Emídio Santos ( Relator)

Catarina Gonçalves

António Magalhães