Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5060/09.6TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
DENÚNCIA
CLÁUSULA PENAL
NULIDADE
Data do Acordão: 04/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 2.º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 446/85, DE 25-10
Sumário: A cláusula penal em apreço, fixada para o caso de denúncia sem pré-aviso de um contrato de adesão, estipula um quantitativo desproporcionado em relação ao montante máximo de indemnização que o direito supletivo aponta como consequência do incumprimento debitório sendo, portanto, nula.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., Lda., com sede em ..., Mem Martins, Sintra, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra Condomínio do Edifício Lote B..., da Avenida ..., em Leiria, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 5.098,36, acrescida de juros vencidos, de € 941,42, e vincendos, desde 18/09/2009 até efectivo e integral pagamento.

Alegou para tal, em síntese, que celebrou com o R. contrato de conservação dos 2 elevadores do edifício, pelo prazo, renovável, de 3 anos; e que, estando a 5.ª renovação (entre 1/07/2007 e 30/06/2010) em curso, o R. rescindiu, em 27/11/2007, o contrato, razão pela qual a A. pede a sua condenação na sanção – totalidade das prestações até ao termo do prazo – prevista no contrato.

O R. contestou, sustentando, em resumo, que um dos elevadores já não funcionava, que o outro funcionava condicionadamente e que a situação de degradação dos elevadores era do descontentamento geral dos condóminos, o que gerou/legitimou a rescisão do contrato.

A A. respondeu, impugnando o circunstancionalismo invocado na contestação e concluindo como na PI.

Foi proferido despacho saneador – que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, após o que o Exmo. Juiz proferiu sentença a julgar a acção improcedente e a absolver o R. do pedido.

Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I. A A. celebrou com o R. um contrato de manutenção de dois elevadores deste;

II. O R. pôs termo ao contrato dos autos em Novembro de 2007 quando o mesmo vigorava até 30-06-2010;

III. A A. não aceitou existir fundamento (justa causa) para essa atitude da R., e, fazendo funcionar a Cl. “7.4.” do contrato, facturou a sanção aí prevista, cujo pagamento veio reclamar nesta Acção;

IV. O Julgador a quo decidiu (e bem) não existir justa causa para a atitude do R., pelo que nada obstaria à aplicação da cláusula penal convencionada;

V. Porém, absolveu o R. do pagamento da factura relativa a sanção contratual por entender a referida Cl. 7.4. nula;

VI. É quanto a esta absolvição que nos insurgimos;

VII. O Julgador a quo qualificou o contrato como de adesão, determinando a nulidade da Cl. 7.4., o facto desta ser desproporcionada aos danos a ressarcir, o que levou à absolvição do R. no pagamento relativo à sanção contratual peticionada;

VIII. Contudo, nenhuma das partes alegou que o contrato foi celebrado sem negociação do respectivo conteúdo (porque não poderiam, com verdade, fazê-lo);

IX. O ónus da prova constante do n.º 3 do art.º 5 do DL n.º 446/85, de 25-10 que, no caso, recaía sobre a A. não afasta o ónus de alegação, que, no caso, não podia deixar de recair sobre o R.;

X. De facto, seria irrazoável que se exigisse que a A. fizesse prova sobre matéria nunca invocada;

XI. Não podia, pois, o Julgador a quo apreciar oficiosamente esta situação;

XII. O simples facto de um contrato constar de um pré-impresso não o caracteriza como de adesão;

XIII. A qualificação feita ao contrato dos autos, salvo o devido respeito, partiu de um pressuposto absolutamente errado, qual seja o de assumir que o mesmo é um Contrato de Adesão e, como tal, sujeito à disciplina do RJCCG, pese embora nada nos autos permitisse uma certeza quanto a tal qualificação;

XIV. Nem sequer foi a A. convidada a pronunciar-se sobre tal possibilidade, dando-lhe oportunidade de provar que, no caso em apreço, o conteúdo contratual proposto era passível de alteração;

XV. Pois que ao cliente, a cada cliente, de per si, assiste o direito de contratar coisa diversa ao figurino de base proposto, fazendo inscrever as derrogações e/ou aditamentos negociados, que se passarão a aplicar, substituindo aquelas;

XVI. Por outro lado, a A. celebra e sempre está disposta a celebrar textos contratuais da lavra dos seus clientes, sinal evidente que é possível negociar individualmente cada uma das condições da relação contratual que se pretende estabelecer;

XVII. Assim, o contrato dos autos não é um mero Contrato de Adesão (do tipo dos praticados, por exemplo, para os telemóveis, instituições financeiras ou para os seguros, como a regra da normalidade social o sugere), sujeito ao RJCCG, antes se lhe aplicam as regras do Direito das Obrigações, com as legais consequências;

XVIII. A Cl. 7.4. corresponde a uma cláusula penal, com a dupla vertente coercitiva e ressarcitória;

XIX. Tal cláusula visa, em lugar de discutir os prejuízos de uma saída precipitada e injustificada de um dado contrato de uma carteira de clientes, o que levaria anos a demonstrar, definir logo a fórmula do seu cálculo, como a doutrina acolhe e sem margens para dúvidas e/ou discussões;

XX. A A. está dimensionada (através da sua equipa de técnicos, administrativos, stock de peças, parque automóvel e ferramentas) para atender – bem – os seus clientes e se um deles resolve pôr termo ao seu contrato, sem justa causa para o efeito, já sabe que incorre numa sanção predefinida que aceitou ao contratar sem mais discussões;

XXI. A circunstância de o cliente saber previamente qual a sanção em que incorre, caso queira pôr termo à relação contratual com a A. de forma injustificada, é, paradoxalmente, uma segurança para ele cliente: em lugar de a A. ter que quantificar depois os prejuízos resultantes dessa atitude do cliente, e poderem vir a constituir uma surpresa – que até podia ser para mais – ao serem reclamados, o cliente assim já sabe qual a quantificação exacta dessa sua atitude insensata e injustificada;

XXII. Não existe, pois, qualquer desproporcionalidade da cláusula penal contratada, que é, assim, válida e eficaz;

XXIII. Razão pela qual deve o presente recurso proceder, condenando-se o R. no pagamento da cláusula penal, como peticionado.

O R. não contra alegou.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação de Facto

Os factos, lógica e cronologicamente alinhados, são os seguintes:

A) A autora A ..., Lda. é uma sociedade que tem como actividade principal o fornecimento, montagem e a conservação de elevadores.

B) Em 1/6/1993 o réu Condomínio do Lote B ..., assinou com a autora o acordo n.º C42659/60, com início a 1/7/1992 e termo a 30/6/1995, denominado “Condições Gerais de Assistência e Conservação de Elevadores” -“Conservação Simples A ... Contrato Alargado”, pelo prazo de três anos, renovável por iguais períodos, mediante o qual incumbia à autora conservar os dois elevadores instalados no edifício do réu, sito na Avenida ..., Lote B ..., Leiria.

C) A facturação do acordo aludido em B) era efectuada trimestralmente, tendo os serviços acordados um preço mensal de € 65,25 + IVA, o qual foi sofrendo actualizações, tendo à data do seu termo o valor de € 164,46 com IVA incluído.

D) Os elevadores da ré necessitavam de ser modernizados, pelo que a autora apresentou o seu orçamento LSC054207, datado de 23/2/2007, para a modernização de um deles.

E) Um dos ascensores foi desligado em 11/6/2007, por razões de segurança, atenta a impossibilidade de garantia de segurança para o seu funcionamento.

F) O outro ascensor tinha um funcionamento condicionado ao limite de dois utentes, como medida de precaução, atento o desgaste do equipamento e apenas com o intuito de obviar a imobilização das duas unidades.

G) Os dois elevadores apresentavam problemas de deslize de cabos, conforme aferido na inspecção datada de Setembro de 2006, e para correcção dessa situação a autora apresentou um orçamento à ré que não foi adjudicado pela ré.

H) Em 19 de Novembro de 2007, reuniu a assembleia de condóminos da ré, da qual foi elaborada a respectiva acta, e onde se extrai do ponto 4 da ordem de trabalhos que se pretendia discutir sobre a dívida à A ... e soluções para integral pagamento.

“ (…) Foi aprovada por unanimidade dos presentes regularizar na íntegra a dívida existente à A ... que no momento perfaz um total de € 3.171,76 usando o Fundo Comum de Reserva do Condomínio.

Ainda no âmbito dos elevadores, foram apresentados na assembleia orçamentos de outras empresas para manutenção bastante mais vantajosas que o actual, pelo que foi aprovado por unanimidade dar poderes à administração eleita juntamente com o representante dos condóminos rescindir o contrato existente com a A ... com efeito a partir de Janeiro de 2008, sendo que a partir desta data será assinado um contrato com uma nova empresa de manutenção de elevadores.

Foram apresentados pelos condóminos três orçamentos para arranjo e modernização dos elevadores, os quais apresentam os seguintes valores: C... , vinte mil, trezentos e vinte e dois euros (20.232,00 €) para os dois elevadores; A ..., vinte mil, quinhentos e vinte e um euros e quarenta e seis cêntimos (20.521,46 €) para um elevador e por fim a empresa D... , trinta e um mil, setecentos e quarenta euros (31.740,00 €) para os dois elevadores, sendo que a todos os valores apresentados acresce IVA à taxa normal em vigor.

Foi também aprovado por unanimidade dos presentes dar poderes e legitimidade à administração eleita juntamente com o representante dos condóminos de estudar e decidir a melhor opção para o arranjo e modernização dos ascensores; sendo que deverão ser negociados valores, bem como prazos de pagamento, valores esses que posteriormente deverão ser cobrados a todas as fracções por permilagem com excepção das fracções comerciais. (…)”

I) Após 4 renovações consecutivas, e enquanto decorria a quinta renovação no período compreendido entre 1/7/2007 a 30/7/2010, a administração da ré, por carta de 27 de Novembro de 2007, e endereçada à autora, remeteu-lhe o cheque para pagamento do valor aludido em H), agradecendo a prontidão e disponibilidade como tratou os assuntos ao longo dos anos e a paciência que teve nos recebimentos, comunicando-lhe a cessação do acordo referido em B).

J) Nos termos da cláusula 7.4 do acordo mencionado em B), “ (…) em caso de denúncia antecipada a A ... terá direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado”.

L) A autora emitiu a factura n.º FCP07902523, datada e vencida a 3/12/2007, no valor de € 5.098,36 e remeteu-a à ré para proceder ao seu pagamento, ao abrigo do mencionado em J), mas que esta devolveu em 7/1/2008, tendo a autora reenviado aquela em 15/2/2008 e a ré voltou a devolvê-la em 20/2/2008.

M) No âmbito do acordo aludido em B), qualquer intervenção no equipamento que implicasse substituição de peças, com exclusão das constantes da cláusula 1.2.6 teria que ser objecto de orçamento e aprovação pela ré de acordo com a cláusula 2.4 daquele.

N) O acordo aludido em B) pressupunha para o R., como essencial, a manutenção de dois elevadores.

O) O ascensor mencionado em F) não apresentava condições de segurança.

P) Os condóminos encontravam-se descontentes com a autora face à situação degradada e deficiente em que os elevadores se encontravam.


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III – Fundamentação de Direito

Na origem do litígio dos autos/recurso está um contrato atípico de prestação de serviço – é absolutamente pacífico – visando a A/apelante, enquanto prestadora do serviço (manutenção de elevadores), que lhe seja paga a cláusula penal estabelecida para a ali designada “denúncia antecipada do contrato”; pretensão que a sentença recorrida não lhe concedeu.

Desfecho desfavorável com que a A/apelante não se conforma, desenvolvendo o fio condutor da sua divergência recursiva a partir das seguintes asserções:

1 – Não é o contrato (de prestação de serviço) em causa um contrato de adesão.

2 – Não é (ainda que se considere o contrato como de “adesão) a cláusula penal (em que funda o seu direito) desproporcionada, sendo, por isso, ao contrário do que se julgou na sentença recorrida, perfeitamente válida.

Na sentença recorrida, considerou-se o circunstancionalismo invocado e provado pelo R. – não funcionar um elevador, funcionar o outro condicionadamente e estarem ambos degradados – como insusceptível de fundamentar uma justa causa de cessação/resolução do contrato, porém, fazendo-se uso da liberdade concedida pelo art. 664.º do CPC na qualificação jurídica dos factos provados, ponderou-se estar perante um contrato de adesão e considerou-se nula (ex vi art. 19.º, c), do DL 446/85) a cláusula penal invocada pela A./apelante.

Concorda-se com a irrelevância jurídica do circunstancionalismo invocado e provado pelo R. fora do contexto da denúncia contratual e, por isso, debruçar-nos-emos em exclusivo sobre as razões que levaram à improcedência da acção e que preenchem o objecto explícito do presente recurso.

1.ª questão – quanto à qualificação do contrato:

A nosso ver – e sem prejuízo de, em tese, concordarmos com muitas das observações da A/apelante – estamos mesmo perante um contrato de adesão individualizado, que é um contrato individual que se forma a partir de cláusulas contratuais gerais (ccg).

As ccg são normalmente descritas em função de dois traços característicos: predisposição unilateral e generalidade[1]; querendo-se com a predisposição unilateral dizer que a sua elaboração é anterior ao contrato – pré-elaboração – e que a iniciativa é unilateral (cabe a uma das partes sem prévia negociação com a outra) e programada/feita com a intenção de inserir tais cláusulas em futuros contratos; e querendo-se com a generalidade referir que se dirigem a uma multiplicidade[2] de contraentes potenciais e que há uma indiferenciação no que respeita ao recorte e à negociação prévia do clausulado contratual.

São assim definíveis, as ccg, como proposições destinadas à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse efeito, as pré-elaborou e adoptou.

Podendo assumir, quanto à sua forma de comunicação, diversos “figurinos”, designadamente, impressos, tipografados ou em suporte informático (disponíveis para servir como documento contratual principal, como anexo ao contrato, como texto de remissão), catálogos, prospectos, etc.; e que, quanto à extensão e conteúdo, tanto podem conter a totalidade dos elementos contratuais, como podem referir-se apenas a alguns aspectos contratuais.

E cuja inserção nos contratos singulares, quando estes se formam pelo modelo das declarações negociais conjuntas[3], exige que o documento contratual transcreva as cláusulas ou que, por outro modo, lhes faça referência; sendo hoje frequente a utilização de impressos – aplicações informáticas – preparados pelo predisponente que contêm as ccg e que são, depois de preenchidos os espaços deixados em branco com os elementos individualizadores do contrato e após a respectiva impressão, assinados pelos contraentes.

É/foi este seguramente o caso do contrato que está na origem do presente litígio; em face da extensão e detalhe do seu conteúdo – e dos espaços deixados em branco para identificar a contraparte e o preço dos serviços – e perante a expressão “Condições Gerais de Assistência e Conservação de Elevadores”, que antecede o detalhe do clausulado, estamos seguramente perante conteúdo contratual resultante de cláusulas pré-elaboradas pela A/apelante que foram inseridas neste contrato singular pelo modelo das declarações negociais conjuntas.

Estaremos até perante uma típica situação geradora/propiciadora de tal modo de contratar; em que impera a simplificação, economia de tempo, redução de custos e igualização no tratamento dos clientes duma empresa de dimensão significativa; colocando-se concomitantemente os habituais problemas/dificuldades, ao nível da liberdade de negociação, da eventual colocação duma das partes em posição de abusar do seu poder negocial e de desequilibrar o balanço contratual a seu favor.

É verdade que, via de regra, sem o destinatário o invocar – uma vez que as referidas “predisposição unilateral” e “generalidade” raramente se podem dar como demonstradas a partir do documento/invólucro contratual – será difícil ao tribunal concluir pela qualificação dum contrato como de adesão individualizado.

Todavia, insiste-se, perante um documento/invólucro contratual tão típico, em termos de detalhe, do que normalmente é um contrato de adesão individualizado formado a partir de ccg e sendo todo esse detalhe designado/intitulado de “Condições Gerais” – incutindo claramente a ideia de serem as condições que a A/apelante tem a iniciativa de propor à multiplicidade de contraentes potenciais e de haver uma indiferenciação no que respeita ao recorte e à negociação prévia do clausulado contratual – é forçoso concluir pela qualificação do contrato sub judice como de adesão individualizado; em que a A/predisponente não deu ao R/destinatário grande possibilidade/oportunidade de influenciar o projecto/conteúdo de clausulado, a não ser em aspectos de pormenor, que não incidiram/modificaram o essencial do clausulado previamente elaborado/apresentado[4].

São-lhe pois aplicáveis as especialidades do DL 446/85, de 25-10, que abrange os contratos de consumo e quaisquer outros, incluindo os contratos entre empresas; DL 445/85 que, nos termos do art. 2.º/1 (redacção do DL 249/99, de 07-07), “se aplica igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.[5]

Especialidades que dizem respeito à formação contratual, à interpretação, à integração, aos critérios de validade do conteúdo e aos efeitos da invalidade parcial (e também aos meios judiciais e extrajudiciais de controlo preventivo e sancionatório).

Especialidades que, porém, não serão assim tão especiais; uma vez que correspondem, em grande medida, ao que já resulta da aplicação das regras gerais à eficácia e âmbito das declarações contratuais e à interpretação de comportamentos enquanto tal.

Efectivamente, a comunicação integral, oportuna e adequada é requisito de eficácia de qualquer declaração contratual; quem pretenda que um contrato abranja determinadas cláusulas (gerais ou individuais) tem de agir de modo que a outra parte possa compreender que tais cláusulas fazem parte do âmbito do consenso obtido, por inclusão nas declarações contratuais ou por remissão a partir delas (232.º e 236.º do CC). Assim, neste aspecto, o regime de inserção de ccg em contratos singulares só reforça o dever de informação pré-contratual, só reforça o ónus de comunicação (art. 5.º/3 do DL 446/85) e o dever de informação prévia (art. 6.º do DL 446/85) e, sobre o conteúdo das cláusulas, só torna o dever de informação pré-contratual mais abrangente, incluindo também o esclarecimento do sentido das cláusula predispostas, independentemente de qualquer concreto juízo em função de critérios de boa fé[6].

Verdadeiramente, a essência das especialidades é dado pela proibição de cláusulas contrárias à boa fé (cfr. art. 15.º do DL 446/85); proibição que o art. 16.º procura precisar, por referência a 2 aspectos, próprios da boa fé: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente; e de que, nos artigos seguintes, se faz uma enumeração exemplificativa de diversas proibições, em que se distinguem as cláusulas absolutamente proibidas (que não podem, a qualquer título, ser incluídas em contratos através de mecanismo de adesão – art. 18.º e 21.º do DL 446/85) das cláusulas relativamente proibidas (que não podem ser incluídas em contratos desde que, sobre elas, incida um juízo de valor suplementar que a tanto conduza, juízo a ser formulado pela tribunal, no caso concreto – art. 19.º e 22.º do DL 446/85)

Tudo isto para dizer que, em termos de formação e interpretação, não coloca a qualificação do contrato (como de adesão individualizado) qualquer questão; justamente por o R/destinatário nada haver invocado a tal propósito, nenhuma questão/obstáculo se coloca em termos de comunicação, informação, esclarecimento do sentido das cláusulas[7]; nenhuma censura pode ser feita à A/apelante no que diz respeito ao modo como deu cumprimento ao dever de informação pré-contratual, no que diz respeito ao cumprimento do ónus de comunicação (art. 5.º/3 do DL 446/85), do dever de informação prévia (art. 6.º do DL 446/85) e do esclarecimento do sentido das cláusulas predispostas.

Tudo – o relevante para os autos/recurso – se resume a saber se o clausulado em causa viola ou não o princípio geral da boa fé, o que nos remete para a 2.ª questão.

2.ª questão – quanto à validade/nulidade da clausula penal:

Os sujeitos privados – começar-se-á por observar, enquadrando o modo de contratar utilizando ccg – ao reclamarem vinculação jurídica para o seu agir negocial têm que se submeter aos ditames e ao quadro normativo da juridicidade; daí que as suas estipulações contratuais estejam expostas a um controlo de validade, segundo um critério que, sem apagar a liberdade contratual, visa preservar os valores essenciais do ordenamento jurídico.

Ora, é justamente quando a autodeterminação de uma das partes tem menores condições de efectividade que mais espaço se abre para a imposição de valores de justiça e de equivalência dos termos contratuais negociados; com o que, afirmando-se a autonomia valorativa da ordem jurídica – nas situações negociais em que, na prática, se observa a proliferação de estipulações gravosamente inequitativas, sempre em prejuízo dos mesmos – se impedem os resultados indesejáveis dum tal “livre” actuar das forças negociais[8].

É o caso da aplicação/utilização generalizada das ccg, que, deixadas a si próprias, sem entraves normativos, podem conduzir a resultados negativos, podem não levar a conformações eficientes, a conteúdos ajustados e proporcionados.

Efectivamente, traduzindo-se as ccg, em grande medida, numa sistemática derrogação das normas legais supletivas, significam, na prática, a sobreposição da ordem contratual de fonte privada à equilibrada conformação de interesses levada a cabo pela regulamentação legal; representam, nas suas manifestações mais acabadas e detalhadas, a substituição do sistema legal (por um sistema de regulação privada).

Daí os mais apertados limites de tolerância, daí a inadmissibilidade de conformações que, quando de aplicação individualizada, seriam perfeitamente aceitáveis; daí a inevitabilidade dum controlo de conteúdo de tais ccg.

Controlo que hoje se entende caber à boa fé.

Boa fé que, aqui, em vez de actuar no interior duma relação jurídica já constituída, modelando integrativa[9] e restritivamente[10] os procedimentos que as partes devem adoptar na fase de exercício, incide directamente sobre as estipulações que se propõem determinar o conteúdo contratual; traça, em abstracto, limites objectivos que o predisponente tem que observar como condição de eficácia das cláusulas por si introduzidas no contrato; fixa limites gerais e objectivos à liberdade de estipulação do predisponente, imediatamente aplicáveis ao conteúdo das ccg (em função da natureza específica destas cláusulas).

É inegável o acerto da seguinte reflexão: “ (…) quem põe em vigor condições gerais dos contratos reivindica para si em exclusivo, no que respeita à conformação do conteúdo, a liberdade contratual. Está por isso obrigado, segundo a boa fé, já na redacção das condições, a considerar devidamente os interesses dos seus futuros parceiros contratuais. Se fizer valer apenas os seus próprios interesses, abusa da liberdade contratual.[11]

Sem prejuízo de no tráfico negocial continuar a valer o princípio da autotutela – nos termos do qual a cada um compete zelar responsavelmente pelos seus próprios interesses – observa-se que as peculiaridades do modo de contratar com recurso a ccg coloca o seu utilizador numa posição de supremacia em face da cada um dos seus parceiros contratuais, privando-os da devida participação na modelação do conteúdo; e considera-se que o especial dever de tomar em consideração os interesses da contraparte é o correlato dessa posição de supremacia/domínio, implicando a proibição do seu exercício arbitrário na conformação das ccg.

O princípio da boa fé imporá pois, no caso específico das ccg, uma obrigação de atendimento, na formulação dos termos contratuais, dos interesses da contraparte, oferecendo-se, simultaneamente, como critério de valoração da sua observância; se o predisponente o não fizer, se não considerar devidamente os interesses dos seus futuros parceiros contratuais, contraria a boa fé, com a consequente ineficácia dos termos pré-formulados.

Boa fé, com esta específica função, cuja densificação se processa por recurso às directrizes fornecidas pelas normas do direito dispositivo, cujo conteúdo de justiça fornece, em grande medida, os parâmetros para julgar da admissibilidade da conformação predisposta.

Enfim, em síntese, a “boa fé impõe, como contrapólo à situação de poder negocial em que o predisponente está investido, que este leve em conta os interesses da contraparte, não os prejudicando de forma desproporcionada, para o que o direito fornece uma quadro de valoração adequado[12]. E opõe-se a uma conformação desmesuradamente desequilibrada dos termos das ccg, abrindo a porta a uma valoração de interesses, em que se avalie da razoabilidade, em termos objectivos, de estipulações que, favorecendo uma das partes, se afastam do que corresponderia a uma equilibrada repartição de direitos e deveres, sendo os limites da tolerância ultrapassados quando a disposição é de molde a causar, sem justificação atendível, prejuízos graves e desproporcionados ao aderente.

Assim, o imediato ponto de incidência da boa fé é a estipulação contratual, em si mesma, tendo em conta as suas abstractas potencialidades aplicativas (não tanto o uso que, no caso concreto, dela efectivamente tenha sido feito pelo utilizador); o que a aplicação do princípio requer são parâmetros/limites a partir dos quais a cláusula deve ser tida como ineficaz, por o seu conteúdo se apresentar desproporcionalmente favorável ao utilizador, em detrimento do aderente.

O termo de comparação é a equilibrada composição de interesses, no que, como padrão de referência, o paradigma normativo supra-ordenado desempenha papel de relevo.

Os termos clausulados são comparados/contrapostos às regulações das normas supletivas ou, na sua falta, aos padrões de uma conformação adequada aos interesses típicos em jogo; o que conta é o juízo comparativo entre a ordenação levada a cabo pelas ccg e a que resultaria dum equilibrada ponderação de interesses.

Sendo que, divergências para lá do razoável, prejudicando inadequada e desmedidamente a contraparte do utilizador, não podem ser feitas valer através de ccg, conduzindo à nulidade das estipulações onde elas se manifestam.

Daí o que se dispõe nos art. 16.º, 18.º, 19.º, 21.º e 22.º do DL 446/85.

Os “valores fundamentais do direito”, a que o art. 16.º se refere, são pois, essencialmente, os valores de justiça e de equivalência contratual que devem presidir à modelação das ccg e informar a apreciação da sua eficácia[13].

O dever de comedimento ou moderação, imposto pela boa fé ao utilizador, está genericamente presente nos arts. 18.º, 19.º, 21.º e 22.º, como contrapeso à especial situação de vulnerabilidade dos interesses do seu parceiro contratual, impossibilitado duma autodefesa eficaz; tais normas de proibição estão concebidas como uma exemplificação, não taxativa, do alcance da cláusula geral, comungando todas, de uma forma ou de outra, da preocupação em estabelecer limites de conteúdo que impeçam um desequilíbrio excessivo dos termos contratuais[14].

Exposto, em tese, o que significa e o modo de operacionalizar o critério – boa fé – de controlo de conteúdo e de validade das ccg, ponderando os interesses contrapostos da A/utilizadora e do R/aderente, com vista a ajuizar do equilíbrio da sua conformação, impõe-se reconhecer, antecipando a conclusão, o conteúdo desproporcional da cláusula penal em apreço; é o que resulta da sua comparação com as directrizes do direito dispositivo/supletivo.

Vejamos:

O clausulado em análise é o seguinte:

“ o presente contrato considera-se tacitamente prorrogado por períodos de 3 anos desde que não seja denunciado por qualquer dos contraentes com, pelo menos, 90 dias de antecedência do termo do prazo que então estiver em curso, através de carta registada”

“ uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços aqui convencionados é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da A ..., em caso de denúncia antecipada (…) a A ... terá direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado”.

Ademais, como consta da alínea I) dos factos provados, o condomínio aqui R., após 4 renovações consecutivas e no período correspondente à 5.ª renovação (entre 1/7/2007 a 30/7/2010), por carta de 27/11//2007, comunicou à A. a cessação do contrato.

Comunicação esta que, inquestionavelmente, deve ser juridicamente qualificada como denúncia.

Denúncia que se traduz na comunicação (ou participação) da vontade de uma das partes, feita à contraparte, manifestando a intenção de fazer cessar o vínculo obrigacional; que é um modo de cessação de vínculos obrigacionais duradouros/continuados de duração indeterminada (de impedir a subsistência de um vínculo contratual que se protela por um período indefinido); que serve para pôr termo a contratos com um período de vigência indeterminado ou para evitar a renovação em negócios jurídicos de duração limitada.

Resulta, é certo, do princípio geral pacta sunt servanda (art. 406.º do CC) que as partes não podem livremente desvincular-se dos contratos celebrados, que o contrato deve ser pontualmente cumprido e que qualquer das partes, sem motivo, não pode furtar-se à realização das suas prestações; mas, nos contratos de execução duradoura/continuada (de prestações permanentes ou duradouras, cuja prestação não se esgota num só momento/instante), há que introduzir um princípio de não vinculação indefinida de modo compulsório[15].

Efectivamente, a liberdade das partes não é conciliável com a perpetuidade dos vínculos contratuais, pelo que tem sempre que se aceitar a desvinculação incondicional duma das partes num contrato de execução continuada; uma vinculação eterna ou excessivamente duradoura violaria a ordem pública, pelo que os negócios de duração indeterminada ou ilimitada só não são nulos, por força do art. 280.º do CC, por se considerar que ficam sujeitos ao regime da livre denunciabilidade ad nutum.

É justamente aqui – nesta relação entre a estabilidade contratual resultante da autonomia privada e a protecção da liberdade de desvinculação em contratos de duração indeterminada – que surge a denúncia: como modo de cessação de vínculos obrigacionais duradouros, de vigência indeterminada ou de duração limitada que se renova automaticamente.

Enfim, se um negócio jurídico se protela sem limite temporal, qualquer das partes pode fazê-lo cessar, recorrendo à denúncia, valendo, ainda que falte a previsão legal, o princípio da liberdade de desvinculação em contratos celebrados por tempo indefinido.

E, embora as disposições do mandato não prevejam explicitamente a denúncia como uma sua causa de cessação, a remissão do art. 1156.º do CC para as disposições do mandato tem que ser aplicada/adaptada criteriosamente, isto é, num contrato de prestação de serviço atípico de execução continuada, como é o caso, justifica-se sempre a possibilidade da denúncia ad libitum nos termos gerais[16].

A denúncia serve pois para pôr termo a contratos de prestação de serviço atípico com um período de vigência indeterminado (denúncia própria e típica) ou para evitar a sua renovação quando de duração limitada, hipótese esta, de oposição à renovação, que corresponde a uma denúncia atípica/indirecta (uma vez que implica a caducidade, funcionando a denúncia como um meio mediato de extinção do vínculo contratual).

O que significa, ex adverso, que a denúncia não serve para fazer cessar, antes do seu decurso, contratos de prestação de serviço atípico que tenham um prazo de vigência limitado.

Mas – é este o ponto – um contrato celebrado por determinado período de tempo, em que as partes estipulam que o contrato se prorrogará por sucessivos períodos, de igual ou de diferente duração, salvo se alguma delas comunicar à outra, com certa antecedência, que não deseja a prorrogação, pode/deve, para os presentes efeitos – para efeitos de denúncia continuar a ser considerado um contrato com um prazo de vigência limitado?

A nosso ver, não.

Decorrido o período inicial, que funciona como período mínimo de vigência do contrato, o mesmo passa, para os presentes efeitos, a ter que ser considerado como por tempo indeterminado, “até porque não será o decurso de qualquer prazo a fazê-lo cessar, antes a declaração de uma das partes, que não se sabe se e quando virá[17].

Ou seja, a denúncia própria (imotivada ou ad nutum) vale tanto para as relações duradouras sem limite temporal estabelecido, como para aquelas em que exista (e se verifique) renovação automática, hipótese em que o contrato, por se renovar automaticamente, não tem um termo final definido.

Temos pois – é aqui que pretendemos chegar – que as directrizes fornecidas pelas normas do direito dispositivo, aprovam para o caso – em que o contrato, por força do valor atribuído pelas partes ao silêncio, já vai/ia na 5.ª prorrogação do prazo inicialmente previsto – a possibilidade de fazer cessar o vínculo contratual mediante uma decisão unilateral ad libitum; aprovam para o caso o uso da denúncia própria e típica.

Denúncia esta que, como já referimos, é discricionária e imotivada (ad nutum); devendo tão só, de acordo com o direito dispositivo/supletivo, ser precedida dum aviso prévio, ou seja, deve ser comunicada com alguma antecedência relativamente à data em que a cessação produzirá os seus efeitos; antecedência que serve para a parte, destinatária dessa declaração, se poder precaver quanto ao facto de o vínculo contratual se extinguir em breve.

Efectivamente, ainda que do regime contratual não resulte directamente a necessidade de respeitar um prazo para a produção do efeito extintivo resultante da denúncia, o pré-aviso impõe-se por a parte, no exercício do direito de denúncia, dever proceder de boa fé (cfr. art. 762.º/2 do CC).

Prazo – pré-aviso – que, na falta de lei ou convenção das partes, deve ser razoável, tendo em conta o tipo de contrato e a respectiva duração; “razoabilidade” – conceito indeterminado de “antecedência razoável” – em cuja concretização se poderá atender, em função da analogia das situações, aos prazos constantes do regime da locação e da agência.

O que significa, encurtando razões, em face do que se dispõe no art. 1055.º do C. Civil (sobre a locação) e no art. 28.º do DL 178/86 (sobre a agência) que, num caso como o sub-judice, seria “razoável”, de acordo com o direito dispositivo/supletivo, que a denúncia fosse comunicada com uma antecedência entre 3 a 6 meses.

O que também significa que, não sendo observado tal aviso prévio, tal antecedência, se verificaria uma hipótese de responsabilidade contratual – um comportamento ilícito e culposo da parte denunciante – implicando o pagamento duma indemnização[18], que haveria de corresponder ao montante das prestações contratuais a que a parte continuaria adstrita durante o lapso de tempo do aviso prévio (e em que, caso este tivesse sido concedido, o contrato se manteria em vigor).

Temos pois, concluindo, que, segundo as directrizes fornecidas pelas normas do direito dispositivo, o condomínio aqui R., em caso de denúncia sem pré-aviso, teria que pagar uma indemnização correspondente, no máximo, a 2 prestações trimestrais; indemnização que segundo a ccg sob análise (tendo em conta toda a sua abstracta potencialidade aplicativa) pode atingir 13 prestações trimestrais (e que, no caso concreto dos autos, atinge 10 prestações trimestrais).

É quanto basta, a nosso ver e com o devido respeito, para concluir pela violação do princípio da boa fé, pela “desproporção” da cláusula penal em análise.

É certo que o qualificativo “desproporcionadas” não aponta para uma mera e simples superioridade das penas estabelecidas em relação aos danos ressarcíveis, devendo entender-se, segundo um juízo de razoabilidade, que a hipótese só ficará preenchida quando se detectar algum grau de desproporção, que, porém, ao contrário do que se refere no art. 812.º/1 do CC, não tem de ser excessiva, manifesta, grave.

É verdade que a declaração duma cláusula como relativamente proibida, por ser contrária ao princípio da boa fé (ao abrigo dos art. 15.º e 19.º/c do DL 446/85), impõe que fiquem reunidos nos autos os factos/elementos que permitam dizer quais eram/seriam os danos a ressarcir, para, em função disso, se poder concluir pela “desproporção” da cláusula penal.

Mas é justamente isto que sucede quanto os danos a ressarcir resultam duma denúncia sem pré-aviso, uma vez que, em tal hipótese, conhecemos o montante máximo da indemnização que, segundo o direito dispositivo, haveria de ser atribuída, a ponto de podermos afirmar que a ccg prevê, em abstracto, uma indemnização 6,5 vezes superior à que resultaria do direito dispositivo, impondo-se assim reconhecer e afirmar o conteúdo desproporcional da cláusula penal em apreço e a sua nulidade (ex vi art. 12.º, 16.º e 19.º/c) do DL 446/85); com a consequente vigência do contrato, até à sua cessação, em virtude de tal denúncia (sem pré-aviso), amputado/reduzido (cfr. 14.º do DL 446/85) de tal cláusula penal.

Como afirma Sousa Ribeiro, o art. 19.º/c) “ é de aplicação geral, não só às cláusulas penais por incumprimento do contrato, como ainda à prévia estipulação das quantias devidas por factos extintivos lícitos, admitidos por lei ou pelo programa relacional, mas impositivos da obrigação de indemnizar”, sendo “pela alínea c) do art. 19.º que deverá ser medida a predeterminação, em caso de revogação, denúncia antecipada ou desistência de um contrato, das prestações a efectuar ou a reter, como pagamento de despesas ou trabalhos já realizados, como retribuição do uso de uma coisa, ou como compensação de desvalorizações sofridas ou de lucros cessantes”, sem prejuízo de, “nestes casos, na fixação da indemnização, deverem ser contabilizados os gastos que o predisponente poupou com a extinção antecipada do contrato[19].

Aspecto em que Ana Prata, se bem entendemos, vai até um pouco mais longe, ao referir que admite que “os montantes previstos como multas penitenciais – preços de arrependimentos lícitos – possam, quando efectivamente permitidos, submeter-se a este mesmo regime, devendo, contudo, a sua apreciação ser mais restritiva do que a das cláusulas penais: se o arrependimento do aderente é legal ou convencionalmente admitido, deverá restringir-se a previsão clausular do preço dele, não existindo, aliás, na maior parte desses casos, prejuízos face aos quais avaliar a desproporção[20]

É que – é este o ponto, insiste-se e enfatiza-se – a cláusula penal sob análise parece assentar no pressuposto jurídico, incorrecto, do contrato se manter, independentemente do número de sucessivas renovações, como de vigência limitada, hipótese esta em que, como explicámos, a denúncia permitida por lei (atípica/indirecta) apenas obstaria à renovação do contrato para outro e novo período; isto é, parece incorporar, como boa, a ideia jurídica do R/destinatário estar, após cada renovação, vinculado a permanecer no contrato até ao fim dos 3 anos.

Mais, em face do modo de formulação dos termos contratuais da ccj sob apreciação, parece ser esta a “ideia” que se pretende incutir nos aderentes, conduzindo-os a uma errada noção de fidelização/sujeição contratual e, por via disso, induzindo uma falsa percepção de proporcionalidade na cláusula penal pré-estabelecida; o que, tudo junto, exprime um exercício disfuncional da autonomia privada, o aproveitamento unilateral das faculdades nela contidas para uma modelação geral de interesses em flagrante desconformidade aos padrões de uma justa repartição de direitos e deveres, a violação do especial dever/obrigação de cuidar dos interesses dos parceiros com quem se vai entrar em relação.

Enfim, ainda que a cláusula penal em apreço incorpore um “prémio” pela sua natureza/função compulsória[21] (além da natureza indemnizatória) – o que nem é suportado em qualquer fundamento interpretativo da cláusula em questão – o certo é que, ainda assim, a desproporção do seu quantitativo, em relação à indemnização que o direito supletivo aponta como consequência do incumprimento debitório, apresenta-se como ostensiva[22]; e, quando assim é, mesmo sem outros elementos (acerca dos concretos danos efectivamente ocorridos), cumpre ao tribunal reconhecer e declarar a nulidade.

O que, aqui chegados, em síntese conclusiva, significa a integral improcedência do recurso.


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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação interposta e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas em ambas as instâncias pela A./apelante.


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 Barateiro Martins (Relator)

 Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Também há quem fale em rigidez – no sentido de inalterabilidade – mas tal não constitui um requisito jurídico essencial, mas apenas uma característica tendencial, embora com elevada probabilidade fáctica.
[2] Palavra menos marcada que o termo “indeterminação”, de que também há quem fale.
[3] E não pelo modelo da subscrição ou da aceitação a que alude o art. 1.º/1 do DL 446/85.

[4] Certamente, a negociação individual terá incidido sobre o preço do serviço e modo de pagamento do mesmo.
[5] DL 249/99, ao caso aplicável a partir da 3.ª renovação.

[6] Embora, quanto aos efeitos, estabeleça a cominação radical de ineficácia das cláusulas não devidamente comunicadas (cfr. art. 8.º do DL 446/85).
[7] Isto é, nenhuma questão se coloca em termos de “controlo de inclusão” (mas apenas em termos de controlo de conteúdo).

[8] Intenta-se evitar resultados clamorosamente injustos, mas não impor, positivamente, a solução mais justa.

[9] Função esta (originária) reguladora e integrativa, em que a boa fé, para além de se oferecer como um princípio regulador do sentido das declarações negociais, opera como meio de integração do conteúdo vinculativo da relação obrigacional, fundando deveres acessórios de conduta das partes.

[10] Função esta, delimitativa, que funda a proibição do abuso de direito, que inviabiliza o exercício de pretensões/vantagens excessivas.
[11] Sousa Ribeiro, in Problema do Contrato, pág. 554, citando uma sentença do BGH de 04.11.1964.
[12] Sousa Ribeiro, in Problema do Contrato, pág. 556.

[13] A ratio é sempre evitar que, do uso unilateral da liberdade de conformação, o predisponente retire, à custa do aderente, vantagens excessivas e desproporcionadas.
[14] Está sempre em causa um balanceamento entre utilizador e aderente; como resulta das seguintes expressões legais: prazos “excessivos”, clausulas penais “desproporcionadas”, “injustificadamente”, “sem compensação adequada”, sem pré-aviso “razoável”, antecipações de cumprimento “exageradas”, etc.

[15] Sem prejuízo de algumas situações, de protecção especial de uma das partes, como no contrato de arrendamento e de trabalho.

[16] Há mesmo quem entenda que deve atender-se ao regime do contrato de agência – atendendo ao desenvolvimento e aperfeiçoamento aí dado à matéria da cessação do vínculo – cujas regras se adaptam melhor que os preceitos sobre o mandato; e, na agência, sendo o contrato celebrado por tempo indeterminado, qualquer das partes pode livremente denunciá-lo (28.º do DL 178/86).
[17] Pinto Monteiro, Contrato de Agência, 4.º ed., pág. 99 (anotação 4 ao art. 27.º).

[18] Via de regra, a denúncia, ainda que exercida de modo ilícito, produz de imediato o seu efeito extintivo; mas, verificados os pressupostos da responsabilidade civil, implica o pagamento da correspondente indemnização.
[19] “Responsabilidade e garantia em cláusulas contratuais gerais”, in Direito dos Contratos, pág. 144 a 146.
[20] “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, pág. 436.
[21] E é discutível que tal função seja admissível em contratos de adesão.
[22] Desproporção ostensiva que, como supra se referiu, é de 6,5 para 1.