Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
141/08.6TTLRA-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: EXECUÇÃO FISCAL
CITAÇÃO
EXECUTADO
EFEITOS
Data do Acordão: 06/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 188º, Nº 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO; 91º, 1 DO NCPC.
Sumário: I – Do regime decorrente do Código de Processo Tributário decorre que tendo o executado sido citado para os termos da execução fiscal e não tendo deduzido oposição (que suspende a execução – artº 212º do CPTrib.), deve-se entender que a dívida fiscal se encontra definida ou assente.

II – O tribunal competente para a acção é também o competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa – nº 1 do artº 96º do CPC (91º, nº 1 do NCPC).

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - “A..., LDA.” deduziu oposição à execução, por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa, que B... B... move à ora opoente, pedindo, expressis verbis, que “deve a presente oposição ser julgada procedente por provada, condenando-se o exequente como litigante de má-fé em multa e indemnização não inferior a € 1.000,00 a favor da opoente e com as demais consequências legais”.

Alegou, que pagou um valor em dívida pelo Exequente às Finanças, tendo também efectuado descontos obrigatórios para a Segurança Social e retenção na fonte quanto ao montante que devia ao Exequente, tendo depositado a parte restante à ordem da execução, nada devendo ao Exequente, que litiga de má fé


+

Recebida a oposição foi o exequente B... notificado para a contestar, vindo este defender a improcedência da oposição, não aceitando como pagamento da quantia exequenda o depósito efectuado pela Exequente, dado que esta fez descontos à quantia exequenda que não são legalmente admissíveis, nunca tendo litigado de má fé, dado que quando a execução foi instaurada não estava paga a quantia exequenda.

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II – Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, onde se relegou para final a apreciação do mérito da causa, dispensando-se a fixação dos factos assentes e da base instrutória tendo, a final, sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente a oposição à execução deduzida pela Executada-Opoente e, em consequência, declarou:

- reduzida a quantia exequenda no montante de € 21.582,08 (vinte e um mil quinhentos e oitenta e dois euros e oito cêntimos),

- não condenando o Exequente B... como litigante de má fé e no pagamento de qualquer multa processual ou indemnização à Executada.


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IV – Inconformada veio o exequente apelar, alegando e concluindo:

[…]


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Contra alegou a recorrida pugnando pela confirmação do julgado.

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Recebida a apelação o Exmº PGA emitiu parecer no sentido de que a sentença impugnada não merece censura.

***

IV – Da 1ª instância vem assente a seguinte factualidade:

[…]


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V – Como se sabe são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal.

Assim, as questões que importa decidir podem elencar-se do seguinte modo:

a) Se a recorrida (executada/opoente) podia ter entregue ao 2º Serviço de Finanças de Leiria a quantia que este Serviço lhe solicitou através da notificação emitida no âmbito da execução fiscal em que é executado o ora recorrente/exequente.

b) Se a recorrida podia ter procedido, do modo como o fez, à retenção do IRS nas quantias devidas ao autor a título salarial.

Da entrega feita no âmbito da execução fiscal:

Relativamente a esta questão escreveu o tribunal recorrido: “quanto aos pagamentos efectuados pela Executada-Opoente, os mesmos correspondem, prima facie, a uma quantia que esta entregou às Finanças na sequência de uma penhora de vencimentos do Exequente, tendo entregue a totalidade do crédito do Exequente penhorado, no valor de € 13.342,17, não se vendo que não se possa considerar esse entrega, até pelo facto de o Exequente já ter deixado de trabalhar para a Executada e estar em causa o pagamento ao mesmo de todos os créditos laborais devidos em resultado desse contrato de trabalho já anteriormente cessado, como correspondendo ao pagamento de parte da quantia exequenda, dado que serviu para solver uma dívida do Exequente junto das Finanças, aproveitando ao Exequente e não se discernindo qual o interesse do mesmo “em não considerar como feita a si próprio” (Art. 770º, al. d) do Código Civil)

Aliás, se o próprio Exequente não põe em causa a existência e exigibilidade desse seu débito fiscal e viu o seu “saldo” patrimonial aumentado nessa mesma quantia, deixando de ter essa dívida para com o Estado, não se alcança por que razão não se pode considerar essa entrega como tendo eficácia liberatória (parcial) da obrigação exequenda, dado o benefício patrimonial claro que essa entrega teve para o Exequente, que se afigura até agir em abuso de direito ao vir invocar a não consideração dessa entrega para efeito de pagamento de parte da quantia exequenda, quando já beneficiou da mesma”

A este entendimento contrapõe o recorrente que:

[…]

Decidindo:

A penhora e a notificação feita à ora recorrida (ex entidade patronal do recorrente) foram efectuadas no âmbito de uma execução fiscal.

Ora, preceitua o nº 1 do artº 188º do CPTributário que “instaurada a execução, mediante despacho a lavrar no ou nos respectivos títulos executivos ou em relação destes, no prazo de 24 horas após o recebimento e efectuado o competente registo, o órgão da execução fiscal ordenará a citação do executado”, a qual “comunica ao devedor os prazos para oposição à execução e para  requerer a dação em pagamento, e que o pedido de pagamento em prestações  pode ser requerido até à marcação da venda” (nº 1 do artº 189)..

A oposição deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora; ou da data em que tiver ocorrido o facto superveniente ou do seu conhecimento pelo executado (nº 1 do artº 203º), podendo a oposição ter por fundamentos os elencados no artº 204º do mesmo código.

Por outro lado, a penhora só será efectuada depois de decorrido o prazo posterior à citação sem que tenha havido pagamento (nº 1 do artº 215º do referido diploma).

Do regime decorrente do CPTributário decorre que tendo o aí executado (recorrente nos presentes autos) sido citado para os termos da execução fiscal e não tendo deduzido oposição (que suspende a execução – artº 212º do CPTri.), se deve entender que a dívida fiscal se encontra definida ou assente.

Alega, no entanto, o recorrente que ao tribunal recorrido está vedado conhecer ou tomar posição sobre a existência da dívida fiscal, questão que deve ser discutida com a administração fiscal.

Não tem razão.

Com efeito, o tribunal competente para a acção é também o competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa - nº 1 do artº96 do CPC (actualmente artº 91º nº 1).

Esta regra justifica-se porque “se o tribunal é competente para conhecer do mérito da causa, para declarar o direito na espécie submetida à sua apreciação, importa colocá-lo em condições de proferir o seu veredicto; há que habilitá-lo, portanto, a resolver as questões que apareçam no caminho e que poderiam impedi-lo de chegar ao termo da jornada” – Profº J.A. dos Reis, Comentário, 1º, 2º edição págª 283.

Por tudo isto, nada impedia à 1ª instância que se tivesse pronunciado sobre a existência da dívida fiscal, a qual se deverá ter por constituída atento o regime que decorre dos normativos do CPTributário acima citados.

No que se refere à notificação feita à recorrida pelo Serviço de Finanças com vista à penhora, dando como aceite que tal notificação tem o teor referido pelo recorrente (dos autos não consta qualquer cópia essa notificação), dir-se-á que do teor literal do artº 861º do VCPC não resulta que a sua previsão apenas abranja créditos futuros e não também créditos passados mas que tenham existência à data da penhora.

Assim não se vislumbra qualquer óbice a que a penhora incida sobre salários já vencidos e sobre outros abonos já vencidos à data da penhora.

Quanto ao limite fixado no artº 824º do VCPC é de referir que esse limite ganha a sua razão de ser no facto de se pretender assegurar a subsistência do executado, que não poderá ser privado em mais de 1/3 do seu rendimento salarial.

Essa razão deixa de existir quando a relação laboral já não vigore à data da penhora.

Ora, no caso, essa relação havia terminado por resolução contratual do executado, comunicada à ora recorrida em 19.02.2007, conforme decorre do processo 141/08.6TTLRA.C1 relatado também pelo ora relator.

Os créditos são anteriores a essa cessação pelo que não se coloca a questão da subsistência futura do executado.

Quer isto dizer que, no caso, não se pode falar propriamente em qualquer violação do limite a que alude ao artº 824º do CPC.

E, porque a prestação, embora feita a um terceiro – Finanças -, serviu para solver uma dívida do exequente junto da Fazenda pública, aproveitando necessariamente ao recorrente, entendemos ser de aplicar, à semelhança do decidido em 1ª instância o disposto no art. 770º, al. d) do Código Civil), devendo o cumprimento considerar-se como feito ao próprio exequente/recorrente.

Da retenção do valor correspondente ao IRS:

Relativamente a esta questão escreveu o tribunal recorrido: “ quanto às questões relativas aos descontos/retenções nas quantias a pagar ao Exequente e entregues pela Executada à Segurança Social (€ 2.107,91) e às Finanças (€ 6.132), considera-se que a Executada, face às disposições legais relativas ao pagamento de retribuições (lato sensu, e incluindo também outras prestações emergentes do contrato de trabalho celebrado) do trabalho dependente, estava, efectivamente, obrigada a proceder a esses descontos/retenções e a proceder à sua entrega, sob pena até de, não o fazendo, responder criminal e civilmente pelo não cumprimento dessa obrigação junto da Segurança Social e do Erário Público.

Aliás, não se compreenderia, salvo melhor opinião, que o trabalhador, enquanto trabalhasse para a sua entidade empregadora, recebesse sempre quantias líquidas da mesma e, depois de cessado o contrato de trabalho, tivesse direito a receber da mesma e relativamente ao trabalho prestado anteriormente, quantias ilíquidas, sem que o empregador cumprisse com as referidas obrigações de descontar os montantes destinados à Segurança Social e às Finanças, beneficiando o trabalhador ilegitimamente nesta última situação e não assegurando cabalmente o pagamento das contribuições/quotizações e dos respectivos impostos ao Estado.

(…)

Por sua vez, considera-se que o cálculo do (…) retido a título de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares foi correctamente efectuado pela Executada, dado que, (…) se teve em conta todo o valor ilíquido devido ao Exequente e a ser pago pela Executada num mesmo ano, face ao disposto nos arts. 74º e 99º, n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, sendo este último relativo à retenção na fonte deste imposto (dado que se deve atender para o efeito ao “momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares” e não propriamente os anos a que se reportam essas retribuições, não se vendo, aliás, que o Exequente não possa corrigir posteriormente esse valor junto das autoridades fiscais e reaver parte do mesmo em face da declaração fiscal que apresente posteriormente), procedendo esta oposição…”

Outro entendimento tem o recorrente porquanto em sua opinião

- A retenção foi mal feita pois, a taxa de IRS de 32% não era a devida.

- conforme se pode verificar na decisão proferida no processo principal, transitada em julgado (sentença condenatória da Ré) foi dado como provado que o rendimento mensal do Recorrente era de € 1.280,00 (mil duzentos e oitenta euros).

- Foi com base neste rendimento mensal, que na decisão foram apuradas as quantias que a Ré, ora executada, foi condenada a pagar ao Autor.

- Os descontos foram efectuados no ano de 2011 pelo que a taxa que devia ter sido considerada para o desconto do imposto sobre rendimento, se tivermos em conta, o rendimento mensal do Recorrente, deveria ser de 12%, conforme Lei do Orçamento de Estado para esse ano a que corresponderia nos presentes Autos a um desconto no montante de € 2.299,53, sobre os referidos € 19.162,69 (dezanove mil centos sessenta e dois euros e sessenta e nove cêntimos), tendo sido decidido na sentença recorrida um desconto a mais de € 3.832,48, (€ 6.132,00 - € 2.299,53), em relação aquele que é previsto legalmente.

- A taxa de 32% corresponde a um contribuinte que ganhe por mês os referidos € 19.162,69, não podendo o recorrente ser penalizado pelo facto das remunerações não lhe terem sido pagas na ocasião em que eram devidas, tendo sido pagas todas juntas alguns anos mais tarde sujeitando-se, assim, em vez de ser tributado no escalão de quem ganha € 1.280,00/mês, passando a ser tributado no escalão de quem ganha € 19.162,69/mês.

- Mesmo que a executada tenha entregue a referida quantia ao Estado, também o fez erradamente, não podendo o recorrente ficar sujeito a pagar pelos erros cometidos pela executada.

Decidindo:

Sob a epígrafe “retenção sobre rendimentos das categorias A e H” dispõe o artigo 99º nº 1 do Código do IRS que “as entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente, com excepção dos previstos nos n.ºs 4), 5), 7), 9) e 10) da alínea b) e na alínea g) do n.º 3 do artigo 2.º, e de pensões, com excepção das de alimentos, são obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares”.

Desta disposição resulta, no nosso entendimento que, para efeitos da taxa a aplicar se deve atender àquela que vigorar à data do pagamento dos rendimentos ou à data da colocação à disposição dos respectivos titulares.

E, foi isso que a ora recorrida fez, aplicado a taxa de IRS em vigor para o respectivo escalão à data da colocação dos rendimentos à disposição do ora recorrente.

É certo que os rendimentos foram produzidos em anos anteriores àquele em que foram pagos ou colocados à disposição do ora recorrente.

Nestes casos, a correcção é feita através da declaração de rendimentos do respectivo titular nos termos do artº 74º do Código do IRS que dispõe: “se forem englobados rendimentos das categorias A, F ou H que comprovadamente tenham sido produzidos em anos anteriores àquele em que foram pagos ou colocados à disposição do sujeito passivo e este fizer a correspondente imputação na declaração de rendimentos, o respectivo valor é dividido pela soma do número de anos ou fracção a que respeitem, no máximo de seis, incluindo o ano do recebimento, aplicando-se à globalidade  dos rendimentos a taxa correspondente à soma daquele quociente com os rendimentos  produzidos no próprio ano”.

Em face deste quadro normativo, não vê onde a sentença recorrida possa merecer qualquer censura.


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VI - Termos em que se julga improcedente a apelação com integral confirmação da sentença impugnada.

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Custas a cargo do recorrente.

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Coimbra, 26 de Junho de 2014

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(Joaquim José Felizardo Paiva - Relator)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(José Luís Ramalho Pinto)