Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3/16.3PACVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
NÃO CUMPRIMENTO DE INJUNÇÃO
REVOGAÇÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA DO ARGUIDO
Data do Acordão: 05/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (J L CRIMINAL DA COVILHÃ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 281.º E 282.º DO CPP
Sumário: I - Findo o prazo de suspensão do processo, o Ministério Público antes de decidir sobre o arquivamento ou prosseguimento dos autos, deve averiguar de motu próprio, o cumprimento de tais injunções.

II - A não comprovação do depósito nos autos, pelo arguido, de sua espontânea vontade, não significa automático incumprimento da injunção.

III - O Ministério Público só deve avançar para as causas do não cumprimento, depois de verificado este.

IV - Para ordenar o prosseguimento do processo, o Ministério Público deve averiguar se o incumprimento é doloso ou, pelo menos, negligente, a título grosseiro.

Decisão Texto Integral:






Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.


I

1. Nos autos de processo comum supra referenciados, em que é arguido

A... , nascido em 06.09.1989, natural de (...) – Covilhã, filho de (...) e de (...) , solteiro, empregado de mesa, residente na (...) Teixoso

Mostrando-se indiciada a prática, pelo mesmo, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, conjugado com o artigo 69.º, n.º 1, a), do mesmo código.

Decidiu-se o Ministério Público pela suspensão provisória do processo do seguinte modo:

“ nos termos do disposto nos artigos 281.º, nºs 1, 2, al. c) e 3 e 282.º, n.º 1 ex vi 384.º, n.º 1 todos do Código de Processo Penal, determino a suspensão provisória do presente processo, obtida que seja a concordância da Mmª. Juíza de Instrução Criminal, a aplicar pelo prazo de 6 (seis) meses, ficando o arguido A... , sujeito às seguintes injunções:

- entregar ao Estado Português a quantia de € 550,00 através de depósito autónomo a comprovar nos autos até ao termo desse prazo; e,

- abster-se de conduzir veículos a motor pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias, vindo para o efeito, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que vier a ser tomada, aos presentes autos entregar a sua carta de condução.


*

  Oportunamente, havendo concordância da Mmª. Juíza de Instrução Criminal, quanto à suspensão provisória do processo notifique o arguido, e o seu Il. Defensor, do teor do presente despacho e do despacho da Mmª. Juíza de Instrução Criminal, advertindo-o, de forma expressa, que, no período de suspensão provisória do processo tem que cumprir as injunções impostas, comprovando o pagamento nos autos até ao final do período de suspensão (juntando o

respectivo comprovativo), entregar a carta de condução nos termos supra referidos e deverá abster-se de praticar crimes de idêntica natureza, sob pena de, não o fazendo, poder vir a ser deduzida acusação e o processo prosseguir para julgamento, nos termos do artigo 282.º n.º 4 do Código de Processo Penal.

Informe, ainda, o arguido que o período de suspensão provisória do processo se inicia com a presente notificação e, caso venha a cumprir a injunção e regras de conduta impostas, o processo será arquivado, não podendo vir a ser reaberto (artigo 282.º n.º 3 do C. P. Penal).

2. Tendo a Mmª. Juíza de Instrução Criminal concordado com a suspensão provisória do processo, mais decidiu o Ministério Público:

“Em cumprimento das Directivas 1/2014 e 1/2015 da PGR, comunique, nos termos do n.º 5 do Capítulo VIII da Secção II, à ANSR que foi aplicada a injunção de proibição de condução de veículos com motor por 3 meses e 15 dias com início em 19-01-2016 nos termos do 281.º, n.º 3 do CPP neste inquérito para inscrição do RIC do arguido.

*

Nada vindo, aguardem os autos pelo decurso do período de seis meses da suspensão provisória destes autos.

Em 01 de Setembro de 2016, junte CRC actualizado do arguido e conclua com a informação relativa à pendência de inquéritos nesta Comarca contra o aqui arguido”.

  3. Em 05-09-2016 pelo Ministério Público foi proferida a seguinte decisão:

  Mostra-se já decorrido o período da suspensão provisória deste processo sem que o arguido tenha cumprido a injunção de entrega ao Estado da quantia de € 550,00 que lhe foi aplicada nestes autos apesar de ter sido notificado da suspensão com advertência de que deveria juntar prova desse cumprimento nesse período.

  Assim sendo, estes autos prosseguem nos termos dos artigos 282.º, n.º 4 al. a) ex vi 384.º,

n.º 4 ambos do CPP.

*

  Junte aos autos os elementos ora extraídos da base de dados da suspensão provisória do processo existente junto do SIMP.

*

  Com vista à dedução de acusação em processo abreviado ao abrigo do disposto no artigo 384.º, n.º 4 do CPP, dê baixa dos presentes autos distribua como inquérito à mesma titular concluindo aí de imediato.

  4. Deduzida acusação, pelo Ministério Público, em processo abreviado e para julgamento em Tribunal Singular, contra o arguido, veio este a ser notificada da mesma por carta de 12.9.2016. Bem como o seu defensor, por carta da mesma data.

  5. Recebidos os autos em juízo, foi designada dia para julgamento e mais uma vez notificados o arguido e o seu defensor por carta de 6.10.2016.

   6. A audiência realizou-se no dia 23.11.2016 e da ata consta o seguinte:

  “PRESENTES:

   Arguido: A...

   Mandatário: B...

   Testemunha arrolada pelo MºPº:

   - C...

*

   Quando eram 10 horas e 30 minutos, pelo Mmº Juiz de Direito foi declarada aberta a audiência de discussão e julgamento.

   Após ter feito uma exposição sucinta sobre o objeto do processo, nos termos do art.º 339.º do C. P. Penal, o Mmº Juiz de Direito deu a palavra à Digna Procuradora-Adjunta e ao ilustre advogado presente, para cada um deles indicar, se assim o desejarem, sumariamente, os factos que se propõem provar.

*

   Em seguida, o Mmº Juiz de Direito advertiu o arguido de que é obrigado a responder com verdade às perguntas sobre a sua identidade sob pena de poder incorrer em responsabilidade criminal e informou-o de que tem o direito de prestar declarações em qualquer momento da audiência desde que elas se refiram ao objeto do processo, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio o possa desfavorecer – art.ºs 342º e 343º, n.º 1, ambos do C. P. Penal, passando de imediato à produção de prova:

  ARGUIDO

  A... , comercial, filho de (...) e (...) , estado civil: Solteiro, nascido em 06-09-1989, natural da freguesia de Covilhã e Canhoso [Covilhã], nacional de Portugal, BI - (...) , domicílio: (...) Teixoso.

   Pelo arguido foi dito que desejava prestar declarações, o que passou a fazer confessando integralmente os factos, tendo as mesmas sido gravadas através do sistema

integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 39 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 47 minutos.

   Perguntado pelo Mmº Juiz de Direito, disse que tal confissão é de livre vontade, fora de qualquer coação, integral e sem reservas.

   Dada a palavra à Digna Procuradora-Adjunta e ao ilustre advogado presente, pelos mesmos foi dito nada terem a opor à confissão do arguido.

   Seguidamente, pelo Mmº Juiz de Direito foi decidido, nos termos do disposto no art.º 344º, n.º 2, do C. P. Penal, não dever ter lugar a produção de prova quanto aos factos confessados, passando-se de imediato às alegações orais.

*

   Seguidamente, pelo ilustre mandatário do arguido, foi solicitada a palavra e no seu uso disse: “requer a junção aos autos de um Documento Único de Cobrança para pagamento da injunção que foi imposta ao arguido no âmbito da suspensão do processo, mas, contudo não junta o comprovativo em virtude de o ter perdido".

*

   Dada a palavra à Digna Magistrada do MºPº que no seu uso disse: nada ter a opor à requerida junção.

*

   De seguida, pelo Mmo. Juiz foi proferido o seguinte:

  DESPACHO

   Admite-se a junção aos autos do documento agora apresentado, verifique que tal quantia se mostra paga.

*

   O que foi feito de imediato e foi junto aos autos um "print" onde consta que a quantia se mostra paga e que a mesma se encontra por associar aos presentes autos.

*

   Após, pelo Mmº Juiz de Direito foi concedida a palavra, sucessivamente, à Digna Magistrada do Ministério Público e ao ilustre advogado presente, para em alegações orais exporem as conclusões de facto e de direito que hajam extraído da prova produzida, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10 horas e 48 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 50 minutos.

   Findas as alegações, foi dada a oportunidade ao arguido de dizer algo que ainda não tivesse dito e que entendesse ser útil para a sua defesa, após o que o Mmº Juiz proferiu o seguinte:

  DESPACHO

   Considerando a natureza complexa dos autos é de tudo conveniente a prolação da sentença por escrito, assim, designa-se o dia 29 de Novembro de 2016 pelas 14:00 horas.

   Notifique”.

7. Tem a sentença o seguinte teor:

   II - O Tribunal é absolutamente competente.

   Questão prévia

   Suscitou o arguido, sem se de audiência, a nulidade do despacho que

ordenou a revogação da suspensão provisória e o prosseguimento dos autos nos termos do art.º 282/4/a ex vi do art.º 384/4 do C. Processo Penal.

   O conhecimento de tal excepção exige a fixação da matéria de facto, pelo que se relega o seu conhecimento para final.

   Não existem outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.

*

   Procedeu-se a julgamento com inteira observância do formalismo legal.

*

   III Da questão de facto

   Produzida a prova e discutida a causa julgo provados os seguintes factos:

   1) No dia 10.01.2016, pelas 06h05m, na Av. Frei Heitor Pinto na cidade da Covilhã, conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula GV... , com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,568 g/l correspondente a TAS de 1,65 g/l registada no alcoolímetro.

   2. O arguido sabia que a quantidade de bebida alcoólica que havia ingerido antes de iniciar a dita condução lhe determinaria necessariamente uma TAS superior a 1,20 g/l e, não obstante, quis conduzir o veículo que conduziu, na via pública.

   3. Estava ciente o arguido que tal conduta lhe era proibida por lei, dispondo, no momento da sua actuação, de vontade livre e de plena capacidade de avaliar o desvalor da sua conduta e de se auto-determinar de acordo com essa avaliação, e que, agindo de forma descrita, incorria em responsabilidade criminal.

*

   4) Por despacho de fls. 17 foi determinada a suspensão provisória do processo, proseis meses, ficando o arguido A... , sujeito às seguintes injunções:

- entregar ao Estado Português a quantia de € 550,00 através de depósito autónomo a comprovar nos autos até ao termo desse prazo; e, - abster-se de conduzir veículos a motor pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias, vindo para o efeito, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que vier a ser tomada, aos presentes autos entregar a sua carta de condução.

   5) O arguido cumpriu as injunções que lhe fora, aplicadas.

   6) O arguido não foi notificado para fazer prova do pagamento da quantia arbitrada em sede suspensão provisória do processo.

   6) Não tem antecedentes criminais.

   7) É comercial, auferindo o salário médio de 600 euros;

   8) Tem encargos financeiros com habitação de 110 euros;

*

   Motivação:

   Os factos dados como provados quanto ao ilícito colhem a sua demonstração na confissão integral e sem reservas do arguido, bem como nas suas declarações sobre a situação pessoal e económica e CRC de fls. 50.

   Os vertidos nos pontos 4 e 5 colhem a sua demonstração no teor de fls. 16,

17 e documento de fls. 61.

*

   Questão prévia:

   Suscitou o arguido a nulidade do despacho que ordenou a revogação da suspensão provisória e o prosseguimento dos autos nos termos do art.º 282/4/a ex vi do art.º 384/4 do C. Processo Penal.

   A questão a solucionar é a de saber se a revogação é automática ou se depende de prévia audição do arguido.

   Da materialidade provada resulta que o arguido cumpriu as injunções fixadas;

   Que foi proferido despacho de prosseguimento dos autos sem que, previamente, lhe fosse dada oportunidade arguido para se pronunciar.

   Esta omissão processual constitui a nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 2, alínea d), por violar a alínea b) do n.º 1 do Art.º 61.º, ambos do Código de Processo Penal bem como as garantias de defesa e o princípio do contraditório constitucionalmente consagrados.

   A nulidade foi tempestivamente invocada.

   Face ao exposto, declara-se nulo o despacho de fls. 36 o prosseguimento dos autos com fundamento no incumprimento da injunção de entrega ao Estado da quantia de 550 euros, e determina-se a sua remessa, após baixa, ao M. Público.

   Sem custas.

Notifique e deposite”.

8. Da sentença recorre o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:

1. O Ministério Público entende que a sentença proferida pelo Tribunal a quo enferma de nulidade nos termos do artigo 379.º, n.º 1 al. c) do CPP.

2. Com efeito, o Tribunal a quo conheceu de direito para além dos seus poderes de apreciação ao declarar nulo, nos termos do artigo 120.º, n.º 2 al. d) do CPP, o despacho proferido pelo Ministério Público a fls. 36 que ordenou a prossecução dos autos por incumprimento da suspensão provisória do processo determinando a baixa dos autos ao Ministério Público.

3. Apenas em alegações finais na audiência de julgamento o arguido invocou a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP.

4. O conhecimento desta nulidade depende de arguição e quanto está em causa a alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP, dispõe o seu n.º 3 que, havendo acusação sem instrução, o prazo para a sua invocação é até cinco dias após a notificação do despacho de acusação que encerra o processo (sublinhado nosso).

5. Nestes autos, o arguido foi notificado da acusação conforme fls. 42 e 43, conformando-se com tal decisão final do inquérito e não invocou qualquer nulidade nos termos do n.º 3 alínea c) e n.º 2 alínea d) desse artigo 120.º do CPP sindicando a decisão do Ministério Público

6. Antes o arguido conformou-se com a dedução dessa acusação e a prossecução dos autos para julgamento.

7. Deduzindo o Ministério Público acusação em processo abreviado, forma processual que não admite instrução, os direitos de defesa do arguido sempre estariam salvaguardados através do regime de invocação das nulidades.

8. Ainda que se entendesse que nestes autos, atenta a forma especial abreviada que seguem, que no início da audiência o arguido poderia invocar tal nulidade por força da alínea d) do n.º 3 do artigo 120.º do CPP, não o fez nesse momento mas apenas se referiu a essa nulidade em sede de alegações finais.

9. Concluímos pois que a nulidade suscitada pelo arguido nos termos dos artigos 120.º, n.º 2 al. d) e 61.º, n.º 1 al. b) ambos do CPP se encontrava sanada quando invocada e, nessa medida, encontrava-se vedada ao Tribunal a quo a possibilidade de declarar tal nulidade relativa nos termos destas disposições legais. 

  Sem prescindir

10. Além do mais, a sentença recorrida enferma de vício de facto ao julgar incorrectamente como provados os factos 5 e 6:

a. O arguido cumpriu as injunções que lhe foram aplicadas.

b. O arguido não foi notificado para fazer prova do pagamento da quantia arbitrada em sede suspensão provisória do processo.

11. Conforme despacho de fls. 17 a 22, ao arguido foram aplicadas nestes autos as seguintes injunções:

c. entregar ao Estado a quantia de € 550,00 através de depósito autónomo a comprovar nos autos até ao termo do prazo; e,

d. abster-se de conduzir veículos a motor pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias que cumpriu conforme fls. 30 e 35.

12. Apenas em 23.11.2016 durante a audiência de julgamento, após o terminus do prazo da suspensão provisória do processo em 24.07.2016, o arguido juntou o comprovativo em audiência de julgamento realizada em 23.11.2016 (fls. 61).

13. Esta atitude do arguido revela falta de colaboração com a justiça e desrespeito pelas obrigações que assumiu em interrogatório para o efeito presidido por Magistrada do Ministério Público no qual lhe foi explicado em que consistiam tais injunções.

14. Além do mais, o arguido estava na presença de Defensor nesse interrogatório com vista a assegurar a sua plena e efectiva defesa e assinou o respectivo auto depois de o ler integralmente tal como o seu Defensor.

15. Do despacho de suspensão provisória do processo consta expressamente a injunção do arguido comprovar nos autos esse pagamento como se pode observar em fls. 22 e o arguido, tal como o seu Il. Defensor, foi efectivamente notificado conforme fls. 27 e 28.

16. Logo, o arguido foi notificado para fazer prova do pagamento da quantia arbitrada em sede de suspensão provisória do processo ao contrário do considerado pelo Tribunal a quo.

17. Nesta medida, o Ministério Público impugna a decisão da matéria de facto provada por existência do vício de erro de julgamento sobre a factualidade apurada em audiência de julgamento ao dar provados os factos 5) e 6) da sentença.

18. Por todos estes elementos apurados em sede de julgamento, pela aplicação das elementares regras de experiência comum, deverá:

e. considerar nula a sentença proferida nestes autos nos termos do artigo 379.º, n.º 1 al. c) do CPP,

f. proferir decisão condenatória do arguido não considerando provada a matéria dos factos 5 e 6 condenando o arguido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez de que vem acusado em pena de multa e pena acessória de inibição de condução de veículos a motor com consideração da segunda injunção que o arguido cumpriu em sede de suspensão provisória do processo.

Certa de que, Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, fazendo a habitual

                                                                                                                        JUSTIÇA!

  9. O arguido não respondeu.

  10 Nesta instância, o Ministério Público colocou o seu visto.

  11. Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.

                                                                         II

  Questões a apreciar:

  1. A verificação ou não de nulidade com a não audição do arguido pelo Ministério Público antes de ordenar o prosseguimento dos autos para julgamento em processo abreviado.

  2. A existir nulidade, a sua eventual sanação.

                                                                        

III

Cumpre apreciar:

1ª Questão: a verificação ou não de nulidade com a não audição do arguido pelo Ministério Público antes de ordenar o prosseguimento dos autos para julgamento em processo abreviado.

  1. Na sequência da opção do Ministério Público pela suspensão provisória do processo ao arguido A... , com as injunções supra assinaladas, foi pela mesma autoridade judiciária ordenada a sua notificação com a advertência expressa de que:

  “no período de suspensão provisória do processo tem que cumprir as injunções impostas, comprovando o pagamento nos autos até ao final do período de suspensão (juntando o respectivo comprovativo), entregar a carta de condução nos termos supra referidos e deverá abster-se de praticar crimes de idêntica natureza, sob pena de, não o fazendo, poder vir a ser deduzida acusação e o processo prosseguir para julgamento, nos termos do artigo 282.º n.º 4 do

Código de Processo Penal”.

  Sobre estre aspeto regula o disposto no artigo 282º, nº4, do Código de Processo Penal, o seguinte:

  “4 - O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas:

  a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou  

  b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado”.

  Significa isto que, findo o prazo de suspensão do processo, o Ministério Público antes de decidir sobre o arquivamento ou prosseguimento dos autos, deve averiguar de motu próprio, o cumprimento de tais injunções.

  E foi assim que o Ministério Público verificou a entrega da carta de condução do arguido e confirmou a não prática de qualquer crime pelo arguido durante o prazo da suspensão.

  A questão coloca-se tão-somente quanto à entrega ao Estado da quantia de € 550,00 através de depósito autónomo.

  Será que pelo facto de o arguido ter sido notificado, no momento da suspensão do processo, da obrigação de comprovar nos autos até ao termo do prazo tal depósito, significa a não comunicação pelo arguido do depósito da quantia (a comprovação), não cumprimento da injunção? E, por sua vez, fundamento para prosseguimento imediato dos autos para julgamento?

  Parece-nos que não.

  Ora, a injunção é o depósito da quantia de € 550,00 a favor do Estado.

  A comprovação do depósito em juízo, no processo, é outra questão. Não tem natureza de injunção. Não integra esta. É um mero meio de provar (comprovar/documentar) esse depósito.

  O Ministério Público, na sua decisão fixa as injunções:

“…ficando o arguido A... , sujeito às seguintes injunções:

- entregar ao Estado Português a quantia de € 550,00 através de depósito autónomo a comprovar nos autos até ao termo desse prazo; e,

- abster-se de conduzir veículos a motor pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias, vindo para o efeito, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que vier a ser tomada, aos presentes autos entregar a sua carta de condução”.

A questão da “comprovação” é uma formalidade para documentar o depósito, mas não uma injunção.

- O arguido, pode não ter efetuado a comprovação do depósito pelo simples facto de não o ter efetuado.

- Como pode, no cumprimento da injunção, efetuar o depósito mas por qualquer motivo, não comprovar nos autos esse mesmo depósito.

Estamos com o recorrente Ministério Público quando afirma na sua motivação, citando o ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.01.2016 proferido no processo n.º 51/14.8GASPS.C1, que “O juízo sobre o incumprimento das injunções cabe ao MP, como titular do inquérito, não podendo o juiz de julgamento sindicar as razões da opção do Ministério Público”.

Acontece que o que está em causa não é qualquer juízo sobre o cumprimento ou incumprimento da injunção ou motivos de eventual incumprimento mas sobre uma questão prévia, de averiguar sobre se o depósito, objecto da injunção, foi ou não efetuado.

Digamos que uma coisa é formular um juízo, uma apreciação sobre se determinada injunção se mostra ou não cumprida nos exatos termos imposta – v. a idoneidade do depósito efetuado quer quanto ao montante, quer quanto ao prazo; o exercício ou não da condução mesmo que tenha havido entrega da carta – outra, como a que nos ocupa nestes autos, averiguar se o depósito foi ou não efetuado no prazo imposto.

A injunção estará ou não cumprida, consoante o depósito autónomo tenha ou não sido efetuado no prazo estabelecido e pelo montante determinado.

A não comprovação do depósito pelo arguido nos autos, apesar de a notificação ter sido feita no sentido desta mesma comprovação, não significa necessariamente que o mesmo não tenha efetuado o depósito. Significa tão só que, ainda que ou se efetuado, não o comprovou no processo.

Retirar desta omissão do arguido a conclusão de não cumprimento da injunção do depósito, afigura-se-nos uma conclusão demasiado temerária, tendo em conta, por sua vez, as consequências daí emergentes – prosseguimento dos autos com dedução de acusação e julgamento.

  A boa-fé processual do titular do inquérito e a observância de regras estritas de legalidade tendo em vista a finalidade última do processo e no caso concreto a suspensão, em que se exige “ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir ” – alínea f) do nº1, do art. 281º, do Código de Processo Penal -, impõem que o Ministério Público deva certificar-se do cumprimento efetivo ou não, da injunção imposta.

  Repete-se, a não comprovação do depósito nos autos, pelo arguido, de sua espontânea vontade, não significa automático incumprimento da injunção.

  Este ato omissivo do arguido poderá ter outras consequências mas não aquela determinada pelo Ministério Público.

  Do mesmo modo que o Ministério Público averiguou, sem qualquer necessidade de colaboração do arguido, se este entregou a carta conforme imposto e se não cometeu outros crimes, também deveria ter averiguado se o depósito foi efetuado ou não. E embora não seja o único meio de documentar tal depósito – dada a natureza de depósito autónimo a favor do Estado e os meios técnicos e informáticos disponíveis neste momento para o sindicar/fiscalizar -, com certeza que a audição do arguido para estes efeitos, seria uma diligência simples e eficaz. Acompanhada em simultâneo ou não da documentação probatória.

 

  2. Concluindo-se que o Ministério Público omitiu esta diligência que se afigura determinante para a decisão que tomou do prosseguimento dos autos[1], importa agora qualificar esta mesma omissão.

  Esta omissão não está cominada expressamente como nulidade.

  Por sua vez, entendemos que esta omissão não cai no âmbito da alínea b) do n.º 1 do Art.º 61.º, do Código de Processo Penal – contrariamente ao que entendeu o julgador a quo -, pois não se trata de ouvir necessariamente o arguido sobre qualquer decisão que o vai afetar pessoalmente mas tão só averiguar da prática ou não de um ato – no caso, o depósito feito pelo mesmo arguido. E, como se afirmou já, se tal desiderato pode ser atingido com a audição do arguido, pode todavia ser atingido também por outros meios. Daí que não se esteja perante um dever processual fundamental de audição do arguido. Questão diferente será, porventura, a averiguação/decisão sobre se determinada injunção teria sido ou não observada, em termos substantivos ou eventual causa ou fundamento de não cumprimento. No caso, averiguar eventual não cumprimento da injunção e seus fundamentos.

  Mas esta função do Ministério Público surge num segundo plano, ou seja, o Ministério Público só deve avançar para as causas do não cumprimento, depois de verificado este.

  Entende-se que existe um paralelismo entre esta situação de averiguar eventual incumprimento da injunção com aqueloutra do incumprimento dos deveres ou obrigações impostas nos termos do artigo 55º do Código Penal e revogação de suspensão da execução da pena, nos termos do artigo 56º, nº1, alínea a), do mesmo diploma.

  Sobre esta se afirma no Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar e outros Conselheiros, Almedina, fls. 989:

  “Ou seja, o incumprimento não terá que ser doloso mas deverá ser imputável pelo menos a título de negligência grosseira ao arguido; ou então, repetidamente assumido”.

  Neste mesmo sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 2ª Edição, Universidade Católica, fls. 741, onde afirma:

  “Não há revogação automática da suspensão provisória do processo, pois ela depende de uma valoração da culpa do arguido no incumprimento. O critério estabelecido é o do incumprimento das injunções e regras de conduta com culpa grosseira ou reiterada do arguido, tal como prevê o artigo 56º do Código Penal”.

  E ainda Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, fls. 678, onde afirma:

  “ A disposição da alínea a) do nº4 tem que ser objeto de uma interpretação ponderada, harmónica com os princípios perfilhados pelo Código Penal, nomeadamente sobre a culpa, o que terá como resultado uma interpretação restritiva. É desde logo exigível que a falta, para que possa desencadear o prosseguimento do processo, seja imputável ao arguido pelo menos a título de culpa”.

 

  Daqui resulta uma vez mais que, se para ordenar o prosseguimento do processo o Ministério Público deve averiguar se o incumprimento é doloso ou pelo menos negligente a título grosseiro, por maioria de razão deve averiguar se o incumprimento simplesmente se verifica.

  Estamos em sede de mera verificação do cumprimento ou incumprimento da injunção.

  Que pode ser verificado sem a necessidade ou obrigatoriedade de audição expressa do arguido. Logo, não se verifica qualquer nulidade.

  Perante esta conclusão, da inexistência de nulidade, mostra-se desde já prejudicada a 2ª questão equacionada para apreciação: a sua eventual sanação.

  Não existindo nulidade significa que inexiste qualquer vício?

  Com certeza que não.

  Estamos, em nosso entender, perante uma mera irregularidade processual, nos termos do artigo 123º, do Código de Processo Penal.

  Que deveria ter sido arguida no prazo de 3 dias a contar do momento em que o arguido foi notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado – artigo 123º, in fine do Código de Processo Penal.

  O que significa que aquele prazo está ultrapassado.

  Todavia, diz o nº 2 deste mesmo artigo 123º que “pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando puder afetar o valor do acto praticado”.

  É manifesto que esta irregularidade afeta sobremaneira o ato praticado pelo Ministério Público de remeter os autos para julgamento em processo abreviado sem previamente averiguar do cumprimento desta injunção.

  Sobretudo quando resulta neste momento dos autos, que o arguido cumpriu efetivamente a injunção.

  Na verdade, o depósito da quantia dos 550,00 euros deveria ser efetuada pelo arguido até 24.7.2016.

  O arguido efetuou este depósito em 31.5.2016, conforme teor do documento de fls. 59.

  De onde se justifica, até por uma questão de justiça real e efetiva, que deverá ser feita para com o arguido, o dever de declarar a irregularidade nos termos do apontado nº 2, do artigo 123º, do Código de Processo Penal.

 

V

Decisão

Por todo o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso do recorrente Ministério Público e, consequentemente, ainda que por fundamentos diferentes – verificação de irregularidade de conhecimento oficioso que afeta o ato praticado pelo Ministério Público da remessa para julgamento em processo abreviado sem previamente averiguar do cumprimento da injunção - determina-se a remessa do processo, após baixa, ao M. Público, para suprimento da irregularidade.

Sem tributação (o Ministério Público está isento).

Coimbra, 17 de Maio de 2017

(Luís Teixeira – relator)

(Vasques Osório – adjunto)


[1] Repare-se que o juízo de oportunidade do Ministério Público sobre a opção de suspensão provisória do processo, de fixar as injunções adequadas e do juízo sobre o cumprimento efetivo para aqueles efeitos, das respetivas injunções, não colide com o dever processual de averiguação (praticando os actos necessários), do cumprimento da injunção.