Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
95/16.5GACLB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA BOLIEIRO
Descritores: CRIME CONTINUADO
PRESSUPOSTOS
RECUPERAÇÃO DE OBJECTOS
ATENUAÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 06/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (J C CÍVEL E CRIMINAL – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 30.º, 72.º, 73.º E 206.º DO CP
Sumário: I - O consumo habitual de produto estupefaciente e a ausência de rendimentos de proveniência lícita para prover ao seu sustento e satisfazer as necessidades daquele consumo que constituíram a motivação para a prática dos ilícitos destinados a proporcionar proveitos financeiros para fazer face a tais, são factores endógenos à pessoa do recorrente e não consubstanciam qualquer condicionalismo exterior que tivesse actuado como propiciador e facilitador das sucessivas condutas delituosas e que dessa forma conduzisse a uma menor exigibilidade comportamental determinante de uma diminuição considerável da sua culpa.

II - Tais factores que derivam do próprio recorrente não têm relevância para efeitos do preenchimento do exigido quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a sua culpa, ficando, por conseguinte, afastada a verificação de uma continuação criminosa, prevista no artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal.

III - A restituição consiste na entrega ao ofendido da coisa, sendo parcial quando se devolve apenas uma parte dela ou então a coisa inteira que sofreu alteração das suas características essenciais, qualidades ou aptidões de uso.

IV- No caso de restituição ou reparação integral a atenuação especial da pena é obrigatória.

V - Se a restituição ou a reparação do prejuízo forem parciais, a atenuação especial da pena assume carácter facultativo, cabendo ao julgador avaliar se aquele acto, conquanto não integral, ocorreu em circunstâncias tais que, considerada a imagem global do facto, diminuem por forma acentuada a sua ilicitude, a culpa do agente ou a necessidade da pena, procedendo, assim, a uma ponderação à luz das razões atenuativas previstas no artigo 72.º, n.º 2, do CP.

VI - Sendo a entrega aos ofendidos resultado de apreensão policial e, não correspondendo a um acto da iniciativa do recorrente ou dos demais arguidos, não deve relevar para os fins político-criminais subjacentes ao aludido normativo, voltados para a prevenção associada à necessidade de pena.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório 

1. No Tribunal Judicial da Comarca da Guarda – Juízo Central Cível e Criminal da Guarda – Juiz 3, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum com intervenção do tribunal colectivo dos arguidos A... , B... e C... , todos com os demais sinais dos autos, imputando a prática:

- aos arguidos A... e B... , em co-autoria e na forma consumada, de cinco crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alíneas e) e g), e 26.º, todos do Código Penal.

- ao arguido C... , na forma consumada, de três crimes de receptação, previstos e puníveis pelo artigo 231.º, n.os 1 e 4 do Código Penal, um crime de receptação na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 231.º, n.os 1 e 4, 22.º e 23.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, e três crimes de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), com referência aos artigos 3.º, n.º 2, alíneas e) e l), e 2.º, n.º1, alíneas az), x) e m), do Regime Jurídico das Armas e Munições.

Por acórdão proferido em 31 de Janeiro de 2017 foi julgada parcialmente procedente a acusação do Ministério Público e, em consequência, o tribunal a quo:

1. Absolveu o arguido A... da prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punível nos termos dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alíneas e) e g), e 26.º do Código Penal;

2. Absolveu o arguido B... da prática, em co-autoria e na forma consumada de um crime de furto qualificado, previsto e punível nos termos dos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alíneas e) e g), e 26.º do Código Penal.

3. Absolveu o arguido C... , pela prática, na forma consumada, de 3 crimes de receptação, previstos e puníveis nos termos do artigo 231º, n.º 4, do Código Penal, de um crime de receptação na forma tentada, previsto e punível nos termos dos artigos 231.º, n.os 1 e 4, 22.º e 23.º, n.os 1 e 2 do Código Penal e de dois crimes de detenção de arma proibida, previsto e punível nos termos do artigo 86.º, n.º 1, alínea d), com referência aos artigos 3.º, n.º 2, alíneas e) e l), e 2.º, n.º 1, alíneas az), x) e m), do Regime Jurídico das Armas e Munições;

4. Condenou o arguido A... pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de quatro crimes de furto qualificado, previstos e puníveis pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), e 26.º, do Código Penal, na pena parcelar a cada um dos crimes de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão e pela prática. em co-autoria e na forma tentada, de quatro crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), 22.º e 23.º do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

5. Condenou o arguido B... pela prática, em co-autoria e na forma consumada de quatro crimes de furto qualificado, previstos e puníveis pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), e 26.º do Código Penal, na pena parcelar a cada um dos crimes de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão e pela prática em co-autoria e na forma tentada de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), 22.º e 23.º do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, que se suspende na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses com regime de prova;

6. Condenou o arguido C... , pela prática, em autoria material e na forma consumada, de três crimes de receptação, previstos e puníveis nos termos do artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal, nas penas parcelares a cada um dos crimes de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão e pela prática de 1 crime de detenção de arma proibida, previsto e punível nos termos do artigo 86.º, n.º 1, alínea d), com referência aos artigos 3.º, n.º 2, alíneas e) e l) e 2.º, n.º 1, alíneas az), x) e m), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na pena parcelar de 1 (um) ano de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, que se suspende na sua execução pelo período de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses com regime de prova.

Mais foi o pedido de indemnização cível deduzido pelo demandante/assistente Município de N... julgado parcialmente procedente e condenados solidariamente os demandados/arguidos A... , B... e C... a pagar àquele a quantia global de 300,00 euros (trezentos euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a data do acórdão e até integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado pelo demandante/assistente.

E foi também julgado parcialmente o pedido de indemnização cível deduzido pelos demandantes H... e I... e condenados solidariamente os demandados/arguidos A... , B... e C... a pagar àqueles a quantia global de 737,91 euros (setecentos e trinta e sete euros e noventa e um cêntimos) a título de danos patrimoniais e à demandante I... a quantia de 250,00 euros (duzentos e cinquenta euros) a título de danos não patrimoniais, absolvendo-os do demais peticionado pelos demandantes.

2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido A... , finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

I – O Tribunal recorrido entendeu que os factos dados como provados consubstanciam a prática de um concurso efectivo e crimes e não de um crime continuado;

II – Salvo o devido respeito, que é muito, sufragamos entendimento diverso;

            III – Em sede da audiência de discussão e julgamento, o arguido A... confessou a prática dos crimes de furto pelos quais foi acusado;

            IV – O Tribunal a quo considerou provado que o arguido praticou todos os crimes de furto no decurso do mês de Maio de 2016, utilizando, para tanto, idêntico modus operandi;

            V – Havendo resultado provado que o arguido A... era um consumidor habitual de produto estupefaciente;

            VI – O arguido executou a mesma actuação “por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior”, o que diminui consideravelmente a sua culpa, nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal;
VII – A resolução criminosa foi só uma, repetida por cada vez que furtou as residências e os outros edifícios, incidente sobre bens jurídicos semelhantes, sendo indiferente a identidade do sujeito lesado;

            VIII – Na determinação da existência de crime continuado, ou não, o que releva é “a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico”;

            IX – No decurso do mês de Maio de 2016, o arguido cometeu o mesmo crime, repetindo a sua actuação no mesmo quadro fáctico;

            X – Devendo-se apenas considerar a prática de um crime de furto qualificado na forma continuada, porquanto houve, apenas e tão só, sempre a mesma resolução criminosa;

            XI – Sem prescindir, sempre se dirá que na determinação concreta das penas quer parcelares quer única, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71 ° do C.P., porquanto não avaliou devidamente as circunstâncias em que o(s) crime(s) foi(ram) cometido(s);

XII – O arguido era consumidor habitual de produto estupefaciente, enfrentando esse flagelo há já vários anos, havendo sido essa sua condição que o conduziu à prática daqueles factos;

XIII – Havendo, de igual modo, o Tribunal a quo desvalorizado a conduta e a personalidade do arguido;

XIV – O arguido A... voluntaria e espontaneamente confessou os furtos que havia praticado, justificando-os, essencialmente, com os hábitos de consumo de produto estupefaciente, na medida em que o valor por si auferido a título de subsídio de desemprego era manifestamente insuficiente para fazer face aos aludidos consumos;

XV – Sendo considerado uma pessoa educada e estimada por quem o conhece, respeitado no meio em que reside e reconhecido como amigo do seu amigo, pessoa pacata, simples, trabalhadora e humilde;

XVI – Na determinação da medida da pena aplicável, o Tribunal a quo também não teve em consideração o preceituado no n.º 4 do artigo 206.º do C.P.;

XVII – A pena do arguido deveria ter sido especialmente atenuada, atendendo a que os bens furtados foram parcialmente restituídos, sendo certo que, em determinadas situações, a restituição foi integral;

            XVIII – O recorrente não retirou dos furtos praticados o proveito económico equivalente ao valor atribuído aos objectos subtraídos;

            XIX – O Tribunal a quo deveria ter atendido a todas as sobreditas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do arguido na determinação da medida concreta da pena;

            XX – Impondo-se, consequentemente e salvo o devido respeito, a redução da pena concretamente aplicada ao arguido, a qual, s.m.o., deverá ser sempre inferior a 5 anos de prisão;

XXI – O, aliás, douto Acórdão sob apreciação violou as seguintes disposições legais: artigos 30.º, 40.º, nºs 1 e 2, 71.º, nºs 1 e 2, 79.º, n.º 1 e 206.º, n.º 3, todos do Código Penal.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que considere a prática pelo arguido de um único crime de furto qualificado na forma continuada, decretando-se, sempre e em todo o caso, a sua sujeição a uma pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos pela conduta criminosa adoptada, assim se fazendo sã e inteira justiça!!”

3. Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

“1 – Os factos pelos quais o arguido A... foi condenado integram a prática, em coautoria e concurso real, de quatro crimes de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. nos arts. 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. 2), e 26º, do Código Penal, e a prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. e), 22º e 23, do Código Penal.

2 - O consumo de estupefacientes pelo arguido não é uma circunstância exterior ao agente, mas antes uma circunstância do próprio agente, pelo que, não pode fundamentar a aplicação ao caso da figura do crime continuado, prevista no n.º 2, do art. 30º, do Código Penal.

3 - Não tendo ficado provada em audiência de julgamento nenhuma circunstância exterior ao agente que diminua de forma sensível a culpa do recorrente não pode o Tribunal condena-lo pela prática de um crime de furto qualificado, na forma continuada.

4 - Na situação dos autos não ocorreu qualquer comportamento voluntário do arguido que traduza uma restituição ou reparação, ainda que parcial, do prejuízo causado com os crimes em apreço, donde não existe fundamento para a atenuação especial da pena.

5 - A medida concreta das penas, quer das penas parcelares quer da pena única, aplicada ao recorrente mostra-se justa, equilibrada e adequada ao caso, não merecendo qualquer censura.


*

Em face do supra exposto, entendemos que o douto acórdão recorrido não violou qualquer imperativo legal nem enferma de qualquer vício, pelo que, não merecendo censura deverá ser integralmente mantido.

*

Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente, nos termos acima expostos. Assim se fazendo justiça”.

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.° do Código de Processo Penal (doravante CPP), emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida. 

5. Foi efectuado exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre agora decidir.

                                                                   *

II – Fundamentação 

1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões formuladas na motivação, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar[1], sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[2].

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência da recorrente com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a decidir:

- As condutas do recorrente integram um crime praticado na forma continuada.

- A medida da pena aplicada ao recorrente.

                                                        *

2. O acórdão recorrido.

2.1. No acórdão proferido na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

“1. Os arguidos A... e B... não exercem qualquer trabalho lícito remunerado donde retirem proveito económico para o seu sustento diário, e são consumidores habituais de produto estupefaciente, tendo ainda de fazer face a este encargo financeiro de aquisição do produto;

2. Também não lhes é conhecida qualquer outro rendimento lícito proveniente de qualquer outra fonte;

3. O arguido C... exerce funções de motorista do SMAS da Guarda, auferindo o rendimento mensal de € 537,00 pelo exercício deste seu trabalho;

4. Desde data não concretamente apurada, os arguidos A... e B... organizaram-se entre si para se apropriarem de bens patrimoniais de terceiros com valor de mercado que se encontrassem no interior de residências e outros edifícios onde se encontrassem igualmente bens de valor comercial, com o fim de auferir vantagem económica directa com a venda dos bens subtraídos desses locais;

5. Com vista a alcançar este fim comum de obterem vantagem económica à custa de bens subtraídos essencialmente de residências, os arguidos A... e B... procediam à subtracção dos bens e vendiam-nos, entre outros compradores, ao arguido C... por valor monetário acordado entre todos, e muito inferior ao valor real dos bens, para que fossem revendidos por preço superior ao adquirido;

6. Com estes proveitos financeiros obtidos por esta via, os arguidos A... e B... pretendiam fazer face aos encargos inerentes ao seu sustento diário, bem como dos seus dependentes e, ainda, satisfazer as necessidades de consumo de produto estupefaciente do A... e do B... ;

7. Para o desenvolvimento deste plano comum, os arguidos A... e B... utilizavam para as deslocações a viatura de marca Citroen, modelo AX, com a matrícula VJ (...) .

8. Assim, na execução deste plano comum, os arguidos A... e B... :

8.a) No início de Maio de 2016, em dia e hora não concretamente apurados, mas anterior ao dia 8, dirigiram-se à residência do ofendido P... sita em Bairro de C... , (...) , Guarda, escalaram o muro que delimita a área circundante à residência, partiram o vidro da janela da fachada lateral da residência que dá acesso à cozinha e de lá retiram um computador de marca Compac, um televisor de marca Electronia CD 28 HD, um projector de imagem de marca Sony e um micro-ondas;

Ainda forçaram a fechadura da porta da garagem da residência, conseguindo desta forma o acesso ao seu interior e de lá retiraram um corta sebes de marca Black & Decker e um motosserra de marca Sthil.

Os bens subtraídos tinham o valor global de € 2.410,00 e o valor da reparação dos danos causados com a penetração na residência ascendeu a € 550,00.

8.b) No dia 15 de maio de 2016, entre as 12h00m e as 21h00m, dirigiram-se ao Pavilhão Municipal Gimnodesportivo de N... , sito na Rua (...) , em N... e da propriedade da Câmara Municipal de N... , entrando através de uma janela que abriram e de lá retiraram uma bicicleta fitness BH e uma impressora de informática de marca Epson.

Os bens subtraídos tinham o valor global de pelo menos 300,00 euros.

8.c) No dia 16 de maio de 2016, em momento não concretamente apurado, dirigiram-se à residência sita em (...) , em N... , da propriedade do ofendido H... , onde se introduziram por uma janela de uma das casas de banho que partiram para o efeito e de lá retiraram um micro-ondas de marca MEI, uma moto rossadora de marca Sthil, uma rebarbadora de marca Bosch, modelo GWS 2000-230, uma rebarbadora de marca Bosch, modelo GWS 6-125, um berbequim de marca desconhecida, um berbequim de marca Makita, um televisor de marca Saba, uma aparelhagem de marca Philips com colunas de som e um expansor para cabos de cobre.

Os bens subtraídos tinham o valor global de € 3.067€, sendo o custo da reparação dos danos causados com a penetração na habitação de € 550,00.

8.d) No dia 16 de maio de 2016, entre as 17h00m e as 17h30m, dirigiram-se à residência sita na Rua (...) , Fornos de Algodres, da propriedade de O..., ali entrando através da janela de um quarto, cujo vidro e persiana partiram para o efeito e de retiraram um televisor de marca Samsung, um televisor LDC de marca LG, um rádio despertador de marca Sony, uma garrafa de Porto Ferreira Reserva D. Antónia, um cinto preto, um cesto de roupa verde, um conjunto de giletes Chic 4, um conjunto de giletes Bic hibrid, um conjunto de giletes Bic confort, três escovas de dentes Colgate, uma escova de dentes Oral B, duas pastas de dentes Colgate, um roll on suave, um pacote de palitos pica pau, uma embalagem de detergente Tide, duas caixas de pastilhas extra, um boné, diversos pares de meias brancas, duas t-shirts azuis, vários pares de boxers, uma toalha de banho, um pé de cabra, uma picareta, um comando de televisor LG, um comando de televisor Samsung, um suporte de LCD, dois pares de sapatilhas e três tapetes de quarto.

Os bens subtraídos tinham o valor global de € 1.500,00 e os prejuízos causados com a penetração na residência ascendem a € 680,00.

8.e) No dia 16 de maio de 2016, pelas 18h40m, dirigiram-se à residência sita na Av. (...) , Celorico da Beira, da propriedade do ofendido Q...., onde entraram através de uma janela que abriram para o efeito e de lá retiram um televisor de marca LG e um comando de televisor que não conseguiram fazer seu porque entretanto foram detidos;

Os bens subtraídos tinham o valor global de € 450,00 e os custos da reparação dos danos causados com a penetração ascenderam a € 250,00.

9. Os bens descritos em 8.a), 8.b) e 8.c) foram imediatamente entregues pelos arguidos A... e B... ao arguido C... , mediante contrapartida económica entregue por este de montante não apurado e que os primeiros dividiram em termos que acordaram entre si.

10. Os arguidos A... e B... agiram sempre de acordo com o plano que previamente traçaram para alcançar o pretendido fim de obter proveito económico para todos através da venda dos bens que subtraíam, desempenhando as tarefas de execução do plano consoante o acordado e repartindo os proveitos económicos obtidos.

11. Aqueles arguidos quiseram e conseguiram apropriar-se dos referidos objectos, através da entrada forçada nos edifícios, bem sabendo que não tinham o direito de assim ali entrar, que aqueles bens não lhes pertenciam, bem sabendo também que os objectos subtraídos tinham valores superiores a € 102,00 e que agiam contra a vontade dos seus legítimos proprietários.

12. O arguido C... quis e conseguiu adquirir bens cuja proveniência bem conhecia, sendo sabedor que as pessoas que lhos entregavam, os arguidos B... e A... , os subtraíam do interior de residências através de entrada forçada e não autorizada pelos legítimos proprietários, com vista a obter o proveito económico correspondente ao valor dos bens, traduzida em efectiva vantagem patrimonial.

13. No dia 17 de Maio de 2016, pelas 16h50m, o arguido C... possuía na sua residência, sita na Rua (...) , Guarda, 22 cartuchos de chumbos de caça com calibre de 9mm, 28 munições de percussão central com calibre 25 auto, 15 cartuchos zagalotes com calibre de 12 gauge, 15 cartuchos de chumbos de caça de calibre 12 gauge, 1 faca borboleta com 9,6 cm de lâmina e 21,2 cm de comprimento total, 1 faca de abertura automática com 7,8 cm de lâmina e 18,5 cm de comprimento total e 1 pistola semiautomática transformada com calibre 6,35 mm.

14. O arguido sabia que não podia deter as armas e as munições sem para tal ter licença e ainda assim quis detê-las, conforme deteve.

15. Os arguidos agiram livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram punidas penalmente;

16. O arguido B... foi condenado por sentença proferida em 25 de Maio de 2016 no processo comum singular n.º 298/15.0SBGRD do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Instância Local, Secção Criminal, Juiz 1, transitada em julgado em 24 de Junho de 2016, pela prática em 2015 de 1 crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191º, do Código Penal, na pena de 130 dias de multa à taxa legal de 6,00 euros, num total de 780,00 euros;

17. O arguido A... foi condenado:

   -Por acórdão proferido em 25 de Janeiro de 2007 no processo comum colectivo n.º 221/06.2SAGRD do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, transitado em julgado em 9 de Fevereiro de 2007, pela prática em 2 de Junho de 2006 de 1 crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º do Código Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 4,00 euros, num total de 360,00 euros;

   - Por sentença proferida em 22 de Maio de 2009 no processo comum singular n.º 580/08.2SAGRD do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, 1º Juízo, transitada em julgado a 6 de Outubro de 2010, pela prática em 26 de Dezembro de 2008 de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão suspensa por 1 ano sujeita a regime de prova e de pagamento de 250,00 euros até ao termo do período da suspensão à sociedade (...) , Ldª;

   - Por sentença proferida em 10 de Fevereiro de 2012 no processo comum singular n.º 591/10.8SAGRD do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, 2º Juízo, transitada em julgado a 24 de Abril de 2012, pela prática em 10 de Dezembro de 2010 de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;

   18. O arguido C... foi condenado por sentença proferida em 5 de Março de 2014 no processo comum singular n.º 663/13.7TAGRD do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, 1º Juízo, transitada em julgado a 20 de Outubro de 2014, pela prática em 18 de Agosto de 2013 de 1 crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 190 dias de multa á taxa diária de 6,00 euros, num total de 1.140,00 euros;

Dos relatórios sociais:

Arguido B... :

19. B... é o filho mais velho de dois irmãos descendentes de um agregado familiar de modesta condição sócio – económica;

20. O pai trabalhava no sector da construção civil e a mãe como auxiliar de acção educativa na cidade da Guarda;

21. Tem ainda mais um irmão e quatro consanguíneos que fazem vida independente. Possuíam uma média condição sócio-económica, sendo satisfeitas as necessidades básicas do agregado familiar;

22. O relacionamento interpessoal na família era adequado e sem conflitos;

23. A infância decorreu, com alguma imposição de regras e supervisão parental;

24.  Durante a infância, e em termos de ocupação de tempos livres, o arguido gostava de jogar à bola, andar de bicicleta e participar em outras brincadeiras próprias do meio social de origem;

25. Concluiu o 9º ano de escolaridade sem reprovações;

26.  Com cerca de 17 anos passou a trabalhar com caracter irregular na apanha de fruta, como empregado fabril e no sector da construção civil;

27. Iniciou os consumos de droga com cerca de 20/21 anos, abandonou os consumos aos 23 anos e recaiu aos 27 anos;

28. Com cerca de 19 anos encetou união de facto com D... (34 anos, doméstica), de quem tem uma filha ( E... , 4 anos);

29. A companheira tem duas filhas de um anterior relacionamento ( F... e G... com 14 e 10 anos de idade respetivamente, ambas estudantes);

30. À data dos factos residia com a companheira, a filha de ambos, filhas da companheira de um anterior relacionamento e o irmão A... (co - arguido no processo), numa casa arrendada com adequadas condições de habitabilidade;

31. Encontrava-se desocupado laboralmente e pretendia ir com a companheira e o irmão A... ocuparem-se na apanha da cereja para o início de Junho de 2016;

32. Auferia de abono de família das menores €105/mês e de prestação de alimento das enteadas €150/mês;

33.  O irmão auferia de subsídio de desemprego cerca de €450/mês;

34.  Tinham despesas fixas mensais na renda de casa, luz e água no valor, respectivamente, de €150, €30 e €10;

35. Mantinha acompanhamento com o CRI da Guarda;

36. Tem mantido um comportamento globalmente adequado no Estabelecimento Prisional e encontra-se a frequentar o 10º ano de escolaridade;

37. Mantém acompanhamento com o CRI da Guarda;

Arguido A... :

38. A... é o filho mais novo de dois irmãos;

39. O pai trabalhava no sector da construção civil e a mãe como auxiliar de acção educativa na cidade da Guarda;

40. Tem ainda mais um irmão e quatro consanguíneos que fazem vida independente;

41. Possuíam uma média condição sócio - económica, sendo satisfeitas as necessidades básicas do agregado familiar;

42.  O relacionamento interpessoal no agregado familiar era adequado e sem Conflitos;

43. A infância decorreu com alguma imposição de regras e supervisão parental;

44.  Durante a infância, e em termos de ocupação de tempos livres, o arguido gostava de jogar à bola, andar de bicicleta e participar em outras brincadeiras próprias do meio social de origem;

45. Concluiu o ensino básico sem reprovar;

46. No 6º ano de escolaridade começou a manifestar desinteresse pelos estudos, tendo registado três retenções, acompanhava jovens com problemas de comportamento e o seu percurso escolar passou a ser caracterizado por problemas de indisciplina, tendo iniciado nesta altura o consumo de estupefacientes (com cerca de 14/15 anos);

47. Foi alvo de intervenção tutelar educativa pelo abandono escolar, que decorreu entre Junho de 2005 e Janeiro de 2006;

48.  Durante esta fase retomou os estudos e concluiu o 6º ano de escolaridade;

49. Iniciou posteriormente o curso de electricidade na Escola Secundária (...) , mas acabou por desistir durante o ano lectivo 2006/2007;

50. Sem concluir o 9º ano de escolaridade, o arguido abandonou a escola e viveu durante cerca de 5 meses em França, dedicando-se à distribuição de panfletos de publicidade;

51.  Com 17 anos trabalhou durante 8 meses na fábrica “ K(...) ” na Guarda, tendo saído porque esta fábrica acabou por fechar;

52. Posteriormente dedicou-se à colheita de morangos e cereja e durante 7 meses trabalhou no sector da construção civil na Guarda, tendo posteriormente desenvolvido o mesmo tipo de actividade no Porto, na mesma entidade patronal e com melhoria de salário, onde trabalhou cerca de 3 anos para a empresa “ T(...) ”. Nesta fase e conforme o trabalho distribuído, residiu em várias localidades, em residenciais, cujo pagamento era suportado pela entidade patronal.

53. Durante aquele período viveu em união de facto com Cátia Costa, trabalhadora da área da hotelaria, durante cerca de dois anos e meio, tendo entretanto, ocorrido a separação por desentendimentos entre ambos que com o decorrer do tempo acabaram por se intensificar.

54. Por ter ficado desempregado por cessação de contrato, regressou para casa dos progenitores em Fevereiro de 2011, tendo o pai falecido em Abril do mesmo ano.

55. Após cumprimento de pena reintegrou o agregado familiar da progenitora, reiniciou actividade laboral no sector da construção civil e iniciou acompanhamento com o CRI da Guarda;

56.  Após o cumprimento da liberdade condicional, em 16/11/2015, retomou os consumos de droga, deixou de comparecer no CRI da Guarda e acabou por ficar desempregado no início do ano seguinte;

57. A... à data dos factos residia, em N... , com o irmão mais velho, B... , companheira deste, D... , 34 anos, doméstica, a filha destes ( E... , 4 anos) e duas filhas de D... , de 14 e 10 anos de idade, fruto de anterior relação afectiva desta;

58. Laboralmente encontrava-se inactivo e quer ele, quer o irmão e companheira deste tinham trabalho assegurado na apanha da cereja para o início de Junho de 2016;

59. Auferia de subsídio de desemprego cerca de €450/mês, o irmão e cunhada auferiam de abono de família cerca de €105 mês e de prestação de alimentos da F... e G... cerca de €150/mês;

60. Detido preventivamente no E.P. da Guarda desde 16/05/2016, tem mantido um comportamento globalmente adequado, encontrando-se a frequentar o EFA B3 (Educação e Formação para Adultos) que lhe dará equivalência ao 9º ano de escolaridade;

Arguido C... :

61. C... nasceu na Guarda, sendo o filho único de um casal de condição sócio-económica humilde, mas que sempre lhe proporcionou adequadas condições de vida;

62. O pai era electricista, a mãe trabalhou num consultório médico e posteriormente no Instituto Politécnico da Guarda como auxiliar;

63. A dinâmica familiar era organizada, existindo da parte dos pais preocupação na transmissão de regras e na supervisão do filho;

64. O arguido frequentou a escola em idade própria com um percurso relativamente regular mas acabou por desistir dos estudos sem concluir o 3º ciclo, já que queria começar a trabalhar;

65. Iniciou actividade laboral numa fábrica de produtos alimentares onde esteve até cumprir o serviço militar. Posteriormente trabalhou vários anos na Telecom;

66.  Em 1999 foi admitido na Câmara Municipal da Guarda, onde permanece integrado, desde há vários anos, no SMAS;

67. Casou, com 24 anos, com uma educadora de infância, de quem teve dois filhos, actualmente com 29 e 23 anos, estudantes do ensino superior;

68. Tem outra filha, com 21 anos que vive em Inglaterra, fruto de uma relação extramatrimonial;

69. O divórcio do casal foi decretado em 2002;

70. C... vive em união de facto há cerca de seis anos com a actual companheira, cidadã brasileira;

71. Desde a juventude e durante muitos anos integrou activamente a corporação de Bombeiros Voluntários da Guarda, da qual se desvinculou há algum tempo por divergências com a direcção;

72. À data dos factos residia com a companheira, R... (34 anos, frequenta curso profissional) de quem tem uma filha de 2 anos e 8 meses;

73. O casal habita num apartamento arrendado, de tipologia T4 num bairro residencial da cidade;

74. Dois dos quartos da habitação estão arrendados a duas hóspedes, estudantes do Instituto Politécnico da Guarda;

75. A relação conjugal e familiar é avaliada positivamente por ambos elementos do casal.

76. Desde o nascimento da filha, o arguido tem participado activamente nos cuidados com a mesma, sendo perceptível uma forte vinculação afectiva à menor;

77. Além deste agregado constituído, o arguido mantém relação e convívio próximo com os pais e com os filhos mais velhos;

78. A nível laboral C... trabalha há cerca de 15 anos como motorista nos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento da Guarda;

79.  Desde 2013/14, após reorganização dos serviços, além de motorista passou a integrar uma das equipas de cobranças de dívidas atrasadas;

80. O arguido tem executado as suas funções com responsabilidade e empenho e sempre prestou as contas com rigor;

81. É um funcionário assíduo e disponível, fazendo horas extraordinárias sempre que necessário e mantém uma adequada relação com colegas e superiores;

82. Fazia alguns biscates em reparações de electricidade e também como segurança em festas/eventos;

83. À data dos factos, as receitas fixas do agregado próprio procediam do salário do arguido (537€/base acrescido de subsídio de refeição) e das rendas pagas pelas hóspedes (200€ no total);

84.  A companheira esteve integrada até Agosto 2016 num programa do centro de emprego onde recebia uma bolsa mensal de 419€, tendo requerido posteriormente o RSI (271€) prestação que ainda mantém;

85. Paga uma renda mensal no montante de 250,00 euros.

86. Participava na organização e promoção de eventos desportivos e recreativos duma associação desportiva de que é sócio.

87. No Estabelecimento Prisional da Guarda o arguido tem mantido bom comportamento e frequenta o 3º ciclo através de um curso profissional de operador de informática;

88.  Tem participado numa actividade de educador de pares na área da saúde e prevenção de comportamentos de risco.

Da defesa dos arguidos:

80. O arguido A... é considerado pessoa educada e estimada por quem o conhece, sendo respeitado no meio em que reside e reconhecido como amigo do seu amigo, pessoa pacata, simples, trabalhadora e humilde;

89. O arguido C... é considerado trabalhador pontual, diligente, atento, interessado e de confiança e cidadão respeitador, educado e bem integrado na sociedade;

Dos pedidos cíveis:

89. A bicicleta foi devolvida ao assistente inutilizada com várias amolgadelas, não podendo ser utilizada no estado em que se encontra;

90. O valor da bicicleta é de 300,00 euros;

91. Não foram restituídos aos ofendidos H... e I... um televisor, uma máquina de café e uma máquina fotográfica que tinham o valor, respectivamente de 189,90 euros, 52,90 euros e 149,00 euros;

91. Com a entrada na habitação, os arguidos A... e B... causaram danos na janela e persiana de uma das casas-de-banho, cuja reparação, suportada pelos ofendidos, custou 18,01 euros;

92. Os ofendidos tiveram que se deslocar a Portugal, pois residem em França, tendo gasto a quantia de 180,00 euros em avião, com bilhetes de ida e volta e 110,00 euros pelo aluguer de telemóvel;

93. Despenderam com gasóleo 38,10 euros;

94. A conduta dos arguidos causou revolta, indignação, incómodos, chatices e irritação aos ofendidos H... e I... ;

95. A ofendida I... ainda hoje não consegue estar sozinha na sua residêncial”.

2.2. Quanto a factos não provados, do acórdão recorrido consta o seguinte:

Não se provou que:

- O arguido C... pretendia aumentar exponencialmente o seu rendimento mensal, vivendo como se tivesse duas actividades profissionais e beneficiando, efectivamente, do rendimento da actividade de motorista do SMAS da Guarda e do produto resultante do negócio de compra e venda de produtos subtraídos ilicitamente pelos demais arguidos e outros fornecedores de produtos de proveniência igualmente ilícita;

- O arguido C... dedicava-se à aquisição e venda dos produtos subtraídos como se de uma segunda actividade profissional de tratasse, fazendo desta actividade um segundo modo de vida.

- Para o desenvolvimento deste plano comum, os arguidos contactavam regularmente entre si, quer por via de contacto telefónico, quer pessoalmente para procederem à execução das subtracções e entrega dos produtos e utilizando para as deslocações a viatura de marca Citroen, modelo AX, com a matrícula VJ (...) .

- Os bens descritos em 8.d) e 8.e) só não foram entregues pelos arguidos A... e B... ao arguido C... devido à imediata apreensão dos mesmos pela GNR, pese embora o arguido C... aguardar ansiosamente pelos mesmos e tentar contactar telefonicamente aqueles para os instar a entrega-los após a detenção que ainda era sua desconhecida.

- O arguido C... Apenas não logrou adquirir os bens subtraídos em 8.d) e 8.e) por razões estranhas à sua vontade e não obstante as diligências que encetou para o efeito.

- O facto descrito em 8.a) tenha sido praticado entre o dia 11 e o dia 14 de Maio de 2016.

- O arguido C... , no dia 17 de Maio de 2016, possuía diversos bens cuja posse não consegue explicar e que lhe terão sido entregues por indivíduos que os subtraíram ilicitamente a terceiros.

- Os bens subtraídos no pavilhão gimnodesportivo de N... tinham o valor global de pelo menos 1050,00 euros.

- A impressora foi devolvida ao Município de N... partida e com falta de peças.

- Os ofendidos H... e I... , foram ressarcidos pela companhia de seguros pelos danos causados na janela e persiana em 320,00 euros.
              - Os ofendidos H... e I... despenderam com gasóleo 100,00 euros”.

                                                              *

3. Apreciando.

3.1. No acórdão recorrido o tribunal a quo considerou que o arguido A... (ora recorrente) cometeu, em co-autoria material e na forma consumada, quatro crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), e 26.º, todos do Código Penal, e em co-autoria material e na forma tentada, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), 22.º e 23.º, todos do Código Penal.

Sustenta, contudo, o recorrente que os factos provados se subsumem na prática de um crime de furto qualificado na forma continuada. Para tanto alega que o tribunal a quo considerou provado que aquele praticou todos os crimes de furto no decurso do mês de Maio de 2016, utilizando idêntico modus operandi, e que era um consumidor habitual de produtos estupefacientes, de onde resulta que a resolução criminosa foi só uma, repetida por cada vez que furtou as residências e os outros edifícios, incidindo sobre bens jurídicos semelhantes, sendo indiferente a identidade do sujeito lesado. Concluindo, assim, que executou a mesma actuação por forma essencialmente homogénea e no quadro da mesma solicitação exterior, o que diminui consideravelmente a sua culpa, nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal.

Vejamos, pois.

Conforme dispõe o artigo 30.º, n.os 1 e 2 do Código Penal:

1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

A consideração unitária como crime continuado de uma série de actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime ou diversos tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, salvo quando este revista natureza eminentemente pessoal (cf. artigo 30.º, n.º 3 do Código Penal), e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções criminosas, encontra justificação, quer em razões de justiça, quer de economia processual, quando o menor grau de culpa do agente se traduz numa gravidade diminuída face à que é revelada no concurso real de infracções.[3] 

O crime continuado ocorre, pois, quando a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico corresponde uma actuação que é executada por uma forma que reveste uma determinada homogeneidade e aproveita um condicionalismo exterior que facilitou a repetição da actividade delituosa, tornando cada vez menos exigível que o agente actue de maneira diferente, ou seja, de acordo com o direito, fazendo, assim, diminuir consideravelmente a sua culpa.[4]

Tratando-se de uma exigibilidade sensivelmente diminuída que decorre de uma mesma situação exterior, esta deve, pois, basear-se em factores exógenos e não em razões de ordem endógena que derivam do próprio agente, como seja a actuação no quadro de uma dependência de estupefacientes que o motiva à prática de delitos para obter meios de sustento destinados a satisfazer as necessidades de consumo.[5]

Nestes casos o propósito criminoso que está por detrás da repetição da actividade ilícita deriva de um quadro interior inerente ao próprio agente e não de uma disposição exterior das coisas para o facto que de forma considerável facilitou aquela repetição e que, sob o ponto de vista de uma menor exigibilidade criada de fora, fundamenta a existência de um menor grau de culpa que justifica o apontado tratamento unitário no quadro da continuação criminosa, punida pela forma atenuada prevista no artigo 79.º do Código Penal.

Revertendo ao caso dos autos e tendo presente a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, que se considera assente, face à ausência de impugnação da correspondente decisão e em relação à qual não se detecta qualquer vício que oficiosamente deva ser conhecido, verifica-se que as condutas praticadas pelo recorrente se subsumem no aludido tipo previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal [furto qualificado, ou seja, subtracção de coisa móvel alheia, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, penetrando em habitação ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas], preenchido quatro vezes na forma consumada [cf. factos n.os 8.a), 8.b), 8.c) e 8.d)] e uma vez na forma tentada [cf. facto n.º 8.e)].

É um dado que as repetidas condutas praticadas pelo recorrente preencheram sempre o mesmo tipo de crime, nos termos acima indicados, para além de que em todas elas foi utilizado um modus operandi similar, estando, assim, verificados os pressupostos previstos no citado artigo 30.º, n.º 2 de realização plúrima do mesmo tipo de crime (1) executada por forma essencialmente homogénea (2).

Contudo, já o mesmo não se poderá dizer quanto ao elemento atinente à solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente, também exigido por aquele normativo. É que, se é certo que a apontada actuação do recorrente se caracteriza por uma proximidade temporal (os furtos foram cometidos entre o início de Maio de 2016 e o dia 16 do mesmo mês e ano), não é menos verdade que a mesma situação em cujo quadro se deu o comportamento delituoso em análise não apresenta as características exteriores previstas na norma citada que, facilitando a repetição da actividade criminosa, tornariam cada vez menos exigível a adopção de um comportamento diverso, de acordo com o direito, e que assim diminuiriam consideravelmente a culpa do agente.

 Na verdade, o consumo habitual de produto estupefaciente e a ausência de rendimentos de proveniência lícita para prover ao seu sustento e satisfazer as necessidades daquele consumo que constituíram a motivação para a prática dos ilícitos destinados a proporcionar proveitos financeiros para fazer face a tais encargos (cf. factos n.os 1, 2, 4, 5 e 6), são factores endógenos à pessoa do recorrente e não consubstanciam, pois, qualquer condicionalismo exterior que tivesse actuado como propiciador e facilitador das sucessivas condutas delituosas e que dessa forma conduzisse a uma menor exigibilidade comportamental determinante de uma diminuição considerável da sua culpa.

Tais factores que derivam do próprio recorrente não têm, assim, relevância para efeitos do preenchimento do exigido quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a sua culpa, ficando, por conseguinte, afastada a verificação de uma continuação criminosa, prevista no artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal.

Face ao supra exposto, há que concluir que as apuradas condutas do recorrente não integram a prática de um crime continuado, sendo certo, por outro lado, que é correcto o enquadramento jurídico efectuado no acórdão recorrido, ao considerar que aquele praticou, em co-autoria material, quatro crimes de furto qualificado na forma consumada e um crime de furto qualificado na forma tentada, tudo nos termos das já citadas disposições legais.

                                                         *

3.2. Invoca ainda o recorrente que o tribunal a quo violou o disposto no artigo 71 ° do Código Penal porquanto não avaliou devidamente as circunstâncias em que os crimes foram cometidos, para além do que desvalorizou a conduta e a personalidade daquele, consumidor habitual de produto estupefaciente, tendo sido essa sua condição que o conduziu à prática daqueles factos, a que acresce que voluntária e espontaneamente confessou os furtos que havia praticado, justificando-os, essencialmente, com tais hábitos de consumo, sendo considerado uma pessoa educada e estimada por quem o conhece, respeitado no meio em que reside e reconhecido como amigo do seu amigo, pessoa pacata, simples, trabalhadora e humilde, ou seja, tudo circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a seu favor na determinação da medida concreta da pena e que o julgador não considerou.

  Mais invocando que na determinação da medida da pena aplicável o tribunal a quo também não teve em consideração a atenuação especial prevista no artigo 206.º, n.º 4 do Código Penal, atendendo a que os bens furtados foram parcialmente restituídos, sendo certo que em determinadas situações a restituição foi integral, a que acresce que o recorrente não retirou dos furtos praticados o proveito económico equivalente ao valor atribuído aos objectos subtraídos.

                                                         *

Antes de passarmos à análise dos aspectos relativos à determinação da medida concreta da pena, a operar dentro da moldura penal prevista no tipo de crime praticado, cumpre conhecer da invocada aplicação ao caso da atenuação especial da pena, nos termos previstos no artigo 206.º, n.º 3 do Código Penal, a qual, a verificar-se, se reflectirá nos limites mínimo e máximo daquela moldura, constituindo, por conseguinte, uma etapa prévia à fixação do referido quantum concreto.

Conforme dispõe o artigo 206º, n.os 2 e 3 do Código Penal (na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro):

2 - Quando a coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for restituída, ou tiver lugar a reparação integral do prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.

3 - Se a restituição ou a reparação forem parciais, a pena pode ser especialmente atenuada.

A atenuação especial prevista nos citados números funda-se em razões de prevenção e na sua relação com a necessidade de pena, face à relevância que nos crimes patrimoniais é dada à reposição do património do ofendido no estado em que se encontrava antes do crime contra ele praticado, seja pela restituição da coisa, seja pela reparação dos danos que dele decorreram, reforçando-se, assim, a consideração da vítima como destinatário da política criminal.[6]

A restituição consiste na entrega ao ofendido da coisa, sendo parcial quando se devolve apenas uma parte dela ou então a coisa inteira que sofreu alteração das suas características essenciais, qualidades ou aptidões de uso. A entrega deve ter lugar por acto da iniciativa do agente do crime, uma vez que só assim será possível alcançar o efeito ressocializador que fundamenta a prevista atenuação especial, assente, como se disse, em razões de ordem preventiva ligadas à necessidade de pena.[7]

No caso de restituição ou reparação integral a atenuação especial da pena é obrigatória, nos termos previstos no artigo 206.º, n.º 2 do Código Penal e com as consequências estabelecidas no artigo 73.º do mesmo diploma.

Se a restituição ou a reparação do prejuízo forem parciais, a atenuação especial da pena assume carácter facultativo, cabendo ao julgador avaliar se aquele acto, conquanto não integral, ocorreu em circunstâncias tais que, considerada a imagem global do facto, diminuem por forma acentuada a sua ilicitude, a culpa do agente ou a necessidade da pena, procedendo, assim, a uma ponderação à luz das razões atenuativas previstas no artigo 72.º, n.º 2 do Código Penal.

Sucede que, in casu, nada se provou no sentido de que a recuperação de objectos por parte dos ofendidos dos furtos se ficasse a dever a acto da iniciativa do recorrente, dos restantes arguidos ou sequer de um terceiro, em nome ou no interesse daqueles agentes.

Com efeito, em relação aos furtos descritos nos pontos 8.a), 8.b) e 8.c), os bens subtraídos foram imediatamente entregues pelos arguidos A... (ora recorrente) e B... ao arguido C... , mediante contrapartida económica de montante não apurado que este pagou e que os primeiros dividiram entre si (cf. facto provado n.º 9).

Por outro lado, segundo também se provou, a bicicleta a que se refere o facto 8.b) foi devolvida ao assistente inutilizada com várias amolgadelas, não podendo ser utilizada no estado em que se encontra (cf. facto n.º 89).

Resultando igualmente da factualidade apurada que dos bens subtraídos aos ofendidos H... e I... , indicados em 8.c), não foi restituído o televisor, no valor de 189,90 € [note-se que dos bens elencados no citado facto 8.c) não consta que tenham sido subtraídas uma máquina de café e uma máquina fotográfica] e que com a entrada na sua habitação os arguidos A... e B... causaram danos na janela e persiana cuja reparação foi suportada pelos ofendidos e custou 18,01 € (cf. facto n.º 91). 

Sendo certo que, como se pode ler na motivação da decisão da matéria de facto vertida no acórdão recorrido e resulta dos correspondentes elementos juntos aos autos, indicados naquela motivação, os objectos subtraídos nos furtos foram apreendidos pelas autoridades policiais, quer no âmbito de buscas que efectuaram à residência dos arguidos e da testemunha M..., quer aquando da detenção em flagrante delito dos arguidos A... e B... (cf. acórdão recorrido – fls.1327 a 1329).

Atendendo ao modo como foram recuperados os citados bens, há que concluir que não se verificou restituição (parcial) das coisas apropriadas, nos termos e para os efeitos do artigo 206.º, n.º 3 do Código Penal, pois que a sua entrega aos ofendidos foi resultado de apreensão policial e, por conseguinte, não corresponde a um acto da iniciativa do recorrente ou dos demais arguidos e não deve, assim, relevar para os fins político-criminais subjacentes ao aludido normativo, voltados, como se disse antes, para a prevenção associada à necessidade de pena.[8]

Ainda que no caso tivesse ocorrido uma entrega susceptível de configurar restituição parcial, tendo em vista o instituto consagrado no artigo 206.º, n.º 3 do Código Penal, sempre seria de concluir que, face aos pertinentes elementos provados que nos fornecem uma imagem global do facto, a situação sub judice não revela uma acentuada diminuição da necessidade da pena que justifique a sua atenuação especial (cf. artigo 72.º, n.º 1 do Código Penal): como se viu, ainda que posteriormente recuperados, os bens subtraídos nos furtos descritos em 8.a), 8.b) e 8.c) foram logo entregues pelos arguidos A... e B... ao receptador e também arguido C... , mediante contrapartida económica de montante não apurado que este pagou e que os primeiros dividiram entre si; os ofendidos sofreram prejuízos com a entrada nas respectivas habitações para perpetrar os furtos, nos termos indicados em 8.a), 8.c), 8.d) e 8.e), sendo que em relação aos factos descritos em 8.b) a bicicleta subtraída foi devolvida ao assistente num estado que não permite a sua utilização, não havendo notícia de que os danos assim provocados tenham sido reparados pelo recorrente e/ou demais arguidos; os antecedentes criminais do recorrente respeitam também a furtos (simples e qualificados – cf. facto n.º 17); e os demonstrados hábitos de consumo de produto estupefaciente que, aliados à falta de meios lícitos para prover ao seu sustento, constituem claramente um motor para o cometimento de factos que permitam obter vantagem económica (cf. factos n.os 1 e 2).

Termos em que se conclui, pois, que não estão verificados os pressupostos previstos no artigo 206.º, n.º 3 do Código Penal para a atenuação especial da pena de prisão, improcedendo, por conseguinte, a correspondente pretensão formulada pelo recorrente.

                                                         *

A prevenção e a culpa constituem os critérios a que deve obedecer a determinação da medida concreta da pena (artigos 40.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal), tendo presente que a prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto e que a culpa, dirigida ao agente do crime, funciona como “limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas” [9].

A medida da pena deverá, pois, resultar da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto, ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – prevenção geral positiva ou de integração –, conjugada com a necessidade de prevenção especial positiva ou de socialização, dentro do limite inultrapassável ditado pela culpa.

Recordando-se aqui que a prevenção geral destinada à tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da nova violada constitui a finalidade primordial a prosseguir e funciona como limite à prevenção especial positiva ou de socialização.

No processo de determinação da pena concreta há então que ponderar as circunstâncias apuradas no caso concreto que relevam para a culpa e para a prevenção e que funcionam, assim, como factores de medida da pena.

Nessa determinação a operar dentro dos limites da moldura abstracta estabelecida para o crime praticado, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o respectivo modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando se destina a reparar as consequências do crime, e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, tudo conforme previsto no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal.

Revertendo ao caso dos autos, os quatro crimes de furto qualificado, previstos nos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), e 26.º, todos do Código Penal, são puníveis com pena de prisão de dois a oito anos, tendo o tribunal a quo fixado a medida concreta para cada um dos crimes em dois anos e nove meses de prisão.

Ora, tais penas concretas, próximas do limite mínimo da respectiva moldura abstracta, ainda que dela se distanciando em nove meses, mostram-se conformes às exigências de prevenção geral e especial manifestadas no caso sub judice, sem que, contudo, excedam a culpa revelada pelo recorrente.

Na linha do que se assinalou no acórdão recorrido, a intensidade do dolo, na modalidade de dolo directo, eleva a culpa do recorrente. Neste contexto, há que referir que resulta da matéria provada que o projecto criminoso do recorrente se destinava a custear as suas despesas com o consumo habitual de produto estupefaciente (e bem assim os encargos com o seu sustento). Contudo, da mesma matéria não se retira que, em concreto, aquele tenha agido condicionado e por efeito das suas necessidades aditivas, de modo a contender com o domínio de liberdade inerente à culpa, pelo que não se pode concluir que tal condição pessoal do recorrente, verificada no momento da prática dos factos, seja de molde a exercer um efeito atenuativo daquela culpa.

Para além da ilicitude da conduta praticada, há que atender ainda às exigências de prevenção especial, no caso situadas num patamar muito elevado, atentas as condenações anteriores por crimes de igual natureza, tendo aquele já cumprido pena de prisão efectiva, o que não o demoveu de cometer novos ilícitos criminais.

Com efeito, conforme se apurou, o recorrente conta com as seguintes condenações (cf. facto provado n.º 17):

- Por acórdão transitado em julgado em 09-02-2007 (processo comum colectivo n.º 221/06.2SAGRD do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda), pela prática, em 02-06-2006, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 4,00 €, num total de 360,00 €;

  - Por sentença transitada em julgado em 06-10-2010 (processo comum singular n.º 580/08.2SAGRD do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, 1.º Juízo), pela prática, em 26-12-2008, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de um ano de prisão suspensa por um ano, sujeita a regime de prova e ao pagamento de 250,00 € até ao termo do período da suspensão à sociedade (...) , Lda.;

  - Por sentença transitada em julgado em 24-04-2012 (processo comum singular n.º 591/10.8SAGRD do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, 2.º Juízo), pela prática, em 10-12-2010, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão.

Mais se apurando que, após o cumprimento da pena, o recorrente reintegrou o agregado familiar da progenitora, reiniciou actividade laboral no sector da construção civil e iniciou acompanhamento com o CRI da Guarda. Contudo, após o cumprimento da liberdade condicional, em 16-11-2015, retomou os consumos de droga, deixou de comparecer no referido CRI e acabou por ficar desempregado no início do ano seguinte (cf. factos provados n.os 55 e 56), inactividade laboral que se verificava à data da prática dos factos (cf. facto provado n.º 1).

Ora, ante um quadro em que sobressai o passado criminal atrás descrito, em que as respostas penais aplicadas não lograram alcançar o pretendido efeito ressocializador, revelando o recorrente uma personalidade com sérias dificuldades em adoptar um comportamento conforme ao direito, não cometendo novos crimes, a que acrescem os apontados hábitos de consumo de produto estupefaciente e a referida situação de inactividade laboral, há que concluir que são muito elevadas as necessidades de prevenção especial, conforme foi considerado pelo tribunal a quo.

Por outro lado, como também entendeu o tribunal a quo, as exigências de prevenção geral são consideravelmente elevadas (“elevadíssimas”, na expressão adoptada no acórdão recorrido) “dada a frequência com que ocorrem crimes contra o património, provocando um enorme sentimento de insegurança e alarme social, e, relativamente ao crime de receptação porque potencia a prática de crimes contra o património e contra as pessoas e a disposição para receber bens provenientes de ilícitos aumenta a prática de crimes contra o património e pessoas, o que suscita por parte da comunidade uma necessidade acrescida de restabelecimento da confiança na validade das normas infringidas, a exigir por parte do tribunal severidade na punição”.

Assim, indo ao encontro do entendimento manifestado na decisão recorrida, diremos que o forte alarme social e insegurança provocados pelos crimes contra o património como os cometidos pelo recorrente, realidade que frequentemente afecta a comunidade, que se vê confrontada com ondas de “assaltos a residências”, colocando em sobressalto os seus elementos, face ao risco de se verem privados dos seus bens, com a inerente intrusão num espaço que razoavelmente seria de tomar como seguro, justificam uma resposta punitiva firme, sendo que só esta dá satisfação às expectativas da comunidade no sentido da manutenção e reforço da norma violada e consequente protecção do bem jurídico tutelado.

A favor do recorrente milita a circunstância de ter admitido a prática dos factos, aspecto também considerado pelo tribunal a quo.

Por fim, no que respeita aos apurados factos de que o recorrente é considerado como pessoa educada e estimada por quem o conhece, respeitado no meio em que reside e reconhecido como amigo do seu amigo, pessoa pacata, simples, trabalhadora e humilde (cf. facto provado n.º 80), pese embora sejam reveladores de aspectos positivos da sua interacção com os outros e de uma determinada postura percepcionada por quem o conhece, não é menos verdade que os mesmos não foram de molde a demovê-lo da prática dos crimes ora em análise, manifestando no seu cometimento uma falta de preparação para manter uma conduta lícita que deve, pois, ser censurada com a aplicação da pena que, na dosimetria fixada pelo tribunal a quo, permite acolher também em justa medida o relevo que deve ser dado a tais elementos positivos na prossecução dos objectivos de ressocialização que a pena concreta visa alcançar.

Assim, tendo as operações de determinação da medida da pena observado um correcto procedimento, indicando e sopesando todos os factores relevantes para a dosimetria concreta, a qual foi fixada dentro dos parâmetros estipulados na lei, sem que se verifique violação das regras de experiência ou desproporção da quantificação efectuada[10], há que concluir que na presente sindicância não ocorrem razões que fundamentem uma intervenção correctiva no sentido da redução das penas concretas de dois anos e nove meses de prisão aplicadas a cada um dos crimes consumados, não merecendo, pois, acolhimento a pretensão a este respeito deduzida no recurso.

O mesmo sucedendo com a pena parcelar de um ano e seis meses de prisão, fixada para o crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), 22.º e 23.º, todos do Código Penal, face à moldura abstracta de um mês a cinco anos e quatro meses de prisão (artigos 23.º e 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal), o último dos ilícitos praticados pelo recorrente na apurada série de cinco condutas delituosas e que não logrou obter consumação porque aquele foi entretanto detido [cf. facto provado n.º 8.e)], revelando-se a concreta dosimetria determinada ajustada à luz das circunstâncias a atender e tendo em vista os critérios legais a observar e não se detectando qualquer violação das regras de experiência ou desproporção da quantificação efectuada que demande intervenção correctiva na presente sede, pelo que deve de igual modo improceder a correspondente pretensão recursória.

                                                        *

No que concerne à pena única, cuja determinação deve obedecer às regras aplicáveis ao concurso, estabelecidas no artigo 77.º do Código Penal, ante a uma moldura que no presente caso corresponde a um mínimo de dois anos e nove meses e a um máximo de doze anos e seis meses de prisão, o tribunal a quo efectuou uma ponderação conjunta em que concretamente considerou o número de vezes em que foram adoptadas condutas criminosas, a natureza e gravidade dos crimes em concurso, a sua prática num contexto espácio-temporal próximo e a personalidade do recorrente, tendo concluído pela dosimetria concreta de cinco anos e seis meses de prisão.  

Ora, tal pena única, que corresponde à adição à pena mais elevada de cerca de ¼ da soma das restantes penas parcelares, observa os critérios de avaliação conjunta plasmados no n.º 1 do citado artigo 77.º, mormente a interconexão entre os diversos ilícitos praticados [que no caso se caracteriza pelo indicado contexto de proximidade espácio-temporal e pela homogeneidade da actuação], e a relação daqueles com a personalidade do recorrente, assinalando-se aqui que as diversas condutas motivadas por um propósito comum são reveladoras de uma tendência criminosa que, tendo como fio condutor o consumo habitual de produto estupefaciente, justificam que o seu desvalor seja considerado em grau moderado, na medida em que tais hábitos são de molde a ter contribuído para criar no agente uma predisposição para a prática de crimes, aspecto que se mostra adequadamente reflectido na dosimetria da pena única alcançada, que está contida no limite da culpa, sendo certo que aquela também assegura na devida proporção as exigências de prevenção especial que no caso são acentuadas, face ao contacto que aquele já manteve com o sistema penal sem que aproveitasse as respostas aplicadas, e às circunstâncias pessoais associadas aos referidos hábitos de consumo de produto estupefaciente que demandam que a necessária intervenção ressocializadora em meio institucional assegure um acompanhamento adequado a tal problemática, mostrando-se, outrossim, respeitadas as finalidades preventivas gerais sentidas ao nível dos crimes contra o património como os ora em causa.

Não merece, pois, censura a decisão tomada pelo tribunal a quo na determinação de cada uma das penas parcelares e que, em sede da pertinente operação de cúmulo jurídico, resultou na fixação da pena única de cinco anos e seis meses de prisão.

Devendo, por conseguinte, ser integralmente mantido o acórdão recorrido.

                                                        *

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, confirmando, em consequência, o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigo 513.º, n.os 1 e 3 do CPP e artigo 8.º, n.º 9 do RCP e Tabela III anexa).

Coimbra, 7 de Junho de 2017

(O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela primeira signatária – artigo 94.º, n.º 2 do CPP)

              

(Helena Bolieiro - relatora)

(Brízida Martins – adjunto)


[1] Na doutrina, cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113. Na jurisprudência, cf., entre muitos, os Acórdãos do STJ de 25-06-1998, in BMJ 478, pág.242; de 03-02-1999, in BMJ 484, pág.271; de 28-04-1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193.
[2] Cf. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28-12-1995.
  
  
[3] Cf. Eduardo Correia, Direito Criminal II, reimp., Almedina, 1971, págs.208-209.
[4] Cf. Eduardo Correia, op. cit., págs.209-210. Cf. ainda Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2007, págs.1031-1032.
[5] Cf. Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Noções de Direito Penal, 5.ª ed., Rei dos Livros, 2016, pág.157. Cf. ainda os Acórdãos da Relação do Porto de 06-01-2010 e da Relação de Coimbra de 18-04-2012, ambos disponíveis na Internet em <http://www.dgsi.pt>, bem como a jurisprudência do STJ citada neste último aresto.
[6] Cf. Jorge de Figueiredo Dias (dir.), Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, págs.116-117 (anotação ao artigo 206.º). 
[7] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, op. cit., págs.119-120. Cf. ainda Acórdão da Relação de Coimbra de 27-06-2012, disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.
[8] Cf. as referências feitas na nota n.º 7.
[9] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág.109.
[10] Cf. Acórdão do STJ de 14-05-2009, disponível na Internet em <http://www.dgsi.pt>.