Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
124/06.0TATBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: ACIDENTE SIMULTANEAMENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 10/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 566º DO CC, 64º DO DL 291/2007 DE 21/08
Sumário: 1 A norma do nº 7 do artigo 64 º do DL 291/2007 só deve ser tida em conta na fixação de indemnizações devidas por acidentes ocorridos posteriormente ao início da sua vigência.
2 Em caso de concorrência de responsabilidades por acidente de viação e de trabalho o devedor final é o terceiro responsável a título de acidente de viação e não o responsável a título de acidente de trabalho.

3.Não são cumuláveis as indemnizações recebidas por acidente de trabalho que é simultaneamente de viação, sendo, ao contrário, complementares uma da outra quando decorram do mesmo facto

Decisão Texto Integral: 39

I. RELATÓRIO.

No processo Comum singular n.º 124/06.0TATBU.C1 foi julgado e condenado, o arguido R como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência previsto e punido pelos artigos 15º alínea b) e 148º n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €8. O arguido foi ainda condenado no pagamento de 3 UCs de taxa de justiça criminal (acrescida de 1% a favor das vítimas de crimes violentos) e procuradoria no mínimo.

No âmbito do pedido cível formulado por F contra A…. SA, foi o mesmo julgado parcialmente procedente o pedido e, consequentemente condenada a demandada A… SA seguros a pagar ao demandante indemnização pelo dano biológico que no montante de €20 000,00 Euros, e a compensação por danos não patrimoniais em € 12 000,00 Euros a que acrescem juros de mora à taxa supletiva legal, vencidos desde a sentença – e ainda no que se vier a liquidar em sede de execução de sentença, no que concerne às despesas do demandante com deslocações a Coimbra, posteriormente à alta médica, a consultas e exames médicos decorrentes das lesões /sequelas resultantes do acidente em causa nos autos. Foram ainda condenadas a demandada e o demandante no pagamento das custas do processo na parte cível, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo de na liquidação se vir a apurar proporção diferente (art. 523º do CPPenal e 446º do CPCivil).

Não se conformando com a decisão, no que respeita à quantia arbitrada a título de dano biológico, a demandada veio interpôr recurso da mesma para este Tribunal, concluindo na sua motivação nos seguintes termos:

. 1. A ora recorrente não se conforma com a douta sentença, nomeadamente no que respeita à quantia da arbitrada a título de dano biológico.

2. Considera que, a decisão na parte supra referida viola o disposto nos artigos 403° do Código de Processo Civil e o disposto no art. 1° do D.L 153/2008 de 6 de Agosto que veio alterar o art. 64° do D.L 291/2007 de 21 de Agosto.

3. Com efeito, da análise das declarações de IRS do demandante cível, juntas aos autos, apura-se que o salário bruto médio mensal do requerente no ano de 2006 era cerca de 565€.

4. O n.° 7 do art. 64° do D. L. 291/2007 de 21 de Agosto, com a alteração introduzida com o D.L 153/2008 de 6 de Agosto, estabelece, imperativamente que “Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado na âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrímoníaís a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos au feridos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas àquele período, constantes da legislação fiscal.”

5. Posto isto, a indemnização a arbitrar pelo dano biológico deve ser calculada com base no rendimento líquido mensal de cerca de 500€ fiscalmente declarado e comprovado à data do acidente e nunca com base num salário mensal de 800€.

6. Acresce que o douto Tribunal a quo para efeitos de indemnização de dano biológico faz o calculo desde a data do acidente, sendo certo que foi dado como provado que a congénere L…, SA (seguradora de Acidentes de Trabalho do demandante Cível) já pagou ao demandante a quantia de 11.543,61€ por perdas salariais decorrentes da verificação do acidente, objecto dos presente autos.

7. Tal situação comporta uma duplicação de indemnizações do mesmo cariz, importando um enriquecimento sem causa do demandante cível.

8. Além do mais, conforme se pode ler na douta sentença ora objecto de recurso encontra-se ainda a correr termos no Tribunal do Trabalho de Coimbra, com o número de processo 71 8/07.7 acção emergente de acidente de trabalho na qual é Autor o ora demandante cível e no âmbito da qual será certamente atribuída ao aqui demandante uma pensão anual, relativa à IPP atribuída ao mesmo.

9. Deve ainda ficar estabelecido que o demandante cível teria de optar por uma das duas indemnizações, ou a pensão anual decorrente do acidente de trabalho ou o dano biológico decorrente do acidente de viação.

Em resposta ao recurso tanto o Ministério Público, como o demandante, propugnaram pela sua improcedência e concluíram pela manutenção da decisão recorrida.

O Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto nesta Relação sustenta a falta de interesse em agir não tomando posição sobre a questão. *

Face ao teor das conclusões formuladas pela Companhia de Seguros, são duas as questões que importa apreciar: (i) a questão do montante arbitrado na sentença a título de reparação pelos dano biológico; (ii) a questão da duplicação de indemnizações por virtude do facto da situação em causa envolver também um acidente de trabalho.

*

Para o conhecimento do recurso e face ao seu objecto, importa atentar desde já na matéria de facto provada e também fundamentação da decisão relativa ao pedido de indemnização cível:

1. No dia 28 de Junho de 2006, pelas 16h30, o arguido R circulava na Estrada Nacional n.° 17, ao km 5 8,600, Gândara de Espariz, Tábua, a uma velocjdade não concretamente apurada, conduzindo o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 1….-ZM (Citroen Jumpy), no sentido de marcha Coimbra — Oliveira do Hospital.

2. No mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, F conduzia, à frente do arguido, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 45-… (Citroen..).

3. Quando o veículo conduzido por F se encontrava imobilizado, a uma distância de cerca de 4 a 5 metros de um sinal luminoso (vulgo semáforo), existente no local, atento o seu sentido de marcha, o qual se encontrava com a luz vermelha, o arguido, que não efectuou qualquer travagem ou desvio a fim de evitar o embate, foi colidir na traseira do veículo conduzido por F. tendo este sido projectado para a berma do lado direito, atento o referido sentido de marcha, tendo ficado com a dianteira do veículo virada para o sentido contrário ao que seguia, ou seja, tendo ficado virado para o sentido Oliveira do Hospital — Coimbra.

4. O veículo conduzido por F ficou imobilizado pelo menos a 10 metros do local do embate.

5. A Estrada Nacional n.°17, no local do embate, tem uma configuração rectilínea, apresenta uma largura de 6,00 metros, encontrando-se as hemi-faixas separadas por uma linha longitudinal contínua e tem o piso em bom estado de conservação.

6. Na altura do embate o tempo estava bom, encontrando-se o piso seco.

7. No local do acidente, após o mesmo, não eram visiveís marcas de travagem apenas existindo sinais de arrastamento.

8. Como consequência directa e necessária do embate e projecção do veículo conduzido por F, este útimo foi assistido no Centro de Saúde de Tábua, de onde foi transferido para os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC).

9. Como consequência directa e necessária do embate, F sofreu Traumatismo Crânjo-Encefálico com ferida inciso-contusa do couro cabeludo, bem como hemorragia subaracniodeia e lâmina subdural e lesão difusa tipo II; tendo ficado, ainda com as seguintes lesões/sequelas: no crânio, na região parieto-occipital direita, uma cicatriz curvílinea de concavidade inferior com 4 cm de comprimento sobre área de afundamento ósseo; no tórax, deformação óssea do esterno, na junção do terço superior com o terço médio; no pescoço, mobilidades dolorosas da coluna cervical, nos últimos graus.

10. As lesões supra descritas determinaram um período de doença de 381 (trezentos e ointenta e um) dias, todos com afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional.

11. Ao actuar da forma descrita, o arguido procedeu de forma livre, conduzindo de forma desatenta e descuidade, e não logrando controlar o veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente, agindo com falta de cuidado que o dever geral de prudência aconselha, omitindo as precauções de segurança exigidas no exercício da condução, o qual era capaz de adoptar e que devja ter adoptado para evitar um resultado que podia e devia ter previsto, mas que não previu, dando, pois, causa ao acidente, de que resultaram lesões para o ofendido.

12. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Mais se provou que:

13. O arguido não tem antecedentes criminais.

14. O arguido encontra-se social e profissionalmente integrado e é pessoa considerada na comunidade em que se insere.

15. O arguido é divorciado e reside actualmente em casa de uma irmã, com esta e o cunhado e tem um filho, maior de idade. O arguido é motorista, exercendo a sua profissão por conta de outrem. O arguido aufere o rendimento mensal de 800,00 euros. O arguido aufere ainda uma pensão de reforma de cerca de 500,00 euros. Mensalmente o arguido contribui com a quantia de 150,00 euros para as despesas do agregado, efectuando o pagamento de outras despesas quando para tal tem disponibilidade financeira. O arguido é proprietário de um veículo automóvel, adquirido em 2007 e estando a pagar a prestação mensal de cerca de 260,00 euros de crédito bancário que contraiu para a sua aquisição. O arguido estudou até ao antigo 3.° ano. 16. Em consequência do embate, F perdeu a consciência.

17. Em consequência dos ferimentos sofridos o demandante esteve internado nos Hospitais da Universidade de Coimbra do dia 28 de Junho de 2006 a 6 de Julho de 2006.

18. Em 20 de Novembro de 2006 o demandante apresentava queixas de dores na cabeça, na região esternal e na coluna cervical, tonturas, falta de força e parestesias nos membros superiores.

19. Em 20 de Novembro de 2006 o demandante apresentava, no crânio, na região parieto occipital direita, cicatriz curvilínea de concavidade inferior com 4 cm de comprimento sobre área de afundamento ósseo e no tórax, deformação óssea do esterno, na junção do terço superior com o terço médio.

20. Em 27 de Julho de 2007 o demandante apresentava queixas de dores na coluna cervical que irradiavam para a cabeça, tonturas com desequilíbrio com os movimentos da coluna cervical e que o impediriam de retomar o trabalho.

21. No dia 17 de Julho de 2007 o demandante foi a uma consulta de ORL (Otorrinolaringologia) nos HUC, alegando sintomas de hipoacusia, acufenos e desequilíbrio após acidente de viação em 2006; tendo sido realizados exames complementares (audiograma, potenciais evocados auditivos e craniocorpografia) e então se concluindo pela existência de patologia do equilíbrio, ataxia de tipo central.

22. Do Relatório da TAC — CE, realizada a 23 de Agosto de 2007, consta, além do mais, que se denota ligeiro afundamento com fractura parietal posterior à direita, com ligeiro apagamento dos sulcos corticais nesta área, sem alterações densiométricas dignas de registo.

23. Do Relatório de Vídeo-angiografia fluroesceínica do fundo do olho, realizada a 7 de Novembro de 2007, consta que o olho esquerdo apresentava nos 4 quadrantes, hemorragias retinianas dispersas, não confluentes e dilatação venosa com impregnação e derrame e telangiectasias, com derrame macular nos tempos tardios. Conclusão:

OVCR do olho esquerdo, não insquémica, com edema macular.

24. Do Relatório Médico elaborado pelo Médico Oftalmologista Dr. B, datado de 13 de Dezembro de 2007, consta que o examinado apresentava trombose da veia central da retina do olho esquerdo, ficando com 1/10 de visão deste olho. No olho direito mantém visão de 10/10.

25. Em 28 de Abril de 2008 o demandante apresentava queixas de dores no tórax e coluna cervical, acuidade visual do olho esquerdo praticamente ausente; episódios de zumbidos, desequilíbrio e cansaço.

26. Em 28 de Abril de 2008 o demandante apresentava, no pescoço, mobilidades dolorosas da coluna cervical nos últimos graus.

27. Em 27 de Junho de 2007, a “Clínica Neurocirúrgica Professor Doutor R…” elaborou Relatório Clínico do qual consta, além do mais, “Atendendo ao acidente sofrido a sintomatologia actual enquadra-se, em minha opinião, no síndrome cervico cefálico. Neste contexto deve ter alta por Neurocirurgia com IPP proposta de 0,10 (dez por cento), de acordo com o Capítulo III — 3.1. da Tabela Nacional de Incapacidades.”

28. Em 5 de Março de 2008 — e com destino ao Tribunal de Trabalho de Coimbra — 1.0 Juízo, Processo n.° 71 8/07.7TTCBR — a Médica Especialista de Doenças dos Olhos, Dr.a M, elaborou Relatório do qual consta, além do mais, “Do acidente resultou um traumatismo crâneo-encefálico com hemorragia subaracnoideia. Na sequência do acidente terá ocorrido uma oclusão da veia central da retina do OE o que justifica as queixas acentuadas de diminuição da acuidade visual do OE. Actualmente, pela Tabela Nacional de Incapacidades (Cap V) é possível atribuir-se as seguintes incapacidades permanentes parciais: Hipovisão (2) de um lado, visão de 1 a 0.7: do outro 01 0.11.- 0.20. Dada a idade e a profissão do sinistrado atribui-se uma incapacidade permanente de 0.20.”.

29. Durante um período de pelo menos seis meses após o acidente de viação em causa nos autos, o demandante sentia fortes dores de cabeça e na zona do peito, não se conseguindo deitar para o lado esquerdo e passando longos períodos deitado e desequilibrava-se, desequilíbrio que ainda actualmente, embora menos acentuado, se mantém.

30. Cerca de dois a três meses após o acidente de viação em causa nos autos o demandante passou a ter problemas oculares, ao nível do olho esquerdo, vendo “as imagens a tremer”.

31. Depois de uma primeira trombose ocular, em Janeiro de 2007, o demandante passou a ver melhor do olho esquerdo, passando menos tempo deitado.

32. Durante os 381 dias em que esteve de baixa, o demandante teve que se deslocar a consultas médicas e à companhia de seguros, um número não concretamente apurado de vezes, tendo sido acompanhado em tais deslocações pela sua esposa, uma vez que registava problemas de equilíbrio e de orientação.

33. Actualmente o demandante mantém problemas de equilíbrio, não conseguindo efectuar movimentos repentinos, designadamente ao nível do pescoço, e sofrendo de dores de cabeça.

34. Actualmente o demandante continua a colocar gotas oculares, pelo menos duas por dia, para controlar a tensão ocular.

35. Em 28 de Dezembro de 2007, o demandante reformou-se por invalidez, por sentir não estar em condições de continuar a exercer a sua profissão de motorista, que apreciava e na qual se sentia realizado.

36. Após o acidente em causa nos autos, o demandante passou a ter limitações no cultivo de terrenos agrícolas, designadamente no que concerne ao manobrar de máquinas agrícolas e realização de tarefas que impliquem movimentos súbitos e a rotação do pescoço.

37. À data do acidente o demandante tinha 52 anos de idade.

38. Desde o acidente de viação em causa nos autos o demandante passa a maioria do tempo em casa, sem ocupação.

39. À data do acidente em causa nos autos o demandante exercia a sua profissão de motorista no Centro de Emprego de Arganil, tendo gosto na profissão que desempenhava.

40. Em consequência do acidente de viação em causa nos autos o demandante tomou-se mais implicativo e parado, sentindo-se triste por nào continuar a trabalhar, passando a estar em casa.

41. O demandante tem uma reforma por invalidez de 606,38 euros.

42. No último ano de trabalho o demandante tinha um vencimento mensal, incluindo suplementos, de cerca de 800,00 euros.

43. Nos meses de Outubro a Dezembro de 2007 o demandante despendeu em medicamentos oculares, consultas e exames oftalmológicos, pelo menos a quantia de 757,77 euros.

44. Para produzir efeitos a partir 28 de Janeiro de 2005, A… Lda, por um lado, e representantes da seguradora “A… Seguros” por outro, declararam por escrito consubstanciado na apólice n.°90.47.., a última, mediante prémio a pagar pela primeira, assumir a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo ligeiro misto da marca Citroen, de matrícula …-ZM.

45. O contrato com a apólice n.°90.47… encontrava-se válido à data do acidente em causa nos autos.

46. À data do acidente em causa nos autos o demandante encontrava-se coberto por um seguro do Ramo de Acidentes de Trabalho, na seguradora “L.., S.A.”, titulado pela apólice n.° 64/675...

47. Ao abrigo do contrato de seguro Ramo de Acidentes de Trabalho, da seguradora “L.., S.A.”, titulado pela apólice n.° 64/675…, o demandante obteve assistência médica e medicamentosa, custeada pela seguradora.

48. Ao abrigo do contrato de seguro Ramo de Acidentes de Trabalho, da seguradora “L.., S.A.”, titulado pela apólice n.° 64/675…, encontra-se a correr termos no Tribunal de Trabalho de Coimbra, com o número de processo 718/07.7, uma acção emergente de acidente de trabalho, na qual é autor o demandante dos presentes autos.

49. O fundamento para a atribuição da incapacidade e consequente reforma por invalidez relativa do demandante, desde 28 de Dezembro de 2007, foi o de se tratar de “utente incapaz por trombose da veia central da retina”.

50. Desde 29 de Junho de 2006 e até 13 de Julho de 2007, no âmbito do contrato de seguro titulado pela apólice n.° 64/6758.., a seguradora “L…, S.A.” pagou ao demandante, a título de ITA, indemnizações salariais num total de 11.543,61 euros.

51. No dia 1 de Julho de 2009 o demandante apresentava seguintes sequelas consequência do acidente em causa nos autos:

- No crânio — na região parieto-temporo-occipital direita, área de afundamento ósseo, sobre a qual assenta cicatriz, curvilínea, de concavidade inferior, nacarada, quase inaparente, medindo quatro centímetros de comprimento depois de rectificada;

- No tórax — na transição do terço superior para o terço médio da região esternal, tumefacção dura e dolorosa à palpação);

- Perturbação da memória de fixação, amnésia circunstancial para o acidente e anterógrada, lentificação com erros do cálculo aritmético, esquecimento fácil, irritabilidade, intolerância à luz e ao ruído e sintomatologia dolorosa a nível cervical.

52. A data de consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo demandante ocorreu em14 de Julho de 2007, sendo que em virtude das lesões sofridas o demandante ficou com um período de incapacidade temporária geral total de 90 dias, um período de incapacidade temporária parcial de 291 dias, um período de incapacidade temporária profissional total de 381 dias, um quantum doloris de grau 5 em 7 graus; e em virtude das sequelas das lesões sofridas o demandante ficou com uma incapacidade incapacidade permanente geral de 13 pontos e um dano estético de grau 1/7, exigindo as sequelas resultantes do acidente esforços suplementares no exercício da actividade profissional que o demandante desempenhava à data do acidente.

53. Mesmo depois da alta médica, o demandante teve que se deslocar, em viatura própria, a consultas médicas em Coimbra e realizar exames, num número não apurado de vezes, sendo acompanhado em tais deslocações pela sua esposa, atentas as suas dificuldades de deslocação sozinho.

(…)

F.., a fis. 192 e ss dos autos, deduziu pedido de indemnização cívil contra a sociedade “A.. S.A.”, peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €78.097,70 (setenta e oito mil e noventa e sete euros e setenta cêntimos) a título de danos não patrimoniais e patrimoniais já apurados e ainda a quantia a liquidar em execução de sentença decorrente dos danos patrimoniais e não patrimoniais que não seria ainda possível liquidar, cuja fixação remete para liquidação em execução de sentença, peticionando ainda o pagamento de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

Para fundamentar os supra aludidos pedidos, remete para a factualidade exposta em sede de acusação pública e mais invoca que o proprietário do veículo causador do acidente de viação em causa nos autos havia transferido a sua responsabilidade civil por danos causados pelo mesmo, através de apólice que identifica, para a companhia de seguros demandada. Discorre descrevendo as lesões que sustenta ter sofrido em consequência directa e necessária do embate e projecção do veículo que conduzia, internamento/exames/tratamentos a que foi sujeito e montantes dispendidos, sequelas de que alega ter ficado portador e demais consequências do acidente decorrentes e sentimentos por si vivenciados após e na sequência do embate e ferimentos/sequelas deste resultantes.

A seguradora “A, S.A.” apresentou contestação ao pedido de indemnização civil contra si deduzido pelo demandante F…, confirmando a existência do contrato de seguro invocado e aceitando o dia, hora e intervenientes no acidente de viação em causa nos autos e aceitando ainda que o condutor do veículo seguro tenha contribuído para a produção do acidente, no mais impugnando os factos alegados em sede de pedido cível. Mais sustenta que à data do acidente o demandante encontrava-se coberto por um contrato de seguro do Ramo de Acidentes de Trabalho, titulado por apólice que identifica, na L.. S.A. e que as despesas de transporte, médicas e de refeições estão cobertas pelo aludido contrato de seguro de acidentes de trabalho, desconhecendo se foram ou não liquidadas pela L. Refere ainda que estamos perante acidente simultaneamente de trabalho e de viação, existindo processo que identifica a correr termos no Tribunal de Trabalho por tal circunstância, não podendo o demandante receber duas vezes indemnização pelo mesmo acidente, importando pois apurar se recebe alguma pensão anual e vitalicía, bem como se esta já foi remida em resultado de alguma incapacidade Parcial que lhe tenha sido arbitrada, já que se tal se verificar, ter-se-à que reduzir esse valor à indemnização a título de dano futuro que eventualmente lhe venha a ser arbitrada em acidente de viação. Conclui pela improcedência do pedido deduzido, com a sua consequente absolvição deste.

Apreciando.

Os factos que são objecto de processo criminal podem igualmente ser fundamento de responsabilidade civil, quando lesem interesses susceptíveis de reparação patrimonial nos termos da lei civil.

Nos termos do artigo 71.° do Código de Processo Penal, e em conformidade com o princípio da adesão que aí se consagra, deve o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime ser deduzido no âmbito do processo penal em que se aprecia a responsabilidade criminal emergente da infracção cometida.

A pretensão indemnizatória do demandante situa-se assim no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, contemplada no Código Civil, nos artigos 483° e seguintes.

Aí distingue a lei a responsabilidade decorrente da prática de factos ilícitos e a responsabilidade pelo risco, deixando claro que a responsabilidade civil independente de culpa tem carácter excepcional, pois só nos casos especificamente previstos na lei é possível impor a obrigação de indemnizar sem culpa do lesante (cfr. artigo 483.0, n.° 2 do Código Civil).

Os acidentes de viação são um dos domínios abrangidos pela responsabilidade fundada no risco, como resulta do disposto nos artigos 503° e 506° do Código Civil, mas isso não quer dizer que nesse domínio não suceda, como frequentemente sucede, que o agente actue com culpa. Se assim for, aplicam-se as normas que regem a responsabilidade por factos ilícitos, devendo verificar-se se estão preenchidos os pressupostos de que depende a sua aplicação (cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. 1, 4 Ed., Almedina, Coimbra, 2005, pág. 356).

Ora, incorre na obrigação de indemnizar o lesado, em consequência de responsabilidade por factos ilícitos, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente um direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios e assim lhe causar danos (cfr. artigo 483.° do Código Civil).

Assim, a existência de responsabilidade civil por factos ilícitos depende da verificação dos seguintes pressupostos:

a) facto voluntário do agente (acção ou omissão controlável pela vontade do agente);

b) ilicitude do facto do lesante (decorrente da violação de direitos subjectivos alheios ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios);

c) imputação do facto ao lesante a título de culpa lato sensu (juízo de reprovação da acção ou omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo, susceptível de assumir as vertentes de dolo o mera negligência — culpa stricto sensu);

d) dano (perda in natura sofrida pelo lesado em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar);

e) nexo de causalidade entre o facto voluntário do agente e o dano sofrido pela vítima (a aferir segundo o critério da causalidade adequada adoptado pelo artigo 563.° do Código Civil, ou seja, exigindo-se que a acção ou omissão do agente seja uma das condições concretas do evento e que, em abstrato, tal facto seja adequado ou apropriado ao seu desencadeamento) — cfr. artigos 483.°, n.°1; 487.°, n.°2; 562.°; 563.° e 564.°, n.°l, todos do Código Civil.

A ilicitude pressupõe a existência de uma acção ou omissão consciente e livre, proibida pelo direito, ou seja, pressupõe um comportamento humano, controlável pela vontade, consubstanciado na violação de um direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.

A culpa lato sensu exprime um juízo de reprovação pessoal da acção ou da omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo, e é susceptível de assumir as vertentes de dolo ou de negligência.

A culpa stricto sensu ou mera negligência traduz-se, grosso modo, na omissão pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, por seu turno, as vertentes de consciente ou inconsciente. No primeiro caso, o agente representa como possível a realização do facto ilícito, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação (actuando sem se conformar com esta); no segundo, o agente, embora o pudesse e devesse prever, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não chega sequer a prever/representar a possibilidade (d)a realização do facto ilícito.

No caso dos autos, resulta provado que no dia 28 de Junho de 2006, pelas 16h30, o arguido R circulava na Estrada Nacional n.° 17, ao km 58,600, Gândara de Espariz, Tábua, a uma velocidade não concretamente apurada, conduzindo o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula …-ZM (Citroen Jumpy) — veículo segurado pela demandada

- no sentido de marcha Coimbra — Oliveira do Hospital.

No mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, Fernando Alberto Martins Carvalho conduzia, à frente do arguido, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-IR (Citroen…).

Quando o veículo conduzido por F se encontrava imobilizado, a uma distância de cerca de 4 a 5 metros de um sinal luminoso (vulgo semáforo), existente no local, atento o seu sentido de marcha, o qual se encontrava com a luz vermelha, o arguido, que não efectuou qualquer travagem ou desvio a fim de evitar o embate, foi colidir na traseira do veículo conduzido por F, tendo este sido projectado para a berma do lado direito, atento o referido sentido de marcha, tendo ficado com a dianteira do veículo virada para o sentido contrário ao que seguia, ou seja, tendo ficado virado para o sentido Oliveira do Hospital — Coimbra.

Mais se provou que ao actuar da forma descrita, o arguido procedeu de forma livre, conduzindo de forma desatenta e descuidade, e não logrando controlar o veículo que conduzia no espaço livre e visível à sua frente, agindo com falta de cuidado que o dever geral de prudência aconselha, omitindo as precauções de segurança exigidas no exercício da condução, o qual era capaz de adoptar e que devia ter adoptado para evitar um resultado que podia e devia ter previsto, mas que não previu, dando, pois, causa ao acidente, de que resultaram lesões para o ofendido.

Estão assim verificadas as primeiras condições de que a lei faz depender a responsabilidade civil extracontratual prevista no já referido artigo 483.° do Código Civil: o acidente foi provocado por um facto voluntário do condutor do veículo segurado pela demandada, isto é, por uma acção livre e não condicionada por eventos naturais ou meramente fortuitos e o facto é ilícito porque violador de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios (no caso interesses públicos e particulares - as normas do Código da Estrada).

O evento é imputável ao agente, a título de negligência, pois este não actuou com a diligência que lhe era devida. A sua conduta é reprovável ou censurável pelo direito, na medida em que, atenta a sua capacidade e as circunstâncias concretas da situação, não pode deixar de concluir-se que podia e devia ter agido de outra forma.

Como consta dos factos provados, para produzir efeitos a partir 28 de Janeiro de 2005, A… Lda, por um lado, e representantes da seguradora “A… Seguros” por outro, declararam por escrito consubstanciado na apólice n.°90.476…, a última, mediante prémio a pagar pela primeira, assumir a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo veículo ligeiro misto da marca Citroen, de matrícula …-ZM. O contrato com a apólice n.°90.47… encontrava-se válido à data do acidente em causa nos autos.

Assim sendo, e ao abrigo dos artigos 1°, n.° 1; 50 e 8°, n.° 1 daquele diploma, a seguradora está obrigada a ressarcir o lesado.

Por seu lado, à data do acidente, o valor do pedido, estava contido dentro dos limites do seguro obrigatório (cfr. artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 522185, de 31 de Dezembro)

Quanto à obrigação de indemnizar, o artigo 562.° do Código Civil estabelece como princípio geral em matéria de indemnização, o dever de se reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano.

Apenas quando esta reconstituição não seja possível a indemnização é fixada em dinheiro (cfr. artigo 566.°, n.°l do Código Civil), fixando a lei civil como critério orientador no cálculo de tal indemnização pecuniária, o critério da diferença entre a situação em que o lesado se encontra e a situação em que este se encontraria caso não tivesse ocorrido o facto gerador do dano, devendo reportar-se à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, em regra a do encerramento da discussão na primeira instância (cfr. artigo 566.°, n.°2 do Código Civil).

Derradeiramente, quando não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, caberá ao Tribunal julgar equitativamente, dentro dos limites que tiver provados (cfr. artigo 566.°, n.°3 do Código Civil).

São indemnizáveis, além do mais, os danos patrimoniais emergentes do facto gerador de responsabilidade civil, ou seja, os prejuízos susceptíveis de avaliação pecuniária causados em bens ou direitos já existentes à data da lesão, bem como os lucros cessantes, ou seja, oos beneficios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão.

Já os danos não patrimoniais constituem uma forma de ressarcimento tendencial da angústia, dor fisica, doença ou abalo psiquico-emocional resultante de uma situação danosa. Porque atingem bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra ou o bom nome, estes danos não são avaliáveis em dinheiro; assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória.

Seguindo de perto o estudo do Conselheiro Sousa Dinis (Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJ STJ, 2001, 1., pág. 5.), podemos encontrar na realidade “dano”: danos emergentes, que incluem os prejuízos directos e as despesas directas, imediatas ou necessárias; ganhos cessantes; lucros cessantes; custos e reconstituição ou reparação; danos futuros; prejuízos de ordem não patrimonial.

Os prejuízos directos, traduzem-se na perda destruição ou danificação de um bem, que tanto pode ser um objecto como um animal, ou uma parte o corpo do lesado ou o próprio direito à vida deste; as despesas necessárias ou imediatas correspondem ao custo de prestação dos serviços alheios necessários quer para a prestação de auxílio ou de assistência, quer para a eliminação de aspectos colaterais decorrentes do acto ilícito, aspectos estes que abrangem realidades tão diversificadas como a limpeza do local, reboques de viaturas ou o enterro de quem tenha falecido.

Os ganhos cessantes correspondem à perda da possibilidade de ganhos concretos do lesado, incluindo-se na categoria de lucros cessantes e que não devem ser confundidos com, a) a perda de capacidade de trabalho; b) a perda de capacidade de ganho; e) a perda efectiva de proventos futuros de natureza eventual; d) a perda que possa resultar do eventual desaparecimento de uma situação de trabalho, produtora ou potencialmente produtora de ganhos.

Os custos de reconstituição ou de reparação, que correspondem ao preço dos bens ou serviços necessários para proceder a uma correcta reparação, quando tal seja possível, do objecto, animal, ou da parte do corpo ou órgão destruidos ou danificados, e compreende, por exemplo, os preços de oficina, de hospitalização, e operações cirúrgicas e até de eventuais próteses que se tomem necessário efectuar, motivo pelo qual existe uma estreita relação entre eles e os prejuízos directos, mas sem que as duas realidades se confundam.

Os danos futuros, compreendem os prejuízos que, em termos de causalídade adequada, resultaram para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que foi obrigado a sofrer, e ainda os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado, e que poderá corresponder, nalguns casos, ao tempo de vida útil laboral do lesado, e que compreendem ainda determinadas despesas certas mas que só se concretizarão em tempo incerto (p. ex. substituição de uma prótese ou futuras operações cirúrgicas).

Os danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial, são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não atingem o património do lesado (vida, saúde, liberdade, beleza).

No caso dos autos, resulta apurado que como consequência directa e necessária do embate e projecção do veículo conduzido por F, este último foi assistido no Centro de Saúde de Tábua, de onde foi transferido para os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC).

Como consequência directa e necessária do embate, F sofreu Traumatismo Crânio-Encefálico com ferida inciso-contusa do couro cabeludo, bem como hemorragia subaracniodeia e lâmina subdural e lesão difusa tipo TI; tendo ficado, ainda com as seguintes lesões/sequelas: no crânio, na região parieto-occipital direita, uma cicatriz curvílinea de concavidade inferior com 4 cm de comprimento sobre área de afundamento ósseo; no tórax, deformação óssea do esterno, na junção do terço superior com o terço médio; no pescoço, mobilidades dolorosas da coluna cervical, nos últimos graus.

As lesões supra descritas determinaram um período de doença de 381 (trezentos e ointenta) e um dias, todos com afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional.

Durante os 381 dias em que esteve de baixa, o demandante teve que se deslocar a consultas médicas e à companhia de seguros, um número não concretamente apurado de vezes, tendo sido acompanhado em tais deslocações pela sua esposa, uma vez que registava problemas de equilíbrio e de orientação.

À data do acidente em causa nos autos o demandante encontrava-se coberto por um seguro do Ramo de Acidentes de Trabalho, na seguradora “L…, S.A.” , titulado pela apólice n.° 64/67…

Ao abrigo do contrato de seguro Ramo de Acidentes de Trabalho, da seguradora “L…, S.A.”, titulado pela apólice n.° 64/67…, o demandante obteve assistência médica e medicamentosa, custeada pela seguradora.

Ao abrigo do contrato de seguro Ramo de Acidentes de Trabalho, da seguradora “L…, S.A.”, titulado pela apólice n.° 64/675.., encontra-se a correr termos no Tribunal de Trabalho de Coimbra, com o número de processo 718/07.7, uma acção emergente de acidente de trabalho, na qual é autor o demandante dos presentes autos.

Desde 29 de Junho de 2006 e até 13 de Julho de 2007, no âmbito do contrato de seguro titulado pela apólice n.° 64/675854, a seguradora “L, S.A.” pagou ao demandante, a título de ITA, indemnizações salariais num total de 11.543,61 euros.

Ora, importa desde logo dizer que no que concerne aos salários relativos ao período durante o qual o demandante esteve de baixa médica e assistência médica e medicamentosa prestada nesse período, da factualidade supra exposta e dada como provada resulta terem sido os montantes dispendidos/devídos custeados pela seguradora infortunístjca, pelo que, naturalmente, não poderá o demandante ser ressarcido de danos (que seriam de natureza patrimonial) que não sofreu.

Mais se provou que em consequência do embate,F perdeu a consciência e em consequência dos ferimentos sofridos o demandante esteve internado nos Hospitais da Universidade de Coimbra do dia 28 de Junho de 2006 a 6 de Julho de 2006.

Em 20 de Novembro de 2006 o demandante apresentava queixas de dores na cabeça, na região esternal e na coluna cervical, tonturas, falta de força e parestesias nos membros superiores.

Em 20 de Novembro de 2006 o demandante apresentava, no crânio, na região parieto occipital direita, cicatriz curvilínea de concavidade inferior com 4 cm de comprimento sobre área de afundamento ósseo e no tórax, deformação óssea do esterno, na junção do terço superior com o terço médio.

Em 27 de Julho de 2007 o demandante apresentava queixas de dores na coluna cervical que irradiavam para a cabeça, tonturas com desequilíbrio com os movimentos da coluna cervical e que o impediriam de retomar o trabalho.

No dia 17 de Julho de 2007 o demandante foi a uma consulta de ORL (Otorrinolaringologia) nos HUC, alegando sintomas de hipoacusia, acufenos e desequilíbrio após acidente de viação em 2006; tendo sido realizados exames complementares (audiograma, potenciais evocados auditivos e craniocorpografia) e então se concluindo pela existência de patologia do equilíbrio, ataxia de tipo central.

Em 28 de Abril de 2008 o demandante apresentava queixas de dores no tórax e coluna cervical, acuidade visual do olho esquerdo praticamente ausente; episódios de zumbidos, desequilíbrio e cansaço.

Em 28 de Abril de 2008 o demandante apresentava, no pescoço, mobilidades dolorosas da coluna cervical nos últimos graus.

No dia 1 de Julho de 2009 o demandante apresentava as seguintes sequelas consequência do acidente em causa nos autos:

- No crânio — na região parieto-temporo-occipital direita, área de afundamento ósseo, sobre a qual assenta cicatriz, curvilínea, de concavidade inferior, nacarada, quase inaparente, medindo quatro centímetros de comprimento depois de rectificada;

- No tórax — na transição do terço superior para o terço médio da região esternal, tumefacção dura e dolorosa à palpação);

- Perturbação da memória de fixação, amnésia circunstancial para o acidente e anterógrada, lentificação com erros do cálculo aritmético, esquecimento fácil, irritabilidade, intolerância à luz e ao ruído e sintomatologia dolorosa a nível cervical.

A data de consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo demandante ocorreu em 14 de Julho de 2007, sendo que em virtude das lesões sofridas o demandante ficou com um período de incapacidade temporária geral total de 90 dias, um período de incapacidade temporária parcial de 291 dias, um período de incapacidade temporária profissional total de 381 dias, um quantum doloris de grau 5 em 7 graus; e em virtude das sequelas das lesões sofridas o demandante ficou com uma incapacidade incapacidade permanente geral de 13 pontos e um dano estético de grau 1/7, exigindo as sequelas resultantes do acidente esforços suplementares no exercício da actividade profissional que o demandante desempenhava à data do acidente.

Atendendo aos factos provados, dúvidas não se levantam quanto à existência de lesões sofridas pelo demandante em consequência do acidente de viação em causa nos autos, bem como quanto à existência de sequelas daí resultantes.

Provada está pois a existência de danos e seu nexo causal com o acidente em causa nos autos.

Verificados todos os pressupostos de que depende a responsabilízação da demandada, bem como a exclusividade de culpa do condutor do veículo segurado pela mesma, importa agora apurar o conteúdo e o âmbito da obrigação de indemnizar, que sobre esta impende.

No que conceme aos danos patrimoniais, na vertente de prejuízos directos, peticionavao demandante, desde logo, o pagamento da quantia de 2.340,00 euros que corresponderia às despesas por si feitas com as deslocações a Coimbra, em veículo próprio, por mais de 50 vezes, efectuando um percurso de 120 km de cada vez e ainda refeições e aquisição de medicamentos e deslocações a unidades de saúde pública, quantificando tais despesas em 757,70 euros.

Ora, neste particular importa salientar, conforme supra se expôs, que as deslocações e despesas médicas e medicamentosas efectuadas pelo demandante durante o período em que esteve de baixa médica foram integralmente suportadas pela seguradora “L, neste particular nada tendo pois o demandante a receber.

Já no que concerne às alegadas despesas feitas com deslocações a Coimbra e gastos a tal associados — reportadas ao período posterior à alta médica - e como se deixou expresso em sede de motivação apenas se apurou que este, efectivamente, teve que se deslocar, em viatura própria, a consultas e exames médicos um número concretamente não apurado de vezes, nada resultando apurado quanto aos gastos a tal associados (para além do vertido nos factos provados).

Acresce que as despesas que o demandante quantifica em 757,70 euros respeitam, conforme se exarou nos factos provados, aos meses de Outubro a Dezembro de 2007 e a medicamentos oculares, consultas e exames oftalmológicos.

Ora, assume aqui particular relevância, atento a necessidade de existência de nexo de causalidade entre o evento e o dano, o facto de não ter o demandante logrado fazer prova de que os problemas oculares de que actualmente padece resultaram das lesões por este sofridas no acidente de viação em causa nos autos.

Com efeito, não tendo sido feita a prova do aludido nexo causal, não pode o Tribunal deixar de considerar as despesas feitas com os tratamentos/exames/consultas do foro oftalmológico não ressarciveis, já que não estão quanto a estas reunidos os pressupostos supra expostos dos quais depende a obrigação de indemnizar.

Mais, igualmente no que contende com os montantes dispendidos com as deslocações a Coimbra, após a alta médica, resulta claro da prova produzida que nem todas estas consultas e exames médicos se prendem com lesões/sequelas resultantes do acidente (já que pelo menos entre os meses de Outubro e Dezembro de 2007 algumas dessas deslocações tiveram precisamente que ver com os problemas do foro oftalmológico), não estando pois o Tribunal em condições de, de forma segura, fixar um quantum indemnizatório neste particular. Dúvidas não existindo quanto à existência de danos patrimoniais causalmente resultantes do acidente em causa nos autos — no que concerne, depois da alta médica, a deslocações, em viatura própria, a consultas médicas em Coimbra e realização de exames, num número não apurado de vezes, sendo acompanhado o demandante em tais deslocações pela sua esposa, atentas as suas dificuldades de deslocação sozinho - não dispõe pois o Tribunal de elementos necessários com vista ao apuramento do quantum devido.

Ora, nos termos do disposto no artigo 661.0, n.°2 do Código de Processo Civil, se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte líquida; devendo após seguir-se os termos do incidente de liquidação previsto no artigo 378.° e ss do Código de Processo Civil.

Conforme se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2007, disponível para consulta em www.dgsi.pt: “Ao referir-se à inexistência de elementos para fixar a quantidade, a lei não distingue entre os casos em que são ou não formulados os pedidos genéricos a que se reporta o artigo 471°, n° 1, alínea b), do Código de Processo Civil. (..) É, pois, pressuposto da remessa para o incidente de liquidação, a que se fez referência, a inexistência de elementos necessários à quant em causa, independentemente de ela haver ou não resultado do fracasso da prova. Dir-se-á, em síntese, que o tribunal, se não tiver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, condenará no que vier a ser liquidado, quer o pedido seja de montante determinado, que ele seja de montante genérico. Assim, o normativo do n°2 do artigo 661° do Código de Processo Civil aplica-se não só no caso de haver sido formulado um pedido genérico como também na situação em que se formulou um pedido espec e não se conseguiu a prova de elementos suficientes para precisar o objecto e ou a quantidade da condenação. Por isso, a mera falta de prova na acção declarativa do objecto ou da quantidade não implica decisão de absolvição do pedido, antes just a condenação no que se liquidar no incidente acima referido.”

Assim, não existindo elementos que permitam, desde já, fixar o quantum a pagar pelo demandado ao demandante a título dos supra aludidos danos patrimoniais, haverá pois, neste particular, que condenar a demandada no que vier a ser liquidado em sede do incidente deduzido para o efeito (cfr. artigos 661.0 e 378.° do CPC).

Já no que concerne aos lucros cessantes invocados pelo demandante — associados à alegada perda de rendimento mensal que resultaria do facto de se ter reformado e não ter continuado a trabalhar pelo menos até aos 65 anos — importa igualmente salientar que não logrou o demandante fazer prova de que tenha decorrido da gravidade das sequelas que resultaram do acidente, que teve que se reformar; que não fosse o acidente e poderia continuar a exercer a sua profissão pelo menos até aos 65 anos de idade e ainda que em consequência do acidente o demandante tenha deixado de poder ver a sua situação económica melhorada em cerca de 150,00 euros por mês.

Com efeito, dos factos provados ressalta que em 28 de Dezembro de 2007, o demandante reformou-se por invalidez, por sentir não estar em condições de continuar a exercer a sua profissão de motorista, que apreciava e na qual se sentia realizado; sendo que o fundamento para a atribuição da incapacidade e consequente reforma por invalidez relativa do demandante, desde 28 de Dezembro de 2007, foi o de se tratar de “utente incapaz por trombose da veia central da retina”.

Ora, não resultando apurado que os problemas oculares de que o demandante actualmente padece resultaram das lesões por este sofridas no acidente de viação em causa nos autos, não pode pois concluir-se, como sustentava o demandante, que qualquer eventual perda de rendimentos adveniente de se ter reformado decorra das lesões e sequelas resultantes do acidente de viação.

Restam-nos pois o dano futuro e os danos não patrimoniais invocados pelo demandante.

Vejamos.

Salientar desde logo que o que se indemniza quando não há perda de ganho, mormente de cariz salarial, é o chamado dano biológico, no caso atentando no facto de em virtude das sequelas das lesões sofridas o demandante ter ficado com uma incapacidade incapacidade permanente geral de 13 pontos e portanto com uma afectação da sua potencialidade fisica, que determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais.

Conforme se salienta no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2009 (disponível para consulta em www.dgsi.pt) «O dano biológico repercute-se na qualidade de vida da vítima, afectando a sua actividade vital, é um dano patrimonial já que as lesões afectam o seu padrão de vida seja quam fora a sua idade, aufira ou não créditos salariais.», sendo «A indemnização de danos patrimoniais futuros devida, mesmo que não se prove ter resultado da incapacidade fisica diminuição dos proventos da vitima. (..) “Ferida a integridade psicossomática plena, as sequelas permanentes que integram o dano corporal sofrido importam normalmente diminuição, pelo menos, da capacidade geral de ganho do lesado. Por isso, mesmo se não perspectivada de imediato diminuição dos seus conjecturais proventos futuros, aquele dano importa, de per si, prejuízo indemnizável, consoante arts. 564°, n°2°, e 566°, n°3° Código Civil a título de dano patrimonial futuro, independentemente da perda efectiva, actual, de rendimento” — citámos do Acórdão deste STJ de 12.1.2006 — Proc. 05B3548, in www.d . A indemnização por lesões fisicas não deve apenas atender à capacidade laboral, já que, em consequência das sequelas sofridas, e permanecendo elas irreversivelmente, vão agravar, tornar mais penosa, a vida da pessoa afectada, sendo essa penosidade tanto maior quanto mais for avançando a idade. »

No mesmo sentido pronunciou-se ainda o Supremo Tribunal de Justiça em igualmente recente Acórdão, datado de 23 de Abril de 2009 e também disponível para consulta em www.dgsi.pt onde se pode ler: «(. .)a mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem se traduzir em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado. O referido dano biológico, de cariz patrimonial, justifica, com efeito, a indemnização, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial.».

Ora, no caso dos autos, resulta provado que em virtude das sequelas das lesões sofridas o demandante ficou com uma incapacidade incapacidade permanente geral de 13 pontos, exigindo as sequelas resultantes do acidente esforços suplementares no exercício da actividade profissional que o demandante desempenhava à data do acidente; mais resultando apurado que após o acidente em causa nos autos, o arguido passou a ter limitações no cultivo de terrenos agrícolas, designadamente no que concerne ao manobrar de máquinas agrícolas e realização de tarefas que impliquem movimentos súbitos e a rotação do pescoço.

De atentar ainda no facto de que o demandante à data do acidente tinha 52 anos de idade e exercia a sua profissão de motorista no Centro de Emprego de Arganil.

O demandante tem uma reforma por invalidez de 606,38 euros, sendo que no último ano de trabalho o demandante tinha um vencimento mensal, incluindo suplementos, de cerca de 800,00 euros.

Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 14 de Julho de 2009 supra já aludido, «A indemnização por lesões fisicas não deve apenas atender à capacidade labora!, já que, em consequência das sequelas sofridas, e permanecendo elas irreversivelmente, vão agravar, tornar mais penosa, a vida da pessoa afectada, sendo essa penosidade tanto maior quanto mais for avançando a idade.

(..)

No jornal “Público “, de 29 de Maio de 2009, foi publicado, citando o Instituto Nacional de Estatística, o seguinte:

“A esperança de vida à nascença e aos 65 anos aumentou em Portugal, segundo as Tábuas de Mortalidade para o triénio 2006/2008 hoje divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

Os valores definitivos da esperança média de vida à nascença para o referido período foram de 75,49 anos para os homens, 81,74 para as mulheres e 78,70 para ambos os sexos.

Em comparação, os valores indicados pelo INE em 2008 sobre o período de referência anterior, de 2005 a 2007, eram de 75,18 anos para os homens, 81,57 para as mulheres e 78,48 para ambos os sexos.

A esperança média de vida aos 65 anos aumentou igualmente entre 2006 e 2008, sendo de 18,13 anos para ambos os sexos, 16,25 para os homens e 19,61 para as mulheres, quando em 2005-200 7 esses valores eram de 1 7 99, 16,07 e 19,48, respectivamente “».

Assim, o cálculo da indemnização pelo referido dano terá que ser feita à luz dos factos supra expostos e com base nos juízos de equidade a que se reporta o artigo 566.°, n.°3 do Código Civil — atenta a dificuldade de quantificar tais danos — pelo que perante o quadro de facto exposto, em que se ignora o devir das coisas, reputa-se de justo e adequado fixar a indemnização pelo dano biológico em 20.000,00 euros.

Atentemos ora nos danos não patrimoniais invocados, chamando à colação, antes de mais, os demais factos dados como provados com relevo para o que ora importa decidir.

Resulta apurado que pelo menos durante um período de seis meses após o acidente de viação em causa nos autos, o demandante sentia fortes dores de cabeça e na zona do peito, não se conseguindo deitar para o lado esquerdo e passando longos períodos deitado e desequilibrava-se, desequilíbrio que ainda actualmente, embora menos acentuado, se mantém.

Cerca de dois a três meses após o acidente de viação em causa nos autos o demandante passou a ter problemas oculares, ao nível do olho esquerdo, vendo “as imagens a tremer”; sendo que depois de uma primeira trombose ocular, em Janeiro de 2007, o demandante passou a ver melhor do olho esquerdo, passando menos tempo deitado.

Actualmente o demandante mantém problemas de equilíbrio, não conseguindo efectuar movimentos repentinos, designadamente ao nível do pescoço, e sofrendo de dores de cabeça e continua a colocar gotas oculares, pelo menos duas por dia, para controlar a tensão ocular.

Desde o acidente de viação em causa nos autos o demandante passa a maioria do tempo em casa, sem ocupação e em consequência do acidente de viação em causa nos autos tomou-se mais implicativo e parado, sentindo-se triste por não continuar a trabalhar, passando a estar em casa.

No que conceme aos danos não patrimoniais invocados pelo demandante, importa salientar que, face ao preceituado no artigo 496° do Código Civil, somente serão levados em linha de conta aqueles que, pela sua gravidade, mereçam tutela jurídica, ensinando Pires de Lima e Antunes Varela que “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos. Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que just a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” (Código Civil Anotado, Volume 1, Coimbra Editora, 1987, pág. 499.).

Acresce que, quanto a este tipo de prejuízos — sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente — esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela que “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos. Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” (Código Civil Anotado, Volume 1, Coimbra Editora, 1987, pág. 499.).

Referir ainda que no que contende com os problemas oculares de que actualmente o demandante padece, não tendo sido estabelecido qualquer nexo causal entre estes e o acidente em causa nos autos, não podem igualmente tais problemas e consequências dele decorrentes ser consideradas em sede de computação de eventual indemnização por danos não patrimoniais.

Ora, em face da factualidade dada como provada (no que concerne ao sofrimento fisico e psíquico do demandante derivado das lesões que sofreu no embate), dúvidas não nos restam quanto à gravidade de tais danos, uma vez que causaram um transtorno significativo para o bem-estar e saúde do demandante; sendo por via disso merecedores da tutela do direito, devendo pois ser indemnizados.

Importa, pois, fixar o quantum indemnizatório a atribuir como forma de compensar o lesado, havendo, para tanto, que atentar no critério do artigo 496.°, n.° 3, 1 parte, de acordo com o qual o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.° — grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e da lesada e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem; sendo certo que, conforme se salienta no já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 23 de Abril de 2009, «A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.».

Deste modo, considerando a natureza dos danos sofridos — de natureza fisica e psicológica — a actuação negligente do arguido, o grau significativo de ilicitude (face à natureza e consequências das lesões sofridas e sequelas daí advenientes) e a situação económica do arguido (supra descrita), e tendo em mente que a indemnização por danos não patrimoniais não visa ressarcir o lesado de qualquer prejuízo, mas antes compensá-lo pelo sofrimento, é de reputar equitativa a fixação da compensação que será paga pela demandante, a título de danos não patrimoniais, no montante de 12.000,00 euros.

Uma vez que os montantes supra definidos a título de indemnizações pecuniárias, foram fixados segundo um cálculo actualizado, na senda do Acórdão para Uniformização de Jurisprudência n.° 4/2002, de 09 de Maio 2002, publicado no DR n.° 146, 1-A, de 26 de Fevereiro 2002, apenas vencem juros de mora a partir da sentença e até integral pagamento (cfr. artigos 566.°, n.°2; 805.°, n.°3 e 806.°, n.°l, todos do Código Civil).

*

i) Montante arbitrado na sentença a título de reparação pelo dano biológico.

Insurge-se o recorrente contra o montante fixado pela sentença «dever ser calculada com base no rendimento líquido mensal de cerca de 500€ fiscalmente declarado e comprovado à data do acidente e nunca com base num salário mensal de 800€», tendo em conta, segundo o recorrente o facto do n.° 7 do art. 64° do D. L. 291/2007 de 21 de Agosto, com a alteração introduzida com o D.L 153/2008 de 6 de Agosto, estabelecer, imperativamente que “Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado na âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrímoníaís a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos au feridos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas àquele período, constantes da legislação fiscal.”

Está por isso em causa, nos presentes autos, nesta dimensão do recurso apenas e só o critério utilizado pelo tribunal da primeira instância na fixação da indemnização resultante dos factos provados – que não estão em causa, face ao objecto do recurso – e que o Tribunal fixou em € 20 000,00.

Na fixação de tal montante o tribunal fundou-se em factos provados e fixados na sentença, nomeadamente que «em virtude das sequelas das lesões sofridas o demandante ficou com uma incapacidade incapacidade permanente geral de 13 pontos, exigindo as sequelas resultantes do acidente esforços suplementares no exercício da actividade profissional que o demandante desempenhava à data do acidente; mais resultando apurado que após o acidente em causa nos autos, o arguido passou a ter limitações no cultivo de terrenos agrícolas, designadamente no que concerne ao manobrar de máquinas agrícolas e realização de tarefas que impliquem movimentos súbitos e a rotação do pescoço. De atentar ainda no facto de que o demandante à data do acidente tinha 52 anos de idade e exercia a sua profissão de motorista no Centro de Emprego de Arganil. O demandante tem uma reforma por invalidez de 606,38 euros, sendo que no último ano de trabalho o demandante tinha um vencimento mensal, incluindo suplementos, de cerca de 800,00 euros».

Como critério essencial para a fixação do montante indemnizatório arbitrado o Tribunal, apoiando-se em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça recente, (Ac. STJ de 14.7.2009, Ac. STJ 23.4.2009), não deixou de referir que «o cálculo da indemnização pelo referido dano terá que ser feita à luz dos factos supra expostos e com base nos juízos de equidade a que se reporta o artigo 566.°, n.°3 do Código Civil — atenta a dificuldade de quantificar tais danos». Ou seja sustentou-se essencialmente no critério legal da equidade.

Desde já se diga que o critério em que o Tribunal de primeira instância sustentou a sua decisão não merece qualquer censura, na medida em que é hoje jurisprudência praticamente unânime dos Tribunais Superiores ser esse o critério a utilizar na determinação do montante a ressarcir por virtude dos danos patrimoniais decorrentes de acidente de viação, no que respeita ao chamado dano biológico (vidé, por todos, o recente Ac. STJ de 14.09.2010, in www.dgsi.pt).

A discordância do recorrente prende-se com o facto de o Tribunal não ter levado em consideração «o valor dos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes da legislação fiscal», a que se refere o número 7 do artigo 64º do Dec. Lei n.º 291/2007 que, segundo o recorrente assume forma imperativa.

Vejamos.

O artigo em causa estabelece que «Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal» (itálico nosso).

Esta norma, como se refere no Ac. da RC de 23.02.2010, in www.dgsi.pt (relator Gregório Jesus), surge para «pôr termo à enorme litigiosidade existente em torno do apuramento do valor dos rendimentos auferidos pelos lesados, estes a puxá-los para cima e as seguradoras para baixo, o legislador decidiu intervir e estabelecer um novo critério objectivo, atender-se à declaração apresentada para efeitos fiscais, visando por esta forma simultaneamente forçar os contribuintes a corrigir e melhorar a sua atitude fiscal, a postarem-se perante ela e com mais verdade».

Algum equívoco existe na posição do recorrente que, sustentado na afirmação legislativa, omite o facto provado e que não põe em causa no recurso, onde se diz que o lesado, (demandante), « tem uma reforma por invalidez de 606,38 euros, sendo que no último ano de trabalho o demandante tinha um vencimento mensal, incluindo suplementos, de cerca de 800,00 euros. Ora deve reafirmar-se que o Tribunal partiu para a fixação da indemnização com base naqueles factos provados, que não foram questionados neste recurso. E não tendo o recurso como objecto a matéria de facto provada e fixada na sentença, naturalmente que não pode agora ser tal matéria alterada.

Importa sublinhar que a norma invocada pelo recorrente refere e estabelece um critério de prova que o Tribunal deve utilizar na fixação dos factos relativos ao apuramento do rendimento mensal. Trata-se de um critério de prova cujo objectivo decorre da necessidade de conseguir regras mais objectivas em que se baseia o cálculo das indemnizações arbitradas por virtude de acidentes de viação.

Sendo um critério de prova para apuramento do rendimento mensal do lesado, há que sublinhar, de acordo com as regras básicas de interpretação e aplicação da lei no tempo, nomeadamente da não rectroactiviade da lei (artigo 12º do Código Civil) só deve ser tida em conta na fixação de indemnizações devidas por acidentes ocorridos posteriormente ao início da sua vigência. Conforme se refere no Ac. da Relação de Coimbra citado, e com o qual se concorda, «o artº 64º, nº 7, do Dec. Lei nº 291/2007 de 21 de Agosto limita os meios de prova relativos aos rendimentos auferidos quando esteja em causa a fixação de uma indemnização por acidente de viação. Retira às partes a possibilidade que até aí dispunham de provar o valor dos seus rendimentos por outros meios de prova para além da declaração fiscal. Trata-se de uma norma de direito probatório especial por se referir à prova de uma determinada e específica situação, sendo por isso aplicável apenas aos factos posteriores à sua entrada em vigor».

Ora no caso dos autos o acidente ocorreu em 28.06.2006, sendo por isso inaplicável o regime em causa.

Assim sendo e entendido que o Tribunal determinou o montante da indemnização em causa de uma forma que não é questionável, porque sustentada nos critérios legais e jurisprudencialmente aceites, soçobra, neste dimensão o recurso interposto pela recorrente.

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ii) Duplicação de indemnizações por virtude do facto da situação em causa decorrer também de acidente de trabalho

Quanto à segunda questão relacionada com a dupla natureza de acidente de viação e de trabalho refere o recorrente nas suas conclusões que « que foi dado como provado que a congénere L, SA (seguradora de Acidentes de Trabalho do demandante Cível) já pagou ao demandante a quantia de 11.543,61€ por perdas salariais decorrentes da verificação do acidente, objecto dos presente autos. Tal situação comporta uma duplicação de indemnizações do mesmo cariz, importando um enriquecimento sem causa do demandante cível (…) encontra-se ainda a correr termos no Tribunal do Trabalho de Coimbra, com o número de processo 71 8/07.7 acção emergente de acidente de trabalho na qual é Autor o ora demandante cível e no âmbito da qual será certamente atribuída ao aqui demandante uma pensão anual, relativa à IPP atribuída ao mesmo .Deve ainda ficar estabelecido que o demandante cível teria de optar por uma das duas indemnizações, ou a pensão anual decorrente do acidente de trabalho ou o dano biológico decorrente do acidente de viação.

É jurisprudência uniforme e pacifica que não são cumuláveis as indemnizações recebidas por acidente de trabalho que é simultaneamente de viação, sendo, ao contrário, complementares uma da outra quando decorram do mesmo facto (cf. por todos os Ac. STJ de 24.1.2002, Ac. RP 31.3.2004 ambos em Acidentes de Trabalho, Jurisprudência, coord. Luis Azevedo Mendes, Jorge Loureiro, Colectânea de Jurisprudência, Edições, 2009, pp 208 e 477 e Ac. STJ de 6.3.2007 in www.dgsi.pt.

Se assim não fosse, verificar-se-ia uma cumulação de indemnizações pelo mesmo dano, determinante de um locupletamento injusto. Nesse sentido a jurisprudência refere que «as duas indemnizações apenas se poderão complementar até ressarcimento integral do dano causado» (cf. Ac STJ de TJ de 6.3.2007, citado, in www.dgsi.pt .

É também jurisprudência pacífica que em caso de concorrência de responsabilidades (por acidente de trabalho e viação) o devedor final é o terceiro responsável a título de acidente de viação e não o responsável a título de acidente de trabalho (cf. Ac STJ 22 de Setembro de 2004 in Acidentes de Trabalho, Jurisprudência, cit, p. 483), sublinhado nosso.

Ora no caso dos autos estamos em presença de uma situação em que o sinistro em causa consubstanciou efectivamente um caso de acidente de trabalho e acidente de viação.

No processo agora em apreciação determinou-se a responsabilidade civil (para além da penal) do sinistro que, não sendo questionada após a decisão da primeira instância, se entendeu ser de atribuir à demandada A… SA, por virtude da imputação culposa do acidente ao seu segurado, arguido R , condenado por crime de ofensa à integridade física por negligência nos autos.

É esta entidade, por virtude do contrato de seguro efectuado, que assume a responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro. E assume efectivamente a responsabilidade em primeira linha por todos os danos que foram percepcionados e determinados decorrentes do acidente e que resultam da audiência de julgamento, estão fixados na sentença.

Questão diversa será o facto de a seguradora que assumiu a responsabilidade do acidente de trabalho (Li apólice n.º 64/6758…) ao abrigo da qual o demandante obteve assistência médica e medicamentosa, custeada pela seguradora e igualmente pagou ao demandante a título de ITA, indemnizações salariais num total de € 11.543,61, ter que desonerar-se do que assumiu, ainda antes de determinada a responsabilidade civil pelo acidente, o que só agora aconteceu.

Importa no entanto previamente referir que o quantitativo fixado pelo Tribunal da primeira instância exclui expressamente as quantias relativas a assistência médica e medicamentosa, custeada pela seguradora L (cf. sentença quando se diz expressamente «Ora, neste particular importa salientar, conforme supra se expôs, que as deslocações e despesas médicas e medicamentosas efectuadas pelo demandante durante o período em que esteve de baixa médica foram integralmente suportadas pela seguradora “L”, neste particular nada tendo pois o demandante a receber»).

Quanto às demais quantias que a seguradora L terá pago, trata-se de quantia que a mesma pagou ao lesado, a título de indemnizações salariais decorrentes de incapacidades temporária.

Ora é certo que não podem ser cumuladas a indemnização que for atribuída ao autor com base no acidente considerado como de viação, e a que lhe foi atribuída em sede de processo de trabalho pela respectiva incapacidade, pois tal implicaria uma cumulação de indemnizações pelo mesmo dano, determinante de um locupletamento injusto: as duas indemnizações apenas se poderão complementar até ressarcimento integral do dano causado, podendo embora o lesado optar pela que entender mais favorável para ele, deduzida dos montantes que eventualmente já tenha recebido da outra entidade obrigada ao pagamento – cf. neste sentido a Jurisprudência unânime do STJ e por todos o Ac. daquele tribunal de 6.3.2007, in www.gdsi.pt.

As quantias em causa não são, ainda decorrentes de qualquer indemnização judicialmente atribuída no âmbito do acidente de trabalho.

Daí que serão quantias que eventualmente a mesma seguradora (L) terá que solicitar que lhe sejam devolvidas, se for esse o caso, a título de direito de regresso (cf. neste sentido a jurisprudência do STJ, nomeadamente o Ac de 22 de Setembro de 2004, citado, p. 484).

Mas esse é um procedimento que a entidade seguradora que foi responsável pelos danos laborais terá que efectuar em sede própria.

No caso, o Tribunal de primeira instância fixou os danos totais emergentes de uma forma legalmente sustentada e imputou-os a quem tinha a responsabilidade pelo seu pagamento – a A… SA.

Assim sendo não tem que ser, nesta fase descontada qualquer quantia recebida e não judicialmente sancionada como decorrendo do acidente de trabalho e por isso não tem qualquer razão a recorrente.

III. DISPOSITIVO.

Nesta conformidade acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento aos recursos interpostos pela demandada, quanto ao pedido cível, mantendo-se integralmente a decisão proferida na primeira instância.
Custas pela demandada civil, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).
Coimbra, 13 de Outubro de 2010

Mouraz Lopes


Félix de Almeida

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