Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1132/11.5TBSCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CONTRATO PROMESSA
RESOLUÇÃO
REVELIA
CONFISSÃO TÁCITA
PROVAS
Data do Acordão: 06/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
SANTA COMBA DÃO 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 410, 432, 442, 801, 808 CC, 484 CPC
Sumário: 1.- Apesar da confissão ficta decorrente da revelia do reu – artº 484º nº1 do CPC – os factos sujeitos a prova legal/taxada apenas podem ser dados como assentes e considerados se tal prova estiver no processo.

2.- O convite ao aperfeiçoamento da petição, porque consubstancia uma faculdade tendente à consecução da justiça material, pode ser efectivado nas situações de revelia do artº 484º do CPC, a tal não obstando o disposto no seu nº2.

3.- A impossibilidade de cumprimento – artº 801 do CC - e a perda do interesse –artº 808º - apenas atribuem jus à resolução do contrato se, objectivamente, assumirem o jaez de efectiva, real e total e afectarem com relevância e gravidade o interesse do credor.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

M (…), instaurou contra C (…), Lda, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário.

Pediu:

Seja decretada a resolução do contrato promessa de compra e venda que celebrou com a Ré, condenando-se a mesma a pagar-lhe a quantia de 50.000,00€, montante correspondente ao dobro da quantia entregue a título de sinal e antecipação do preço.

Alegou:

Ter celebrado com a Ré um contrato promessa, datado de 6 de Fevereiro de 2006, nos termos do qual prometeu comprar à Ré e esta prometeu vender-lhe a Fração Autónoma do prédio situado na Catraia, Santa Comba Dão, livre de quaisquer ónus, hipotecas, encargos ou responsabilidades, pelo preço de 72.000,00 Euros.

As partes acordaram que o contrato prometido seria celebrado por escritura pública assim que fosse “celebrada a escritura de constituição da propriedade horizontal” e assim que estivessem “reunidos os demais requisitos legais da parte da Ré, cabendo a esta todas as diligências necessárias para a marcação do referido ato notarial”.

No seguimento do contrato celebrado, entregou à Ré a quantia global de 25.000,00€ a título de sinal e princípio de pagamento.

A Ré “não consegue desonerar a totalidade do prédio, quer da Hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, quer das Penhoras ao Fisco, tudo por falta de pagamento das suas obrigações, para com as referidas Entidades”.

As obras estão por concluir, pelo que a Ré está culposamente impossibilitada de obter as competentes “Licenças de Ocupação e Habitabilidade das Frações Autónomas do prédio em apreço”.

Assim existe  incumprimento definitivo por parte da Ré que se colocou, por sua culpa exclusiva, na impossibilidade de entregar-lhe a fração autónoma livre desonerada e na impossibilidade de outorgar a competente escritura pública.

A ré não contestou.

2.

Foi proferida sentença na qual se julgou a ação improcedente e se absolveu a ré do pedido.

3.

Inconformado recorreu o autor.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) Quanto ao Douto Despacho proferido em 12 de Outubro de 2012, a fls 49 – Dir-se-á que foram todos os factos e situações referidas ao longo do ponto VIII, que levaram o mandatário do Autor a concluir de “mero lapso” no citado despacho da Mª Juíza Auxiliar, e por isso a juntar aos Autos o seu requerimento de 22/10/2012, com a Refª11397727, no qual requer que seja sanado “o mero lapso” em apreço e se sigam os termos da última parte do nº2 do artigo 484º do C.P.C;

E,

b) Quanto á referida situação processual, dir-se-á ainda que ao contrário da Douta Fundamentação da Mª Juíza “a quo” o Autor não declinou “o convite de aperfeiçoamento da P.I. feito pelo Tribunal, mas apenas fez um honesto e desapaixonado juízo das situações factuais e jurídicas, em confronto com as disposições legais em apreço, e com a matéria de facto e de direito alegados na causa a julgar e com o teor do citado despacho de fls 49 dos Autos;

c) A Mª Juíza “á quo”, ao socorrer-se “do artigo 265º-A do C.P.C” – “princípio da adequação formal” – na sua Douta e respeitável fundamentação, contrariando a posição do Autor, relativa ao seu requerimento de 22-10-2012, entendemos que deveria então socorrer-se também do artigo 266º do mesmo diploma legal, - “principio da cooperação” – e, em face disso notificar assim o Autor da fundamentação jurídica, e consequente posição do Tribunal, ao seu requerimento de 22-10-2012, convidando-o, de novo, com novo prazo, a dar cumprimento ao Douto Despacho de 12-10-2012 de fls49 dos Autos, Mas em vez disso a Mª Juíza “a quo” proferiu a sentença ora em recurso, julgando improcedente a presente acção;

Todavia,

d) A fundamentação fáctico-jurídica da Mª Juíza “a quo” para julgar improcedente a presente acção, se resume “á falta de matéria de facto provada nos Autos, a qual resumimos no ponto “X” destas nossas alegações de recurso, e para efeito destas conclusões aqui se dão por reproduzidas.

e) Contudo, - salvo o devido respeito, que é muito – entendemos que a Douta fundamentação facto-jurídica sofre de erradas construções silogísticas, e também por não terem ali sido referidos como “factos provados com interesse para a decisão da causa os factos alegados pelo Autor, na P.I., sob os artigos 6º, 7º, 8º, 15º, 16º, 17º, 18º, 23º, 24º, 25º e 26º;

f) Factos estes que, por via do que dispõe o nº1, do citado artigo 484º do C.P.C., devem também considerar-se confessados, - principio da confissão “presuntiva” ou “presumida” – a qual também se aplica á desnecessidade de prova documental – cof. A.B. Coelho, em R.T., 92º- 394 e seg - e, Ac, R.L. de 24-6-1999. Col Jur.1999, 3º,133-.

g) De qualquer modo, existem nos Autos documentos identificativos do prédio em apreço e consequentemente da ajuizada fracção autónoma “H”, tal como da fracção autónoma “B” ; Pois,

h) No anúncio fiscal – Doc. nº6 junto á P.I., é identificada a localização do prédio – Catraia, Santa Comba Dão – o artigo matricial – artigo 2955 – e o nº da descrição da Conservatória – 2163/20060321;

i) Na certidão da conservatória – Doc. nº7 junto á P.I. – se verifica tratar-se da mesma descrição predial nº2163/20060321, onde ali se verifica a inscrição da hipoteca do prédio á C.G.D., o montante máximo assegurado de 676.575,00€, tal como a constituição da propriedade horizontal, com a identificação das fracções autónomas de “A” a “J” e suas permilagens, onde se incluem a ajuizada fracção autónoma “H”, objecto do contrato em apreço e a fracção “B”, objecto da venda pelo fisco;

j) Assim, face, não só á matéria dada como provada na Douta Sentença ora em recurso, mas também ao alegado nos pontos XI, XII, XIII e XIV, destas nossas alegações de recurso, se verifica que a Ré já não tinha possibilidades de cumprir a prestação em apreço, por se ter colocado, por sua culpa exclusiva, na impossibilidade de outorgar a escritura da ajuizada fracção autónoma “H” E, também,

k) Por via dos mesmos factos, se verifica que o Autor acabou por perder o interesse na prestação que lhe advinha do ajuizado contrato de promessa de compra e venda, por estarmos em presença de uma impossibilidade culposa da Ré, com as consequências que advém do artigo 801º do C.C.,

l) E, com a citação pessoal dos representantes da Ré, em consequência da instauração da presente acção em juízo, na qual o Autor invoca a resolução do contrato em apreço, torna-se eficaz a mesma resolução do ajuizado contrato de promessa de compra e venda,

m) Face á matéria dada como provada nos artigos 2º e 6º, dos “Factos Provados”, da Douta Sentença ora em recurso, o Autor entregou á Ré, importâncias que totalizam 25.000€, as quais, estribado no que dispõe o artigo 441º do C.C., têm caracter de sinal. E,

n) Na sequência do que atrás se alega, isto é, por via da alegada “impossibilidade culposa” da Ré, esta será responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento, o Autor tem direito a exigir da Ré a restituição em dobro, da referida importância de 25.000€ - nos termos do nº2 do artigo 442º do C.C.,

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª-  Ampliação da matéria fáctica a considerar.

2ª Resolução do contrato por impossibilidade culposa da ré e perda de interesse do autor.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Pugna o autor pelo atendimento dos factos que foram por ele alegados nos artºs 6º a 8º, 15º a 18º e 23º a 26º mas que não foram selecionados.

Têm eles o seguinte teor:

6º.

A partir de meados do ano de 2006, o Autor começou a aperceber-se que as obras se encontravam quase paradas, e com a maior parte dos acabamentos de massas finas por acabar e ainda sem quaisquer instalações de água e electricidade, nem de elevador.

7º.

Foi então que o Autor passou a insistir quase diariamente com os representantes da Ré, no sentido de acabarem o prédio, a fim de obterem as Licenças de Ocupação das Fracções Autónomas, e outorgarem a escritura da Fracção Autónoma “H”, objecto do ajuizado Contrato de Promessa,

8º.

À insistência do Autor (e de outros Contratantes de outras fracções do mesmo prédio também já prometidas vender) os representantes da Ré, diziam que a “Caixa Geral de Depósitos lhes estava para disponibilizar a última parte do empréstimo que ali lhes foi concedido, a fim de procederem aos acabamentos do prédio”, mas que, “face a alguns problemas de ordem interna daquele Banco, as coisas têm atrasado”.

15º

Por via da referida entrega dos 15.000 Euros, efectuada pelo Autor à Ré, esta elaborou e entregou àquele o Recibo de tal montante.

16º.

Passados cerca de 2 (dois) a 3 (três) meses após a entrega do referido montante à Ré, o Autor dirigiu-se à obra e aí verificou que os referidos acabamentos se encontravam por executar;

Por isso,

17º.

O Autor contactou os representantes da Ré, os quais o informaram que, “já tinham efectuado a Escritura de Propriedade Horizontal, e que, com os 15.000 Euros, tiveram que fazer face a encargos urgentes”;

18º.

Mas que,“Dentro de dias a C.G.D., iria disponibilizar o dinheiro para os acabamentos, e que, por isso, dentro de 2 (dois) ou 3 (três) meses fariam a Escritura”.

23º.

Já havia mais Penhoras de outras Fracções Autónomas nas Finanças e que a própria C.G.Depósitos até já pagou uma das dívidas ao Fisco, da responsabilidade da Ré, também com data marcada para Venda de uma das Fracções, pelo facto de ser Credora Hipotecária do prédio em causa”.

24º.

Face a tais informações da C..Depósitos e às recolhidas na Área Fiscal, o Autor adquiriu na Conservatória a fotocópia informativa sobre o referido prédio da Ré.

De onde se vê, que,

25º.

A totalidade do prédio da Ré, do qual a ajuizada Fracção Autónoma “H” faz parte, está onerada com uma Hipoteca a favor da C.G.Depósitos, com o montante máximo assegurado de 676.575,00 €.

26º.

Para além do referido ónus (Hipoteca) sobre a totalidade do dito prédio da Ré, existem ainda as referidas Penhoras Fiscais,

Atentemos.

O fito último do processo é a descoberta da verdade material.

Para o efeito, deve o juiz selecionar e levar à BI a matéria factual relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito- artº 511º do CPC.

No caso vertente verifica-se que o artº 24º da pi não encerra qualquer facto final mas apenas uma atuação para a obtenção de documento cujo teor consta no artº 25º.

Quanto à matéria dos artºs 15º a 18º, ela está plasmada, na sua essencialidade relevante, nos artºs 5º a 8º do acervo factual selecionado pela julgadora.

No atinente a penhoras fiscais relativamente à totalidade do prédio ou até sobre algumas frações, tais factos não podes ser dados como assentes pois que, tal como expende a julgadora, a prova dos mesmos depende de documento atinente/pertinente que não se encontra junto.

Trata-se de factos sujeitos a prova legal/taxada, não bastando a confissão ficta para que os mesmos sejam dados como assentes.

Ademais estão  correlacionados com outro facto alegado, qual seja, a C.G. Depósitos ter pago uma dívida ao Fisco de uma das frações, da responsabilidade da ré, facto este que também exige aquele tipo de prova.

Finalmente e no que tange à existência de uma hipoteca sobre a totalidade do prédio em causa, tal facto está – versus o entendido pela julgadora – suficientemente provado pelo doc. de fls. 27 e 28, vg. porque nele se discriminam as frações autónomas do prédio e se faz referencia à fração H que coincide com a invocada pelo autor.

Assim, quanto a estes factos e aos demais não  supra excluídos constantes nos artºs 6º a 8º e visto o objeto do processo e o pedido formulado pelo autor, é/seria de admitir, liminarmente e sem qualquer juízo de prognose quanto a um futuro desfecho jurídico da questão, que os mesmos podem ter relevância para a análise e dilucidação jurídicas da causa.

Destarte, devem cumular-se tais factos aos admitidos pela julgadora,  o que infra se efetivará, realçando-se os mesmos a negrito.

5.1.2.

Decorrentemente os factos a considerar são os seguintes.

C (…), Lda., ora Ré, identificada como “primeira contratante”, representada por (…) na qualidade de únicos sócios e gerentes, e M (…) identificado como “segundo contratante”, aqui Autor, acordaram nos termos do documento cuja cópia é fls. 20 a 21 dos autos, epigrafado “CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, datado de 6 de Fevereiro de 2006, documento que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde se lê:

“ (…)

PRIMEIRA

1. Que pelo preço de 72.000,00 Euros (setenta e dois mil euros) a PRIMEIRA CONTRATANTE promete vender ao SEGUNDO CONTRATANTE, a fracção autónoma do prédio situado na Catraia, freguesia e concelho de Santa Comba Dão, a que corresponde o Processo de Obras nº. 61/2004, designada pela letra H, no Piso 4, Tipo T2 composto por hall, sala, cozinha, dois quartos e uma casa de banho e ainda um compartimento na cave destinado a garagem, como melhor se alcança nas plantas anexas e que rubricadas por ambos os CONTRATANTES fazem parte integrante deste contrato. -----------------------------------------------------------------------------

2. A prometida venda da referida fracção será efectuada livre de quaisquer ónus, hipotecas ou quaisquer outros encargos ou responsabilidades.

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SEGUNDA

1. Que o referido preço será pago nas condições seguintes:

-------------------------

a) A título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 7.200,00 Euros (sete mil e duzentos euros) que a PRIMEIRA CONTRATANTE, recebe nesta data do

SEGUNDO CONTRATANTE.

---------------------------------------------------------------------------------------------

b) O remanescente do preço, no valor de 64.800,00 Euros (sessenta e quatro mil e oitocentos euros) será pago pelo SEGUNDO CONTRATANTE até ao acto da escritura pública de compra e venda.

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2. Qualquer pagamento efectuado com cheque apenas produz efeitos contratuais após o recebimento e boa cobrança daquele.

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TERCEIRA

1. O contrato prometido será celebrado por escritura pública a levar a cabo logo que seja celebrada a escritura de constituição da propriedade horizontal e reunidos que sejam os demais requisitos legais da parte da PRIMEIRA CONTRATANTE, cabendo a esta todas as diligências necessárias para a marcação do referido acto notarial, de cuja data, cartório e hora notificará o SEGUNDO CONTRATANTE, com dez dias de antecedência para o endereço constante do presente contrato.

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2. O SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a, até cinco dias antes da data prevista para a escritura pública referida no parágrafo anterior, entregar os documentos necessários, da sua parte, à celebração da mesma.

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(…)

QUINTA

1. O incumprimento de qualquer das obrigações assumidas no presente contrato pela promitente vendedora, designadamente a não outorga da escritura pública de compra e venda, confere ao promitente comprador o direito exigir a restituição do sinal em dobro.

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2. Em caso de incumprimento definitivo do promitente comprador, a promitente vendedora tem direito de fazer sua a quantia entregue a título de sinal.

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3. O disposto nos números anteriores não afasta a possibilidade de a parte não faltosa requerer, em alternativa, a execução específica do contrato, nos termos dos artigos 442º, nº. 3 e 830º, ambos do Código Civil. -------------------

Mercê do acordado em 1º, a 6 de Fevereiro de 2006, o Autor entregou à Ré, que a recebeu, a quantia de 10.000,00€, a título de “sinal” e “princípio de pagamento”.

A partir de meados do ano de 2006, o Autor começou a aperceber-se que as obras se encontravam quase paradas, e com a maior parte dos acabamentos de massas finas por acabar e ainda sem quaisquer instalações de água e eletricidade, nem de elevador.

Foi então que o Autor passou a insistir quase diariamente com os representantes da Ré, no sentido de acabarem o prédio, a fim de obterem as Licenças de Ocupação das Frações Autónomas, e outorgarem a escritura da Fração Autónoma “H”, objeto do ajuizado Contrato de Promessa,

À insistência do Autor (e de outros Contratantes de outras frações do mesmo prédio também já prometidas vender) os representantes da Ré, diziam que a “Caixa Geral de Depósitos lhes estava para disponibilizar a última parte do empréstimo que ali lhes foi concedido, a fim de procederem aos acabamentos do prédio”, mas que, “face a alguns problemas de ordem interna daquele Banco, as coisas têm atrasado”.

Em Fevereiro do ano de 2009, o prédio identificado em 1º (Cláusula Primeira) não tinha estores, elevador, máquina de aspiração, baixada eléctrica e quadros eléctricos, instalação do sistema de recepção de sinais “TV”, nem louças de casa de banho, armários de cozinha ou roupeiros nos quartos.

Mercê do referido em 3º, o Autor contactou a Ré em Fevereiro de 2009, comunicando-lhe que pretendia que a escritura pública referida em 1º (Cláusula Terceira) fosse realizada no prazo de 60 dias.

Em virtude do referido em 4º, a Ré disse ao Autor que iria “insistir com a Caixa Geral de Depósitos para lhe disponibilizar 15.000€, e que essa quantia seria suficiente para suportar as despesas dos acabamentos e da escritura de constituição de propriedade horizontal e que, dessa forma, conseguiriam pedir a vistoria à Câmara Municipal para obtenção de licença de ocupação, e com ela fariam, então, a escritura”.

Mercê do referido em 5º, o Autor disse à Ré que “poderia adiantar-lhes os 15.000 Euros, que funcionariam como reforço do sinal e parte do pagamento” e, após o acordo da Ré, entregou-lhe a quantia de 10.000,00€, a 16 de Fevereiro de 2009, e o montante de 5.000,00€, a 17 de Fevereiro de 2009.

Entre os meses de Abril/Maio de 2009 e 2 de Setembro de 2011, e porque a situação descrita em 3º se mantinha, o Autor contactou com a Ré insistindo na conclusão das obras, na obtenção da “Licença de Utilização” e na celebração da escritura pública referida em 1º (Cláusula Primeira).

Nos contactos estabelecidos entre o Autor e a Ré, referidos em 7º, a Ré dizia-lhe que estava “a aguardar que a Caixa Geral de Depósitos disponibilizasse a quantia necessária à execução dos acabamentos” referidos em 3º e que, por isso, “dentro de 2 ou 3 meses seria celebrada a escritura pública”.

O Serviço de Finanças de Santa Comba Dão publicou no Jornal “Defesa da Beira”, nº 3463, de 2 de Setembro de 2011 o anúncio cuja cópia é fls. 26 dos autos, epigrafado “ANÚNCIO/VENDA E CONVOCAÇÃO DE CREDORES”, documento que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde se lê: “ (…) (…), Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Santa Comba Dão (…) faz saber que irá proceder à venda por meio de propostas em carta fechada (…) do bem acima melhor identificado [Prédio Urbano Artigo 2955 Fracção B destinado a comércio, com a área de 62,800 m2, sito na Rua da Catraia, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Comba Dão sob o nº 2163/20060321-B] penhorado ao executado infra indicado [C (…), Lda.] para pagamento de dívida constante em processo (s) de execução fiscal. (…)”.

A totalidade do prédio da Ré, do qual a ajuizada Fracção Autónoma “H” faz parte, está onerada com uma Hipoteca a favor da C.G.Depósitos, com o montante máximo assegurado de 676.575,00 €.

10º

O Autor contactou com a Caixa Geral de Depósitos, que o informou de que havia entregue 15.000,00€ à Ré no ano de 2010.

11º

A 20 de Dezembro de 2011, o prédio identificado em 1º (Cláusula Primeira) não tinha estores, elevador, máquina de aspiração, baixada eléctrica e quadros eléctricos, instalação do sistema de recepção de sinais “TV”, nem louças de casa de banho, armários de cozinha, nem roupeiros nos quartos.

12º

A 20 de Dezembro de 2011, a escritura pública referida em 1º (Cláusula Primeira) não havia sido celebrada, nem a Ré havia marcado data para a sua realização.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

O autor foi convidado pela Srª Juiza: «De harmonia com o disposto no artigo 508º, nº 1, alínea b), e nº 3º do Código de Processol Civil, …no prazo de 10 dias, esclarecer e concretizar em que medida está a Ré impossibilitada de "desonerar a totalidade do prédio quer da Hipoteca quer das penhoras ao Fisco", e impedida de fazer face às dividas que contraiu com a Fazenda Nacional e com a Caixa Geral de Depósitos (concretizando, designadamente, os montantes em dívida, datas dos respectivos incumprimentos e situação patrimonial (activo) da Ré); devendo também juntar aos autos certidão( completa e actualizada) do registo predial do prédio e da fracção em causa na presente lide.»

Ele não  deu cumprimento e satisfez tal convite porque entendeu que o mesmo foi proferido: «por “mero lapso” …Já que, Quer o estado dos Autos, quer a sua faze processual, não poderão os mesmos agora comportar tal despacho, -por imperativo legal – ultima parte do nº2 do artigo 484º do C.P.C.

 Pelo que se Requer a V. Excia que seja sanado o “mero lapso” em apreço e se sigam os termos da última parte do nº2 do artigo 484º do C.P.C»

Vem agora dizer que a sua posição não consubstancia uma recusa do cumprimento do despacho e que deveria ter sido novamente notificado para o efeito.

Não lhe assiste, meridianamente, razão.

Versus o por ele defendido, o despacho foi tempestivo, como doutamente expendeu a julgadora.

Na verdade, considerando, por um lado, a natureza intrínseca de tal despacho: constitui uma faculdade, um poder dever funcional e não um dever estrito, e, por outro lado, o seu fito e teleologia: consecutir a verdade material, inclusive em benefício das partes (quiçá menos sabedoras, argutas ou diligentes), nada impõe que nas ações não contestadas se siga, imediata e inexoravelmente, o ritualismo previsto no  artº 484º nº2 do CPC com  total e inelutável postergação do exercício de tal faculdade.

Antes pelo contrário, e atentas as suas  referidas caraterísticas,  podendo tal despacho de aperfeiçoamento ser prolatado antes ou depois das diligencias e atuações em tal segmento normativo previstas.

Em todo o caso mesmo que fosse como o autor entendeu ser, deveria ele, à cautela, e até porque o cumprimento do solicitado apenas o poderia beneficiar, cumprir.

Não o fez, o que deixa margem de interpretação  para a conclusão de que a sua posição foi motivada por um entendimento seu sobre a desnecessidade de cumprir     já que o por si factualmente alegado era o bastante para alicerçar juridicamente a sua pretensão.

Por todo o exposto é evidente que à julgadora não estava imposto – até porque, como se viu, tal atuação não constitui para ela uma obrigação jurídico-processual, tout court – uma nova notificação do autor para aperfeiçoar a pi.

5.2.2.

Quanto ao fundo.

5.2.2.1.

Em função do estatuído no  artº 410°, nº 1 do CC,  o qual preceitua que ao contrato-promessa «são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se (lhe) devam considerar extensivas»,  ao mesmo são aplicáveis as regras gerais dos negócios jurídicos e das obrigações que não contrariem as normas que especificamente lhe são consagradas, tais como as que regem quanto à figura da resolução.

O direito de resolução dum contrato, enquanto meio de extinção do vínculo contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado  - artigo 432º CC.

Assim, a parte que invoca o direito à resolução  fica obrigada a alegar e a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual.

Destarte, é hoje pacífico, máxime depois das alterações introduzidas pelo DL 379/86 de 11 de Novembro, que tal como acontece relativamente aos negócios jurídicos em geral,  também a aplicação das sanções previstas no artigo 442º do  CC pressupõe o incumprimento definitivo do contrato promessa.

Este incumprimento definitivo pode advir de uma impossibilidade de cumprimento (objetivo/naturalística ou subjetiva porque imputável a título de culpa ao devedor) – artº 801º do CC.

Ou advir  da transformação da simples mora em incumprimento definitivo, o que pode ocorrer por três vias: a) convencer o credor da sua perda de interesse na prestação  ex vi da demora no cumprimento; b) demonstrar que a prestação não foi efetivada no prazo razoável que, admonitoriamente, fixou ao devedor – artº 808º do CC; c) provar que o devedor se recusou absoluta, perentória e definitivamente a cumprir.

Importando ainda reter que a simples emergência ou verificação dos fundamentos resolutivos do contrato não opera automaticamente no sentido de atribuir imediatamente jus ao direito à resolução.

Pois que esta: «além de pressupor o incumprimento definitivo de uma prestação contratual, exige a gravidade da violação, não sendo esta apreciada em função da culpa do devedor mas das consequências desse incumprimento para o credor. Não é, portanto, qualquer incumprimento, ainda que definitivo, que viabiliza a resolução»  - Ac do STJ de  18.12.2012, p. 5608/05.5TBVNG.P1.S1.

Assim, e desde logo no que concerne à impossibilidade de cumprimento, importa ter presente que a lei não se contenta apenas com uma mera dificuldade em se efetivar a prestação, exigindo uma efetiva, real e total não consecução da prestação.

No que tange à perda do interesse convém não descurar que ela não pode ser relevada apenas pela convicção ou perspetiva do credor, tendo antes de ser apreciada objetivamente, ie., em função da análise do homem médio, do homo prudens, sopesando-se v.g., a duração da mora e as suas consequências nocivas, o comportamento do devedor e o propósito do credor – nº2 do artº 808 – cfr. Acs. do STJ de 27.05.2010, p. 6882/03.7TVLSB.L1.S1, de 14.04.2011, p. 4074/05.0TBVFR.P1.S1.  e de 13.09.2012, p. 4339/07.6TVLSB.L1.S2, todos in dgsi.pt.

 Pois que: «Não basta que o credor afirme, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa para se considere que perdeu o interesse na prestação: há que ver, em face das circunstâncias, concretas e objectivas, se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas» - Ac. do STJ de 05.05.2005, p. 05B724.

No atinente ao cumprimento em prazo razoável,  urge  interiorizar que este prazo tem de ser fixado mediante uma interpelação admonitória.

Ou seja, o accipiens deve notificar o solvens concedendo-lhe um prazo razoável - ie. adequado, porque ponderado à luz  da natureza, circunstancialismo e à  função do contrato, aos usos correntes e  aos ditames da boa  fé -,  porém final e preclusivo, para o cumprimento.

Na verdade a  interpelação admonitória a que se refere a segunda parte do n.º 1 do artigo 808º, contém e implica (i) a intimação para cumprimento, (ii) a fixação de um termo peremptório para esse cumprimento e (iii) a admonição ou a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo– cfr. Ac. do STJ de 22.11.2012, p. 98/11.6TVPRT.P1.S1.

 De tal modo se exige rigor e gravidade nos factos consubstanciadores do direito resolutivo, máxime por reporte a este último fundamento, que há quem entenda que mesmo: «Havendo prazo marcado para o cumprimento da obrigação, a sua não observância pelo devedor não dá, em geral, lugar ao não cumprimento definitivo da obrigação, mas a uma situação de simples mora, a não ser que se esteja perante um dos chamados «negócios fixos absolutos», em que o termo é essencial.» - Ac. do STJ de 10.02.2005, p. 04B4358.

5.2.2.2.

No caso vertente A Srª Juiza, depois de doutamente discorrer sobre a figura da resolução contratual e da sua aplicação ao contrato promessa, fundamentou a sua posição e decisão, para o caso vertente, nos seguintes termos essenciais:

« as partes não estipularam qualquer prazo para a marcação da realização da escritura pública, tratando-se, pois, de uma obrigação sem prazo certo que impende sobre a Ré.

Decorre, também, da matéria apurada nos presentes autos que, em Fevereiro de 2009, o Autor comunicou à Ré que pretendia que a escritura pública em apreço fosse celebrada no prazo de 60 dias.

Ademais, fazendo apelo à matéria de facto provada nos presentes autos, não se verifica que o Autor tenha convertido a mora da Ré em incumprimento definitivo - intimando-a a cumprir com a sua obrigação principal (de celebração da escritura pública do contrato de compra e venda), fixando-lhe um termo para o efeito e advertindo-a de que a não marcação da escritura naquele (novo) prazo concedido acarretaria que o Autor tivesse aquela obrigação como não cumprida.

Na verdade, o posterior comportamento do Autor – particularmente no que concerne à entrega da quantia global de 15.000,00€ (por sua própria iniciativa) e os contactos estabelecidos com a Ré durante mais de dois anos (desde Abril/Maio de 2009 a Setembro de 2011), insistindo na conclusão das obras, na obtenção da Licença de Utilização e na celebração da escritura pública – é, antes, revelador que não só a prestação em apreço era ainda possível, como que o Autor não havia perdido o interesse na prestação já que, de outro modo, não teria insistido na conclusão das obras.

Por outro lado, decorre dos autos que nas diversas situações em que o Autor a contactou, insistindo no cumprimento do contrato promessa celebrado entre as partes, nunca a Ré se recusou a cumprir, mostrando-se, antes, disposta a cumprir as suas obrigações e justificando o atraso na conclusão das obras e na obtenção da licença necessária à celebração da escritura de compra e venda.

…não decorre dos factos provados que sobre a referida fracção incidam quaisquer hipotecas ou penhoras fiscais…ainda que o Autor tivesse logrado demonstrar a existência das invocadas hipotecas e penhoras fiscais (o que este não logrou) tais factos não seriam, por si só, suficientes para concluir que a Ré está impossibilitada de solver as suas dividas e, consequentemente, de vender ao Autor a fracção autónoma livre de ónus, hipotecas ou quaisquer outros encargos ou responsabilidades; sendo antes necessário que o Autor trouxesse aos autos factos que permitissem concluir que atendendo a concretos montantes em dívida, às datas dos respectivos incumprimentos e à situação patrimonial da Ré, a impedem de “desonerar a totalidade do prédio”.

Importa, por fim, apreciar a invocada impossibilidade culposa da prestação da Ré …

Verifica-se, pois, que as obras realizadas pela Ré no prédio urbano em apreço não se encontram concluídas, sendo certo que a obtenção da licença/autorização de utilização - necessária para a celebração da Escritura Pública do contrato de compra e venda prometido, já que se trata de um dos documentos que a instruem - não se afigura (ainda) possível sem a conclusão destas obras (artigo 62º a 66º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação e artigo 1º do Decreto-Lei 281/99, de 26 de Junho).

Contudo, e atendendo a que o Autor não invocou que as aludidas obras não são passíveis de conclusão ou que a obtenção da licença/autorização de utilização não será já possível após a conclusão desta, e considerando ainda que se trata, in casu, de obras que revestem alguma simplicidade (não se tratando de obras estruturais), a não conclusão das obras não consubstancia uma impossibilidade da prestação principal da Ré de celebração do contrato prometido (por escritura pública), continuando esta a ser juridicamente possível.

Nestes termos, não se verificando, in casu, a conversão da mora em incumprimento definitivo, nem havendo uma declaração antecipada de não cumprimento definitivo nem uma recusa categórica de cumprimento (antecipada ou não), nem qualquer impossibilidade culposa da prestação da Ré e atendendo, ainda, a que nada foi alegado quanto a uma eventual perda de interesse que tinha na prestação …a pretensão do Autor não poderá deixar de ser improcedente».

(sublinhado nosso)

E efetivamente assim é, corroborando-se este entendimento.

Desde logo no que concerne à transformação da simples mora em incumprimento definitivo, verifica-se que ela inexiste.

Primus porque  não resulta provado que a ré devedora se tenha recusado a cumprir, antes pelo contrário se demonstrando que ela sempre foi dizendo e fazendo crer que cumpriria.

Secundus porque o autor não operou relativamente à demandada a interpelação admonitória pois que não se apuaram os requisitos e elementos da mesma nos termos supra referidos.

Tertius porque, bem vistas as coisas, o demandante não convenceu sobre a sua perda de interesse na prestação  ex vi da demora no cumprimento.

Antes pelo contrário, os factos alegados e apurados clamam a conclusão de que o autor manteve o interesse na concretização da compra.

Inequivocamente no período que medeou entre  meados de 2006, passando por abril de 2009 e  até setembro de 2011, pois que neste ínterim, sabendo o autor que o prédio estava por acabar, sempre foi insistindo com a ré para efetivar tais acabamentos, inclusive prontificando-se a auxiliá-la para o efeito com o empréstimo de dinheiro – cfr. factos aditados e os  ínsitos nos pontos 3 a 7.

E, posteriormente a setembro de 2011, não aduziu o autor factos bastantes e com relevo para, através deles, se  poder concluir que, objetiva e razoavelmente, ele perdeu o interesse na realização do negócio.

Finalmente e no que tange à impossibilidade de cumprimento (objetivo/naturalística ou subjetiva porque imputável a título de culpa ao devedor) – artº 801º do CC,  já supra se viu que, por um lado, a lei não se contenta com uma mera dificuldade em se efetivar a prestação, antes exigindo uma efetiva, real e total não consecução da prestação; e, por outro lado, que tal impossibilidade tem de assumir efeitos ou consequências nocivas para o credor que assumam algum relevo ou gravidade.

Ora, dimana dos factos provados – mesmo considerando os aditados nesta sede recursiva -  que estes dois requisitos não se encontram presentes.

 Pois que deles não se pode concluir que as obras em falta não possam ser realizadas, nem se pode concluir que o atraso na sua conclusão cause ao autor prejuízos, ou prejuízos com magnitude e relevância tais que assumam a gravidade legalmente exigida para  consubstanciarem e fazerem emergir o direito à resolução.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando.

I – Apesar da confissão ficta decorrente da revelia do reu – artº 484º nº1  do CPC – os factos sujeitos a prova legal/taxada apenas podem ser dados como assentes e considerados se tal prova estiver no processo.

II –O convite ao aperfeiçoamento da petição, porque consubstancia uma faculdade tendente à consecução da justiça material, pode ser efetivado na situações de revelia do artº 484º do CPC, a tal não obstando o disposto no seu nº2.

III – A impossibilidade de cumprimento – artº 801 do CC -  e a perda do interesse –artº 808º - apenas atribuem jus à resolução do contrato se, objetivamente, assumirem o jaez de efetiva, real e total e afetarem com relevância e gravidade  o interesse do credor.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelo recorrente.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Alberto Ruço