Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2200/19.0T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
SUSPENSÃO NAS FÉRIAS JUDICIAIS
Data do Acordão: 01/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 138º, Nº 1 DO NCPC.
Sumário: O prazo dilatório de suspensão da instância fixado pelo tribunal a requerimento das partes está sujeito à regra de suspensão em férias judiciais e respectivas exceções consagradas no art. 138º/1 do NCPC.
Decisão Texto Integral:











Acordam na 6ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

A autora apresentou petição inicial em que identificou como demandada a ora ré, fazendo constar do formulário electrónico destinado à apresentação daquele articulado o seguinte:

Forma de Processo / Classificação: Acção de Processo Comum Laboral

Espécie: Ação de Processo Comum

Objecto de Acção: Rescisão por iniciatíva do trabalhador invocando justa causa [Trabalho]”.

Deduziu o pedido seguidamente transcrito:

Nestes termos e, nos melhores de direito, que Vª Ex.ª mui doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência ser o R., condenado a:

· Reconhecer a licitude da cessação do contrato de trabalho com invocação de justa causa pela trabalhadora ora A.

· Reconhecer a admissão da A. ao serviço da Ré com efeitos a 1 de Outubro de 2008 e simultaneamente reconhecer o direito ao pagamento das retribuições não pagas (incluindo férias vencidas e respetivos subsídios) no montante de 8.320,00 €

· Em consequência proceder, à correção desta data da admissão da A. na Segurança Social, de forma a que esta alteração produza efeitos na sua carreira contributiva.

· Reconhecer como integrando a retribuição base da A. a quantia paga mensalmente, desde Maio de 2008, a título de Isenção de Horário de Trabalho;

· Pagar à A. uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais no montante de 161.520,00 €, calculados nos termos do Nº 3 do artº 396º do CT (Lei 07/2009 de 12/02) porque a indemnização correspondente a 45 dias por cada ano de trabalho prestado à R. atenta a especial culpa nos factos que justificam a resolução do contrato de trabalho por parte da A. ficaria muito aquém dos prejuízos efetivamente sofridos pela A. (nº 1 do artº 396º da L. 7/2009 de 12/02) e abundamente desenvolvidos no articulado.

· Pagar à A. as quantias emergentes do não pagamento das férias vencidas em 1 de Janeiro de 2019 e os proporcionais pelo tempo de trabalho prestado no ano de 2019 no montante global de 7.054,85 €.

· Pagar juros à taxa legal desde a citação da R. até integral pagamento.”.

Na audiência de partes que ocorreu no dia 9/4/2019 “… pelas partes foi dito, por acordo, que, prevendo a possibilidade de chegarem a um acordo, requerem a suspensão da instância pelo prazo de 20 dias.”.

Logo após, a Senhora Juíza que presidiu a tal diligência proferiu o seguinte despacho:

Considerando que a composição amistosa das partes é sempre preferível à resolução judicial do litígio e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 269º, nº1 alínea c) e 272.º, n.º 4, ambos do NCCPT, defiro o requerido e suspendo a instância por 20 dias.

Não obstante, desde já se determina e fica consignado que, decorrido o prazo da suspensão, caso não seja junto aos autos quer transação quer requerimento a solicitar a prorrogação do prazo de suspensão, o prazo de 10 dias para apresentação da contestação, começa a decorrer imediatamente sem despacho prévio do juiz.

Oportunamente, e se for caso disso, marcar-se-á data para a realização da audiência de julgamento.

Notifique.”.

A ré apresentou contestação no dia 22/5/2019, com pagamento da multa devida pela apresentação de tal articulado no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo para contestar.

Na resposta que apresentou, a autora sustentou que a contestação foi apresentada fora do prazo de que a ré dispunha para apresentar tal articulado.

No despacho saneador decidiu-se nos termos seguidamente transcritos:

A Autora, na sequência da contestação deduzida pela Ré, veio apresentar articulado de resposta, nos termos ali melhor expostos e aqui dados, por integralmente reproduzidos, arguindo, para além do mais, a extemporaneidade da apresentação da contestação.

Notificada a Ré pronunciou-se a respeito, nos termos melhor constantes do seu requerimento que antecede e se dão por integralmente reproduzidos, concluindo não assistir razão à Autora.

Vejamos então:

Efetivamente cremos, com o devido respeito por opinião contrária, que não assiste razão à Autora.

É que, contrariamente ao que aquela alega, não se está na presença de uma acção de natureza urgente enquadrável no artigo 26º, nº1 alínea a) do CPT – Ação de impugnação da regularidade e licitude do Despedimento - (ação esta a que se reportam os artigos 98º-B e seguintes do mesmo diploma legal), antes se está na presença de uma Ação Declarativa de Condenação, com Processo Comum, como aliás assim refere na sua Petição inicial.

Por outro lado, entendemos também com o devido respeito, por opinião contrária, que a contagem dos prazos em causa, no caso, os 20 dias de suspensão (para eventual acordo) a que se seguiriam imediatamente, sem necessidade de despacho prévio, os 10 dias para a dedução da contestação, num total de 30 dias, se suspende nas férias judiciais da Páscoa (artigo 138º do CPC, aplicável, “ex vi” artigo 1º,nº 2 alínea a) do CPT) estando assim em tempo (paga que foi a multa do 2º dia útil) a contestação visada.

Improcede, pois, a arguida extemporaneidade da contestação.

Notifique e d.n..”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou a autora, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

A questões nucleares a decidir no presente recurso assentam na resposta a dar a a duas questões a presente a ação de reconhecimento da licitude do despedimento promovido pelo trabalhador ( artºs 394 e ss do C.T.) está (ou não)  abrangida pelo disposto na alª a) do nº 1) do artº 26º do CPT (redação do DL 295/2009 de 13/10) sendo, pois, considerada ( ou não) de natureza urgente ?

 a suspensão da instância, requerida por acordo, “decidida” pela Srª Juiza “a quo”, suspende-se no período de férias judiciais, seguindo-se de imediato a contagem do período  de suspensão acordado?

Do elenco da previsão do invocado artº 26º do CPT estão consagradas todas as situações, especialmente gravosas (na constância do contrato de trabalho), e, muito especialmente, aquelas que se prendem com os direitos fundamentais da pessoa enquanto trabalhador.

Da interpretação do âmbito de aplicação do artº 26º do CPT e, muito especialmente, da norma constante da alª a) do seu nº 1º, não poderá ser retirada qualquer forma de cessação não consensual do contrato de trabalho e, nomeadamente, a situação da resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador.

Da letra da lei não emerje tal distinção que, aliás a ser consagrada, seria de constitucionalidade mais que duvidosa... daí que invoque a este respeito a expressão “ ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”.

Não é decisivo, o argumento do despacho Saneador ora recorrido quando diz “ não se está na presença de uma ação de natureza urgente enquadrável no artº 26º nº 1 alª a) do CPT (...) antes se está na presença de uma Ação Declarativa de Condenação com Processo Comum (...)” já que o artº 26º do CPT também deixa de fora dos processos “especiais” as situações em que esteja em causa o despedimento de membro de estrutura de representação coletiva dos trabalhadores e a ação em que esteja em causa o despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou trabalhador no gozo de licença parental.

Se o legislador a quem se atribui a presunção de que consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” ( artº 9º nº 3 do CC) não atribuiu a estas duas situações” a forma de processo especial” mantendo-lhes, porém,  a natureza urgente ( artº 27º do CPT), não se vislumbra razão para que se retire dessa não atribuição de forma “especial”, argumento para retirar a natureza urgente ao processo agora sub judicio, natureza esta que, não se encontra afastada quer pela letra quer pelo espirito da norma da alª a) do nº 1 do artº 26º.

No caso de suspensão da instância por acordo das partes e decidida por Juiz, a contagem desse período de suspensão deverá ser contínua, não se suspendendo no período de férias judiciais e, isto, porque a instância já se encontra suspensa.

No caso concreto “sub judicio”, não está em causa o disposto no artº 138º do CPC, porque não está em causa um “ prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do Juiz ( artº 138º nº 1 do CPC)” para praticar determinado acto”; pelo contrário está em causa um despacho do Juiz que, por um período que se concertou ser de 20 (vinte dias), tivesse a instância ( em termos processuais) paralizada.   

Reza o AC da RL de 7/11/2012 proferido no Procº nº 3576/11.1TTLSB.L1-4 este respondendo à questão que é a de saber se o disposto no artº 142º nº 2 do CPC ( hoje artº 138º) logra aplicação ao prazo de suspensão da instância”: “ a nosso ver não se vislumbra motivo para a aplicação da norma em questão na situação em exame. É que o prazo de suspensão da instância de 45 dias fixado pela Mmª Juiz, na audiência de partes ( a requerimento das partes ) não se destinou, em bom rigor, à prática de qualquer ato processual”.

Ora os mesmos motivos procedem no caso “sub judicio”: o prazo de vinte dias concedido pela meritíssima Srª Juiza “a quo” para autocomposição de interesses não é, manifestamente, um prazo processual “de fazer” razão pela qual, obviamente, não se suspende nos termos do artº 138º do NCPC

Pelo contrário é, sim, prazo processual, o prazo de dez dias (10) para apresentar a contestação, previsto na alª a) do artº 56º do CPT que se seguiu, de imediato, ao período de suspensão  de vinte dias, decidido nos termos do despacho acima identificado.

Esse prazo de dez dias, para apresentação da contestação reveste, aqui sim, a natureza de prazo processual iniciando-se, imediatamente, ao termo da suspensão requerida pelas partes isto é, no dia 29 de abril.

Concluindo-se, assim, no sentido que, atenta a natureza da suspensão da instância requerida pelas partes e, deferida pela Meritissima Srª Juíza, o prazo concedido rege-se pelo principio da continuidade não se suspendendo durante as férias judiciais ( tão só porque aquela suspensão, isto é a paralização da instância, por si só já operou os mesmois efeitos)  

Dum lado a força propulsiva da instância, que tende a vencer a resistência oposta pela suspensão; do outro, a força que fez paralisar a instância e que continua a fazer sentir a sua ação. Por outras palavras, suspendeu-se a instância para se dar satisfação a determinado interesse processual; mas mais alto do que este interesse paira o interesse substancial, que exerce pressão no sentido de a instância recuperar o seu anadamento para que possa obter-se, o mais depressa possível, a solução do litígio” in Prof José Alberto dos Reis (in Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora 1946 pp 302.

Encontrando-se suspensa a instância – em absoluto repouso ( no dizer do ilustre Prof acima citado) - não correndo, in casu, quaisquer prazos, não se justifica ( aliás pareceria absurdo o contrário) invocar a aplicação das regras do artº 138º do NCPC quando estas regras - de suspensão da contagem dos prazos - já se encontram em aplicação (ao caso concreto), através do despacho que decidiu a suspensão da instância.

Por tudo isto o prazo para apresentação da contestação terminou no dia 9 de Maio de 2019 (ou no dia 14 de Maio com o máximo de multa admissível).

A Ré ao apresentar a sua contestação às 18 Horas do dia 22 de Maio pp há muito ultrapassou o prazo limite de apresentação da sua contestação, pelo que esta deve ser considerada extemporânea, com as legais consequências..

Contra-alegou a ré, pugnando pela improcedência da apelação.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais, importa decidir

II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) saber se a presente acção pode ser qualificada como urgente ao abrigo do art. 26º/1/a do CPT;

2ª) saber se não se suspende nas férias judiciais o prazo de 20 dias de suspensão da instância fixado pelo tribunal recorrido;

3ª) saber se precludiu em momento anterior ao da apresentação da contestação, o prazo de que a ré dispunha para apresentar tal articulado, acrescido dos três úteis conferidos pelo art. 139º/5 do NCPC, com a consequente extemporaneidade da contestação da ré.

III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

Os factos com relevo para esta decisão são os que emergem do relatório que antecede.

B) De direito

Primeira questão: saber se a presente acção pode ser qualificada como urgente ao abrigo do art. 26º/1/a do CPT.

Nos termos do art. 26º/1/a do CPT, tem natureza urgente a acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.

A acção prevista na norma referida no antecedente parágrafo é a que se encontra regulada no capítulo I, do título sexto, do CPT (arts. 98º-B e ss).

A acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento foi criada pelo Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão adoptada pelo DL 295/2009, de 13/10.

É uma acção especial cuja tramitação está prevista nos artigos 98º-B a 98º-P do CPT.

A sua origem, segundo o preâmbulo do citado DL, deve-se a que “[p]ara tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT, prosseguindo a reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais e consubstanciado no acordo de concertação social entre o Governo e os parceiros sociais para reforma das relações laborais, de 25 de Junho de 2008, Diário da República, 1.ª série — N.º 198 — 13 de Outubro de 2009, cria -se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT. A recusa, pela secretaria, de recebimento do formulário apresentado pelo autor é sempre passível de reclamação nos termos do Código de Processo Civil (CPC).

Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT.[1]

A regularidade e ilicitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial - artigo 387º/1 do CT/09.

O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, excepto no caso previsto no artigo seguinte.” – art. 387º/2 CT/09.

Nos termos do art. 98º- C/1 do CPT, é aplicável a nova acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento apenas nos casos em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação.

Resulta de quanto vem de se referir que o recurso à acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento supõe, além do mais que ao caso não importa, a cessação de um contrato de trabalho por via de um despedimento escrito unilateralmente promovido pela entidade empregadora, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação.

De facto, como ensina Albino Mendes Batista, “A nova acção de impugnação do despedimento é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal…”, ficando fora do seu âmbito outras situações referidas pelo mesmo autor, a saber: o despedimento verbal; a invocação do abandono do posto de trabalho quando não estão verificados os respectivos pressupostos; os casos em que o trabalhador entenda existir um contrato de trabalho que o empregador qualifica como de prestação de serviço; e os casos em que o trabalhador entenda que não há motivo justificativo para o contrato a termo, relativamente ao qual o empregador comunicou a respectiva caducidade (A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Cód. Proc. Trabalho, Coimbra Editora, Reimpressão, págs. 73 e 74).

De fora do âmbito desta acção terão de ficar, também, aquelas situações em que a cessação do contrato de trabalho resulta de uma causa extintiva diversa da do despedimento promovido pelo empregador.

Reportando-nos à situação em apreço, temos que o contrato de trabalho invocado pela autora não cessou por qualquer despedimento promovido pela ré.

Como claramente flui, por exemplo, dos arts. 22º e ss e do art. 170º da petição inicial, o contrato de trabalho resultou de uma resolução do mesmo comunicada pela trabalhadora à empregadora, com invocação de justa causa subjectiva para o efeito.

Por outro lado, a própria autora iniciou o presente processo integrando-o na espécie “Acção de Processo Comum”, a que corresponde a espécie 1ª prevista no art. 21º do CPT, sendo que à acção urgente prevista 26º/1/a do CPT corresponde e espécie segunda prevista naquele art. 21º.

Além disso, a presente acção: i) iniciou-se por apresentação de uma petição inicial do tipo da prevista no art. 54º/1 do CPT enquanto articulado inicial de uma acção com a forma de processo comum, não tendo sido apresentado qualquer formulário do tipo do referido nos arts. 98º-C e 98º-D do CPT[2] que constitui o acto processual desencadeador da acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento; ii) seguiu, sem oposição de qualquer das partes e no cumprimento do que a respeito foi determinado pelo tribunal recorrido, a tramitação prevista nos arts. 54º e ss do CPT para a acção com a forma de processo comum, que não a tramitação prevista nos arts. 98º-C e ss do CPT para a acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.

Como assim, a apresente acção é insusceptível de ser considerada urgente ao abrigo do art. 26º/1/a do CPT.

Finalmente, é taxativa a enumeração constante do art. 26º do CPT a respeito do que podem ser consideradas acções de natureza urgente, nelas não se incluindo a acções com a forma de processo comum como é a presente.

É negativa, pois, a resposta à questão em análise.

Segunda questão: saber se não se suspende nas férias judiciais o prazo de 20 dias de suspensão da instância fixado pelo tribunal recorrido.

Para efeitos de responder a esta questão importa delimitar, antes de mais, o conceito de prazo.

Ora, “Chama-se prazo o período de tempo dentro do qual um acto pode ser realizado (prazo peremptório, conclusivo, preclusivo ou resolutivo) ou a partir do qual um outro prazo é contado (prazo dilatório ou suspensivo)” – Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 1ª edição, p. 60.

O primeiro é um prazo final, extintivo ou resolutivo. A sua fixação " ... funciona como instrumento de que a lei se serve em ordem a levar as partes a exercer os poderes-ónus de que são titulares segundo um determinado ritmo. De facto, tais prazos, na medida em que o seu transcurso implica a impossibilidade de praticar o acto, exercem uma acentuada pressão psicológica sobre o sujeito, titular do poder-ónus, uma vez que este, para evitar a caducidade de tal poder, terá de adoptar um determinado comportamento processual e, consequentemente, praticar o acto dentro dos limites de tempo que lhe são assinalados." - Anselmo de Castro, Direito Processual Civil, Vol. III, 1982, p. 50.

O segundo é um prazo inicial ou suspensivo, o que significa que "O acto não pode ser praticado antes do termo desse prazo, tendendo este a interpor um certo espaço de tempo entre um acto processual e outros que possam seguir-se. São, pois, ditados no interesse da parte contrária à que pratica o acto e daí que se aquela não excepciona a intempestividade, originada pela prática do acto antes do decurso do termo dilatório, a nulidade decorrente não possa ser objecto de conhecimento oficioso, nem invocável pela parte que lhe deu causa" - Anselmo de Castro, Direito Processual Civil, Vol. III, 1982, p. 49.

Reportando-nos ao caso em apreço, temos que o prazo de dez dias para a ré contestar (art. 56º/a do CPT) é peremptório, pois corresponde ao período de tempo dentro do qual o acto (in casu: a apresentação da contestação) pode ser praticado, sob pena de deixar de ser possível praticá-lo (art. 139º/3 NCPC).

Já o prazo de 20 dias de suspensão da instância fixado pelo tribunal recorrido, a requerimento das partes, é de natureza dilatória, pois corresponde ao período de tempo que antecede a contagem do prazo fixado para a apresentação da contestação (art. 139º/2 NCPC) e justifica-se, no caso em apreço, pelo facto de as partes terem solicitado ao tribunal um determinado período de tempo para negociações tendentes a determinar a cessação consensual do litígio existente entre as mesmas sem necessidade de ser observada a tramitação subsequente à audiência de partes.

Como quer que seja, ambos os prazos são processuais.

Quando um prazo peremptório se seguir a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só.” (art. 142º/1 do NCPC), devendo ter-se em conta, apesar disso, que estão em causa prazos distintos e autónomos que a lei ficciona, apenas para efeitos de contagem, com um prazo único (acórdão do STJ de 6/6/2019, proferido no processo 2008/17.8T8BRG-B.G1.S2).

A significar, no caso em apreço, que a ré dispunha, para contestar, de um prazo de 20 dias contados do dia seguinte (10/4/2019) ao da realização da audiência de partes (9/4/2019), acrescido de um prazo de dez dias a contar do dia seguinte ao termo do prazo de 20 dias.

Por outro lado, “O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes.” – art. 138º/1 do NCPC.

A norma acabada de transcrever não distingue entre prazos dilatórios ou peremptórios para efeitos de operacionalização da suspensão em férias judiciais, razão pela qual e sob pena de violação do princípio incontornável em sede de interpretação e aplicação da lei segundo o qual ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde a lei não faz distinção, também o intérprete a não deve fazer) devemos concluir no sentido de que os prazos dilatórios também se suspendem durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes[3].

Por outro lado, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores revela alguns exemplos concretos de processos em que a regra da suspensão dos prazos em férias judiciais também se aplica aos prazos dilatórios.

Disso são exemplo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/11/2004, proferido no processo 0423231, e o acórdão do TCA Norte de 21/3/2013, proferido no processo 00459/12.3BEPNF.

No mesmo sentido e agora na doutrina pode consultar-se José Manuel Alves Carneiro na anotação que pode consultar-se em https://casoscasosdejmac.blogs.sapo.pt/caso-pratico-de-processo-civil-pelo-1305.

Acresce dizer que a decisão judicial invocada pela apelante nas suas alegações em nada abona a tese por si sustentada no sentido de que os prazos dilatórios do tipo daquele que está em causa na situação sub judice não estão sujeitos à regra da suspensão em férias judiciais.

Na verdade, nessa decisão nem sequer foi equacionado o problema da aplicação ou não do art. 144º/1 do VCPC (actual art. 138º/1 do NCPC) ao prazo de suspensão da instância decretado pelo juiz num dado processo e a requerimento das partes.

O problema aí equacionado e decidido era diferente daquele a que acabou de aludir-se, pois reportava-se à questão de saber se o art. 144º/2 do VCPC (actual art. 138º/2 do NCPC) se aplicava ao não ao referenciado prazo de suspensão.

É o que decorre, claramente, do seguinte excerto de tal decisão: “Assim, a questão, a nosso ver, centra-se em saber se a suspensão em apreço se destinava à prática de algum acto processual?

Recorde-se, mais, uma vez, que o nº 2º do artigo 144º do CPC estabelece: “Quando o prazo para a prática de acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte”.

Ora a resposta à supra mencionada questão é negativa.
Em bom rigor a suspensão , paralisação do processo, em causa não visava a prática de qualquer acto processual específico.

Mas mesmo que se entenda que visava lograr a prática de uma transacção judicial, a verdade é que esta sempre podia ser levada a cabo na segunda feira, 19 de Dezembro de 2011, independentemente de naquela data a instância permanecer ou não suspensa; desde logo, por aplicação da supracitada regra geral.

Assim sendo, cumpre concluir que o nº 2º do artigo 144º do CPC, não logra aplicação ao termo da suspensão da instância fixada pelo juiz a requerimento das partes nos termos previstos no artigo 279º, nº 4º do CPC.

Como tal na situação em exame há que considerar que o prazo para a entidade patronal motivar o despedimento se iniciou , após decorrido o prazo de suspensão (vide artigo 284º, nº 1º al c) do CPC) – que terminou em 18 de Dezembro de 2011; ou seja em 19 de Dezembro de 2011.
E desta forma tem que se entender que o articulado foi apresentado intempestivamente no quarto dia útil posterior ao termo do prazo não beneficiando pois, sequer a apresentante do prazo estabelecido no artigo 145º do CPC.
”.

Finalmente, não conhecemos e a apelante não convoca qualquer ensinamento da doutrina ou qualquer decisão judicial que tenha contrariado a aplicação da regra do art. 138º/1 do NCPC da suspensão dos prazos judiciais em férias judiciais ao prazo dilatório do tipo daquele que está em consideração nestes autos.

Assim sendo, sempre se revelaria inovatória ou surpreendente, e por isso  compadecer-se-ia mal com os princípios fundamentais da confiança, da segurança e da proporcionalidade que também devem respeitar-se em sede de interpretação e aplicação da lei, uma interpretação restritiva do tipo daquela que é sustentada pela apelante em face da letra do art. 138º/1 do NCPC[4], no sentido da não aplicação da regra nela consagrada aos prazos de suspensão da instância do tipo daquele que está em causa neste processo, com a consequente preclusão do direito da ré contestar e todas as consequências processuais gravosas dela decorrentes em matéria do contraditório a exercer pela ré no âmbito da presente acção.

Tudo visto e ponderado, não estando em causa prazo com duração igual ou superior a seis meses e não estando aqui em causa processo que a lei considere urgente, o prazo dilatório de suspensão da instância decretado pelo tribunal recorrido estava sujeito, tal como decidido por esse mesmo tribunal, à regra de suspensão em férias judiciais consagrada no art. 138º/1 do NCPC.

É negativa, pois, a resposta à questão em análise.

Terceira questão: saber se precludiu em momento anterior ao da apresentação da contestação, o prazo de que a ré dispunha para apresentar tal articulado, acrescido dos três úteis conferidos pelo art. 139º/5 do NCPC, com a consequente extemporaneidade da contestação da ré.

A resposta afirmativa a esta questão pressupunha a resposta afirmativa a qualquer das questões primeira ou segunda supra equacionadas e respondidas.

Tendo sido negativas as respostas a estas duas últimas questões, nada mais se oferece dizer para lá de que deve ser igualmente negativa a questão a esta terceira questão.

Com efeito, “As férias judiciais decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do Domingo de Ramos à segunda feira de Páscoa e de 16 de Julho a 31 de Agosto.” - art. 28º) da Lei da Organização do Sistema Judiciário

No ano 2019, o Domingo de Ramos foi no dia 14 de Abril e a segunda feira a seguir à Páscoa foi 22 de Abril.

O prazo para contestar com a duração de 30 dias iniciou-se a 10 de Abril; esteve suspenso de 14 a 22 de Abril (9 dias); terminou a 20 de Maio (18 sábado / 19 domingo); a contestação poderia ser apresentada, nos termos do artigo 139º/5 do NCPC «dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes…., ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa….», ou seja, no caso, nos dias 21 22 ou 23 desse mês; a contestação foi apresentada no 2º dia útil (22/5), com pagamento da correspondente multa.

Por isso, tal acto foi válida e eficazmente praticado.
IV - Decisão

Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão apelada.

Custas pela apelante.

Coimbra, 17/1/2020.


(Jorge Manuel Loureiro)

(Paula Maria Roberto)

(Ramalho Pinto)


Sumário:

O prazo dilatório de suspensão da instância fixado pelo tribunal a requerimento das partes está sujeito à regra de suspensão em férias judiciais e respectivas excepções consagradas no art. 138º/1 do NCPC.


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[1] Os destaques são da nossa responsabilidade e deles emerge com clareza insofismável que a acção de impugnação da regularidade e ilicitude do despedimento foi criada para tramitação exclusiva das impugnações judiciais de despedimentos individuais de trabalhadores pelos empregadores com comunicação escrita da decisão de despedimento, ficando sujeitas forma de processo comum todas as outras acções em que se pretenda discutir a (i)licitude do acto extintivo da relação laboral, designadamente, as acções de aferição da justa causa subjectiva da resolução do contrato de trabalho convocada pelo trabalhador.
[2] Cfr. Portaria 1460-C/2009, de 31 de Dezembro.
[3] No caso em apreço não se verifica qualquer destas excepções à regra da suspensão de prazos em férias judiciais.
[4] Como supra enunciado, a letra o preceito legal não comporta qualquer distinção entre prazos peremptórios ou dilatórios do tipo da propugnada pela apelante, distinção essa que, por isso, violaria as regras legais de interpretação no sentido de que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” (art. 9º/2 do CC), e que “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.