Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16735/15.0T8LSB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: INNCIDENTE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
DIREITO DE REGRESSO
Data do Acordão: 10/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS 316, 321 CPC.
Sumário:
1. Os incidentes processuais da intervenção principal e da intervenção acessória são inconciliáveis, em termos de um excluir sempre o outro, constituindo pressuposto da situação prevista no art.º 321º do CPC (intervenção acessória ) precisamente a ausência de legitimidade activa ou passiva para a acção.
2. Na base da configuração da intervenção acessória provocada está a ideia de que a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, conexa com a controvertida é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor.
3. É fundamento básico da intervenção acessória provocada a acção de regresso da titularidade do réu contra terceiro, destinada a permitir-lhe a obtenção da indemnização pelo prejuízo que eventualmente lhe advenha da perda da demanda.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. I (…) e marido, M (…), intentaram a presente acção declarativa comum contra A (…), S. A. (AELO) Acção instaurada na Instância Central - Secção Cível - do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e que, por decisão 02.12.2015, veio a ser remetida ao Tribunal Judicial da Comarca de Leiria (fls. 300)., pedindo a sua condenação no pagamento de diversas quantias e/ou na realização de determinadas obras, no valor global de € 931 750,50.

Alegaram, nomeadamente e em síntese:

- Foram notificados da sentença proferida ao abrigo do art.º 51º, n.º 5 do Código das Expropriações (CE), que decidiu adjudicar à entidade expropriante uma parcela de terreno, a expropriar de determinado prédio urbano pertencente aos AA. (processo de expropriação n.º 1529/11.0TBPMS);

- Em consequência, o prédio em causa foi dividido em “duas parcelas”, ficando os AA. impossibilitados de circular livremente pelo prédio;

- Tinham projectado construir uma moradia para seus filhos numa parte a destacar desse prédio mas as parcelas sobrantes perderam a capacidade construtiva;

- Perderam ainda a possibilidade de construir áreas de lazer e desenvolver outros projectos para aquele local, necessitando de certas obras para obviar a tais factos;

- A Ré deve redireccionar o saneamento básico na parcela sobrante;

- As parcelas sobrantes perderam vista, sossego, entre outras consequências decorrentes da aludida expropriação;

- Têm de comprar um veículo todo-o-terreno para se poderem deslocar nas estradas em mau estado, e terão despesas futuras com o combustível e manutenção do mesmo;

- Existe depreciação e falta de acessos à parcela sobrante a nascente, sendo necessário repor infra-estruturas, saneamento básico, construção de casa de banho e cozinha e acessos;

- A Ré, com a construção da auto-estrada junto à habitação dos AA., vai causar poluição, ruído e prejudicar a saúde destes e seus filhos;

- A Ré deverá proceder à insonorização das paredes exteriores da moradia dos AA., à substituição de janelas, portadas e portas exteriores da habitação dos AA. com material adequado ao isolamento acústico;

- A habitação dos AA. foi assaltada e os responsáveis admitiram que trabalhavam na concessionária para as obras da auto-estrada, ficou mais exposta e tem sido alvo de assaltos e actos de vandalismo;

- O valor de mercado das parcelas sobrantes diminuiu em consequência da expropriação e a Ré utilizou o terreno dos AA. em área superior à que foi objecto de expropriação;

- Os AA. sofreram danos morais em consequência do acima descrito que a Ré tem de ressarcir, devendo ainda a mesma efectuar as obras e/ou pagar a indemnização devida pelos factos supra descritos.

A Ré contestou pedindo a sua absolvição - invocou a irregularidade da sua citação e a ilegitimidade passiva, solicitou a intervenção de terceiros e impugnou os factos alegados pelos AA..

Na sequência do acórdão desta Relação de fls. 408 e seguintes, de 26.9.2017, que revogou a decisão recorrida e determinou o prosseguimento da acção - tendo em conta, designadamente, que os AA., nos autos de expropriação, pretendem ser (aí) indemnizados do valor da “parcela n.º …” Melhor identificada no “auto de posse” reproduzido a fls. 344 e seguinte., e que, não obstante os AA. invocarem toda ou parte significativa da realidade ligada à mencionada expropriação e à subsequente obra, é sobretudo nos presentes autos que vemos invocados os danos laterais/indirectos advindos da obra que veio a ser realizada após a expropriação -, o Mm.º Juiz a quo veio a proferir o despacho saneador (em 21.11.2017), conhecendo da intervenção de terceiros requerida pela Ré na sua contestação, da seguinte forma:

«Incidente de Intervenção Principal Provocada ou, subsidiariamente, de Intervenção Acessória Provocada:

A Ré pretende o chamamento da L (…), nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 316º do CPC, porque alegou, muito sinteticamente, que foi celebrado contrato de empreitada entre a Ré, na qualidade de Subconcessionária, e a L (…), na qualidade de entidade executante, que esta última adquiriu a posição jurídica da primeira no Contrato de Subconcessão e, por isso, assumiu as obrigações, responsabilidades e riscos próprios da execução das obras, da construção propriamente dita dos lanços de auto-estrada.

Os Autores responderam pedindo a improcedência do chamamento pedido, tanto a título principal como a título acessório, por não se verificarem os respectivos pressupostos.

Nos termos do disposto no art.º 316º, do CPC:

1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39º.

3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:

a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;

b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.

No entanto, a relação material controvertida, tal como configurada pelos Autores (cf. art.º 30º, do CPC), não diz respeito à L (…), mas apenas entre os Autores e a Ré, sendo por isso inadmissível o chamamento a título de intervenção principal.

Quanto à possibilidade de chamamento para intervenção acessória, dispõe o art.º 321º, do CPC, o seguinte:

1 - O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.

2 - A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.

E dispõe o art.º 322º, do CPC, que, o juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível, a relevância do interesse que está na base do chamamento, deferindo-o quando a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo e, face às razões invocadas, se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua efectiva dependência das questões a decidir na causa principal.

Ora, considerando o objecto do litígio, afigura-se-nos que o interesse que está na base do chamamento (contrato celebrado entre a Ré com terceira entidade), no confronto com a perturbação indevida ao normal andamento do processo, não tem a necessária relevância para fazer intervir a chamada na presente acção.

Nos termos e fundamentos expostos,

- Não admito a Intervenção, a título principal ou acessório, da L (…) (…)».

Inconformada, a Ré apelou É correcta a posição expressa nas primeiras “conclusões” da respectiva alegação de recurso - agora “suprimidas” -, quando aí se fundamenta a apelação no art.º 644º, n.º 1, alínea a) do CPC (vide, ainda, entre outros, A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2013, Almedina, págs. 151 e seguinte). formulando as seguintes conclusões:

(…)

A Ré opôs-se à admissão do recurso Cf., a propósito, a nota anterior. e, sem o fundamentar, concluiu pela sua improcedência.

Ante o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa decidir, principalmente, se é de admitir a intervenção principal do “LOC” ou, subsidiariamente, a sua intervenção a título acessório.


*

II. 1. Para a decisão do recurso releva a tramitação e o quadro fáctico supra referidos (ponto I), e ainda o seguinte:

a) Foi alegado na contestação, designadamente:

- Vêm os Autores invocar a violação, nomeadamente do direito à privacidade, à saúde, ao repouso e ao descanso (cf. art.ºs 61º a 91º da petição inicial), em virtude da proximidade da A19 à sua moradia. (art.º 8º)

- Alegam ainda a responsabilidade da Ré por uma série de operações materiais de reparação e reposição de determinadas condições mínimas de acessibilidade, saneamento, fornecimento de água e electricidade, insonorização e isolamento acústico - supostas consequências das privações, deteriorações e depreciações resultado da expropriação da parcela e construção associada. (art.º 9º)

- A A (…) é subconcessionária das auto-estradas que integram a Subconcessão do Litoral Oeste, nos termos do Contrato de Subconcessão celebrado com a E (…), S. A., na sua qualidade de Concedente, conforme documento n.º 1 (“Contrato de Subconcessão”). (art.º 27º) e que estabelece a responsabilidade da subconcessionária pelos processos expropriativos que se realizem no âmbito da execução do Contrato. (art.º 28º)

- A responsabilidade da A (…) no Contrato de Subconcessão foi transferida para o L (…), ACE, por força do Contrato de Empreitada relativo à Subconcessão Litoral Oeste, celebrado entre a AELO e o LOC em 26.02.2009 - documento n.º 2. (art.º 29)

- Por via dessa transmissão, o L (…) assumiu as obrigações, responsabilidades e riscos próprios das expropriações executadas ao abrigo do Contrato de Subconcessão, nomeadamente as incidentes sobre o lanço Variante da Batalha (A19), pertencente ao IC 2. (30º)

- O Contrato de Empreitada tem como objecto “a execução e conclusão pelo ACE […] de todos os trabalhos que, relacionados com a concepção, projecto, expropriações, construção e fornecimento e montagem de Equipamento, respeitarem aos Lanços identificados como: […] (b) IC 2 – Variante da Batalha […]” (cf. cláusula 2.1 do Contrato de Empreitada). (31º)

- O Contrato de Empreitada foi celebrado segundo o princípio “back-to-back” integral, que impõe transparência absoluta entre o Contrato de Empreitada e o Contrato de Subconcessão, assumindo o L (…) “as obrigações, riscos e responsabilidades que para a Subconcessionária resultam do Contrato de Subconcessão” (cf. cláusula 3.1 do Contrato de Empreitada) (32º), nomeadamente, relacionados com as expropriações efectuadas no âmbito da Subconcessão, previstas nas cláusulas 23 a 26 do Contrato de Subconcessão, às quais se aplica subsidiariamente o regime legal em vigor respeitante às expropriações, em particular a Lei n.º 168/99, de 18.9 (“Código das Expropriações”). (33º)

- Conforme resulta do Contrato de Empreitada, o L (…) obrigou-se “perante a Subconcessionária a executar as actividades compreendidas no âmbito da Empreitada de forma a: (a) Assegurar que são integralmente respeitadas, pela Subconcessionária, as obrigações por si assumidas no Contrato de Subconcessão relativamente às actividades abrangidas pela Empreitada e, bem assim, a outras actividades acessórias ou com aquelas relacionadas; e (b) Não provocar qualquer incumprimento, pela Subconcessionária, das obrigações referidas na alínea anterior” (cf. cláusula 3.3 do Contrato de Empreitada). (34º)

- A cláusula 2.3 do Contrato de Empreitada estipula: “[n]o que se refere às Expropriações, o ACE obriga-se a praticar, em nome e representação da Subconcessionária e nos prazos e nos termos contratualmente definidos, todos os actos e trabalhos necessários à elaboração e condução, até final, dos processos expropriativos dos bens e (ou direitos necessários ao estabelecimento da Subconcessão, […]”. (36º)

- Inequivocamente, a alínea (q) da cláusula 2.4 do Contrato de Empreitada contempla a obrigação do L (…) de “reparar ou indemnizar, de acordo com as disposições aplicáveis do Contrato de Subconcessão, todos e quaisquer danos que, em resultado da execução das obras da sua responsabilidade, forem causados em […] quaisquer […] bens de terceiros”. (37º)

- Já de acordo com a cláusula 11.1 do Contrato de Empreitada, o LOC “é responsável pelas deficiências técnicas, omissões, ambiguidades, inconsistências, imperfeições ou quaisquer outros defeitos e erros, incluindo erros de concepção, dos Projectos e restantes elementos em que se definam os trabalhos a executar, devendo o ACE suportar todos os custos daí decorrentes, incluindo, nomeadamente, penalizações e indeminizações», cabendo ao L (…) “assegurar que cada Projecto cumpre os requisitos estabelecidos no Contrato de Subconcessão, assumindo as responsabilidades daí decorrentes” (cláusula 11.2 do Contrato de Empreitada). (38º)

- Através do Contrato de Empreitada, celebrado entre a A (…), na qualidade de Subconcessionária, e o L (…), na qualidade de Entidade Executante, este último adquiriu a posição jurídica da primeira no Contrato de Subconcessão (47º), assumindo as obrigações, responsabilidades e riscos próprios das expropriações executadas ao abrigo do Contrato de Subconcessão, bem como da execução das obras - da construção propriamente dita - dos lanços de auto-estrada; (48º)

- O L (…), ao assumir as obrigações previstas no Contrato de Empreitada, tem uma relação jurídica conexa com a da Ré na presente acção (52º), e é ao LOC que interessa, em primeiro lugar, contestar o alegado pelos Autores, demonstrando que cumpriu as obrigações por si assumidas no Contrato de Empreitada. (57º)

- Acresce que cabendo ao L (…) a obrigação de execução e conclusão dos trabalhos é este que tem conhecimento directo dos factos em causa na acção e que permitem contradizer a posição dos Autores, dado que os factos articulados - a verificarem-se - ou resultam do processo expropriativo ou dos circunstancialismos inerentes à execução da obra, ambos da responsabilidade do L (…). (58º)

- Caso não seja julgado procedente o pedido de intervenção principal provocada do L (…) sempre deverá este ser chamado a juízo a título acessório, nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 321º e seguintes do CPC. (60º)

- Face à transmissão da posição jurídica da A (…) no Contrato de Subconcessão para o L (…) (Contrato de Empreitada), caso se venha a considerar que carece de legitimidade para intervir nos presentes autos como parte principal, a A (..:) disporá pelo menos de um direito de regresso contra o L (…). (61º)

- A ter havido falta de diligência de alguma entidade será sempre do L (…) - entidade para a qual foram transferidos os deveres no âmbito da Empreitada. (93º)

b) A final, a Ré, no pressuposto de vir a ser considerada parte legítima Legitimidade que lhe foi reconhecida no despacho de fls. 363, além do mais, por ter sido considerada “o sujeito da relação controvertida tal como configurada em concreto pelos AA.”., requereu fosse admitida a Intervenção Principal Provocada do L (…), enquanto titular de um direito incompatível com o alegado pelos Autores ou, subsidiariamente, admitida a Intervenção Acessória Provocada do L (…) uma vez que tem pelo menos a A (…) direito de regresso sobre aquela.

c) - No contrato de empreitada celebrado entre a Ré e o L (…), em 26.02.2009, relativo à “Subconcessão Litoral Oeste” (reproduzido a fls. 232 verso e segs. dos autos principais), a Ré veio a adjudicar ao ACE a execução da totalidade dos trabalhos de concepção, projecto, expropriações, construção e fornecimento e montagem de equipamento incluídos no contrato de subconcessão [que a Ré celebrou com a E (…), S. A.]. (fls. 233 verso e 240)

- O ACE obrigou-se a praticar, em nome e representação da Ré, todos os actos e trabalhos necessários à elaboração e condução, até final, dos processos expropriativos dos bens e/ou direitos necessários ao estabelecimento da Subconcessão, nomeadamente, os previstos nos “pontos 2.3. e 2.4.”, entre os quais, prestar à Ré todo o apoio necessário no âmbito dos processos de expropriação litigiosa, pagar atempadamente todas as indemnizações e compensações derivadas das Expropriações e/ou da imposição de servidões ou de outros ónus ou encargos delas decorrentes e reparar/indemnizar todos e quaisquer danos que, em resultado da execução das obras da sua responsabilidade, forem causados em condutas de água, esgotos, redes de electricidade, gás, telecomunicações e respectivos equipamentos, e em quaisquer outros bens de terceiros. (fls. 240 verso, 241 e 242 verso)

- O ACE garantiria, por caução, o exacto e pontual cumprimento de todas as obrigações assumidas em virtude do mesmo Contrato de Empreitada. (fls. 258)

- O ACE assumiu total responsabilidade por identificar todas as canalizações de água, redes de esgotos, electricidade, gás, telecomunicações e respectivos equipamentos, bem como quaisquer outros bens que, sendo detidos por qualquer entidade, puderem ser afectados pela execução de trabalhos objecto do Contrato de Empreitada e, ainda, pela reparação de todos e quaisquer danos causados aos supra referidos bens e/ou entidades. (fls. 269 verso)

- O ACE responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer danos causados no exercício das actividades que constituem objecto do dito contrato e, ainda, nos termos em que o comitente responde pelos actos do comissário, pelos prejuízos causados por terceiros contratados para executar trabalhos da empreitada. (fls. 275 v)

- O ACE obrigou-se a prestar qualquer assistência que lhe for razoavelmente solicitada pela Ré e esta e o ACE obrigaram-se a colaborar de boa fé na defesa face ao Subconcedente, sem prejuízo da legítima defesa dos interesses próprios, autónomos e divergentes que cada um puder ter no litígio. (fls. 282 verso e 283)

d) Na sequência do acórdão desta Relação de 26.9.2017, a 1ª instância enunciou os seguintes “temas da prova”:

«- Danos laterais/indirectos advindos da obra de construção da Auto-Estrada A19 e da sua utilização/circulação automóvel, entre os quais:

1. Danos causados à saúde dos Autores com a exposição/inalação de gases de escape decorrentes da construção/utilização da auto-estrada.

2. Danos na saúde, repouso e sossego dos Autores causados pelo ruído que suportam superior a 75 decibéis de dia e 90 decibéis à noite, decorrentes da construção/utilização e circulação de veículos na auto-estrada.

3. Danos patrimoniais causados aos Autores decorrentes de actos de vandalismo por causa da construção da auto-estrada

e) Os AA. reclamaram contra a referida selecção dos “temas da prova”, afirmando que faltava ainda considerar, entre outros: os danos patrimoniais resultantes da perda da capacidade edificativa e da perda de chance do desenvolvimento futuro das parcelas sobrantes; os danos ambientais resultantes da construção da auto-estrada; os danos resultantes da falta de reposição de infra-estruturas de electricidade, canalizações e esgotos; os danos da perda de vistas; os danos decorrentes da falta de reposição de acessos, findas as obras; os danos resultantes da demolição pela entidade expropriante, de parte dos muros da moradia e da parcela sobrante e o confisco de 150 m2, pela Ré, sobre a propriedade dos AA..

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (art.º 316º, n.º 1 do CPC, sob a epígrafe “âmbito” da intervenção provocada). Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39º (n.º 2). O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida; b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor. (n.º 3)

O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal (art.º 321º, n.º 1, do CPC, sob o enquadramento “intervenção acessória”/intervenção provocada/campo de aplicação). A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento (n.º 2).

O chamamento é deduzido pelo réu na contestação ou, não pretendendo contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para o efeito, justificando o interesse que legitima o incidente (art.º 322º, n.º 1 do CPC). O juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível, a relevância do interesse que está na base do chamamento, deferindo-o quando a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo e, face às razões invocadas, se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua efectiva dependência das questões a decidir na causa principal (n.º 2).

O chamado é citado, correndo novamente a seu favor o prazo para contestar e passando a beneficiar do estatuto de assistente (art.º 323º, n.º 1 do CPC). A sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no artigo 332º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização (n.º 4).

3. Decorre do referido regime jurídico que um possível direito de regresso só adquire relevância no contexto de uma intervenção acessória provocada.

Por outro lado, antolha-se evidente o carácter logicamente inconciliável da intervenção principal e da intervenção acessória, em termos de uma excluir sempre a outra, constituindo pressuposto da situação prevista no art.º 321º do CPC, precisamente, a ausência/falta de legitimidade activa ou passiva para a acção.

Contrariamente, o pressuposto da intervenção principal, seja ela espontânea ou provocada, consiste na existência dessa legitimidade por banda dos chamados, expressa num interesse litisconsorcial por banda destes, sobretudo, nas situações em que o chamado seja, também ele, um devedor no confronto do autor. Vide C. Lopes do Rego, Os Incidentes de Intervenção de Terceiros em Processo Civil, Revista do M.º P.º, Ano 5º, vol. 18, pág. 106, a propósito do incidente equivalente no regime do CPC anterior à reforma de 1995/96: “[a] intervenção litisconsorcial provocada pressupõe que entre a parte que suscita o incidente e o terceiro chamado a intervir exista interesse litisconsorcial, desencadeando, consequentemente, uma situação de litisconsórcio, necessário ou voluntário, sucessivo”.

Vide, ainda, entre outros, J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 584, sublinhando que o novo regime (reforma de 1995/96) se caracteriza pela introdução na intervenção acessória provocada do requisito de o terceiro carecer “de legitimidade para intervir como parte principal” e Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 5ª edição, Almedina, 2008, pág. 112.

Cf., ainda, de entre vários, os acórdãos do STJ de 09.12.1999-processo 99A901 [concluindo-se: «I - O pressuposto essencial do incidente de intervenção acessória ou subordinada do art.º 320, n.ºs 1 e 2, do CPC e para integração do direito de regresso do Réu, é que o chamado deva responder pelo prejuízo da perda da demanda por aquele, em virtude de uma relação conexa a relação jurídica controvertida, que pode basear-se na lei, em contrato ou mesmo em acto ilícito gerador de responsabilidade civil. II - O deferimento do chamamento, só poderá ocorrer quando o juiz fique convencido, não só da viabilidade da acção de regresso, como ainda da conexão desta acção com a causa principal.»] e 15.01.2002-processo 01A4086 [assim sumariado: «I - O incidente de intervenção de terceiros, actualmente regulado na intervenção acessória provocada, assenta no direito de regresso que o réu tenha contra o terceiro chamado para ser indemnizado pelo prejuízo que lhe cause a perda da demanda, nas fronteiras do art.º 330º, n.º 1, do CPC. (…) III - Esse chamamento será deferido, se existir a viabilidade da acção de regresso e a conexão da mesma com a acção principal, na previsão do n.º 2, desse art.º 331º.»], da RG de 29.5.2014-processo 301/12.5TCGMR-A.G1 [tendo-se concluído: «II - Assim, na intervenção principal o terceiro associa-se a uma das partes primitivas – autor ou réu – e assume o estatuto de parte principal. III - Na intervenção acessória a posição do interveniente é a de um mero auxiliar na defesa do réu tendo em vista o seu interesse indirecto na improcedência da pretensão do autor. IV - Esta espécie de intervenção tem como pressuposto a ausência de legitimidade, seja activa, seja passiva, para a acção e destina-se às situações em que ocorre a existência de uma relação jurídica material conexa com a controvertida, da qual resulta a responsabilidade do chamado para com o réu pelo dano que a perda da demanda consubstancia. V - É o réu, requerente do pedido de intervenção, que tem o ónus de alegar os factos que permitam ao juiz formular um juízo de prognose favorável à viabilidade da acção de regresso.»] e 19.5.2016-processo 1848/15.7T8GMR-A.G1, da RP de 04.12.1998-processso 9821198, 25.01.1999-processo 9851313, 09.11.1999-processo 9920991, 03.5.2011-processo 1870/09.2TBVCD-B.P1 [com o seguinte sumário: «I - O incidente de intervenção acessória visa permitir a participação de um terceiro perante o qual o réu possui, na hipótese de procedência da acção, um direito de regresso. II - Para justificar esta intervenção não basta um simples direito de indemnização contra um terceiro, tornando-se ainda necessário que exista uma relação de conexão entre o objecto da acção pendente e o da acção de regresso, cf. art.° 331° n.° 2 in fine do CPC. III - Sendo que essa conexão julga se assegurada sempre que o objecto da acção pendente seja prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso contra o terceiro.»], 25.10.2011-processo 2589/09.0TBVLG-A.P1, da RC de 15.5.2007-processo 6600/04.2TBLRA-A.C1 e 16.02.2016-processo 128/12.4TBSBG.C1 [tendo-se sumariado: «I - O incidente de intervenção acessória (art.º 321 CPC) é aquele em que o réu de determinada acção, invocando um direito de regresso ou de indemnização contra terceiro, requer a sua intervenção na causa, vinculando-o à sentença de mérito que julgue a acção procedente, para que no confronto com o chamado, este fique coberto pelo caso julgado, relativamente ao pressuposto do direito de regresso. II - Cabe ao réu, requerente do pedido de intervenção, o ónus de alegar os factos que permitam ao juiz formular um juízo de prognose favorável à viabilidade da acção de regresso, porque a legitimidade do terceiro chamado não depende da efectiva existência do direito de regresso, mas da sua “afirmação concludente”.»], da RL de 08.12.2008-processo 9040/2008-6 e 14.9.2010-processo 4737/06.2TVLSB.L1-1 e da RE de 25.01.2018-processo 3760/14.8TCLRS-A.E1, publicados no “site” da dgsi.

4. Na base da intervenção acessória provocada está a ideia de que a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, conexa com a controvertida - e invocada pelo réu como causa do chamamento - é a de mero auxiliar na defesa (relativamente à discussão das questões susceptíveis de se repercutirem na acção de regresso ou de indemnização invocadas como fundamento do chamamento), tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto da ulterior e eventual acção de regresso ou de indemnização contra ele movida pelo réu da causa principal (acautelando a hipótese de no futuro contra ele ser intentada, por quem foi réu na acção anterior, acção de regresso).

Assim, quem não é reconhecidamente titular ou contitular da relação material controvertida - e que, em nenhuma circunstância, poderá ser condenado caso a acção proceda (ficando tão-somente vinculado, em termos reflexos, pelo caso julgado, relativamente a certos pressupostos daquela acção de regresso, a efectivar em demanda ulterior) - não deve ser tratado como parte principal. Vide, designadamente, C. Lopes do Rego, ob. e vol. cits., pág. 313 e seguinte; J. Lebre de Freitas, e Outros, ob. e vol. cits., págs. 581 e seguinte e 585 e seguintes e Salvador da Costa, ob. cit., págs. 137 e seguinte (a propósito de idênticas disposições do CPC de 1961, na redacção conferida pela reforma de 1995/96) e o preâmbulo do DL n.º 329/95, de 12-12.

5. Face à configuração que os AA. deram à lide e que levou o Tribunal a quo a considerar a Ré com (inteira) legitimidade para os termos da acção, torna-se evidente que a pretendida intervenção principal não colhe o menor fundamento (cf., sobretudo, II. 1. c), supra), porquanto destinada a permitir a participação, numa acção já pendente, de um terceiro, que deverá ser titular (activo ou passivo) de uma situação subjectiva própria, paralela à alegada pelo autor ou pelo réu. Caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte principal a que se associa - é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, assume o estatuto de parte principal, operando-se no processo uma cumulação da apreciação da relação material controvertida delineada pelas partes primitivas, com a apreciação da relação jurídica própria do interveniente.

No caso em análise, verifica-se, sim, considerando o regime da intervenção acessória ou subordinada (art.ºs 321º e seguintes do CPC) e a integração do direito de regresso da Ré, que o chamado, não primeiramente responsável pelos factos alegados pelos AA., poderá/deverá responder pelo prejuízo da perda da demanda por aquela, em virtude de uma relação conexa com a relação jurídica controvertida, baseada, principalmente, nas obrigações assumidas no contrato de empreitada reproduzido a fls. 232 verso e seguintes dos autos principais e a que se alude em II. 1. c), supra.

Daí que, atendendo à viabilidade da eventual acção de regresso (destinada a permitir à Ré a obtenção da indemnização pelo prejuízo que eventualmente lhe advenha da perda da demanda) e sua conexão com a causa principal (relação de conexão entre o objecto da acção pendente e o da acção de regresso, ou seja, o objecto da acção pendente deverá ser prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso contra o terceiro), se deva concluir que está configurado um direito de indemnização com viabilidade e conexo com o objecto da relação controvertida na acção, justificador da pretendida intervenção acessória provocada.

6. Face ao expendido, temos por preenchidos os pressupostos de admissibilidade da dita intervenção: a relevância do interesse invocado, a viabilidade da acção de regresso, a efectiva dependência desta acção (da sua viabilidade) das questões a decidir na causa principal e a não perturbação indevida do normal andamento do processo (art.º 322º, n.º 2 do CPC). Vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo CPC, 2014, 2ª edição, Vol. I, Almedina, págs. 297.

7. Concluindo, encontra-se configurado um direito de indemnização com viabilidade e conexo com o objecto da relação controvertida na acção, justificador da intervenção acessória provocada de L (…), ACE, o qual, não obstante não poder ser condenado na acção, ficará vinculado ao caso julgado da sentença a proferir no tocante aos pressupostos de que depende o direito de regresso da Ré/apelante (interessando-lhe, pois, discutir as questões que possam repercutir-se na existência e conteúdo de tal direito), autora do chamamento (art.ºs 321º n.º 2 e 323º n.º 4 do CPC), pelo que importa atender ao pedido de intervenção deduzido subsidiariamente (“conclusões 15ª a 17ª”, ponto I, supra), seguindo-se os ulteriores termos do incidente (art.º 323º, n.º 1 do CPC).

8. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso, sendo que não havia motivo suficiente para considerar a decisão recorrida nula por falta de fundamentação ou por qualquer contradição (fundamentação em oposição com o decidido) (“conclusões 1ª a 6ª”, ponto I, supra), tudo se reconduzindo a um (eventual) erro de julgamento (que não se deverá confundir com qualquer uma das situações previstas no art.º 615º, n.º 1 do CPC, ex vi do n.º 3 do art.º 613º do mesmo Código) e que obteve desta Relação a resposta/solução supra referida.


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III. Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, pelo que se revoga a decisão recorrida e admite a intervenção acessória de L (…), ACE, seguindo-se os ulteriores termos do incidente.

Custas pelos AA./apelados.


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23.10.2018
Fonte Ramos ( Relator )
Maria João Areias
Alberto Ruço