Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
847/16.6T8LMG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE LOUREIRO
Descritores: SUSPENSÃO CAUTELAR DE DESPEDIMENTO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
FACTOS RELEVANTES
Data do Acordão: 09/15/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DO TRABALHO DE LAMEGO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 386º CT/2009; 34º CPT; 542º DO NCPC.
Sumário: I – A suspensão cautelar de um despedimento objectivo deve peticionar-se na providência de suspensão do despedimento prevista no artº 386º do CT/2009 e que está regulamentada adjectivamente nos artºs 34 e ss do CPT.

II – Caducada essa providência, não pode a suspensão do despedimento e correspondentes efeitos retributivos ser deferida ao abrigo do regime jurídico da providência cautelar comum.

III – Os factos que justificam a condenação como litigante de má fé com fundamento no artº 542º/2/b do nCPC devem ser relevantes para a decisão da causa, no sentido de que os mesmos condicionem de algum modo o sentido da decisão a tomar, por se revestirem de eficácia constitutiva, modificativa ou extintiva dos direitos/obrigações que constituem o objecto do processo.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

O requerente propôs contra as requeridas o presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual, deduzindo as pretensões seguidamente transcritas:
Nestes termos, e nos demais de direito aplicável, requer-se a V.ª Ex.a:
I) Se digne decretar o presente procedimento cautelar especificado de suspensão de despedimento;
II) Requer que se proceda a acção especial de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento.
III) Requer que se ordene à Requerida que pague ao Requerente as retribuições em dívida, à data da decisão, devendo o empregador, até ao último dia de cada mês subsequente à decisão, juntar documento comprovativo do seu pagamento.”.
Alegou, em resumo, que: foi admitido ao serviço da 1ª requerida em 1999 para fazer a contabilidade da mesma, como seu trabalhador subordinado; em 2014, o sócio E... criou a 2ª requerida e o sócio F... criou a 3ª requerida, ambas com o mesmo objecto social da 1.ª requerida; o estabelecimento da 1.ª requerida foi transmitido para a 2.ª e 3.ª requeridas, para as quais se transmitiu, igualmente, a posição de trabalhador do requerente; o requerente é credor de diferenças salariais no valor de €48.976,58; por carta de Outubro de 2015, o requerente foi notificado da decisão da 1ª requerida de o despedir, sem precedência de procedimento disciplinar, com a consequente ilicitude do despedimento; o despedimento do requerente deixa-o em difícil situação financeira, dado que a sua retribuição era o único rendimento, vivendo com a esposa, também desempregada; o despedimento também causou vexame, enxovalho e humilhação ao requerente, que viu a sua saúde afectada pelo desgaste psíquico que lhe foi provocado, sofrendo de perturbações de sono.

A requerida C... apresentou a sua oposição, pugnando pela improcedência da providência solicitada pelo requerente.

Alegou, em resumo, que: o contrato de trabalho do requerente com a 1.ª requerida caducou em razão da cessação da actividade desta, nunca se tendo transmitido à opoente a posição de empregadora do requerente; o requerente litiga de má-fé e incorre em abuso de direito na modalidade venire contra factum proprium; caducou o direito do requerente instaurar a providência cautelar de suspensão do despedimento

As requeridas B... e D... também deduziram oposição.

No essencial, aderiram à oposição apresentada pela requerida C... .

O processo seguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença cujo dispositivo passa a transcrever-se:

Atento o exposto, julgo parcialmente procedente o procedimento cautelar e, em consequência:

a) Determino a reintegração do requerente A... no seu posto de trabalho de contabilista, ao serviço das requeridas C... , Lda.” e “ D... , Lda.”;

b) Condeno as requeridas C... , Lda.” e “ D... , Lda.”, de forma solidária, a pagar ao requerente A... o vencimento base mensal ilíquido de €665,00 desde data da apresentação do requerimento inicial (15.12.2015), mas abatendo a esse montante o valor do subsídio de desemprego/subsídio social de desemprego na exata medida do que já foi e será pago ao requerente a tal título, liquidando o valor devido até ao mês de Setembro de 2016 em €1.798,00 (mil, setecentos e noventa e oito euros) brutos.

No mais, absolvo as requeridas C... , Lda.” e “ D... , Lda.” do pedido.

Absolvo a requerida B... , Lda. de todo o pedido.

Considerando que o requerente A... litigou com má-fé, condeno-o no pagamento da multa de 8 (oito) Unidades de Conta, a favor do Estado.

Indefiro a pretensão do requerente de remessa de certidão de partes do processo ao Ministério Público e à ACT.

Condeno o requerente no pagamento de metade das custas do procedimento cautelar e as requeridas C... e D... no pagamento solidário da outra metade, estimando ser essa a proporção dos respetivos decaimentos (art. 527.º, n.º 1, 2 e 3 do CPC).

Fixo em €5.000,01 o valor processual do procedimento cautelar, já que esse será o valor correto da respetiva ação final (art. 304.º, n.º 1, parte inicial, do CPC), em que estará em causa o despedimento do trabalhador e a sua reintegração na empresa, pelo que o recurso da sentença da ação será sempre admissível para a Relação (art. 79.º, al. a) do CPT), em resultado do que o valor deste procedimento deve ser o da alçada do tribunal de 1.ª instância, mais €0,01.

Registe e notifique.”.

Não se conformando com a decisão, as requeridas C... e D... apelaram, a última por adesão à apelação interposta pelo ilustre mandatário da primeira em nome de ambas, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas[1]:

[…]
O requerente também não se conformou com a decisão, dela tendo apelado, com apresentação das conclusões seguidamente transcritas:
[…]
Foram produzidas contra-alegações respeitantes a cada uma das apelações.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*
II – Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia;
2ª) se caducou o direito do apelante a requer a providência cautelar de suspensão de despedimento e, na afirmativa, se o tribunal recorrido poderia ter acolhido a pretensão do autor de reintegração cautelar no seu posto de trabalho e parte da sua pretensão de condenação das apeladas a pagar-lhe determinadas prestações salariais;
3ª) se o apelado incorre em abuso de direito ao socorrer-se da presente providência cautelar;
4ª) se estão verificados os pressupostos de procedência de uma providência cautelar comum com base nos quais a decisão recorrida decidiu cautelarmente como decidiu;
5ª) se os factos descritos como provados e não provados na decisão recorrida suportam a condenação do apelante como litigante de má-fé;
6ª) se a decisão da matéria de facto deve ser alterada e se, por consequência, deve ser revogada a condenação do apelante como litigante de má-fé.
*
III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

O tribunal recorrido descreveu como provados os factos seguidamente transcritos:
Do Requerimento Inicial (RI):
[…]
*
B) De Direito

Primeira questão: se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia.
O apelante radica a nulidade em apreço na circunstância de a sentença recorrida não ter apreciado a questão de saber qual o salário devido ao recorrente – se os € 802 que considera devidos desde 1 de Abril de 2003 por força do CCT celebrado entre a FENAME e a FETESE, publicado no BTE, 1ª série, n.º 21, de 8/6/2003, aplicável por força da Portaria de Extensão publicada no BTE, 2ª série, n.º 37, de 8 de Outubro de 2003; se os salários que realmente lhe foram pagos a partir de 1 de Abril de 2003, em particular os €665,00 pagos a partir de 2015.
Assim sendo, não assiste razão ao apelante.
Na verdade, na decisão recorrida conheceu-se dessa questão e considerou-se que a mesma não deveria ser abordada na providência cautelar, mas apenas na decisão final a proferir no processo principal de que a providência é dependente, importando na decisão da primeira, apenas, determinar a reposição dos referidos €665,00 desde data da apresentação do requerimento inicial da providência (15/12/2015).
É particularmente elucidativo, a este respeito, o seguinte trecho da decisão recorrida: “Para esse efeito, o tribunal tem presente que o vencimento base mensal ilíquido do requerente era de, pelo menos, €665,00 - facto 12. Atenta a natureza cautelar da medida, deixamos fora da controvérsia deste procedimento a aplicação ao caso de instrumentos de regulamentação coletiva (art. 13.º do requerimento inicial), relegando-a para a ação final. No âmbito do procedimento cautelar importa repor aquele vencimento base mensal de €665,00.”.
Concordantemente com o assim sustentado em sede de fundamentação, decidiu-se na decisão recorrida condenar as apeladas “… de forma solidária, a pagar ao requerente A... o vencimento base mensal ilíquido de €665,00 desde data da apresentação do requerimento inicial (15.12.2015), mas abatendo a esse montante o valor do subsídio de desemprego/subsídio social de desemprego na exata medida do que já foi e será pago ao requerente a tal título, liquidando o valor devido até ao mês de Setembro de 2016 em €1.798,00 (mil, setecentos e noventa e oito euros) brutos.”, logo após o que se absolveu as mesmas apeladas do demais peticionado pelo apelante no que concerne a diferenças salariais.
Não se verifica, assim, a omissão de pronúncia arguida pelo apelante.
*
Segunda questão: se caducou o direito do apelante a requer a providência cautelar de suspensão de despedimento e, na afirmativa, se o tribunal recorrido poderia ter acolhido a pretensão do autor de reintegração cautelar no seu posto de trabalho e parte da sua pretensão de condenação das apeladas a pagarem-lhe determinadas prestações salariais.

Comece por referir-se que é inequívoco que a relação de trabalho na qual o apelante figurava como trabalhador cessou, sendo contra essa cessação que o mesmo apelante pretende reagir cautelarmente através da providência que é objecto destes autos.
Só assim se compreende, por exemplo, que o apelante tenha proposto uma providência cautelar de suspensão de despedimento e que este Tribunal da Relação tenha determinado o prosseguimento dessa mesma providência cautelar no acórdão de 30/6/2016 proferido no âmbito deste mesmo processo.
Também só assim resulta compreensível a decisão ora recorrida ao considerar que caducou o procedimento cautelar de suspensão do despedimento, ao determinar a reintegração do autor no seu posto de trabalho e ao impor as consequências decorrentes dessa reintegração em termos de satisfação das prestações retributivas a contar da data da proposição da providência.
Assim sendo, como é, o único facto dado como provado na decisão recorrida que poderia ter a virtualidade de produzir a extinção de contrato de trabalho invocado pelo apelante reporta-se à comunicação escrita a que se alude nos pontos 9º) e 21º) dos factos descritos como provados, sendo esse, aliás, o único acto que o apelante descreve na petição inicial como fundamento da sua pretensão cautelar.
A significar que é essa comunicação escrita o único acto extintivo da relação laboral que deve ser objecto de apreciação nestes autos no que concerne à sua (i)licitude, sendo por referência ao mesmo e exclusivamente a ele que este Tribunal da Relação ordenou o prosseguimento destes autos no acórdão de 30/6/2016.
Ora, como já referido, o tribunal recorrido considerou que caducou o procedimento cautelar de suspensão do despedimento, por terem decorrido mais de cinco dias úteis entre a data da cessação do contrato de trabalho (1/11/2015) e a data da instauração da providência cautelar de suspensão (15/12/2015).

É particularmente elucidativo a este respeito o seguinte trecho da decisão recorrida: “Mesmo que se interprete tal declaração como comunicação de despedimento (o que não se concede, apenas se admitindo isto como hipótese de trabalho), constata-se que o requerente foi notificado do mesmo em 15 de outubro de 2015, com efeitos a partir de 1 de Novembro daquele ano (factos 9 e 21). No entanto, dispunha do prazo de cinco dias úteis para requerer ao tribunal a dita suspensão do despedimento (art. 386.º do Código do Trabalho de 2009 – CT; art. 34.º, n.º 1 do CPT), o qual começou a contar-se no dia 02 de Novembro de 2016 e terminou no dia 6 do mesmo mês. Todavia, o procedimento cautelar apenas foi requerido em 15.12.2015 (ver fls. 43), pelo que é claramente extemporâneo, estando extinto por caducidade (art. 298.º, n.º 2 do Código Civil – CC – “Quando por força da lei ou por vontades das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”).
A igual conclusão chega (e com mesmos fundamentos) quem veja em tal declaração um despedimento objetivo ou de facto. Neste caso, dado que a comunicação de fls. 40 assinala que o contrato de trabalho cessou por caducidade, em razão do encerramento total e definitivo da empresa [(arts. 340.º, al. a) e 346.º, n.º 3, ambos do CPT)], se se concluir que a causa da cessação (encerramento total e definitivo da empresa) não se verificou, então aquela comunicação terá o efeito de fazer cessar o contrato, objetivamente ou de facto, através de despedimento ilícito, já que não fundado em justa causa e atenta contra o princípio da segurança no emprego (art. 53.º da CRP).”.

Não obstante o que assim se considerou, com o entendimento de que “…o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, tendo liberdade para integrar na decisão a medida que entender mais adequada a tutelar a situação e determinar aquilo que melhor favoreça a conservação do direito ou a antecipação dos efeitos que através da ação definitiva se procuram atingir estevam…”, e por considerar que estavam preenchidos os requisitos de procedência de uma providência cautelar comum decorrentes dos arts. 362º/1 e 368º/1 do NCPC, o tribunal recorrido acabou por acolher, no segmento decisório da decisão apelada, a pretensão do apelante no sentido da sua reintegração no seu posto de trabalho, bem assim como parte da sua pretensão no sentido da condenação das apeladas a pagarem-lhe determinadas prestações retributivas, tendo denegado acolhimento à pretensão do apelante no sentido da condenação das mesmas apeladas a pagarem-lhe prestações retributivas quantitativamente superiores às que foram consideradas devidas – “…€665,00 desde data da apresentação do requerimento inicial (15.12.2015), mas abatendo a esse montante o valor do subsídio de desemprego/subsídio social de desemprego na exata medida do que já foi e será pago ao requerente a tal título, liquidando o valor devido até ao mês de Setembro de 2016 em €1.798,00 (mil, setecentos e noventa e oito euros) brutos.”.
Ora, por carta datada de 14/10/2015, recebida pelo apelante em 15 de Outubro de 2015, este foi notificado da decisão da B... , Lda, de extinguir, com efeitos reportados a 1/11/2015, o contrato de trabalho que considerava existir entre ambos, por caducidade decorrente do encerramento total e definitivo da empresa onde o apelante prestava a sua actividade laboral subordinada – pontos 9º e 21º dos factos provados.
Neste enquadramento, é para nós absolutamente inequívoco que ao apelante foi comunicada a decisão de cessação do contrato de trabalho com efeitos reportados 1/11/2015, apenas restando para discutir a questão da (i)licitude dessa decisão.
Por outro lado, partindo do dado assente que o despedimento é uma declaração de vontade unilateral do empregador no sentido de fazer cessar para o futuro o contrato de trabalho (Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição. p. 149, e Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação Efectiva, Suplemento de Direito e Justiça – Revista da FDUCP, 1992, p. 37; Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5ª edição, pp. 1043 e 1044), com fundamento em razões subjectivas ou objectivas ou mesmo sem invocação de fundamentos motivadores da decisão, é para nós inequívoco que a declaração contida na carta referida nos pontos 9º) e 21º) dos factos provados deve ser qualificada, quanto à sua dimensão fáctica e aos efeitos que dela decorrem, como uma decisão de despedimento do apelante, embora fundada em alegada caducidade do seu contrato por encerramento total da empresa onde o apelante prestava o seu trabalho e sem que tenha sido precedida de qualquer espécie de procedimento formal – está em causa, assim, uma situação de despedimento objectivo do trabalhador.
Assim sendo, pretendendo o apelante a suspensão cautelar dessa decisão de despedimento por via da providência de suspensão do despedimento, deveria tê-la instaurado no prazo de cinco dias úteis a contar da data da recepção da comunicação de cessação do contrato de trabalho (art. 386º do CT/2009).
Tendo a comunicação de despedimento sido recepcionada em 17/10/2015, para produzir efeitos em 1/11/2015, e tendo a presente providência sido instaurada, apenas, em 14/12/2015, inequívoco é que a esta última data estava completamente esgotado o prazo de caducidade (art. 298º/2 do CC) enunciado naquele art. 386º.
Por outro lado, o tribunal recorrido considerou que todas as requeridas tinham arguido essa excepção de caducidade, sendo que nesse concreto segmento a decisão apelada não foi objecto de qualquer impugnação, com o inerente trânsito em julgado do que assim se decidiu.
Como assim, outra solução não resta que não seja a de considerar verificada a caducidade que ora está em apreço.

+
Resulta já do supra exposto que à pretensão do apelante no sentido da suspensão da decisão de despedimento de que foi alvo correspondia uma providência cautelar especificada, a da suspensão do despedimento a que se alude no art. 386º do CT/2009 e que está regulamentada adjectivamente nos arts. 34 e ss do CPT.
Com efeito, mesmo tratando-se de uma situação de despedimento objectivo, a respectiva suspensão cautelar deve ser levada a efeito por via daquela providência cautelar especificada – no sentido de que essa providência também tem aplicação em sede de suspensão cautelar de despedimentos objectivos, António Abrantes Santos Geraldes, Suspensão de despedimento e outros procedimentos cautelares no processo do trabalho - Novo Regime - Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, 2010, pp. 20 e 21, acórdão da Relação de Lisboa de 16/12/2015, proferido no processo 22191/15.6T8LSB.L1-4, e acórdão da Relação de Coimbra de 20/6/2016 proferido neste mesmo processo.
Assim sendo, não se verifica em relação a essa pretensão da suspensão do despedimento um dos pressupostos legais de recurso a uma providência cautelar comum, qual seja o de que não esteja a providência a decretar especialmente regulada por qualquer outro processo cautelar especial previsto na lei, razão pela qual o tribunal recorrido não podia ter decretado cautelarmente o que decretou, em matéria de suspensão do despedimento e consequências dela advenientes (reintegração do trabalhador e pagamento das retribuições a contar da data da instauração do procedimento cautelar), no segmento decisório da decisão apelada, à luz dos normativos legais que disciplinam o procedimento cautelar comum.
Não acompanhamos o tribunal recorrido, pois, no seu entendimento de que caducado o direito a instaurar a providência especificada correspondente à pretensão cautelar que se pretende ver decretada, ainda assim pode o requerente lançar mão da providência cautelar comum para ver deferida aquela mesma pretensão cautelar, uma vez que, por consequência daquela caducidade, deixou de corresponder à pretensão cautelar uma providência especificada.
Na verdade, a consequência da caducidade operada redunda numa extinção ou perda definitiva da prerrogativa de exercer o direito[2] correspondente à pretensão cautelar que se pretende ver decretada.
Como assim, jamais pode vir a ser deferida uma qualquer pretensão cautelar correspondente ao extinto direito, seja por via da providência especificamente prevista para o feito, seja por via de qualquer outra providência cautelar, incluindo a comum.
De tudo emerge, assim, que o tribunal recorrido não podia ter decretado a suspensão do despedimento que decretou e as consequências reintegradoras e retributivas que daquela suspensão fez emergir.
Procede, assim, a apelação da requerida C... , Lda, com extensão dos efeitos dessa procedência em relação à requerida D... , Lda, decorrente do art. 634º/2/a/c do NCPC, da adesão por parte desta ao recurso por aquela interposto e da condenação solidária que a ambas foi imposta na decisão recorrida.
*
Terceira questão: se o apelado incorre em abuso de direito ao socorrer-se da presente providência cautelar.
A discussão em torno desta questão ficou prejudicada pelo sentido da decisão conferida à segunda questão.
*
Quarta questão: se estão verificados os pressupostos de procedência de uma providência cautelar comum com base nos quais a decisão recorrida decidiu cautelarmente como decidiu.
A discussão em torno desta questão ficou prejudicada pelo sentido da decisão conferida à segunda questão.
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Quinta questão: se os factos descritos como provados e não provados na decisão recorrida suportam a condenação do apelante como litigante de má-fé.
Deve ser condenado como litigante de má-fé, designadamente, quem, com dolo ou negligência grave, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa – art. 542º/2/b do NCPC.
Foi esse o fundamento invocado pelo tribunal recorrido na condenação do apelante como litigante de má-fé.
Como resulta do próprio teor literal daquele art. 542º/2/b, de entre os pressupostos da condenação que está em apreço conta-se o de que os factos que justificam a condenação devem ser relevantes para a decisão da causa, no sentido de que os mesmos condicionem de algum modo o sentido da decisão a tomar, por se revestirem de eficácia constitutiva, modificativa ou extintiva dos direitos/obrigações que constituem o objecto do processo.
Ora, não obstante os factos assinalados pelo tribunal recorrido como sendo aqueles em relação aos quais se registou a alteração da sua verdade ou a omissão da sua alegação, o certo é que o mesmo tribunal deles não extraiu qualquer efeito constitutivo, modificativo ou extintivo dos direitos que cautelarmente reconheceu ao apelante e correspondentes obrigações das apeladas.
Com efeito, independentemente desses factos, o tribunal recorrido acolheu a pretensão reintegradora do apelante no seu posto de trabalho, assim como acolheu parcialmente a pretensão do apelante em matéria de prestações salariais, sendo que, como visto a respeito da primeira questão, a improcedência do demais peticionado em matéria salarial não foi motivada pelos factos alterados ou omitidos pelo apelante, mas sim por se ter considerado que a presente providência não constituía o meio adjectivo adequado  para se conhecer do assim peticionado pelo apelante.
Do exposto se concluiu, assim, pela irrelevância desses factos para o sentido da decisão de mérito proferida pelo tribunal recorrido.
E tanto basta para que se não se verifique o supra mencionado pressuposto da condenação por litigância de má-fé imposta pelo tribunal recorrido que, assim, não pode subsistir.
*
Sexta questão: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada e se, por consequência, deve ser revogada a condenação do apelante como litigante de má-fé.
A discussão em torno desta questão ficou prejudicada pelo sentido da decisão conferida à quinta questão.
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IV- DECISÃO



Acordam os juízes que compõem esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar as apelações procedentes, absolvendo-se as apeladas das condenações que lhe foram impostas na decisão recorrida, do mesmo modo que se absolve o apelante da condenação como litigante de má-fé que igualmente lhe foi imposta por aquela decisão.
Custas de cada uma das apelações por parte de quem nas mesmas figura como apelados.
Coimbra, 15/9/2017


(Jorge Manuel Loureiro)

 (Ramalho Pinto)


 (Felizardo Paiva)
Sumário:

I) A suspensão cautelar de um despedimento objectivo deve peticionar-se na providência de suspensão do despedimento prevista no art. 386º do CT/2009 e que está regulamentada adjectivamente nos arts. 34 e ss do CPT.
II) Caducada essa providência, não pode a suspensão do despedimento e correspondentes efeitos retributivos ser deferida ao abrigo do regime jurídico da providência cautelar comum.
III) Os factos que justificam a condenação como litigante de má-fé com fundamento no art. 542º/2/b do NCPC devem ser relevantes para a decisão da causa, no sentido de que os mesmos condicionem de algum modo o sentido da decisão a tomar, por se revestirem de eficácia constitutiva, modificativa ou extintiva dos direitos/obrigações que constituem o objecto do processo.
 (Jorge Manuel Loureiro)



[1] O recurso da requerida D... não foi admitido por razões tributárias, subsistindo, apesar disso, a sua integral adesão aos fundamentos invocados pela apelante C... através da adesão electrónica protagonizada pelo ilustre mandatário daquela.
[2] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 463, Carvalho Fernandes Caducidade, Polis, Verbo, pp. 666 ss, José Bayona Jiménez, La Caducidad en el Ordenamiento Tributario Español, Aranzadi Editorial, 1999, p. 34, acórdão do STJ de 4/7/2002, proferido no processo 02B1932, acórdão da Relação do Porto de 2/5/2016, proferido no processo 24856/15.3T8PRT.P1, acórdão da Relação de Guimarães de 12/3/2015, proferido no processo 1107/13.0TTGMR.G1, acórdão do TCA Sul de 24/9/2015, proferido no processo 08523/15, acórdão da Relação de Lisboa de 25/6/2013, proferido no processo 594/12.8 TVLSB.L1-1, acórdão da Relação de Coimbra de 8/10/2015, proferido no processo 871/14.1TTCBR-A.C1.