Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
178/14.6PAACB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: CONTUMÁCIA
NÃO EXTENSÃO DOS EFEITOS
Data do Acordão: 01/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JC CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 335.º, DO CPP
Sumário: I – Mantendo-se conhecida a morada do arguido constante do TIR prestado nestes autos e tendo sido sempre regularmente notificado, designadamente por contacto pessoal, para saber da existência de bens e do acórdão condenatório, a suspensão que resulta em consequência da declaração de contumácia noutro processo, deve restringir-se aos termos ulteriores desse processo em concreto e de forma alguma se poderá repercutir nestes autos.

II - Não havia razão para obstar à realização da audiência de julgamento nestes autos.

III - Impõe-se sim que o Tribunal onde foi declarada a contumácia supra a irregularidade, se por ventura o arguido se encontra ainda declarado contumaz naqueles autos, já que o mesmo se encontra em cumprimento de pena.

Decisão Texto Integral:








Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório
No processo supra identificado foi julgado o arguido A... , solteiro, desempregado, filho de (... ) e de (... ) , natural de (... ) , nascido em (... ) 1991, titular do B.I. n.º (... ) , residente na Rua X... , foi condenado por acórdão de 17/11/2015, constante de fls. 184 a 203, alterado parcialmente pelo acórdão do TRC de 13/7/2016, constante de fls. 340 a 360, transitado em julgado em 30/09/2016, em co-autoria, por dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al, b) e 204.º, n.º 2, al. f), do CP, nas penas de três e seis meses de prisão por cada um, e em cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, acompanhada de regime de prova.
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Entretanto no Proc. 26/14.7PAACB, por acórdão de 5/4/2015, transitado em 4/4/2016, conforme certidão de fls. 461 a 466v., foi condenado por dois crimes de roubo, p. e p. pelos art. 210.º, n.ºs 1 nas penas de um e seis meses de prisão por cada um, e em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos de prisão.
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O senhor juiz do processo, por considerar haver uma situação superveniente de concurso, a que se refere o art. 78.º, do CP, designou dia para audiência de julgamento, a efectuar nos termos do art. 472.º, do CPP, para o dia 21/3/2017, com dispensa da presença do arguido, conforme consta de fls. 441v.
No dia do julgamento, o Ministério Público, com o fundamento de que o arguido estava declarado contumaz, no Proc. 26/14.7PAACB, por decisão do TEP de Coimbra, por se eximir ao cumprimento da pena naqueles autos, requereu que fosse dada sem efeito data da audiência de julgamento para realização de cúmulo jurídico, conforme consta da acta de 21/3/2017 a fls. 489.
O tribunal a quo, considerando que nada impedia o início da audiência de julgamento, indeferiu ao requerido e ordenou que os autos prosseguissem para aquele efeito.
O Ministério Público não se conformou e interpôs recurso na própria acta a fls. 492, do qual junta motivação de fls. 497 a 502.
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Concluída a audiência de julgamento, no dia 30/5/2017, foi proferido o acórdão de fls. 542 a 551, tendo o arguido A... , em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas neste autos, Proc. 178/14.6PAACB, com as penas parcelares aplicadas Proc. 26/14.7PAACB, sido condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.
O Ministério Público não se conformou e interpôs recurso do acórdão, conforme requerimento e motivação de fls. 5577 a 562.
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Formulou as seguintes conclusões:
A) Recurso do despacho que indeferiu a não realização da audiência de cúmulo jurídico:
«1.ª -- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do douto despacho proferido em Acta da Audiência de Discussão e Julgamento do dia 21 de Março de 2017, no qual se julgou improcedente a questão prévia suscitada que, segundo o Ministério Público, obstava a que tivesse lugar a Audiência de Cúmulo Jurídico das penas nas quais o arguido A... havia sido condenado nos presentes Autos de Processo nº 178/14.6PAACB com aquela em que havia sido condenado nos Autos de Processo nº 26/14.7PAAB, ambos deste Juízo Central Criminal da Comarca de Leiria.
2.ª -- O arguido A... foi declarado contumaz pelo Tribunal de Execução de Penas de Coimbra nos Autos de Processo nº 26/14.7PAACB, em virtude de se ter eximido ao cumprimento da pena de prisão em que havia sido condenado nesses Autos, tudo ao abrigo do preceituado nos artigos 97º, nº 2 138º, nº 4, al. x), do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade;

3.ª -- Por via dos efeitos e consequências processuais previstas no artigo 335º, nº 3, do Código de Processo Penal “a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes, nos termos do artigo 320.º”;
4.ª -- Mantendo-se ulteriores os termos do processo nº 26/14.7PAACB suspensos, apresentação ou à detenção do arguido, não podia ter tido lugar, sequer, o início da Audiência de Discussão e Julgamento com vista à realização do cúmulo jurídico das penas nas quais arguido foi condenado nos Autos de Processo nº 178/14.6PAACB com aquelas em que foi condenado nos Autos de Processo nº 26/14.7PAACB.
5.ª -- Ao ter-se decidido como doutamente se decidiu violou-se no douto despacho a quo o disposto no artigo 97º, nº 2, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade e o disposto no artigo 335º, nº 3, do Código de Processo Penal, razão pela qual deverá ser revogado substituído por outro no qual se julgue procedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público e, por via disso, inválidos todos os actos a seguir praticados».
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B) Recurso do acórdão:
«1.ª -- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do douto Acórdão de Cúmulo Jurídico, proferido no dia 30 de Maio de 2017 que condenou o arguido A... , em cúmulo jurídico das penas em que foi condenado nos presentes Autos de Processo nº 178/14.6PAACB, com aquelas em que foi condenado nos Autos de Processo nº 26/14.7PAAB, ambos deste Juízo Central Criminal da Comarca de Leiria, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2.ª -- O arguido A... foi declarado contumaz pelo Tribunal de Execução de Penas de Coimbra nos Autos de Processo nº 26/14.7PAACB, em virtude de se ter eximido ao cumprimento da pena de prisão em que havia sido condenado nesses Autos, tudo ao abrigo do preceituado nos artigos 97º, nº 2 138º, nº 4, al. x), do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade;
3.ª -- Por via dos efeitos e consequências processuais previstas no artigo 335º, nº 3, do Código de Processo Penal “a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes, nos termos do artigo 320º”;
4.ª -- Mantendo-se ulteriores os termos do processo nº 26/14.7PAACB suspensos, apresentação ou à detenção do arguido, não podia ter tido lugar, sequer, o início da Audiência de Discussão e Julgamento com vista à realização do cúmulo jurídico das penas nas quais arguido foi condenado nos Autos de Processo nº 178/14.6PAACB com aquelas em que foi condenado nos Autos de Processo nº 26/14.7PAACB.
5.ª -- Ao ter-se decidido como doutamente se decidiu violou-se no douto despacho a quo o disposto no artigo 97.º, nº 2, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade e o disposto no artigo 335.º, nº 3, do Código de Processo Penal, razão pela qual deverá ser revogado substituído por outro no qual se julgue procedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público e, por via disso, inválidos todos os actos a seguir praticados e, por via disso, inexistentes todos os actos a seguir praticados, designadamente e, em suma, quer o Julgamento, quer o douto Acórdão proferido».
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Notificado o arguido da interposição de ambos os recursos, nos termos do art. 413.º, do CPP, não respondeu.
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Nesta instância, após vista do art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, o ilustre Procurador-geral Adjunto, emitiu douto parecer no sentido de que deve ser dado provimento aos recursos, decidindo-se que o acórdão recorrido deve ser substituído por outro que decida existir questão prévia que obsta a que se proceda à realização do cúmulo jurídico, enquanto não for declara cessada a contumácia do arguido.
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Notificado o arguido não respondeu.
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II - O Direito
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questão a decidir:
Apreciar se a declaração de contumácia pelo TEP de Coimbra, no Proc. 458/16.6TXCBR-A, nos termos do art. 97.º, n.º 2 e 138.º, n.º 4, al. x), do CEPMPL (Lei 115/2008, de 12/10), por o arguido se ter eximido ao cumprimento de pena aplicada no Proc. 26/14.7PAACB e não se ter apresentado depois de notificado editalmente, impede a realização da audiência de julgamento para efectuar o cúmulo jurídico.  

Apreciando:
O arguido prestou termo de identidade e residência nos autos a fls. 23 e foi sempre notificado na morada ali indicada e que manteve nos autos, onde aliás até foi notificado pessoalmente do acórdão recorrido, em 1/8/2017, conforme consta da certidão de fls. 581v.
Efectivamente, como consta da decisão de 7/3/2017do TEP de Coimbra, junta no próprio dia 21/3/2017, proferida no Proc. 458/16.6TXCBR-A, dos autos a correr termos naquele tribunal, foi declarada a contumácia no Proc. 26/14.7PAACB, nos termos do art. 97.º, n.º 2 e 138.º, n.º 4, al. x), da Lei 115/2009, de 12/10 (CEPMPL).
O senhor juiz admitiu a junção da decisão de declaração de contumácia (fls. 489) e considerou que importava saber se se mantinha a contumácia, não impedindo tal facto a realização do julgamento.
Como veremos, embora declarado contumaz naquele processo, o arguido continuou a ser notificado legal e regularmente nestes autos para todos os efeitos.
Se não vejamos.
Para a audiência de julgamento de 21/3/2017, a que se refere o art. 472.º, do CPP, para realização de cúmulo jurídico, o senhor juiz, como consta do despacho a fls. 441v., como faculta o n.º 2, daquele mesmo artigo, dispensou o arguido de estar presente.
O arguido foi notificado em 16/2/2017, por via postal simples com prova de depósito, conforme consta de fls. 447 e 459.
Contactado pelo comandante de esquadra da PSP de Z... para averiguação da existência de bens, conforme solicitação de fls. 484, feita nestes autos 178/14.6PAACB, o arguido assinou a declaração em 6/3/2017, dizendo que não possuía bens, conforme consta de fls. 485.
 Na audiência de julgamento de 21/3/2017, mostrando-se regularmente notificado o arguido, não compareceu e tendo estado presente a sua defensora, face ao contacto havido pela entidade policial com o arguido na mesma morada conhecida do TIR (Rua X... ) foi solicitada a informação sobre o paradeiro e foi designado dia 18/4/2017 para a sua continuação, conforme consta da cata de fls. 493.
No dia 18/482017, conforme consta da acta a fls. 512, por falta da informação pretendida sobre o arguido, foi transferida esta data de julgamento para o dia 16/5/2017, tendo sido designada a continuação para o dia 30/5/2017, para a qual foi devidamente notificado o arguido, por via postal simples, com prova de depósito, conforme consta de fls. 537 e 540, para a morada conhecida nos autos e que consta do TIR.
O acórdão foi efectivamente publicitado em 30/5/2017, conforme consta de fls. 542 a 551, encontrando-se presente a defensora do arguido, como se documenta na acta de fls. 552 e 553 e do qual foi notificado pessoalmente o arguido, em 1/8/2017, através da PSP de Z... , conforme consta de fls. 581v.
A fls. 593, por informação da DGRSP, de 29/8/2017, faz-se constar que o arguido A... se encontra preso á ordem do Proc. 201/14.4PAACB, a cumprir pena de 2 anos e 10 meses de prisão no EP de Y... , conforme aliás confirma o senhor juiz destes autos por despacho de 12/10/2017, constante de fls. 611, embora continue declarado contumaz no Proc. 458/16.6TXCBR-A, que corria termos no TEP de Coimbra.
Por sua vez, a senhora juíza do TEP de Coimbra, por despacho de 7/9/2017, de fls. 598, ordena que se aguarde o trânsito em julgado do acórdão que nestes autos procedeu ao cúmulo jurídico ora em recurso.
Os presentes autos complicaram-se de forma absolutamente escusada, por falta de coordenação entre o tribunal a quo e o TEP de Coimbra.
O TEP de Cimbra, conforme é da sua competência, nos termos do art. 97.º, n.º 2, al. b) e 138.º, n.º 4, al. x), do CEPMPL, com o fundamento do arguido se eximir à execução de pena de prisão aplicada no processo 26/14.7PAACB, transitada em julgado, declarou-o contumaz, sendo-lhe aplicáveis as disposições constantes dos artigos 335.º, 336.º e 337.º do CPP.
Ora, sendo-lhe aplicáveis as disposições atrás mencionadas do CPP e como aliás lhe confere essa competência o art. 138.º, n.º 4, al. t), do CEPMPL, não se compreende a razão por que a senhora juíza do TEP não ordenou a passagem de mandados de detenção para cumprimento de pena naqueles autos, ao declarar a contumácia.
Ao não proceder daquela forma revelou pois pouca eficácia quanto à imposição do cumprimento da pena.
Por outro lado, a declaração de contumácia pelo TEP de Coimbra não tem nenhuma correspondência com o que se passou nestes autos, já que os pressupostos que a determinaram não se verificam neste processo, pois o arguido prestou TIR a fls. 23 e continuou sempre a ser notificado regularmente na mesma morada.
Para a audiência a que se refere o art. 472.º, do CPP, foi dispensado de estar presente e foi notificado por via postal simples com prova de depósito, nos termos do art. 113.º, n.º 3, do CPP e na pessoa da defensora, sendo que esta esteve sempre presente.
Nos autos foi ainda notificado pessoalmente pelo comandante de esquadra da PSP de Z... para averiguação da existência de bens, conforme solicitação de fls. 484, tendo assinado a declaração em 6/3/2017, dizendo que não possuía bens, conforme consta de fls. 485.
 E do acórdão recorrido, foi notificado pessoalmente, em 1/8/2017, também através da PSP de Z... , conforme consta de fls. 581v., na mesma morada que constava do TIR.
Não havia razão para declarar pois o arguido contumaz, pois não se compreende que não seja possível notificá-lo no processo do TEP e ter sido regularmente notificado nestes autos e muito menos se compreende que encontrando-se a cumprir pena de 2 anos e 10 meses de prisão no EP de Y... , à ordem do Proc. 201/14.4PAACB, se mantenha contumaz.
Efectivamente diz o art. 335.º, n.º 3, do CPP que a declaração de contumácia “implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido”.
Porém, mantendo-se conhecida a morada do arguido constante do TIR nestes autos e tendo sido sempre regularmente notificado, designadamente por contacto pessoal, para saber da existência de bens e do acórdão condenatório, a suspensão que resulta em consequência da declaração de contumácia no processo 458/16.6TXCBR-A, do TEP, deve restringir-se aos termos ulteriores deste processo em concreto e de forma alguma se poderá repercutir nestes autos.
É pressuposto, para declaração de contumácia, designadamente que não seja possível notificar o arguido para a audiência de julgamento ou executar a detenção para cumprimento da pena de prisão. 
No processo 178/14.6PAACB nunca se verificaram os pressupostos da contumácia, pois sempre foi devidamente notificado e se por ventura o arguido se encontra declarado indevidamente contumaz no processo 458/16.6TXCBR-A, do TEP, de Coimbra, tal irregularidade não pode contagiar estes autos.
Impõe-se sim que o TEP supra a irregularidade, se por ventura o arguido se encontra ainda declarado contumaz naqueles autos, já que o mesmo se encontra em cumprimento de pena.
Face ao exposto, não havia razão para obstar à realização da audiência de julgamento para realização de cúmulo jurídico e suspender os autos, por não se verificarem os pressupostos de declaração de contumácia nestes autos, apesar de declarada no processo a correr termos no TEP de Coimbra.
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III - Decisão:
Pelos fundamentos expostos acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em negar provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público, mantendo-se assim o despacho de fls. 490, que manteve a data de julgamento, bem como o acórdão recorrido, que procedeu realização do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nestes autos e no processo 26/14.7PAACB.
Sem custas.
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NB: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 
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Coimbra, 17 de Janeiro de 2018
Inácio Monteiro (relator)
Alice Santos (adjunta)