Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
178/09.8GCAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: CONDUÇÃO SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL
EXAMES EM CASO DE ACIDENTE
RECUSA
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 10/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA, JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ALBERGARIA-A-VELHA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 18º, NºS 1 E 2 DA CRP ,152º, Nº 2, 153º, Nº 8 E 156º, Nº 2 DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário: O conjunto normativo dos artigos 152º, nº 2, 153º, nº 8 e 156º, nº 2 do Código da Estrada que permite a colheita de sangue para determinação da taxa de álcool sem possibilitar ao condutor a sua recusa esclarecida e sem consequências penais está ferido de inconstitucionalidade orgânica;
Decisão Texto Integral: I. Relatório
No âmbito do processo abreviado nº 178/09.8GCAGD da Comarca do Baixo Vouga, Juízo de Instância Criminal de Albergaria-a-Velha, foi imputada ao arguido R..., identificado nos autos, a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal.
Realizado o julgamento, foi proferida a sentença ora recorrida, em 1.2.2010, condenando o arguido, como autor do citado crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de sessenta e cinco dias de multa à taxa diária de 5,50 €, no montante de 357,50 € e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses e quinze dias.

Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido R..., extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:
i) O tipo de crime pelo qual o arguido vem condenado tem como elemento objectivo a condução de viatura automóvel sob efeito de taxa igual ou superior a 1,2gl de álcool no sangue.
ii) A douta sentença recorrida deu como provado que o arguido conduzia viatura automóvel e "2- Fazia-o sob efeito do álcool, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,72 g/l" ..
iii) A prova deste facto assentou única e exclusivamente no relatório de exame químico-toxicológico de fls. 9 a 11 dos autos, aqui não constando autorização do recorrente para sua realização (que não autorizou) ou menção de ter sido explicado ao recorrente o fim da recolha para prova em processo penal ou do seu direito a recusa a tal exame;
iv) Ora, a recolha de sangue a cidadão, sem que este tenha expresso o seu consentimento, constitui violação da sua integridade física, pelo que é nula a prova assim obtida nos termos do art. 32°,nº 8 da Constituição da República Portuguesa e 126º, nº 1 do Código de Processo Penal.
v) A recolha de sangue a cidadão, para efeito de valoração do seu resultado em processo criminal contra ele instaurado, sem que lhe seja explicada a faculdade de recusa, ainda que sujeita a sancionamento como crime de desobediência nos termos do art. 152º, nº 3 do Código da Estrada é nula por violar os direitos de defesa do arguido, conforme o previsto no art. 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa;
vi) Não resulta do relatório de fls. 9 a 11 que tal explicação tenha sido dada ao recorrente, que não o foi, pelo que é inválido este meio de prova.
vii) Sem conceder, o exame de fls. 9 a 11 foi valorado pela douta sentença ao abrigo da norma do artigo 156°, n° 2 do Código da Estrada.
viii) Sucede que esta norma apenas permite o recurso a exame de sangue para prova da taxa de álcool no sangue se for impossível o exame pelo método de análise ao ar expirado, assim salvaguardando como "última ratio" a violação da integridade física do cidadão para obtenção de tal prova;
ix) Do relatório de fls. 9 a 11 não consta que tenha sido impossível a análise da taxa de álcool do sangue pelo método de ar expirado, pelo que é ilegítima e inválida a prova resultante daquele exame, por não ter cobertura legal.
x) Em todo o caso, as normas dos arts. 153°, n° 8 e 156°, nº 2 do Código da Estrada foi introduzida com carácter inovatório pelo Decreto-Lei n° 44/2005, de 23 de Fevereiro, por diploma emanado do Governo, sem prévia autorização legislativa da Assembleia da República,
xi) Sendo que a matéria inovatória em questão, por comprimir direitos, liberdades e garantias do cidadão, é da competência relativa deste órgão de soberania, atento o disposto na norma do art. 165º, nº 1, al. c) da Constituição da República Portuguesa;
xii) Por isso, o Governo legislou onde não tinha competência para o fazer, sem autorização prévia do órgão de soberania competente, pelo que tais normas dos arts. 153°, n° 8 e 156°, nº 2 do Código da Estrada estão viciadas de inconstitucionalidade orgânica, que expressamente se suscita, com a consequente ilegalidade da prova obtida pelo exame de 11s. 9 a 11 dos autos.
xiii) Deste modo, deve ter-se por ilegal, nulo e inválido o meio de prova resultante do relatório de exame químico-toxicológico de fls. 9 a 11 e, assentando unicamente neste exame a prova do facto julgado como provado sob o número dois do elenco de factos provados, deve o mesmo ser julgado como não provado.
xiv) Na falta de prova daquele facto número dois, não resulta da matéria assente em julgamento o preenchimento dos elementos objectivos do tipo de crime pelo qual o arguido vem condenado, designadamente o da condução de veículo automóvel sob efeito de álcool com taxa igual ou superior a 1,2 g/l de álcool no sangue, não sendo possível descortinar dos demais elementos probatórios valorados qual a taxa ou, sequer, se o arguido conduzia sob taxa que fosse criminalmente relevante, impondo-se, por isso, a sua absolvição

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências deve ser julgado procedente o presente recurso, julgando-se inválido o meio de prova resultante do exame químico-toxicológico de fls. 9 a 11 e, assim, como não provado o facto número dois "Fazia-o sob efeito do álcool, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,72 g/l” do elenco dos factos julgados como provados pela douta sentença recorrida, com a consequente absolvição do recorrente.

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso interposto, concluindo o seguinte:
1 - A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, nem padece de qualquer vício legal, designadamente por violação do disposto nos artigos 32° n° 1 e 8 da Constituição da República Portuguesa e artigo 126° n° 1 do Código de Processo Penal.
2 - Não consta da decisão recorrida qualquer facto que nos permita concluir que a recolha de sangue efectuada ao arguido foi realizada sem o seu consentimento ou que tenham sido omitidos os procedimentos essenciais para o esclarecimento do arguido quanto ao fim a que se destinava o acto de recolha do sangue.
3 - O arguido foi interveniente num acidente de viação e o método de obtenção da prova através da recolha de sangue é legalmente admissível nesse circunstancialismo fáctico. Acresce que não consta dos autos que o arguido estivesse em condições de efectuar o teste pelo método do ar expirado, tanto mais que o mesmo, atento o seu estado, necessitou de ser transportado para um estabelecimento hospitalar.
4 - A Meritíssima Juíza a quo deu como provada a factualidade do ponto dois com base no relatório de exame químico-toxicológico, do qual se retira que o arguido apresentava etanol no sangue de 2,72 g/l e valorou tal elemento de prova para determinação da taxa de álcool no sangue por ter sido realizado de harmonia com o disposto no artigo 156.°, n.º2 do Código da Estrada.
5 - O Tribunal a quo pronunciou-se sobre uma eventual nulidade da prova obtida, mencionando a jurisprudência do douto acórdão n.º 275/2009 proferido pelo Tribunal Constitucional, entendendo que a jurisprudência de tal acórdão aplica-se tão somente às normas dos artigos 152.°, n.º 3 e 153.°, n.º 8, ambas do Código da Estrada.
6 - Acresce o facto de tal inconstitucionalidade não ter sido declarada com força obrigatória geral.
Não existem quaisquer dos vícios invocados pelo recorrente, razão pela qual deve improceder o recurso.
Termos em que, confirmando-se a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso, far-se-á Justiça.

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que conclui dever ser negado provimento ao recurso.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido usado do direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
***
II. Fundamentos da Decisão Recorrida
A sentença recorrida encontra-se fundamentada nos seguintes termos (transcrição):
Os Factos Provados
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1- O arguido no dia 9 de Maio de 2009, pelas19h10m, conduzia o motociclo de matrícula …, na Estrada Municipal, 572-2, área desta comarca do Baixo Vouga de Albergaria-a-Velha, da sua propriedade, sendo que, por motivos que se desconhecem, sofreu um despiste.
2- Fazia-o sob o efeito do álcool, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,72 gramas/litro.
3- O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabia que se encontrava alcoolizado e que era proibido conduzir veículos automóveis em via pública ou equiparada com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2g/1.
4- O arguido sabia que aquela conduta era proibida e punida por lei. Mais se provou que:
5- O arguido exerce a profissão de electricista e aufere €860,00 de salário.
6- É casado, a mulher é doméstica. Têm 2 filhos menores a cargo.
7- Vivem em casa arrendada. Pagam €150,00 de renda.
8- O arguido tem o 9.º ano de escolaridade.
9- Depois do despiste foi conduzido ao Hospital Infante D. Pedro em Aveiro.
10-Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.

Factos não provados
Inexistem factos que a considerarem-se não provados assumam relevância para a boa decisão da causa.

Motivação
A convicção do tribunal filiou-se nas declarações do arguido, que admitiu a factualidade descrita em 1) dos factos provados. Mais esclareceu que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução, tendo-o feito de forma livre e consciente.
Demos como provada a factualidade do ponto 2) com base na análise do teor de folhas 9 a 11, mormente o relatório de exame químico-toxicológico, do qual se retira que o arguido apresentava etanol no sangue de 2,72 g/l. De mencionar que valoramos tal elemento de prova para determinação da taxa de álcool no sangue por ter sido realizada de harmonia com o disposto no artigo 156º, n.º 2 do Código da Estrada que prevê tal exame em caso de acidente, que foi o que se verificou no caso em apreço.
Por outro lado, conhecemos a jurisprudência do douto acórdão n.º 275/2009 proferido pelo Tribunal Constitucional no sentido da inconstitucionalidade orgânica da norma extraída a partir da conjugação do artigo 34º, n.º 1 a) do Código Penal e dos artigos 152.º, n.º3 e 153.º, n.º8, ambos do Código da Estrada por falta de autorização legislativa da Assembleia da República, perante o carácter inovatório introduzido em tais preceitos legais pelo Decreto-Lei n.º 44/2005 de 23/2. Porém, entendemos que a jurisprudência de tal acórdão aplica-se às normas dos artigos 152.º, n.º3 e 153.º, n.º8, ambas do Código da Estrada e tal inconstitucionalidade ainda não foi declarada com força obrigatória geral, pelo que valoramos o teor de folhas 9 a 11, por tal elemento de prova obedecer ao preceituado no artigo 156.º, n.º2 do Código da Estrada.
A matéria vertida nos pontos 3) e 4) com base na conjugação do depoimento do arguido com as regras da experiência comum, considerando a matéria em causa.
Valoramos, ainda, as declarações do arguido para dar como provada a factualidade referente às suas condições socioeconómicas.
Por último, atendemos ao teor do certificado de registo criminal do arguido junto aos autos a folhas 50.

O Direito
O arguido veio a julgamento publicamente acusado como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, nº 1 e 69.º, nº 1 a) do Código Penal.
Preceitua, assim, que aquele normativo, sob a epígrafe Condução de veículo em estado de embriaguez: «Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal».
De notar que, como refere o Prof. Figueiredo Dias, na Comissão Revisora do Código, este preceito tem em vista um crime de perigo abstracto.
Ora, ressuma da factualidade apurada que o arguido conduzia um veículo a motor na via pública sob o efeito do álcool, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,72 gll.
Mais se provou que o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, e bem sabia que se encontrava alcoolizado e que era proibido conduzir veículos automóveis em via pública ou equiparada com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1, 2g/l.
Assim, face ao manancial fáctico provado supra descrito, dúvidas não restam, pois, que se mostram preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime pelo qual o arguido vinha acusado, pelo que se constituiu autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.0, na 1 e 69.0, na 1 a) do Código Penal.
Inexistem causas de justificação ou de desculpação.

Determinação da medida concreta da pena
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar-lhe.
Ora, para o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.°, nº 1, do Código Penal, nos termos acima expostos, acha-se prevista uma moldura penal abstracta de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias.
Dada a dualidade em regime de alternatividade que actualmente a lei prescreve para este tipo legal de crime, deve-se em primeira linha obediência ao preceituado no artigo 70.° do Código Penal.
A disposição legal referida expressa uma das ideias fundamentais subjacentes ao sistema punitivo do nosso Código Penal, ou seja uma reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais (Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, vol. II, CEJ, 1998, p. 238).
Ora, o arguido encontra-se integrado na sociedade. Ao que acresce que do seu certificado de registo criminal nada consta.
Nesta medida, pese embora este tipo de ilícitos ocorra com alguma frequência, bem como a necessidade de reforçar a validade da norma jurídica violada, mesmo assim, entendemos que perante a apreciação global da factualidade dada como provada nos presentes autos a aplicação ao arguido de uma mera pena de multa realizará, ainda, de forma adequada as finalidades da pena.
Na verdade, esta opção pela pena de multa, em nosso entender, oferece um nível satisfatório de estabilização das expectativas da comunidade na validade e vigência da norma infringida, o que satisfaz as necessidades de prevenção geral, bem como da reintegração do agente na comunidade, prevenção especial de reintegração.
Com base na opção pela pena de multa, cumpre determinar a pena concreta a aplicar, dentro da moldura abstracta situada entre os 10 e os 120 dias de multa.
Importa referir que toda a pena deve ter como suporte axiológico-normativo uma culpa, ou seja para que se possa imputar a prática de um determinado crime a um agente é necessário que seja possível censurá-lo, ou seja, o arguido, perante aquelas circunstâncias, podia e devia ter agido de outro modo.
Mas, a culpa não constitui apenas o pressuposto e fundamento da validade da pena, mas traduz-se, ainda, no seu limite máximo, o que significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena como seu limite máximo.
A culpa, enquanto pressuposto da pena, definirá o seu limite máximo, a moldura dentro da qual as exigências de prevenção, como fins da pena, lhe fixarão a medida.
A prevenção significa, por um lado, prevenção geral positiva e, por outro lado, prevenção especial de ressocialização.
Assim, a exigência legal de que a medida da pena seja determinada em função da prevenção explica-se pelo facto de se dever atender à necessidade da comunidade na punição do caso concreto e à tutela do bem jurídico posto em causa, reafirmando, deste modo, a validade da norma violada.
A quantificação da culpa e o grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se através da «ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele», tal como decorre do artigo 71°, n? 2 do Código Penal.
Assim, como circunstância agravante aponta-se o grau de ilicitude que se situa num nível elevado, considerando a taxa de alcoolemia apresentada.
Pesa, ainda, em desfavor do arguido ter sido interveniente em acidente de viação.
Por sua vez, a favor do arguido milita o facto de o mesmo estar bem integrado na sociedade e não lhe serem conhecidas anteriores condenações.
Assim, tudo ponderado considera-se justo e adequado aplicar ao arguido a pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa.
Quanto ao quantitativo diário, devemos atentar aos critérios estabelecidos no artigo 47°, nº 2 do Código Penal.
Considerando o rendimento auferido pelo arguido e bem assim os seus encargos mensais e ainda que tem dois filhos menores a cargo, considera-se justo e equitativo fixar o quantitativo de € 5,50.
Tudo visto, decide-se aplicar a pena concreta de 65 (sessenta e cinco) dias de multa à razão de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) por dia, o que perfaz a pena global de € 357,50 (trezentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos).
Por força desta condenação e do disposto na alínea b) do artigo 69.°, nº 1 a) do Código Penal, que prevê a moldura de sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados entre 3 meses e 3 anos, e considerando o anteriormente explanado quanto à determinação concreta da pena de multa e tendo presente, acima de tudo, a taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido, muito para além do limite legalmente permitido e bem assim que foi interveniente em acidente de viação, mas também que não antecedentes criminais, tudo ponderado, decide-se condenar o arguido a título de pena acessória, na proibição da faculdade de conduzir toda e qualquer espécie de veículo motorizado pelo período de 3 meses e 15 dias (três meses e quinze dias).
Por força de tal condenação será também o arguido condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça em duas unidades de conta, de harmonia com o disposto no artigo 513.°, n.º 1 do Código de Processo Penal.
***


III. Apreciação do Recurso
A documentação em acta das declarações e depoimentos produzidos em audiência de julgamento determina que este Tribunal possa conhecer de facto e de direito (cfr. artigos 363º e 428º do Código de Processo Penal).
Mas, como é sabido, o âmbito do recurso afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal).
Vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que as questões que o recorrente suscita para apreciação deste Tribunal são as seguintes:
- Se a recolha de sangue para prova em processo penal de taxa de álcool no sangue sem que o examinando seja informado do fim a que se destina e sem que expresse o seu consentimento, constitui meio de prova nulo nos termos do artigo 126º, nº 1 do Código de Processo Penal e 32º, nº 8 da Constituição;
- Se o recurso a exame de sangue para prova da taxa de álcool apenas é permitido pelo artigo 156º, nº 2 do Código da Estrada se for impossível o exame pelo método de análise ao ar expirado;
-Se as normas dos artigos 153º, nº 8 e 156º, nº 2 do Código da Estrada estão viciadas de inconstitucionalidade orgânica por terem sido emanadas do Governo sem autorização da Assembleia da República em violação do disposto no artigo 165º, alínea c) da Constituição, com a consequente ilegalidade da prova obtida pelo exame de sangue realizado.

Apreciando:
Começaremos por analisar a última questão suscitada porque dela depende a resposta à primeira questão, tornando inócua a resposta à segunda.

Para responder à suscitada questão de inconstitucionalidade teremos de partir dos seguintes pressupostos.
A realização de exame de pesquisa de álcool no sangue através de recolha de sangue constitui sempre ofensa à integridade física por mínima que se apresente e ainda que se pressuponha que nos casos normais não tem qualquer contra-indicação em termos de prejuízo para a saúde.
Isso mesmo se reconhece no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 616/96 publicado em www.tribunalconstitucional.pt onde se refere “ Aceita-se (…) que o exame de sangue contra a vontade do examinando, possa constituir, nos limites da protecção constitucional, uma ofensa à integridade física da pessoa” e mencionando-se a decisão do TEDH de 4.12.78 em que se qualifica o exame de sangue como “intervenção banal” mas em que igualmente se admite que constitua ofensa à integridade física se realizado contra a vontade do examinando.
A realização de tal exame, porque pressupõe ofensa à integridade física, direito constitucionalmente consagrado no artigo 25º, é admissível apenas nos termos também constitucionalmente previstos, o que significa que deve ter-se presente o disposto no artigo no artigo 18º, nºs 1 e 2 da CRP “os preceitos constitucionais respeitantes a direitos liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas e “a lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
Uma interpretação meramente literal do texto constitucional “a lei só pode restringir direitos nos casos expressamente previstos na constituição” e porque não se consignam excepções quanto à integridade física, levaria à conclusão de que o recurso a exames dessa natureza sem o consentimento do visado seria sempre proibida e que não haveria possibilidade de legislar em sentido contrário sem patente inconstitucionalidade material.
Mas o Tribunal Constitucional vem admitindo que mesmo nos casos em que não deriva directamente da constituição a possibilidade de restrição de direitos, liberdades e garantias ela será admissível sempre que o princípio da proporcionalidade previsto no já citado artigo 18º, nº 2 o justifique, ou seja, quando deva ser dada prevalência a outro direito constitucionalmente consagrado. O próprio acórdão citado dá ênfase a esse aspecto (o que se discutia era a realização de exame de sangue para determinação da paternidade).
Seja ou não essa a interpretação correcta da constituição, certo é que a matéria legislativa relativa a direitos, liberdades e garantias é da competência relativa da Assembleia da República, como se consigna no artigo 165º, nº 1, b) da CRP, só podendo o Governo legislar nesse domínio mediante autorização daquele órgão.
Para nos apercebermos da dimensão do problema suscitado teremos de recuar à versão inicial do actual Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94 que foi produzido mediante autorização legislativa, Lei nº 63/93 de 21 de Agosto. Do artigo 2º, alínea bb) desse diploma consta autorização para imposição aos condutores da obrigação de sujeição a provas para detecção de intoxicação pelo álcool.
Nessa versão a fiscalização da condução sob o efeito do álcool ficou estabelecida nos artigos 158º e 159º, preceituando o primeiro a obrigação de os condutores se submeterem às provas que se estabelecem para a detecção de possíveis intoxicações e que, a requerimento do interessado ou por ordem da autoridade judicial, podem repetir-se as provas para efeitos de contraprova, podendo estas consistir em análises de sangue, de urina ou outras análogas.
Quanto ao segundo preceituava que o procedimento de fiscalização da condução sob a influência do álcool é objecto de legislação especial, à data o Decreto-Lei nº 124/90 de 14.4., Decreto Regulamentar nº 12/90 de 14.5 e Portaria nº 986/92 de 20.10.
No que concerne a exames em caso de acidente preceituava o artigo 8º do Decreto-Lei nº 124/90:
1. Os condutores e quaisquer pessoas que contribuam para acidentes de viação serão submetidos, sempre que o estado de saúde o permita, ao exame de pesquisa no ar expirado, observando-se o disposto no artigo 6º.
2. Caso não seja possível a realização de teste no local, deverá o médico da instituição hospitalar a que os intervenientes tiverem sido conduzidos providenciar no sentido da submissão dos mesmos aos exames que entender necessários para diagnosticar o seu estado de influenciados pelo álcool.
No artigo 9º do mesmo diploma previa-se a possibilidade de o médico recusar a realização desses exames se os mesmos fossem susceptíveis de prejudicar a saúde.
A recusa a exame de pesquisa de álcool vinha prevista como crime no artigo 12º do mesmo diploma, não constando do mesmo a possibilidade de o condutor ou pessoa que interviesse em acidente de viação se recusar, legalmente, a exame.
Daí não derivaria que o exame pudesse ser imposto coactivamente, mas apenas que a recusa seria criminalmente punida. Claro que a punição como crime de desobediência da recusa pode bem configurar-se como uma forma de coagir à realização do exame, o que só por é susceptível de colocar problemas delicados de constitucionalidade material que não cuidaremos aqui de aprofundar por não estar directamente em causa e muito menos quanto a este regime.

Foi posteriormente o Código da Estrada alterado pelo Decreto-Lei nº 2/98 de 3.1 mediante autorização legislativa da Lei nº 97/97 de 23.8. Do artigo 3º, alínea d) dessa Lei consta autorização para punir como desobediência a recusa, nomeadamente por condutor, em submeter-se aos exames legais para detecção do Estado de influenciado pelo álcool.
Foi legislado o seguinte sobre a fiscalização da condução sob o efeito do álcool:
Artigo 158º
Princípios gerais
1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas estupefacientes ou psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os demais utentes da via pública, sempre que sejam intervenientes em acidente de trânsito,
2 - Quem praticar actos susceptíveis de falsear os resultados dos exames a que seja sujeito não pode prevalecer-se daqueles para efeitos de prova.
3 - Quem recusar submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente conside­radas como estupefacientes ou psicotrópicas, para as quais não seja necessário o seu consentimento nos termos dos n.ºs 2 c 3 do artigo l59º, é punido por desobediência.
Artigo 159º
Fiscalização da condução sob influência do álcool
1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por agen­te de autoridade mediante a utilização de material aprovado para o efeito.
2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decor­rentes e de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova.
3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado especificamen­te para o efeito;
b) Análise de sangue.
4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior. o examinando deve ser conduzido de imediato a local onde esse exame possa ser efectuado.
5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido o mais rapidamente possível a estabelecimento hospita­lar, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.
6 - Quando se suspeite da utilização de meios susceptíveis de alterar momentaneamente o resultado do exame, pode o agente da autoridade mandar submeter o suspeito a exame médico.
Artigo 162.°
Exames em caso de acidente
1 - Os condutores e quaisquer pessoas que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado nos termos do artigo 159.°.
2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame no local do acidente, deve o médico do estabelecimento hospitalar a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos proceder aos exames necessários para diag­nosticar o estado de influenciado pelo álcool.
3 - No caso referido no número anterior, o exame para a pesquisa de álcool no sangue só não deve ser realizado se houver recusa do doente ou se o médico que o assistir entender que de tal exame pode resultar prejuízo para a saúde.
4 - Não sendo possível o exame de pesquisa de álcool nos termos do número anterior, deve o médico proceder aos exames que entender conveni­entes para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
ARTIGO 163.º
Exame médico
1 - Quando não for possível a realização de contraprova por pesquisa do álcool no ar expirado, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 159.°, e o examinando recusar submeter-se à colheita de sangue para análise, deve ser realizado exame médico em centro de saúde ou estabelecimento hospitalar, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
2 - O médico ou paramédico que, sem justa causa, se recusar a proce­der às diligências previstas na lei para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool é punido por desobediência.

Inovatoriamente previu-se a possibilidade de os condutores ou pessoas intervenientes em acidente de viação recusarem submeter-se a colheita de sangue para análise e sem necessidade de qualquer justificação, a que não terá sido alheia a preocupação de respeitar o texto constitucional na dimensão que se começou por assinalar.

Sem autorização legislativa, o Código da Estrada veio novamente a ser alterado pelo Decreto-Lei nº 265-A/2001 de 28 de Setembro, passando a fiscalização da condução sob o efeito do álcool a ficar regulada nos seguintes termos:
Artigo 158º
Princípios Gerais
1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;
c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.
2 - Quem praticar actos susceptíveis de falsear os resultados dos exames a que seja sujeito não pode prevalecer-se daqueles para efeitos de prova.
3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter­-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas são punidas por desobediência.
4 - As pessoas referidas na alínea c) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas são impedidas de iniciar a condução.
5 - O médico ou paramédico que, sem justa causa, se recusar a proceder às diligências previstas na lei para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas é punido por desobediência.
Artigo 159.º
Fiscalização da condução sob influência de álcool
1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes, de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e de que deve suportar todas as despesas originadas por esta contraprova no caso de resultado positivo.
3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado.
5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.
6 - Quando se suspeite da utilização de meios susceptíveis de alterar momentaneamente o resultado do exame, pode o agente de autoridade mandar submeter o suspeito a exame médico.
7 - Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se se recusar, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
Artigo 162.°
Exames em caso de acidente
1 - Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 159.°
2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
3 - Se o exame de pesquisa de álcool no sangue não puder ser feito, deve proceder­-se a exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
4 - Os mortos devem também ser submetidos ao exame previsto no n.º 2.

Parecerá, numa primeira análise, que nesta revisão se excluiu a possibilidade de recusa não sancionada em relação a pessoas que tenham intervindo em acidente de viação porque a possibilidade de recusa não vem prevista no específico normativo que regula os exames em caso de acidente, mas apenas no normativo geral que prevê os termos em que se procede a pesquisa de álcool.
Considerando, porém, que não houve autorização legislativa para inovar em tal matéria e que as regras de interpretação contidas no artigo 9º do Código Civil apelam antes de mais à unidade do sistema jurídico, o que importa em primeiro lugar que se busque interpretação conforme com a constituição, concluímos que a previsão de recusa do transcrito artigo 159º, nº 7 tanto seria aplicável aos não intervenientes como aos intervenientes em acidente de viação, não se verificando aqui, na realidade qualquer aspecto relevantemente inovatório (ao contrário do que se conclui no acórdão da Relação do Porto de 9.12.2009, proferido no processo nº 1421/08.6PTPRT.P1 publicado em www.dgsi.pt).

Sem autorização legislativa, o Código da Estrada foi objecto de nova revisão através do Decreto-Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro, cuja previsão relevante para o caso é a seguinte:
Artigo 152.°
Princípios gerais
1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;
c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.
2 - Quem praticar actos susceptíveis de falsear os resultados dos exames a que seja sujeito não pode prevalecer-se daqueles para efeitos de prova.
3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n." 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.
4 - As pessoas referidas na alínea c) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são impedidas de iniciar a condução.
5 - O médico ou paramédico que, sem justa causa, se recusar a proceder às diligências previstas na lei para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas é punido por crime de desobediência.
Artigo 153.°
Fiscalização da condução sob influência de álcool
1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes, de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e de que deve suportar todas as despesas originadas por esta contraprova no caso de resultado positivo.
3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado.
5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.
6 - O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.
7 - Quando se suspeite da utilização de meios susceptíveis de alterar momentaneamente o resultado do exame, pode a autoridade ou o agente de autoridade mandar submeter o suspeito a exame médico.
8 - Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
Artigo 156.°
Exames em caso de acidente
1 - Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 153.°
2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
3 - Se o exame de pesquisa de álcool no sangue não puder ser feito, deve proceder-­se a exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
4 - Os condutores e peões mortos devem também ser submetidos ao exame previsto no n.º 2.

Com verificamos, na versão anterior permitia-se ao condutor recusa a exame de pesquisa de álcool através de exame de sangue sem que daí adviesse qualquer sancionamento, possibilidade que foi indubitavelmente eliminada, passando a recusa a ser punida em qualquer caso.
A intervenção do Tribunal Constitucional foi suscitada a propósito da constitucionalidade do regime actualmente previsto quanto ao crime de desobediência previsto no artigo 152º, nº 3, quando o exame de pesquisa de álcool no ar expirado não é possível e o examinando é sujeito a colheita de sangue (artigo 153º, nº 8 transcrito). Este Tribunal no Acórdão nº 275/2009 pronunciou-se pela inconstitucionalidade orgânica desse conjunto de normas por falta de autorização legislativa prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 165º da CRP.
Vejamos os argumentos expendidos (transcrição):
“Da análise desta evolução legislativa, podemos extrair as seguintes conclusões preliminares:
i) O crime específico de recusa de submissão a exames para controlo do álcool no sangue (artigo 12°) encontra-se previsto no ordenamento jurídico português, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n." 124/90, de 14 de Abril, adoptado ao abrigo de autorização legislativa;
ii) A partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, adoptado ao abrigo de autorização legislativa, passou a prever-se no ordenamento jurídico português o crime de desobediência simples, salvo quando fosse necessário o consentimento do examinando, por exemplo, nos casos de contraprova [artigo 158°, n.º 3, do Código da Estrada então vigente];
iii) Desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, adoptado sem prévia autorização legislativa, reconhece-se ao examinando o direito a recusar colheita de sangue, sem necessidade de fundamentação, nos casos em que seja impossível proceder a pesquisa de álcool em ar expirado;
iv) Desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n." 44/2005, de 23 de Fevereiro, adoptado sem prévia autorização legislativa, retira-se ao examinando o direito a recusar colheita de sangue, independentemente do motivo, nos casos em que seja impossível proceder a pesquisa de álcool em ar expirado, apenas sendo realizado exame médico no caso da colheita de sangue não ser possível por razões médicas.
7. Vejamos, então, como ajuizar a similitude entre a norma constante do originário n.º 3 do artigo 158° do Código da Estrada [na redacção conferida pelo Decreto-Lei n." 2/98] - única norma dotada da necessária autorização legislativa - e a norma actualmente decorrente da conjugação entre o n.º 3 do artigo 152° e o n.º 8 do artigo 153° do vigente Código da Estrada.
A alteração legislativa introduzida pelo Decreto-Lei n.º 44/2005 representa um passo à frente face à dimensão normativa decorrente da conjugação entre o n.º 3 do artigo 158° e o n.º 7 do artigo do Código da Estrada [na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001]. Dá-se por adquirido, na esteira da anterior jurisprudência deste Tribunal (cfr. Acórdãos n.º 423/06 e n.º 628/06, disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt), que a alteração legislativa introduzida pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001 não implicou uma ruptura face ao tipo penal resultante do n.º 3 do artigo 158° do Código da Estrada vigente até então. É que, note-se, mesmo que o n° 3 do referido artigo 158° do Código da Estrada tenha deixado de incluir o elemento do tipo "para as quais não seja necessário o seu consentimento nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 159.°", este mesmo elemento do tipo de crime de desobediência permanece ínsito do Código da Estrada. Isto porque o n.º7 do (então) artigo 159° do Código da Estrada garantia que o examinando pudesse recusar, sem exigida fundamentação, a recolha de sangue - o que denota uma notória preocupação do legislador em salvaguardar o direito à integridade física e, eventualmente, moral, em casos de recusa fundada em razões religiosas ou filosóficas (cfr. artigos 25° e 41º, n. ° 6, ambos da CRP), bem como à reserva da intimidade privada (cfr. artigo 26°, n.º 1, da CRP) -, sendo esta substituída por outro tipo de exame médico.
Assim, a conjugação do n.º 7 do (então) artigo 159° do Código da Estrada com a nova redacção do n.º 3 do (então) artigo 158° do mesmo diploma codificador garantia que o examinando nunca cometeria o crime de desobediência, sempre que recusasse, de modo sempre legítimo nos termos da lei, a recolha de sangue, funcionando, de certo modo, como um elemento negativo daquele mesmo crime de desobediência. Ou seja, quando não fosse possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado - ónus que correria sempre contra o Estado, quando não dispusesse dos equipamentos adequados -, apenas haveria cometimento do crime de desobediência se o examinando recusasse realizar o exame médico alternativo.
Como é bom de ver esta dimensão normativa - como já reconhecido nos Acórdãos n." 423/06 e n." 628/06 - era, de todo em todo, equivalente à que resultava do n.º 3 do (então) artigo 158º do Código da Estrada [na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 2/98] que, como já vimos, beneficiava da competente autorização legislativa.
8. Porém, entende-se que o mesmo já não se passa com a norma actualmente extraída da conjugação entre o n.º 3 do artigo 152° e o n.º 8 do artigo 153° do Código da Estrada [agora segundo a redacção resultante do Decreto-Lei n.º 44/2005].
Da mera comparação literal entre o n.º 8 do actual artigo 153° do Código da Estrada e as anteriores normas - seja ela a extraída do n.º 3 do artigo 158° [segundo o Decreto-Lei n.º 2/98] ou a extraída da conjugação entre o n.º 3 do artigo 158° e o n.º 7 do artigo 159° [segundo o Decreto-Lei n.º 265-A/2001] - resulta evidente que o legislador governamental substituiu o elemento negativo do tipo de crime de desobediência a realização de exame "se recusar", substituindo-o por "se esta não for possível por razões médicas". Com efeito, o legislador governamental pretendeu retirar aos condutores sujeitos aos exames para comprovação do teor de influência sob álcool o direito à recusa de colheita de sangue - note-se - mesmo nos casos em que a impossibilidade de realização de exame por método de ar expirado é apenas imputável ao Estado. Quando antes qualquer condutor podia recusar a sujeição a exame mediante colheita de sangue, sem necessidade de fundamentação em razões médicas - frise-se bem -, passa agora a exigir-se que a não realização da colheita de sangue apenas possa ser justificada pela impossibilidade técnica de tal operação médica.
Claro está que os condutores continuarão a praticar o crime de desobediência sempre que recusem a realização do exame através do método de ar expirado ou, quando este não for possível, quando recusem o exame médico alternativo à colheita de sangue. Ora, a nova redacção do n." 8 do artigo 153° do Código da Estrada vem, de modo manifesto, agravar a responsabilidade criminal dos condutores que pretendam - muitas vezes, admite-se, por razões plenamente justificadas e até protegidas pela Lei Fundamental [direito à integridade física e moral, direito à intimidade privada, direito à objecção de consciência] -, na medida em que passa a punir como crime de desobediência a recusa de sujeição a colheita de sangue nos casos em que seja tecnicamente possível fazê-lo.
Verificado esse mesmo conteúdo inovatório, é forçoso concluir-se que o legislador governamental necessitava da autorização legislativa, na medida em que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do n." 1 do artigo 165° da CRP.
Opta-se, assim, pela inconstitucionalidade orgânica da norma objecto do presente recurso, razão pela qual não se conhecerá da também alegada inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18°, n." 2, da CRP) ou por violação da proibição de obtenção de prova mediante ofensa da integridade física ou moral da pessoa ou abusiva intromissão na vida privada (artigo 32°, n." 8, da CRP).
Como verificamos o Tribunal constitucional, porque a questão que lhe foi proposta se resumia ao crime de desobediência por recusa a teste de pesquisa de álcool no sangue não se chegou a pronunciar sobre a existência de inconstitucionalidade relativamente ao meio de obtenção de prova de pesquisa de álcool no sangue através de recolha de sangue. E neste caso a inconstitucionalidade poderá radicar na falta de autorização legislativa para legislar sobre direitos liberdades e garantias, como na violação do próprio texto constitucional relativo a direitos liberdades e garantias.”
Ora pelas mesmas razões que o Tribunal Constitucional aponta quanto à tipificação do crime de desobediência, também relativamente à possibilidade de realizar teste de pesquisa de álcool por recolha de sangue sem autorização do examinando se inovou sem a competente autorização legislativa, necessária porque contende com o direito à integridade física.
No acórdão da Relação do Porto de 9.12.2009, proferido no processo 1421/08.6PTPRT.P1 concluiu-se pela inconstitucionalidade do actual regime de pesquisa de álcool no sangue por análise ao sangue que tem origem no Decreto-Lei nº 265-A/2001 de 28.9 porque retirou aos intervenientes em acidente de viação a possibilidade de recusarem tal exame.
Quanto a nós entendemos que nessa redacção não é possível encontrar tal desconformidade (como já acima mencionamos) porque os artigos são perfeitamente compatibilizáveis mediante interpretação no sentido de que a recusa prevista no artigo 159º, nº 7 também é extensível à previsão do artigo 162º.
O que indubitavelmente ocorre é que as alterações produzidas pelo Decreto-Lei nº 44/2005 de 23 de Fevereiro retiraram a possibilidade de o examinando, seja condutor seja interveniente em acidente de viação se recuse legitimamente, sem incorrer em crime de desobediência, a realizar o exame.
Já a cominação de crime de desobediência nos termos referidos (sem autorização legislativa) constituiu um meio coactivo que a própria constituição não admite (cfr. artigo 32º, nº 8 da CRP).
Aliás, à margem da questão que nos ocupa e pressupondo a existência de autorização legislativa, sempre caberá questionar se o sancionamento criminal da recusa a sujeição a meio de prova ofensivo da integridade física não violará em qualquer caso a constituição que proíbe, cominando de nulas as provas obtidas mediante coacção ou se também nesse caso a ponderação do disposto no artigo 18º, nº 2 pode justificar a cedência do disposto no artigo 32º, nº 8 (ambos da CRP).
Ou seja, legislar nesta matéria pressupõe por um lado a existência de autorização legislativa e por outro que a restrição do direito à integridade física seja justificada e proporcional tendo em vista o fim que se pretende (artigo 18º da CRP), a promoção da segurança rodoviária e reflexamente da vida e integridade física.
Poder-se-ia ainda aventar a possibilidade de a Lei nº 18/2007 de 17 de Maio (diploma provindo da Assembleia da República com competência própria para legislar em matéria de direitos, liberdades e garantias) que aprovou o regulamento de fiscalização sob a influência do álcool ter instituído regime novo nesta matéria em substituição do reputado inconstitucional. Mas verificamos que assim não foi limitando-se esse diploma a regulamentar efectivamente o regime que foi instituído no Código da Estrada e sempre por remissão para as disposições deste.

No caso que nos ocupa verificamos que do processo não consta que não fosse possível a realização de teste de pesquisa de álcool através do ar expirado e só essa impossibilidade deveria ditar, nos termos da lei que consideramos inconstitucional, a realização de teste por análise ao sangue.
Por outro lado, nada consta sobre eventual consentimento esclarecido do arguido, ou seja mediante prévia informação do destino da colheita de sangue.
Ao contrário do que refere o Ministério Público na 1ª Instância, a falta de documentação nesse sentido ou até a falta de discussão sobre a matéria na fase de julgamento não supre o eventual vício que tal revela.
É que estamos no domínio da legalidade da prova e a falta de cumprimento dos trâmites legais não é susceptível de sanação, o que significa que a falta de documentação da legalidade não pode corresponder à legalidade do meio de prova, sendo sempre necessário que o processo documente essa legalidade.
Que está em causa primacialmente em face da inconstitucionalidade detectada? Por força desta terá de ser aplicável ao caso o conjunto normativo precedente ao considerado inconstitucional. É o que se encontra previsto no artigo 282º, nº 1 da CRP para a declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral, como é por identidade de razão o que se impõe na fiscalização concreta da constitucionalidade (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Anotada, Tomo III, pág. 823 em anotação ao citado artigo).
Ou seja, tendo o arguido direito a recusar a realização do exame, ele apenas poderia ser efectuado com o seu consentimento expresso e informado, no pressuposto de que existe uma margem de aceitação da disponibilidade voluntária da integridade física (cfr. Autores acima citados em anotação ao artigo 25º e Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada, em anotação ao mesmo artigo).
Mas, como bem se afirma no citado Acórdão da Relação do Porto de 9.12.2009, para além de o arguido poder ter recusado a colheita de sangue, para se entender que consentiu na mesma necessário seria que soubesse do fim a que ela se destinava. Nas situações de tratamento hospitalar em consequência de acidentes é comum retirar sangue aos doentes para efeitos de diagnóstico, sendo nesse caso de presumir o consentimento tácito do doente. Mas quando a colheita de sangue se destina a outro fim que não o benefício do doente, como é o caso de análise para apuramento de taxa de álcool, deveria o arguido ter sido informado previamente desse fim, pois só assim seria efectiva a possibilidade de recusar ou consentir. Não é qualquer consentimento que se exige terá obviamente de ser um consentimento esclarecido.
Ora desse consentimento esclarecido não existe qualquer rasto de documentação no processo e dele dependia a legalidade do meio de prova por ser acto violador da integridade física, como decorre do disposto no artigo 126º, nº 1 do Código de Processo Penal e 32º, nº 8 da CRP.

Pelo exposto se conclui que:
- o conjunto normativo dos artigos 152º, nº 2, 153º, nº 8 e 156º, nº 2 do Código da Estrada que permite a colheita de sangue para determinação da taxa de álcool sem possibilitar ao condutor a sua recusa esclarecida e sem consequências penais está ferido de inconstitucionalidade orgânica;
- a recolha de sangue ao arguido recorrente que possibilitou a determinação da taxa de álcool de que era portador, constitui meio de prova nulo que não pode produzir qualquer efeito, o que determina que se considere como não provado que o arguido conduzia com a taxa de álcool no sangue que consta dos factos provados da sentença recorrida ou com qualquer outra.

Em face do exposto despiciendo é analisar especificamente as restantes suscitadas pelo recorrente, sendo certo que o recurso interposto merece provimento.
***
IV. Decisão
Nestes termos acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido R... e, em consequência revogam a sentença recorrida, absolvendo o recorrente do crime por que foi condenado em primeira instância.
Não há lugar a tributação.
***

Maria Pilar Pereira de Oliveira (RELATORA)

Maria Isabel Santos Valongo