Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/09.5GAVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: COIMA
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VOUZELA – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 172º C. ESTRADA E 50°-A DO RGCO
Sumário: Depois de o processo contra-ordenacional dar entrada no tribunal, não faz sentido que este tenha de notificar para o pagamento mínimo de coimas , estendendo a esta fase um benefício que devia ter sido exercido na fase para que a figura foi prevista
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO
1- No Tribunal Judicial de Vouzela, no processo acima referido, foi o arguido D... julgado em processo comum singular, tendo sido a final proferida a decisão seguinte :
- absolver o arguido da prática do crime de condução perigosa previsto e punido pelo artigo 291º, n.º 1, al. b) do Código Penal por que vinha acusado.
- condenar o arguido pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 4º, n.º 1 e 3, 146º, al. l) e 147º do Código da Estrada por que vinha acusado na coima de €700,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 meses.
- condenar o arguido pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 13º, n.º 1 e 4, 145º, n.º 1, al. a) e 147º do Código da Estrada por que vinha acusado na coima de €450,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 2 meses.
4. Condenar o arguido pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 65º, al. a) por referência ao artigo 60º, n.º 1 ambos do Decreto Regulamentar 22-A/98, de 1.10, na versão do Decreto Regulamentar 41/2002, de 20.08 13º, e pelos artigos 146º, al. o) e 147º do Código da Estrada por que vinha acusado na coima de €100,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 meses.
5. Em cúmulo, condenar o arguido na coima única de €950,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 8 meses.

2- Inconformado, recorreu o arguido, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :
Todas as contra-ordenaçt5es são graves ou muito graves, sancionáveis com coima e sanção acessória.
Sucede, porém, que no momento da dedução da acusação, o arguido não foi notificado para proceder ao pagamento voluntário das coimas respectivos, nos termos do art.° 172° do CodEstrada , nem posteriormente, pelo que se mostra violado, também, tal normativo.
As coimas efectivamente aplicadas ao arguido ultrapassam os valores mínimos previstos.
A Mma Juiz a quo não se pronunciou sobre tal questão, nem aplicou ao arguido o mínimo lega], para o que este deveria ter sido notificado.
Nos termos do n° 5 do art.° 172° do CodEstrada,. tal como prevê o art.° 50°-A do RGCO, “O pagamento voluntário da coima nos termos dos números anteriores determina o arquivamento da processo, salvo se à contra­ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma”.
Apesar disso, verifica-se que o processo prosseguiu para aplicação quer das coimas, quer das sanções acessórias.
Deve ser declarada a nulidade da sentença, por violação do disposto no art. 379.º-2 do CodProcPenal

3- Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso

4- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência .

5- Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos :
1. No dia 11 de Fevereiro de 2009, pelas 19h10, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …, pela EN 228, localidade de Fataúnços, área desta comarca de Vouzela.
2. A seguir a uma passadeira, depois do cruzamento com a estrada municipal sem número que dá acesso a Figueiredo das Donas, procurou ultrapassar um veículo que circulava imediatamente à sua frente, tendo para o efeito pisado a linha longitudinal contínua separadora dos sentidos de trânsito ali existente, não concretizando a manobra pois em sentido contrário circulava outro veículo.
3. Foi então efectuado pela patrulha da GNR seguimento à viatura conduzida pelo arguido, a fim de proceder à sua abordagem, tendo, no trajecto da EN 228, que vai da povoação de Crescido – Fataúnços – até ao entroncamento de acesso à EN 337 – Ponte de Ribamá – Queirã, sido feito uso dos sinais luminosos indicadores de marcha de urgência (vulgo rotativos) e sinais intermitentes de luzes, para que o condutor do veículo parasse a viatura, tendo este, durante tal percurso, pisado e transposto por várias vezes a linha longitudinal contínua e, em algumas ocasiões, ocupado a faixa de rodagem afecta ao sentido contrário, circulando em “contra mão”.
4. Junto ao entroncamento da ponte de Ribamá, ainda na EN 228, o arguido efectuou sinal de mudança para a direita e parou o veículo na berma, tendo então o agente da GNR parado a sua viatura e saído para o abordar; no entanto, quando já se encontrava próximo da viatura conduzida pelo arguido, este arrancou, seguindo em direcção à EN 337.
5. Foi então efectuado novo seguimento pela patrulha da GNR, até ao Km 2 da EN 337, fazendo-se uso dos sinais luminosos rotativos e sonoros (sirene), tendo o arguido parado novamente o veículo e, uma vez mais, quando o militar da GNR já se encontrava junto da sua viatura, arrancou.
6. Durante o percurso na EN 337, o arguido pisou por diversas vezes a linha longitudinal contínua separadora de sentidos de trânsito e, em algumas ocasiões, utilizou a parte da via destinada ao sentido de trânsito inverso ao que seguia.
7. Ao chegar junto do entroncamento da EN 337 com a Estrada Municipal que dá acesso à localidade de Loumão, o arguido virou à esquerda seguindo na direcção desta localidade, continuando a patrulha da GNR a fazer o seguimento fazendo uso de sinais sonoros, luminosos, tendo ainda sido dada, por diversas vezes, ordem verbal ao arguido, através do altifalante da viatura policial, para que encostasse o carro, não tendo o arguido obedecido.
8. Quando seguia na referida estrada municipal, no interior da povoação de Carvalhal de Estanho, local onde existem passadeiras para travessia de peões, devidamente assinaladas na faixa de rodagem, o arguido que seguia nessa altura a velocidade não inferior a 70 Km/h, não abrandou a velocidade.
9. Nesta altura, encontravam-se junto à berma da estrada cerca de três pessoas.
10. O arguido agiu com o propósito concretizado de conduzir o mencionado veículo do modo descrito, apercebeu-se da presença dos transeuntes na via em que seguia e sabia que imprimia ao veículo velocidade superior à permitida naquele local quando devia abrandar ou mesmo parar.
11. O arguido conhecia a qualidade de membros das forças de segurança dos agentes da GNR que lhe deram ordem de paragem e que encetaram o seguimento, bem sabendo que desobedecia ao sinal de paragem que lhe foi dado por aqueles, tendo agido com essa intenção.
12. Mais sabia que transpunha a linha longitudinal contínua separadora dos sentidos de trânsito e que circulava pela via de trânsito afecta ao sentido de marcha contrário ao que seguia, agindo com esse intuito.
13. O arguido é tido por quem o conhece e convive, como condutor prudente, pessoa atenciosa e de bem.
14. O arguido é comerciante há cerca de 23 anos, sendo proprietário de uma papelaria que se encontra a atravessar uma crise financeira.
15. Trabalhou cerca de 15 anos em Paris.
16. Vive em casa própria com a sua mulher, que não trabalha, e um filho de 30 anos, este exercendo já actividade remunerada.
17. A título de empréstimo bancário para aquisição de habitação própria paga mensalmente cerca de €246,00.
18. Tem a 4ª classe de escolaridade.
19. O arguido não tem antecedentes criminais.

E foi dado como não provado que :
a) o arguido tenha praticado os factos descritos em 2. ao aperceber-se da presença da viatura da GNR, devidamente identificada, circulando à sua retaguarda e tenha aumentado a velocidade;
b) nas circunstâncias descritas em 8., tenha sido a velocidade a que o arguido seguia a fazer com que as pessoas que se encontravam junto à berma da estrada tivessem de se desviar, encostando-se a um muro aí existente, evitando assim serem atingidas por aquele;
c) a condução do arguido descrita em 8. poderia colocar, como colocou em perigo a vida e integridade física dos transeuntes da via, o que representou e com o que se conformou.
+
FUNDAMENTAÇÃO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer da única questão ali suscitada, e que se traduz na falta de notificação do ora recorrente para pagar as coimas pelo minimo legal, nos termos dos arts 170.º do CódEstrada e 50.º-A do Regime Geral das Contra Ordenações.
Dispõe aquele art. 172.º que : « Cumprimento voluntário : 1 - É admitido o pagamento voluntário da coima, pelo mínimo, nos termos e com os efeitos estabelecidos nos números seguintes. 2 - A opção de pagamento pelo mínimo e sem acréscimo de custas deve verificar-se no prazo de 15 dias úteis a contar da notificação para o efeito. 3 - A dispensa de custas prevista no número anterior não abrange as despesas decorrentes dos exames médicos e análises toxicológicas legalmente previstos para a determinação dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas, as decorrentes das inspecções impostas aos veículos, bem como as resultantes de qualquer diligência de prova solicitada pelo arguido. 4 - Em qualquer altura do processo, mas sempre antes da decisão, pode ainda o arguido optar pelo pagamento voluntário da coima, a qual, neste caso, é liquidada pelo mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas. 5 - O pagamento voluntário da coima nos termos dos números anteriores determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma ».
E o art 50º-A do RGCO estipula : « Pagamento voluntário : 1 - Nos casos de contra-ordenação sancionável com coima de valor não superior a metade dos montantes máximos previstos nos nºs 1 e 2 do Artigo 17º, é admissível em qualquer altura do processo, mas sempre antes da decisão, o pagamento voluntário da coima, a qual, se o contrário não resultar da lei, será liquidada pelo mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas. 2 - O pagamento voluntário da coima não exclui a possibilidade de aplicação de sanções acessórias ».
Estes dois normativos estão enquadrados naqueles diplomas legais na fase administrativa do processo, isto é, na fase em que o processo está sob a jurisdição da autoridade administrativa competente para decidir ( salvo se a par de contra-ordenações existam crimes, em que então caberá ao tribunal decidir ).
Resulta claro daquelas normas e do sentido útil dos preceitos, quer dizer, dos fins procurados pelas normas --- no caso em concreto, que o beneficio do pagamento voluntário pelo mínimo é encorajado na fase administrativa, para assim incentivar a não recorrência à impugnação judicial ---, que o pagamento voluntário das coimas tem como limite temporal o momento anterior à decisão administrativa final prevista no art 58.º do RGCO. Depois de o processo contra-ordenacional dar entrada no tribunal, não faz sentido que este tenha de notificar para o pagamento mínimo de coimas , estendendo a esta fase um benefício que devia ter sido exercido na fase para que a figura foi prevista : agora o tribunal fixará o montante da coima em função da culpa e dos restantes critérios de fixação das penas em geral.
Mesmo que tivesse havido uma irregularidade cometida pelo tribunal ao não proceder aquela notificação --- que não houve, como se disse ---, ela devia ter sido arguida no prazo de 3 dias, nos termos do art. 123.º do CodProcPenal ( contados da notificação da acusação ).
Finalmente, como bem realça o digno magistrado do MP na 1.ª instância, tendo o ora recorrente sempre negado a prática das infracções e tendo requerido a instrução com esse mesmo fundamento, seria despropositado o tribunal notificá-lo ( se o pudesse ou devesse fazer, o que não é o caso ) para aquele pagamento pelo mínimo. Apetece aqui convocar uma figura do direito civel , a do abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprio” para salientar o quanto seria absurdo o recorrente invocar uma prerrogativa que todo o seu comportamento anterior pretendeu ser inaplicável.
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DECISÃO
Pelos fundamentos expostos :
I- Nega-se provimento ao recurso, mantendo-se assim a decisão recorrida

II- Custas pelo arguido , com 4 Ucs de taxa de justiça
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Tribunal da Relação de Coimbra, - -

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( PauloValério )

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( Frederico Cebola )