Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1962/21.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE DANOS
INDEMNIZAÇÃO PELA PRIVAÇÃO DO USO DE UM BEM
VIOLAÇÃO DOS DEVERES DA SEGURADORA
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 7.º, 10.º E 11.º DO DL 446/85, DE 25/10
ARTIGO 610.º, 2, A), DO CPC
ARTIGOS 236.º E SEG.S; 406.º; 483.º; 489.º; 562.º; 762.º E 798.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 37.º, 1; 128.º; 130.º, 2 E 3 E 134.º, DO RJCS
Sumário: 1. A Relação poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).
2. Em regra, a prestação devida pela Seguradora, em virtude da cobertura dos danos próprios no bem seguro - seguro de dano em coisa do próprio - é uma quantia em dinheiro e não a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o dano.
Por conseguinte, está excluído do dever de indemnizar, neste tipo de obrigações, em consequência da mora, qualquer outro dano diverso do gerado pela simples indisponibilidade do dinheiro inerente à prestação pecuniária, nomeadamente o dano pela privação do uso do bem, tese suportada no disposto no art.º 130º, n.ºs 2 e 3, do RJCS.

3. Sendo esta a regra à luz dos preceitos legais aplicáveis, podem ocorrer desvios à mesma, v. g., caso se prove que a Seguradora incumpriu, de forma abusiva e em violação dos mais elementares deveres de boa fé, o seu dever de indemnizar, na parte contratada.

4. Daí que haja necessidade de alegação e prova da específica e concreta violação de tais deveres, em função dos contornos que o desenrolar da vida da relação contratual venha a manifestar; há que apurar se a Seguradora atuou em manifesto desrespeito pelos mais elementares deveres de lisura e boa fé, fazendo-se valer de uma posição de superioridade, alicerçada na falta de consequências pela mora no cumprimento (para além dos juros moratórios).

Decisão Texto Integral:
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Vítor Amaral
                  Fernando Monteiro



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            (…)

                 


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            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:        

            I. Em 24.5.2021, A..., Lda., intentou a presente ação declarativa comum contra B..., S. A., pedindo que, atento o sinistro invocado na petição inicial (p. i.), seja condenada a: proceder à reparação da máquina nos termos indicados no relatório de peritagem, suportando os respetivos encargos [a]; ou, caso não o faça, pagar os encargos com a reparação da máquina ao custo que agora tiver aquando da sua reparação [b]; pagar indemnização por paralisação da máquina desde a data em que ficou inoperacional (03.9.2019) até ser colocada a funcionar à razão de € 16/ hora (valor já liquidado de € 57 600) [c].

           A Ré contestou, invocando, além do mais, “uma situação de subseguro”. Concluiu pela improcedência da ação (“por não provada quanto ao pedido da A.”, sendo a Ré “absolvida na medida dessa improcedência”).

           Na sequência de despacho/convite de 01.10.2021, a A. respondeu à matéria de exceção, dizendo que o equipamento foi adquirido pelo valor pelo qual foi seguro.

Foi proferido despacho saneador que relegou o conhecimento da matéria de exceção para final, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

          Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, por sentença de 16.5.2023, julgou a ação parcialmente procedente, condenando a Ré:

           «1) A proceder à reparação da máquina nos termos indicados no relatório de peritagem, suportando os respetivos encargos, deduzindo a franquia de 10 %, com o mínimo de 750 €; ou, caso não o faça,

            2) Pagar os encargos com a reparação da máquina ao custo que agora a mesma tiver aquando da sua reparação, deduzindo a franquia de 10 %, com o mínimo de 750€.;

            c) Pagar indemnização por paralisação da máquina desde a data em que a mesma ficou inoperacional (03.9.2019) até que a mesma seja colocada a funcionar à razão de € 16/ hora, no valor já liquidado de € 57 600, deduzindo a franquia de 10 %, com o mínimo de 750€.»

            Inconformada, a Ré apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - Quanto à matéria de facto considerou o tribunal a quo como não provado o facto 2.1, conclusão com que a Recorrente não concorda, tendo em conta as declarações da testemunha AA transcritas nas alegações, pelo que deve o facto 2.1 ser dado como provado em detrimento do facto provado n.º 6.

           2ª - Não enumera o tribunal a quo quais os “muitos fatores” que se devem considerar para dar como provado o valor de € 54 243.

           3ª - Considerou o tribunal a quo como provado o facto n.º 6, contudo, nos termos do art.º 640º, n.º 1, al. c) do CPC, caso se entenda condenar a Recorrente naquele valor, devia ser subtraído o valor do IVA de €10 143.

           4ª - Concluiu o tribunal a quo como não provado o facto 2.2, o que a Recorrente discorda, tendo em conta as declarações, ainda que pouco objetivas, da testemunha BB, transcritas nas alegações, CC, transcritas nas alegações, e o anexo 7, do documento n.º 2 junto com a Contestação, o qual representa um exemplo de cotação de uma máquina parecida com o objeto seguro, ao tempo do sinistro, em que o valor final, sem qualquer desconto comercial, ronda os € 287 400.

           5ª - O ponto 2.2 dos factos não provados devia ter sido dado como provado, ou em alternativa, tal ponto devia ser, pelo menos, melhor aclarado, tendo em conta o depoimento pouco credível da testemunha DD, nos termos dos art.ºs 411º e 662º, n.º 2, a) do Código de Processo Civil (CPC).

           6ª - Não existem dúvidas que se verificou uma situação de subseguro de acordo com o art.º 134 da Lei do Contrato de Seguro, pelo que a seguradora deve ser responsabilizada pelo dano na respetiva proporção, tal como indicado na contestação, pelo que o valor do prejuízo do Recorrida cifra-se no montante de € 20 466,35, descontando já a franquia contratual.

           7ª - Insurge-se ainda a Recorrente contra a sua condenação no pagamento da indemnização por paralisação da máquina desde 03.9.2019, até que a mesma seja colocada a funcionar à razão de € 16/hora e no valor já liquidado de € 57 600, porque resulta das Condições Gerais do Seguro que estão excluídos, exceto quando expressamente se garantam, os prejuízos de natureza consequencial, nos quais se incluem o dano por privação.

           8ª - Olvidou o tribunal a quo, na argumentação para justificar a condenação nos danos por privação que, logo no dia 11.12.2019, colocou a Recorrente, à disposição da Recorrida, o valor alcançado do dano de € 20 466,35, conforme documento n.º 3 junto com a p. i..

           9ª - Olvidou o tribunal a quo, na argumentação para justificar a condenação nos danos por privação que, em 13.02.2020 a Recorrente informou a recorrida da forma como foi determinada a indemnização, conforme resulta do documento n.º 3 junto com a Contestação e que depois desta comunicação, não recebeu a Recorrente qualquer contestação àquele valor da parte da Recorrida, tendo a Recorrente sido surpreendida com a instauração da ação em maio de 2021.

           10ª - Nunca contestou a Recorrida o valor apresentado pela Recorrida, antes da interposição da ação.

           11ª - Não parece a Recorrida ter agido de boa-fé ao não ter contestado o valor apresentado pela Recorrente, aquando da explicação sobre o mesmo, e só na fase judicial tê-lo contestado.

           12ª - Não foi por culpa da inação da Recorrente que tal dano de privação ocorreu.

           13ª - Caso se admita o dano por privação, uma vez que o mesmo encontra-se excluído das garantias da apólice, mesmo assim, chama-se à colação aquilo que foi decidido, recentemente, por alguns tribunais superiores, cujos sumários dos acórdãos estão transcritos nas alegações, pelo que o dano pela privação deve ser improcedente.

           14ª - Deve ser revogada a Sentença proferida pelo tribunal a quo.

            A A. não respondeu.

           Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar/decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito, cuja modificação depende, também, da eventual alteração da decisão de facto; c) dano da privação de uso.


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II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

           1) A A. celebrou com a Ré um contrato de seguro, apólice n.º ...25, mediante a qual segurou a máquina DMG Mori, modelo DMU125 P, n.º de série ...23.

           2) A máquina encontrava-se a funcionar nas instalações da A. onde tem a sua sede. Nos dias 23.8.2019 e 03.9.2019 houve picos de corrente que levaram à avaria do comando da dita máquina.

            3) A A. acionou o seguro junto da Ré para que se procedesse à respetiva reparação da máquina.

            4) Foi solicitado que a reparação fosse feita de imediato.

           5) A avaria da máquina consiste: o CNC Heidenhain se encontrava avariado sendo necessária à sua substituição. Podendo existir outras avarias/componentes danificados, que apenas são detetados após a montagem e posta em marcha com novo CNC Heid.

            6) O custo da reparação é de até € 54 243, que corresponde ao custo de substituição do comando.

            7) A Ré assumiu a responsabilidade e efetuou uma proposta para pagamento de quantia de € 20 466,35.[1]

            8) A máquina ficou parada desde a data em que o comando da mesma a tornou inoperacional.

           9) A máquina era utlizada em trabalho diário contínuo, não apenas porque era necessário para o volume de trabalho que a A. tinha, como era a forma do investimento com a mesma ser amortizado.

            10) O custo da máquina por cada hora de trabalho é de € 16 e a máquina trabalhava durante os dias úteis pelo menos oito horas diárias.

           11) A A. não procedeu ainda à reparação da máquina por indisponibilidade financeira.

            2. E deu como não provado:

           a) Os prejuízos resultantes do sinistro cifram-se no montante de € 40 337.

           b) O valor do objeto seguro ao tempo do sinistro era de € 300 000.

           3. Cumpre apreciar e decidir.

a) A Ré insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, sendo que da sua eventual modificação poderá resultar diferente desfecho dos autos.

Importa averiguar se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade aludida em II. 1. 6) e II. 2., supra, pugnando a Ré para que seja dada como não provado aquele primeiro facto e como provados os factos restantes (admitindo, contudo, quanto à factualidade descrita em II. 2. b), supra, que “em alternativa, tal ponto devia ser, pelo menos, melhor aclarado, nos termos dos artigos 411 do CPC e 662º, n.º 2, a) do CPC”).

Invoca-se a prova pessoal produzida em audiência de julgamento, bem como a prova documental junta aos autos.

b) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental.

c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efetivação do princípio da imediação[2], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obsta a que se verifique se os depoimentos foram apreciados de forma razoável e adequada.

            Na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[3], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

           d) Da motivação/análise crítica da prova apresentada pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo importa destacar os seguintes excertos (atento o objeto do recurso; com esclarecimentos entre parêntesis retos):

           «(...) Os factos descritos em 6 resultam do depoimento da testemunha EE conjugado com o teor dos documentos 2 junto com a petição e 2 junto com a contestação [cf. documentos de fls. 6 verso e seguinte e 26, respetivamente]. Verificamos que as diferenças entre os dois orçamentos[4] (o junto pelo autor e o constante do relatório junto pela ré como doc. 2) respeitam, essencialmente ao custo de mão de obra [cerca de 53,36 % da diferença de preço entre os dois “orçamentos”, sendo que, no quadro de fls. 31, a Ré desconsidera o IVA], tal como explicado pela referida testemunha. Assim, e uma vez que o tempo necessário para a reparação depende de muitos fatores, apenas podemos dar como provado que tal custo de reparação será de até € 54 243.

           Quanto ao valor da máquina, entendemos que a ré não conseguiu demonstrar a sua alegação. Na verdade, a testemunha ouvida com conhecimentos em tal matéria (BB), e apesar das muitas hesitações em revelar valores, sempre adiantou que uma máquina com aquelas características pode valor entre 150 000 a 350 000 €, não conseguindo dar um valor concreto à dos autos, não confirmando, igualmente, que tenha referido o valor de 300 000 a qualquer perito da ré.

           Quanto à paragem da máquina, os motivos da sua não reparação e o custo que a autora sofre com tal paragem, tiveram-se em consideração os depoimentos das testemunhas FF (gestora de qualidade da autora) e GG (operador da máquina) que os confirmaram, por conhecimento direto dos mesmos, tendo deposto com segurança, merecendo total credibilidade. Em concreto a testemunha FF referiu que o preço hora da máquina era de 40 e para outros clientes e de 27 e para o uso interno. O valor para outros cliente foi, igualmente, confirmado pela testemunha HH. Ambas referiram que a máquina trabalha intensivamente, 15 a 16 horas diárias, pelo menos.

            Os factos não provados resultam da prova de factos que os impedem. (...)»

          e) A descrita análise crítica da prova afigura-se, em geral, correta.

            Ouvida a prova pessoal, com especial destaque para a invocada nas alegações de recurso, vejamos, pois, o que de relevante foi dito:

            - Testemunha FF (fls. 92 verso):

            “O custo da reparação foram (...) € 44 100 + IVA”, segundo a empresa “C...”, responsável pela manutenção das máquinas da A., “ou seja, fica nos € 54 243” [teve presente, obviamente, o documento reproduzido a fls. 6 verso e seguinte/36], reparação que implica a substituição de um comando da máquina e “a mão-de-obra”; a Seguradora “sugeriu pagar € 20 000... [conforme missiva reproduzida a fls. 7 verso], era metade do valor que nós tínhamos..., proposta para dar à C...”, justificando esse valor, por comunicação eletrónica [documento reproduzido a fls. 51, de 13.02.2020], “com a aplicação de um rateio...” rececionada por uma sua colega trabalhadora da A.; “(...) passava sempre por mim porque eu costumo também gerir a parte das manutenções na A... e sempre que também nos acontecem situações similares a esta, com as seguradoras, sou eu sempre que trato disso e a colega ia-me sempre pedindo, e a gerência também me pede sempre para eu auxiliar a colega, e ainda para mais, a colega já tinha anunciado que ia sair, estava só ainda a dar o tempo à casa, (...) eu estava com especial atenção neste processo por causa disso.”

            “(...) a máquina foi comprada à D... [D... Unipessoal Lda. – cf. documento de fls. 18] (...) empresa de comercialização de máquinas (...) com a qual, à data da compra deste equipamento, nós também compramos outras máquinas, nomeadamente para a A... Lda.; e este negócio foi feito pela nossa gerência. Foi negociado o valor de 135 000, salvo erro, pelo equipamento. Lá está, nós também compramos outros equipamentos (...) a este fornecedor (...); este equipamento foi comprado ao abrigo de um leasing com o Banco 1.... A máquina é propriedade do Banco 1.... (...) a A... ainda está a pagar o leasing”. O mencionado valor de compra figura na documentação existente, designadamente, da fatura [cf. o referido documento de fls. 18].

           Confrontada com o valor indicado pela Ré, respondeu: “sinceramente não percebo, quer dizer percebo, eu sei que nós aqui com esta empresa tínhamos um poder negocial... especial; lá está, nós compramos muitos equipamentos; uma coisa é eu comprar um equipamento a uma empresa, outra coisa é comprar vários equipamentos, o poder negocial é totalmente diferente; agora, 300...; se conseguimos este negócio, não há dúvida...”.

           A A. não efetuou a reparação “porque não temos alavancagem financeira, (...) a A... é uma pequena empresa..., (...) à data de hoje, salvo erro, são 10 trabalhadores, mais ou menos, na altura (...) deviam ser uns 17 trabalhadores, (...) uma empresa de pequena dimensão, (...) tal é que tivemos de fazer um leasing para comprar a máquina; (...) o custo (da reparação) não era de todo possível, (...) não era comportável; (...) nós tínhamos, por exemplo, dois colaboradores afetos a esta máquina, (...) esses trabalhadores (...) tiveram que ser dispensados, porque, lá está, não tínhamos forma de os manter sem o equipamento (...); na altura tínhamos comprado mais equipamentos também a esta empresa. (...) acho que foi 135, só tenho aqui o contrato de leasing, (...) 137,5 mais IVA. (...) nós compramos várias máquinas a esta empresa; (...) conseguimos um desconto...; não sei precisar se foi nesta máquina [do documento de fls. 18 não decorre qualquer “desconto comercial” ou “desconto financeiro”], mas conseguimos um desconto comercial superior àquele que conseguiríamos certamente com outro fornecedor, isso não tenho dúvida alguma”.

            - Testemunha EE (fls. 92 verso):

           Confrontada com o valor da reparação da máquina indicado a fls. 7 e em II. 1. 6), supra, respondeu: “Tenho essa ideia (...), mas não sei precisar”; “(...) o supervisor do processo, neste caso, o Sr. HH (...), foi-me pedida a minha opinião, mas o valor final foi feito pelo senhor HH, o supervisor do processo. (...) Num dos itens, que foi o único que eu falei com o supervisor, porque ele contactou-me telefonicamente, que é parte da configuração da máquina, que temos um valor de 9.000 e qualquer coisa euros com IVA, (...) estamos a falar apenas de mão-de-obra para configuração da máquina, uma máquina, um centro de maquinação, portanto retirando o IVA, ok... Para configurar, não demora tanto tempo em termos de horas, nós estávamos com valor/hora, portanto de técnicos especializados, atenção, a área dos moldes é muito específica, estávamos com valor hora de 200 e tal euros, quando na altura, no mercado, o técnico varia entre os 55 e os 70 euros/hora, 75 depois depende se vem de longe, se não vem, se há deslocações (...). Esse valor, efetivamente, eu considero que estava inflacionado. Os outros valores foram apurados pelo supervisor do processo, o Sr. HH (...); pedi informações a outras empresas, na altura falei com o técnico reparador e foi aqui considerado um valor de 5 dias, portanto um total de 80 horas, ao valor médio de 59 horas por trabalhador, mais 125 euros para deslocações, sendo que a empresa técnica reparadora era relativamente perto do segurado, portanto, não tínhamos assim tantos custos. Obviamente, quando nós fazemos estimativas e não estando ainda a máquina reposta ou a laborar, se, futuramente, for necessário haver um aditamento, porque efetivamente houve de programação todos, nós sabemos que as seguradoras e nós, nos gabinetes de peritagem, somos recetivos a isso. Agora ninguém poderia prever que tínhamos um prejuízo de 9 mil euros só para fazer uma programação... estava inflacionado, obviamente. (…) [O preço da mão-de-obra] para o problema em questão, isto é o mesmo e posso dar um exemplo, nós temos uma parede de pladur em que tem que ser desmontada e tem que ser reparada e por trás existe toda a estrutura. Eu posso orçamentar e dizer que é tanto, mas efetivamente, ser menos ou ser mais, portanto, aqui, a mão de obra também, nós consideramos sempre um período mais alargado para eventualmente poderem ocorrer erros, de técnico, de um problema qualquer. Se efetivamente aquele valor não é ajustado e, normalmente, isto é dito ou assegurado, que nos chame ao perito para se deslocar ao local e acompanhar o processo de desmontagem, montagem, existir uma fatura que comprove esse tempo, ok? (...) Foi há três anos e eu regularizo tantos processos! [pelo que já não pode indicar as empresas que foram consultadas].

            Relativamente ao valor de € 300 000 indicado pela Ré, disse que “foi pedida a cotação pelo supervisor do processo (...), valor em risco (...)”; “(...) foi o Sr. HH que acrescentou esses parágrafos e que fez essas diligências...; segundo o que me foi dito, foi... (o Sr. BB, depois de contactado pelo Sr. HH, que transmitiu diversos elementos incluídos no relatório, inclusive, valores)”, enquanto a depoente “(...) eu vou ao local, (...) faço a análise, o enquadramento, pronuncio-me numa primeira instância sobre o apuramento dos prejuízos..., e a parte que nós temos depois supervisores (...) específicos em cada área, em cada tipo de sinistro, que, depois, analisa(m) o meu apuramento, retificam e, depois, ele é que faz a cotação do valor em risco; (...) estive nas instalações do reparador; (...) estamos a falar do cérebro da máquina que estava todo avariado, (...) estamos a falar de um prejuízo avultado...;   (...) não desmonto a máquina nem a ponho a reparar. Posso só dizer uma coisa? Sei da minha experiência, porque são 15 anos a fazer peritagens. Eu venho da área de Engenharia Mecânica, moldes e plásticos e estou farta de ver máquinas, falo todos os dias com reparadores, que eu sei que é muito ingrato. Eu sou a primeira a reconhecer, dar um orçamento quando falamos de mão de obra. Isto é o mesmo que um carro. Eu bato com o carro, ninguém sabe quanto tempo é que pode demorar a vir a peça (...). Por isso há aqui um valor que é conversado e que chegamos (...). Como é que eu explico que vão estar três semanas a programar uma máquina? Quando falamos também de técnicos especializados, portanto, não vai o Sr. José da esquina, com todo o respeito, vão técnicos especializados que percebem que é razoável para o tipo de máquina que consideramos que este número de horas. Se à posteriori, estas horas foram ultrapassadas, o perito que cá está para se deslocar às instalações, para falar com o técnico, no limite, há uma fatura que comprove o tempo de intervenção e de reparação. (...) eles dão sempre um bocadinho para mais, para salvaguardar. (...)”

            - Testemunha BB (fls. 93/102):

           A empresa do depoente representava a DMG “em termos de agenciamento”, mas nunca vendeu qualquer máquina; a DMG “tinha modelos muito superiores” à máquina referida nestes autos, mas o depoente não pode esclarecer os preços/valores de tais máquinas – “(...) o que eu lhe posso dizer é assim, (...) as máquinas têm uma determinada configuração, têm muitas opções, e uma máquina pode ir desde € 150 000 a € 350 000/€ 400 000, depende da configuração da máquina...; neste processo em causa, ao que eu julgo saber (...), eu não fui pedido nem achado, como se costuma dizer, não fui eu que vendi a máquina, portanto, não sei a configuração da máquina, não sei o ano da máquina, (...) que opções essa máquina tem, portanto, imagine a minha dificuldade em falar de uma máquina que eu desconheço, não estive no negócio, nem sei quem vendeu essa máquina ao cliente..., seguramente, eu vou dizer, não foi a DMG! (...), se não foi a DMG, eu desconheço completamente (...)”.

           Confrontado com o teor dalguns dos documentos juntos aos autos e sendo-lhe indicado o valor de € 300 000 como sendo o preço da máquina/equipamento novo, respondeu “(...) não me recordo, (...) dávamos o valor de mercado, obviamente, isso tem os descontos (...) talvez mais baixo, (...) com o desconto, obviamente...; (...) há uma proposta standard e depois é alvo de negociação e desconto, isso acontece; (...) depende da configuração..., ela podia ser quase a metade desse valor ou até mais cara do que isso, depende da configuração... (...), se a máquina tem paletes, (...) se tem removedor automático de limalhas, se tem refrigeração interna (...);  (...) já vi que a máquina não tem mudança automática de paletes...; (...) os valores que as Companhias de Seguros pediam era o PVP, não os valores finais das máquinas, aos clientes...; (...) não consigo avaliar o que é que o equipamento (em causa) tem! (...).

           Confrontado com o documento de fls. 45 verso e seguintes [“anexo 7 do documento n.º 2” junto com a contestação], referiu, designadamente: “(...) é uma máquina de mais alto nível, (...) a ´CB Ferrari` é uma máquina de um outro nível, de valor muito mais elevado; (...) é superior; (...) [uma DMV 125) (...) em 2019 andaria por este valor (indicado a fls. 48 - € 281 400; € 238 000, após desconto], mais ou menos… (mas) a máquina pode não ter essa configuração, pode não ter...; (...) poderia andar (por esse valor), dependendo da configuração poderia andar...; (...) eu não tenho nenhuma 125 vendida, por isso não posso dizer...;  (...) há diferenças substanciais nos equipamentos [exemplificou com as máquinas que vende atualmente, fabricadas no Japão, cujo preço é cerca do dobro de máquina idênticas da DMG...], há vários níveis de equipamentos (...); atendendo aos equipamentos (o preço duma máquina idêntica à dos autos) pode variar dessa forma (indicada supra); (...) (as Companhias de Seguros) fazem-me, realmente, perguntas genéricas e o preço que realmente querem saber são PVP, e é muito fácil, nós apontamos para um valor... normalmente acima, (...) sempre foi assim!, sem descrever a máquina, que equipamento é que quer que coloque lá, e eu normalmente ponho a máquina equipada em dobro!, equipada em dobro, (...) é o que normalmente fazia; (...) eu não sei se  a máquina é nova, que equipamento tem a máquina..., é muito difícil eu afirmar, taxativamente, o valor para a máquina, é muito difícil... [admitindo, contudo, o preço de € 169 000, que lhe foi indicado / cf. documento de fls. 18; valor de € 169 125 também mencionado na proposta de seguro reproduzida a fls. 17 e nas “condições particulares” aludidas a fls. 19]; (...) é exatamente como os carros, seja novo seja usado (...), um Mercedes pode custar € 50 000 ou € 150 000, depende; as máquinas é igual, perfeitamente igual...

           f) Relativamente à prova documental, especialmente, os documentos reproduzidos a fls. 6 verso/36, 18, 26 (principalmente, fls. 31 e 32), 46 (principalmente, fls. 48) e 51, verifica-se que foi já devidamente analisada no contexto da prova pessoal suprarreferida; de resto, as testemunhas aludiram a tais documentos ou foram com eles confrontadas.

            Portanto, será desnecessária uma mais detida ou circunstanciada análise - e podemos dizer que foi adequadamente ponderada pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo -, sem prejuízo do que se dirá adiante em sede de apreciação da impugnação da decisão de direito.

           4. Como se adiantou [cf. II. 3. e), ab initio, supra], a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, elaborada pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo, afigura-se, em geral, correta.

           Na verdade, face à mencionada prova pessoal e documental, podemos dizer que a decisão de facto respeita a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, sendo que, até em razão da exigência de (especial) prudência na apreciação da prova pessoal[5], o Mm.º Juiz não terá desconsiderado as regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou [sem prejuízo da clarificação/precisão a incluir na resposta ao facto 6)], pela simples razão de que não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[6]

            Além do mais, dir-se-á:

           - Quanto aos diversos ou “muitos fatores” que se devem considerar para dar como provado o facto 6) [matéria idêntica à do primeiro facto dado como não provado], não se demonstra/evidencia qualquer erro na apreciação da prova e, menos ainda, que deva “o facto 2.1 [dito em II. 2. a), supra] ser dado como provado em detrimento do facto provado n.º 6”, além de que o preço mencionado em 6) inclui o valor do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) que é cobrado/recebido/pago juntamente com o valor do serviço ou reparação que incida sobre determinado bem (independentemente das ulteriores operações/procedimentos, legalmente previstos, com relevância contabilística e/ou tributária), IVA também normalmente devido aquando da sua aquisição [vejam-se, de resto, por exemplo, os documentos de fls. 18/fatura, sendo que foi esse o valor que se fez constar dos elementos referentes ao contrato de seguro, v. g., a fls. 17/proposta e 19/condições particulares da apólice]; assim, o IVA sempre esteve associado ao bem em causa e ao relacionamento contratual que o teve por objeto, razão pela qual não se vislumbra por que razão haveremos de escalpelizar, ainda, eventuais consequências/inferências do respetivo regime jurídico;

            - Relativamente à factualidade do segundo facto dado como não provado, afigura-se que não importa lançar mão das possibilidades adjetivas ou poderes-deveres contidos nos art.ºs 411º e 662º, n.º 2, alínea a), do CPC (renovação da prova ou produção de novos meios de prova), além do mais, porque o depoimento prestado pela testemunha BB [que também se pronunciou sobre “anexo 7 do documento n.º 2 junto com a contestação”; ao contrário do que se diz na alegação de recurso, este documento não respeita a “uma máquina parecida com o objeto seguro, ao tempo do sinistro”, mas, sim, no dizer da testemunha, a “uma máquina de um outro nível, de valor muito mais elevado” – cf. II. 3. e), parte final, supra] foi suficientemente claro, e convincente, sobre a razão de ser dos valores por ele indicados e a sua própria atuação perante as Seguradoras, não se antevendo a possibilidade ou probabilidade de a sua reinquirição poder levar a diferente configuração do quadro fático a atender a final, antes, sim, pela sua manutenção ou confirmação (à luz do disposto no art.º 414º do CPC), concluindo-se, apenas, pela falta de prova da matéria correspondente e sem que seja avisado estabelecer um qualquer “intervalo” com um valor mínimo e um valor máximo (porquanto, este, não seria razoavelmente verosímil).

           O Mm.º Juiz analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, respeitando as normas/critérios dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º do CPC, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).

           Porém, tendo em vista uma melhor concretização da realidade dos autos (decorrente dos elementos atrás referidos e contida na decisão de facto impugnada e seus fundamentos), o facto 6) passa a ter a seguinte redação:

            - O custo da reparação é de até € 54 243 (IVA incluído), que corresponde ao custo de substituição do comando.

           Improcede, assim, a pretensão da Ré de ver modificada a decisão de facto.

            5. O contrato de seguro é a convenção através da qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado) a assumir um risco e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado.[7]

É um contrato sinalagmático, oneroso, de execução continuada, aleatório e - em regra -  de adesão.[8]

6. Para a delimitação do objeto do contrato de seguro há que interpretar as condições gerais, especiais e particulares, que o constituem e que constam da apólice do contrato (cf. art.º 37º, n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro/RJCS, aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16.4) e, porventura, ainda, da própria proposta do seguro.

Na interpretação das suas cláusulas, vale o regime geral do Código Civil/CC (art.ºs 236º e seguintes), com as especificidades decorrentes, v. g., dos art.ºs 7º, 10º e 11º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais/RJCCG (instituído pelo DL n.º 446/85, de 25.10) e do citado regime jurídico do Contrato de Seguro.[9]

E por isso é que a sua interpretação haverá de ser feita em conformidade com as regras de interpretação dos negócios jurídicos. Seja nas cláusulas contratuais gerais e especiais do seguro, sejas nas cláusulas particulares, estas individualmente contratadas, deve seguir-se a regra do art.º 236º, n.º 1, do CC, onde se consagra uma teoria objetivista, na modalidade da chamada doutrina da impressão do destinatário, para a qual é relevante o sentido que um declaratário normal possa deduzir do comportamento do declarante, supondo-se aquele uma pessoa normalmente diligente e experiente e devendo atender-se aos termos do negócio, aos interesses nele compreendidos, ao seu mais razoável tratamento, ao objetivo do declarante e às demais circunstâncias do caso concreto.

Na interpretação do contrato de seguro o intérprete poderá/deverá socorrer-se de outros elementos interpretativos que não a apólice, sendo que limitar a análise do contrato de seguro à apólice seria denegar proteção à parte mais fraca.[10]

7. O contrato que, por certo, mais questões suscita quanto à sua interpretação e integração é o contrato de seguro, e a definição dos riscos assumidos (as cláusulas que definem ou delimitam claramente o risco seguro e o compromisso do segurador) é um dos elementos mais importantes, se não o decisivo, no clausulado respetivo.[11]

8. As partes não divergem quanto à qualificação da relação contratual estabelecida entre si – o contrato de seguro referido em II. 1. 1) e 3), supra, regulado pelas respetivas cláusulas e pelo RJCS (preceituando o art.º 1º que “por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”).

          9. Face à factualidade provada, também não se questiona a verificação do sinistro e consequente obrigação da Ré na reparação da máquina.

           E dela resulta que não há que aplicar a regra proporcional ou da proporcionalidade, prevista no art.º 134º do RJCS (sob a epígrafe “subseguro”): “salvo convenção em contrário, se o capital seguro for inferior ao valor do objeto seguro, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção”. [12]

            10. A regra proporcional justifica-se na medida em que pode faltar a correspetividade entre o prémio pago pelo tomador do seguro e o bem assegurado, na relação com o risco assumido pela seguradora.[13]

           São dois os requisitos para a aplicação da regra da proporcionalidade: o valor do interesse seguro ser superior ao valor seguro (o capital seguro é inferior ao valor do objeto seguro, existindo, assim, subseguro) e ocorrer no bem um dano parcial.

            Não pode afastar-se que a situação de subseguro resulte de uma vontade consciente do segurado, que pondere a aplicação de prémios mais baixos, ou que haja procedido em erro de avaliação, que à seguradora não cumpre sindicar – a questão é mesmo de que a regra da proporcionalidade só funciona no momento do sinistro; então, a seguradora responde na proporção existente entre o valor segurável e a quantia segura.[14]

           11. Como vimos, a Ré não logrou demonstrar a existência de subseguro.

            Por conseguinte, terá de proceder à reparação, ou ao pagamento de valor igual, sendo aplicável a franquia de 10 % - com um mínimo de € 75 - acordada nas condições particulares, assim redigidas:

            «CONDIÇÕES PARTICULARES

               ENTRE O TOMADOR DO SEGURO ACIMA IDENTIFICADO E ESTA SEGURADORA ESTABELECE-SE O PRESENTE CONTRATO DE SEGURO QUE SE REGE PELAS CONDIÇÕES GERAIS, ESPECIAIS (002, 003, 006) ANEXAS E POR ESTAS CONDIÇÕES PARTICULARES.

                O SEGURO TEM INÍCIO EM 18/4/2019 E CELEBRA-SE POR UM ANO E SEGUINTES VENCENDO-SE NO DIA 18/04 DE CADA ANO, CORRESPONDENDO-LHE UM PRÉMIO COMERCIAL ANUAL DE 688,34 €, O QUAL SERÁ ACRESCIDO DAS CARGAS E IMPOSTOS LEGAIS.

1. ESTE CONTRATO GARANTE OS RISCOS E CAPITAIS A SEGUIR DISCRIMINADOS

               COBERTURA REFERIDA NA SECÇÃO I DAS CONDIÇÕES                GERAIS DA APÓLICE

                DANOS MATERIAIS ***169.125 €

               COBERTURA REFERIDA NA SECÇÃO II DAS CONDIÇÕES GERAIS DA APÓLICE

                RESPONSABILIDADE CIVIL ***100.000 €

    COBERTURAS FACULTATIVAS CONFORME CONDIÇÕES ESPECIAIS CONTRATADAS

              ACTOS DE VANDALISMO OU MALICIOSOS ***169.125 €

                FENÓMENOS SÍSMICOS ***169.125 €

               GREVES, TUMULTOS E ALTERAÇÕES DA ORDEM PÚBLICA ***169.125 €

2. BENS E OBJECTOS SEGUROS

                OS BENS SEGUROS LOCALIZAM-SE EM:

                ZONA ...

                ... ...

                NO CONCELHO DE: ...

                CENTRO MAQUINAÇÃO CNC DMG ***169.125 €

               

                FRANQUIAS

               RESPONSABILIDADE CIVIL: 125.00 SINISTRO (DANOS MATERIAIS)

                DANOS PRÓPRIOS: 10 % VALOR SINISTRO, MÍNIMO 75.00 (...)»

            12. Assim, nada a objetar aos dois primeiros segmentos da parte injuntiva da sentença, levando em conta a franquia 10 % do valor do sinistro (cf. a referida “condição particular” e art.º 16º, n.º 4, das respetivas “condições gerais” / fls. 22).

            Esclarecida a matéria que integra o ponto 6) dos factos provados - cf. II. 4., supra -, cremos que não se mostra necessário novo acrescento sobre a problemática do IVA (que o Estado exige nos termos do art.º 7º do Código do IVA), tanto mais que, nos termos do primeiro segmento condenatório e das “condições gerais” da apólice de seguro, a Seguradora poderá providenciar diretamente pela reparação ou substituição do Bem danificado em lugar de ressarcir o dano em numerário (art.º 15º, n.º 6), sendo que esse ressarcimento determina, necessariamente, o pagamento do IVA inerente à reparação já realizada ou a realizar (sem que se justifique a delonga, o prazo, a que alude o art.º 610º, n.º 2, alínea a) do CPC[15]), cumprindo-se, dessa forma, não apenas as obrigações decorrentes do contrato de seguro (e o valor seguro sempre incluiu o IVA inerente à aquisição do bem), mas também o princípio geral da obrigação de indemnização civil (reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - art.º 562º do CC).[16]

           De resto, salvo o devido respeito por entendimento contrário, o conteúdo da condenação - “proceder à reparação (...) nos termos indicados no relatório de peritagem, suportando os respetivos encargos” ou, “caso não o faça” a “pagar os encargos com a reparação (...) ao custo que agora a mesma tiver aquando da sua reparação” [cf. ponto I. supra] - não suscita dúvidas sobre o pagamento do preço, nos termos legais, que incluirá o IVA.

           13. No que concerne ao pedido de reparação dos danos/prejuízos de natureza consequencial, salvo o devido respeito por entendimento em contrário, afigura-se-nos que não deverá ser atendido.

            Trata-se de matéria não isenta de dificuldades.

           Mas o concreto relacionamento contratual das partes (desde a formação do contrato de seguro até às apuradas circunstâncias do litígio) conjugado com as conhecidas dificuldades neste domínio da reparação cível, aponta para uma resposta negativa.

           Acresce toda a envolvência da crise empresarial verificada no período do “Covid-19” e, porventura, ainda, a ponderação da (im)possibilidade de um eventual financiamento externo para ultrapassar ou contornar as dificuldades da A. ditas em II. 1. 11), supra.

           14. Num contrato de seguro, à obrigação de pagar o prémio por parte do segurado contrapõe-se, como equivalente, por parte da seguradora, a promessa ou a assunção da obrigação de pagar a indemnização ou o capital convencionado.

           Assim, em regra, não se trata de colocar um terceiro lesado na situação em que estaria se não tivesse ocorrido o sinistro, mas sim de entregar ao tomador do seguro uma quantia prevista contratualmente para o caso da coisa segurada vir a sofrer um dano.

            Ou seja, não existe neste contrato uma obrigação de indemnizar em sentido próprio, isto é, de reparar um dano reconstituindo a situação que existiria se ele não tivesse ocorrido (art.º 562º do CC), dever esse emergente da prática de um acto gerador de responsabilidade civil extracontratual ou contratual (art.ºs 483º, 499º e 798º, do CC).
           Muito embora exista no contrato de seguro contra danos em coisas uma finalidade indemnizatória, a respetiva prestação contratual (entrega de uma certa quantia) é diversa da prestação inerente à obrigação de indemnizar prevista no art.º 562º do CC, que consiste, como se disse, na reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o dano.

           Assim, em regra, a prestação devida pela Ré à A., em virtude da cobertura dos danos próprios no bem seguro - seguro de dano em coisa do próprio - é uma quantia em dinheiro e não a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o dano.

           Por conseguinte, está, pois, excluído do dever de indemnizar, neste tipo de obrigações, em consequência da mora, qualquer outro dano diverso do gerado pela simples indisponibilidade do dinheiro inerente à prestação pecuniária, nomeadamente o pretendido dano pela privação do uso do bem.

           Em abono desta tese temos o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 130º do RJCS, relativos ao “seguro de danos”, onde se encontra estipulado que “no seguro de coisas, o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado (n.º 2); o disposto no número anterior aplica-se igualmente quanto ao valor de privação de uso do bem (n.º 3).[17]

           15. Ora, face à clareza desta norma, a pretensão da recorrente só podia ser acolhida, se tivesse sido convencionada tal prestação (de reparação do dano da privação do uso) no próprio contrato de seguro, o que não ocorreu.

           Sendo esta a regra à luz dos preceitos legais aplicáveis, podem ocorrer desvios à mesma, no âmbito do abuso do direito por parte da entidade obrigada à indemnização.

           Ora, o contrato de seguro, só por o ser, não priva as partes da proteção geral, nem se compreenderia que com a celebração de um contrato denominado de danos próprios, a tutela do segurado fosse inferior à de qualquer outro credor comum. E é nessa medida que se entende a pretensão da A., não que a Ré, ´em cumprimento do contrato` de seguro, a indemnize pela privação do uso máquina em causa, mas sim que a indemnize ´pelo incumprimento do contrato`, por não ter colocado à sua disposição, atempadamente, a quantia a que tinham direito. Ou seja, uma coisa é a responsabilidade obrigacional, cuja fonte é a prestação principal; outra coisa são os deveres secundários de prestação, essenciais ao seu correto processamento. Exprimem estes deveres a necessidade de tomar em consideração os interesses justificados da contraparte e de adotar o comportamento que se espera de um parceiro negocial honesto e leal.

            Ou seja, a seguradora, para além da obrigação de pagamento da indemnização dos danos provocados pelo sinistro coberto pelo seguro, nas condições contratadas, se demora injustificadamente na resolução do caso, resultando dessa mora danos para o segurado, deve responder por esse inadimplemento. Esta solução não conflitua com as disposições consagradas no regime do contrato de seguro, porque não impõe à seguradora a cobertura de riscos além do que foi segurado, antes a responsabiliza pela reparação de um dano que decorre não do sinistro, mas da inobservância da obrigação contratual de pagar pontual e atempadamente.

            Por isso se admite, em tese, que não obstante o disposto no art.º 130º da RJCS - que exclui o dever das seguradoras de indemnizar o dano da privação do uso dos bens, caso esse dano não tenha sido contratado -, podem vir a ser responsabilizadas por tal dano, caso se prove que incumpriram, de forma abusiva e em violação dos mais elementares deveres de boa fé, o seu dever de indemnizar, na parte contratada.
A indemnização peticionada decorre assim, não diretamente do contrato celebrado, mas do incumprimento desse contrato, em tempo oportuno, nomeadamente da
violação grave dos seus deveres laterais, enraizados no princípio da boa fé e da pontualidade no cumprimento dos contratos (art.ºs 406º e 762º do CC).

           Daí que haja necessidade de alegação e prova da específica e concreta violação de tais deveres, em função dos contornos que o desenrolar da vida da relação contratual venha a manifestar; há que apurar se a Seguradora atuou em manifesto desrespeito pelos mais elementares deveres de lisura e boa fé, fazendo-se valer de uma posição de superioridade, alicerçada na segurança da falta de consequências pela mora no cumprimento (para além dos normais juros moratórios).

           Há de ser então com base nesse exercício abusivo de direito que se encontrará motivo para a sua condenação numa indemnização correspondente ao valor que para si resultou da falta atempada do pagamento.

           16. Importa ainda atender ao princípio indemnizatório consagrado no art.º 128º do RJCS - “A prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro” - pelo que, a obrigação da Ré de pagar às A. a quantia devida (não determinada aprioristicamente, nem logo após a ocorrência do sinistro), pressupunha, à luz daquele princípio, que fosse determinada, o que implicava a avaliação e a fixação dos prejuízos sofridos pela A. na dita máquina.

           17. Como decorre da matéria provada (e não provada), as partes não lograram chegar a entendimento quanto às propostas trocadas entre si, nem quanto ao valor final a indemnizar. Analisada a matéria de facto provada, não encontramos nela qualquer sinal de que a Ré tenha abusado do direito que a apólice de seguro lhe conferia – quer protelando o processo de averiguações e peritagens em ordem a apurar o valor dos prejuízos, quer retendo indevidamente em seu poder a indemnização destinada a repará-los.

           Pese embora a realidade apurada a final, não se poderá dizer que a posição da Ré fosse totalmente inverosímil e destituída de sentido[18], antes, apenas, que não a logrou ver demonstrada em juízo, acabando por se afirmar a perspetiva de sentido contrário defendida pela A./recorrida; a realidade apurada em juízo será insuficiente para fundar uma qualquer responsabilidade “pela falha desse consenso” e, menos ainda, para sustentar a responsabilidade pelo ressarcimento de danos de natureza consequencial não integrados ou incluídos no contrato de seguro facultativo firmado entre as partes, porquanto, além do mais, não se poderá concluir que a Ré tenha excedido, de forma manifesta, os seus deveres de lealdade e de boa fé ao incumprir aquela sua obrigação, e que, dessa forma, seja responsável por eventuais prejuízos derivados do atraso no pagamento da prestação devida.[19]

           18. O Mm.º Juiz do Tribunal a quo decidiu condenar a Ré a pagar os prejuízos resultantes da paragem da máquina por falta de reparação - “indemnização por paralisação da máquina desde a data em que a mesma ficou inoperacional (03.9.2019) até que a mesma seja colocada a funcionar à razão de € 16/ hora, no valor já liquidado de € 57 600”, tendo em conta a factualidade descrita em II. 1. 10), supra.

           A Ré considera que, contratualmente, não assumiu a responsabilidade pela indemnização destes prejuízos reclamados e invoca o art.º 4º, n.º 3, alínea b) das “Condições Gerais” do Contrato de Seguro, que prevê: “Exceto quando expressamente se garantam os riscos em causa, o presente contrato não cobre:(...) b) Os prejuízos de natureza consequencial.”

           No entendimento do Mm.º Juiz do Tribunal a quo, ante a referida exclusão, na «categoria de “os prejuízos de natureza consequencial”» não podem ser incluídos aqueles resultantes da inação da própria Ré no cumprimento contratual, ou seja, os que resultam do não cumprimento da obrigação e não propriamente da ocorrência do sinistro, pelo que tem a A. direito às quantias reclamadas, já liquidadas e bem assim às que se venceram até à reparação, como pedido (havendo, contudo, que deduzir a franquia de 10 %).

           19. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, tratando-se, é certo, de matéria não isenta de dificuldades, afigura-se que os danos de natureza consequencial decorrentes da paralisação/privação da máquina foram excluídos – cf. art.º 4º / “Exclusões Gerais” das “Condições Gerais” do referido contrato de seguro.

            Considerando-se porventura defensável o estabelecimento de um nexo de causalidade adequada (adequação) entre o invocado dano com a paralisação da máquina (dano por privação) e a demora no pagamento da indemnização devida para a reparação da máquina ou a reparação a providenciar pela Seguradora, parece-nos que a atuação da Ré aludida em II. 15. e 17., supra, não comporta o grau de censura que é razoável pressupor para afastar a aludida exclusão prevista no contrato de seguro celebrado entre as partes.

           Mas, ainda que assim se não entendesse, cremos que a situação dos autos sempre reclamaria a ponderação da concreta atuação da A. na sequência das comunicações da Ré de 11.12.2019 e 13.02.2020, reproduzidas a fls. 7 verso (documento junto com a p. i.) e 51 (documento n.º 3 junto com a contestação, no qual vemos explicitada a posição da Ré em sede de tentativa de regularização do sinistro), porquanto intentou a ação transcorridos mais de 15 meses após aquela segunda comunicação e sem que se conheça se, como e quando se dirigiu então à Ré na tentativa de alcançar um solução consensual.[20]

           Por último, pela sua conhecida relevância e notoriedade, importaria atender às consequências que advieram para a vida das empresas no período da pandemia de “COVID-19” (também conhecida como “pandemia de coronavírus”), mormente nos anos de 2020 e 2021 e que determinaram diversas medidas de apoio (cf., v. g., o DL n.º 6-C/2021 de 15.01), pelo que toda essa realidade económica e social e sua incidência/repercussão na atividade da A.[21], teria, necessariamente, de ser apurada e ponderada na fixação da indemnização [no plano normativo, além do preceituado no art.º 128º da RJCS - “a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro” -, seria igualmente de atender, por exemplo, a regras e princípios da obrigação de indemnização previstos nos art.ºs 562º e seguintes do CC].

           20. Daí, se concordamos com o Mm.º Juiz quando diz que é “extraordinariamente complexa a qualificação do que sejam danos consequenciais e a legalidade de tal cláusula, com esta formulação genérica[22], diverge-se, contudo, quanto ao entendimento de que, in casu, “a questão não assume relevo por entendermos que estamos perante danos resultantes do incumprimento da ré” (sic).

           E assim, quer pelo que se deixa exposto, quer porque o dano consequencial vem sendo associado ao incumprimento contratual “dependente de uma especial circunstância relativa ao lesado”, desde que essa circunstância tenha sido “comunicada à outra parte, de modo a que se pudesse considerar que era um resultado provável à data do incumprimento contratual”.

           Ademais, em consonância com a regra/teoria da causalidade adequada, no domínio dos danos consequenciais, importa verificar se “aquando do incumprimento, seriam resultado provável (consequência objetivamente adequada) do incumprimento contratual”, sabendo-se, ainda, que de modo a evitar ou a minorar os problemas da dita figura, tem-se sugerido a necessidade ou conveniência em garantir que “uma definição explícita do termo é incluída nos contratos quando as partes procuram excluir ou negociar danos consequenciais”, sendo “essencial que as partes discutam a priori as suas intenções no que toca à inclusão de uma renúncia aos danos consequenciais”.[23]

           21. Ora, dadas as enunciadas dificuldades na sua definição e conformação no plano teórico, e, também, as mencionadas questões de ordem prática no que tange ao surgimento, desenvolvimento e concretização (de tais eventuais danos) no relacionamento contratual das partes e com efetivo reflexo na atividade empresarial da A. e a nível patrimonial[24], somos levados a decidir no sentido da absolvição da Ré quanto ao seu (eventual) ressarcimento.

           22. Procedem, assim, parcialmente, as “conclusões” da alegação do recurso.


*

           III. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação, clarifica-se a decisão sobre a matéria de facto como se indica em II. 4., supra, e revoga-se o decidido sob a alínea c) do segmento injuntivo da sentença - com a consequente absolvição da Ré -, mantendo-se o demais decidido.

Custas a cargo da A. e Ré, na proporção do decaimento.


*

09.01.2024



[1] Cf. documentos de fls. 7 verso e 51.

[2] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[3] Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjetiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[4] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[5] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 277.
[6] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e A. Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.

[7] Vide, entre outros, Pedro Romano Martinez, Contratos Comerciais, Principia, 2006, pág. 73 e José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, pág. 20, e os acórdãos do STJ de 02.10.1997 e 10.12.1997 in CJ-STJ, ano V, 3, págs. 45 e 158.
[8] Cf., designadamente, os acórdãos da RP de 15.3.1999, da RL de 09.11.2010-processo 1870/08.0TVLSB.L1-7 e da RG de 31.10.2018-processo 648/17.4T8BGC.G1, publicados, o primeiro, na CJ, XXIV, 2, 182 e, os restantes, no “site” da dgsi.
[9] Vide Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 80.
[10] Cf., nomeadamente, J. C. Moitinho de Almeida, ob. cit., págs. 116 e seguintes e, sobre a parte final deste segmento da exposição, o acórdão do STJ de 11.3.1999, in CJ-STJ, VII, 1, 156.

[11] Cf., entre outros, J. C. Moitinho de Almeida, ob. cit., págs. 93 e seguintes e o acórdão da RC de 15.10.2013-processo 73/12.3TBLRA.C1, publicado no “site” da dgsi.

   Sobre a matéria dos pontos II. 4. a II. 6., cf., entre outros, acórdão da RC de 09.10.2018-processo 335/17.3T8GRD.C1, publicado no “site” da dgsi.

[12] Estabelece o n.º 1 do art.º 130º do RJCS: “No seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro.”
[13] Vide, nomeadamente, Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 88.

[14] Cf., cf., nomeadamente, acórdãos do STJ de 07.11.2006-processo 06A2874 [concluindo-se: «A regra proporcional (...), aplicável quando, no momento do sinistro, o valor seguro for inferior ao valor do objecto do seguro ou segurável (sub-seguro ou infra-seguro), respondendo o segurador na proporção existente entre os dois valores, relaciona-se com o princípio do equilíbrio das prestações, tendendo a fazer equivaler o risco coberto ao prémio efectivamente pago.»], 22.9.2011-processo 710/06.9TCGMR.G1.S1 [perante legislação anterior similar, concluiu-se: «1. No contrato de seguro têm particular relevância os deveres do tomador do seguro, em especial o dever de prestar informações corretas relativas ao seu objecto, decorrentes do princípio da boa fé. Devendo esclarecer a seguradora de tudo o que respeita ao objecto segurado. Incluindo-se tais informações, em princípio, nas chamadas “Condições Particulares”. 2. O denominado seguro de valor em novo corresponde à derrogação do princípio segundo o qual a indemnização será medida pelo valor do bem à data do sinistro (art.º 439º, § 1º do CComercial), passando antes a mesma a fixar-se a partir do valor de substituição. 3. Sendo o seguro inferior ao valor do objeto (sub-seguro), responderá o segurado, salvo convenção em contrário, por uma parte proporcional às perdas e danos (art.º 433º do CComercial). 4. Havendo, assim, no caso do sub-seguro, implicações prejudiciais para o seu tomador, devido à designada “regra proporcional”, que determina o pagamento de uma percentagem sobre o valor dos danos sofridos. (...)»] e 27.4.2023-processo 15975/21.8T8PRT.P1.S1 [assim sumariado: «I - No seguro de danos, existe subseguro (art.º 134º da LCS) sempre que o capital seguro seja inferior ao valor do objeto seguro, o que tem como consequência uma redução da indemnização na proporção dessa diferença - o segurador, que já tinha a sua responsabilidade limitada pelo capital seguro (art.º 128º da LCS), ficará apenas responsabilizado pelo dano na respetiva proporção, ressalvando-se cláusula em sentido contrário. II - No quadro-base da sinalagmaticidade do contrato, não pode afastar-se que a situação de sub-seguro resulte de uma vontade consciente do segurado, que pondere a aplicação de prémios mais baixos, ou que haja procedido em erro de avaliação, que à seguradora não cumpre sindicar. III - O valor a atender para aplicação da regra proporcional é o valor real do equipamento objecto do seguro.»], da RP de 29.4.2021-processo 2411/19.9T8PNF.P1 e 14.11.2022-processo 2270/21.1T8PNF.P1 e da RC de 14.6.2022-processo 507/19.6T8LMG.C1 [concluindo-se: «I - A aceitação, pela seguradora, da proposta apresentada pelo tomador de seguro com indicação do capital seguro, não constitui convenção expressa para fixação do valor da coisa uma vez que “não existe um dever geral de verificação dessa exatidão por parte do segurador”, devendo a seguradora avaliar o valor do bem à data do sinistro. II - Sendo o valor do capital seguro inferior ao valor da coisa, existindo, assim, uma situação de subseguro, não existindo convenção em contrário, a seguradora só responderá pelo dano, na proporção entre o valor do interesse em risco e o valor do capital seguro, deduzido do valor da franquia acordada.»], publicados no “site” da dgsi.

[15] Preceitua o referido art.º: «O facto de não ser exigível, no momento em que a ação foi proposta, não impede que se conheça da existência da obrigação, desde que o réu a conteste, nem que este seja condenado a satisfazer a prestação no momento próprio (n.º 1). Se não houver litígio relativamente à existência da obrigação, observa-se o seguinte: a) O réu é condenado a satisfazer a prestação ainda que a obrigação se vença no decurso da causa ou em data posterior à sentença, mas sem prejuízo do prazo neste último caso; b) Quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação (n.º 2). Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior, o autor é condenado nas custas e a satisfazer os honorários do advogado do réu (n.º 3).»

[16] Salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se que o caso vertente, ante a factualidade apurada (veja-se, ainda, II. 4., supra), não é similar à situação versada no acórdão do STJ de 27.10.2009-processo 254/07.TBSJM.S1 [tendo-se concluído: “I - Na obrigação de indemnizar imposta à R.-Seguradora, resultante de acidente provocado na habitação, prevista no contrato de seguro multi-riscos celebrado com o A., está, naturalmente, incluído o montante que terá de pagar ao empreiteiro, correspondente ao I.V.A.; no entanto, este apenas lhe poderá ser exigido no momento da emissão das respetivas faturas.”], publicado no “site” da dgsi.

[17] Cf., neste sentido, acórdão da RG de14.9.2017-processo 476/07.5TCGMR.G1, publicado no “site” da dgsi.
[18] Cf., designadamente, a prova pessoal aludida em II. 3. e), supra, e a comunicação eletrónica da Ré reproduzida a fls. 51.
[19] Cf. o cit. aresto da RG de14.9.2017-processo 476/07.5TCGMR.G1.

[20] Cf., a propósito, o acórdão do STJ de 02.02.2023-processo 2419/20.1T8LRA.C1.S1 [constando do sumário: «(...) III. A indemnização pela privação de uso não deve considerar-se causalmente justificada por todo o período invocado (mais de 800 dias) se o acidente ocorreu em .../05/2018, a ré propôs uma indemnização em Agosto de 2018, que não foi aceite pelo A., e o recorrido só intentou a presente acção judicial para exigir a integral reparação do dano em 03/8/2020, impendendo sobre o A. um dever de evitar o agravamento do dano através de uma atitude proactiva em tempo razoável, como também deve ser razoável a proposta da seguradora (em montante e oportunidade temporal).»], publicado no “site” da dgsi.
[21] A confrontar/aferir com o que foi dado como provado, por exemplo, em II. 1. 3), 4), 8), 9), 10) e 11), supra.
[22] Cf., por exemplo, II. 18., supra.

[23] Vide Ana Mafalda Soares de Carvalho, O Dano Consequencial - A questão da causalidade, Mestrado em Direito Privado, Faculdade de Direito | Escola do Porto, maio 2017 (disponível in https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/23795/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf), sobretudo, a “conclusão” apresentada.

   Na jurisprudência, cf., nomeadamente, acórdãos da RL de 24.10.2006-processo 3527/2006-7 [referindo-se no sumário: «(...) IV – São vários os conceitos de dano indirecto referidos pela doutrina jurídica, um dos quais aponta para os prejuízos que derivam da situação directa e imediatamente criada pelo facto lesivo, ou seja, do dano directo. V – Uma cláusula de um contrato de seguro, ao excluir da respectiva cobertura os lucros cessantes e as paralisações, reporta-se a danos que, embora ligados ao facto lesivo por um nexo de causalidade adequada, ocorrem mediatamente, ou seja, como desenvolvimento normal da situação decorrente daquele facto lesivo, por isso se reconduzindo àquele conceito de dano indirecto. (...)»; refere-se, na fundamentação: «Os danos indirectos são, como ensina Antunes Varela1, as consequências mediatas ou remotas do dano directo, fazendo parte com este do âmbito do dano indemnizável, pressuposta a existência de nexo de causalidade adequada.»] e 09.10.2008-processo 1328/2008-6 [concluindo-se: « IV - Se a ré entregou a encomenda da autora para além do prazo em que se comprometeu a fazê-lo e a proposta da autora foi excluída do concurso para o qual havia sido elaborada, a exclusão da proposta do concurso é consequência direta e adequada da não entrega atempada pela ré, ou seja, do não cumprimento pontual do contrato.»], publicados no “site” da dgsi.
[24] Cf., ainda, II. 13), in fine.