Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1189/13.4TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO
MÚTUO
Data do Acordão: 11/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º J CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 45, 46 CPC
Sumário: Um contrato celebrado entre exequente e executados, em que estes se obrigam ao pagamento de determinada quantia em prestações, e se acordou que o não pagamento atempado de qualquer das prestações implicava o imediato vencimento e a consequente e imediata exigibilidade de todas as restantes, sem necessidade de interpelação, constitui por si só, título executivo, nos termos do art. 46º nº 1 c) do CPC, devendo o exequente invocar a mora no respectivo requerimento executivo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                        I

A... PLC veio instaurar a presente ação executiva comum para pagamento de quantia certa, contra B... e C... , alegando, em síntese, em primeiro lugar:

- Ter celebrado com os dois executados, em 18.12.2007, um “contrato de empréstimo sob a forma de mútuo” pelo montante de € 33.255,42, cujas condições constam do respetivo título junto em cópia certificada, o qual se destinou à aquisição de bens de consumo/obtenção de serviços.

- Porém, os executados não pagaram as prestações desde 18.09.2011, o que motivou a resolução contratual.

- Por isso, para além do capital em dívida no valor de € 23.927,25, a exequente tem direito, ainda, a ser ressarcida dos respetivos juros moratórios, à taxa convencionada, acrescida da sobretaxa máxima legal.

Atenta a junção de tal título, foi aberta conclusão ao Mmº Juiz que proferiu decisão de  rejeição total da ação executiva, “uma vez que o título dado à execução não incorpora o crédito exequendo que a exequente pretende cobrar com o presente processo, nos termos do disposto nos artºs. 820, nº. 1, e 812-E, nº. 1, al. a), ambos do CPC”.

Inconformado com tal decisão veio o exequente recorrer concluindo do seguinte moo as suas alegações de recurso:

Primeira: O exequente instaurou a presente ação executiva com base no documento/contrato intitulado “Contrato de Empréstimo sob a Forma de Mútuo”, do qual decorre que os executados se constituíram devedores perante o aqui exequente da quantia de € 33.255,42, que deste exequente receberam a título de empréstimo, documento esse onde se obrigaram a reembolsar o exequente da quantia mutuada e seus juros remuneratórios, à taxa convencionada, através de 92 (noventa e duas) prestações mensais e sucessivas, daí resultando pois que tal documento não pode deixar de considerar-se como título executivo à luz do disposto na alínea c) do artigo 46º do Código de Processo Civil, bem como à luz do nº 1 do artigo 45º do mesmo Código.

Segunda: Ficou estipulado nesse contrato – sua Cláusula 14ª, ponto 14.1. que “a mora ou o não cumprimento definitivo de qualquer obrigações assumidas neste Contrato ou a ele inerentes, confere ao BARCLAYS o direito de considerar imediatamente vencido, independentemente de qualquer interpelação, tudo o que for devido, seja principal, seja acessório, com a consequente exigibilidade de todas as obrigações ou responsabilidades, ainda que não vencidas.

Terceira: Como o exequente alegou, no requerimento executivo, que os executados cessaram definitivamente o pagamento das fixadas e convencionadas prestações a partir de 18 de Setembro de 2011, jamais tendo retomado tal pagamento, a consequência da mora e incumprimento assim verificado e imputável aos executados tem, para além do mais (nomeadamente o estipulado no artigo 781º do Código Civil) e desde logo, o efeito previsto naquela Cláusula 14ª do contrato celebrado entre as partes, ou seja, o de que, independentemente de qualquer interpelação – e, por maioria de razão, independentemente do exercício do direito de resolução por parte do credor aqui exequente – o exequente tem o direito de considerar vencido, antecipadamente, o que os mutuários se obrigaram no mesmo contrato de mútuo.

Quarta: Tal Cláusula, por cair no âmbito da autonomia da vontade privada e da liberdade contratual, prevalece sobre o regime legal previsto para as situações em que ocorre mora e incumprimento definitivo, pois este deve considerar-se supletivo e destinado apenas a aplicar-se no caso e para além das situações especialmente previstas pelas partes.

Quinta: O que tudo significa que as partes contratantes – o aqui exequente, por um lado, e os aqui executados, por outro – regularam especialmente as situações em que os mutuários se encontrassem em mora ou incumprimento, ficando estabelecido que bastava a ocorrência dessa simples mora para o Banco aqui exequente pudesse imediatamente exigir na íntegra e globalmente a obrigação de reembolso do capital mutuado por parte dos mutuários e aqui executados, igualmente resultando que as partes afastaram a necessidade de o Banco mutuante usar do seu direito de resolução (e até de prévia interpelação) para exigir tudo o que se mostrasse devido nos termos do contrato, e ainda que não vencido.

Sexta: A estipulação dos termos de tal cláusula teve como efeito fazer cessar o benefício do prazo que, no contrato e por força da convenção de reembolso em prestações do capital mutuado ( e seus juros), ficou concedido aos mutuários, pelo que a mora ou falta de pagamento das prestações fixadas e convencionadas teve como consequência a prevalência ou transferência do benefício do prazo para o credor/exequente/mutuante, assim podendo este exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, nos termos do nº 1 do artigo 777º do Código Civil.

Sétima: As próprias partes – aqui exequente e aqui executados – previram e convencionaram, no próprio contrato que o mesmo constituía título executivo, conforme se retira da Cláusula 19ª do mesmo contrato, cláusula esta que, aliás à semelhança do aludido Ponto 14.1 da Cláusula 14ª desse contrato, não mereceu qualquer reflexão ou pronuncia evidenciada na decisão recorrida por parte da Meritíssima Juíza a quo.

Oitava: Concluir-se tem-se, por isso, que resulta da conjugação do constante do próprio documento junto como título executivo com as disposições legais aplicáveis, que o mesmo, por si só, é título executivo suficiente, sem necessidade de ocorrer a prática por parte do exequente de qualquer direito de resolução.

Nona: De qualquer forma, o exequente, com a execução instaurada não pretendeu cobrar quaisquer quantias resultantes da eficácia – retroativa - da resolução contratual, nomeadamente a restituição de tudo quanto tivesse sido prestado, nem tão pouco uma indemnização por incumprimento contratual, mas tão só o cumprimento, antecipado e na íntegra, da prestação a que os executados/mutuários se obrigaram a realizar, antecipação e exigibilidade integral esta que lhe é legítimo reclamar face à perda do benefício do prazo inicialmente estabelecido a favor dos mutuários.

Décima: O direito de resolução contratual é um direito e não um dever ou ónus que o credor apenas tem interesse em utilizar quando ainda não realizou na íntegra a sua prestação no contrato celebrado, concedendo-lhe aquela resolução a sua libertação do que nos termos contratuais estaria ainda adstrito a realizar, não existindo esse interesse quando, tendo já realizada integralmente tudo a quanto estava obrigado, se limita apenas a achar legítimo exigir antecipada e imediatamente a realização da prestação a quem tem direito, em forma singela, ou seja, desacompanhada de qualquer dos efeitos da resolução, nomeadamente o pedido de indemnização nos termos gerais.

Décima-primeira: No caso, portanto, para a exigibilidade da obrigação contida no documento/contrato junto com o requerimento executivo, nenhuma necessidade existe de o exequente intentar prévia ação declarativa para validar a resolução do contrato por incumprimento dos mutuários, tendo, com a prolação da douta decisão recorrida, violados entre outros, os dispositivos dos artigos 45º, nº1, 46º, alínea c), 820º, nº 1 e 812º-E, nº 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil.

A final requer que, seja dado provimento ao presente recurso e, por via dele, seja revogada a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que receba a execução instaurada e ordene o prosseguimento dos seus termos.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A factualidade a considerar contém-se no relatório supra, a que se adita a seguinte, no uso da prerrogativa que nos assiste nos termos do art. 712º nº 1 alª a) do CPC:

- Consta do requerimento executivo, que os executados cessaram definitivamente o pagamento prestações convencionadas a partir de 18-09- 2011.

- Consta do contrato, entre o mais, a seguinte cláusula: “19. Força probatória: Para todos os efeitos legais, o presente Contrato e toda a documentação relacionada ou conexa com o presente Contrato (…) constituem título executivo, sendo meio probatório suficiente e tidos como parte integrante do presente Contrato”.

É a seguinte a questão do recurso, delimitada pelo teor das conclusões das alegações:

- Deve ser considerado título constitutivo válido, um contrato de mútuo celebrado entre uma instituição financeira e particulares, onde se clausulou o pagamento do mútuo em prestações (capital e juros remuneratórios) e, o vencimento antecipado da dívida na falta de pagamento de qualquer delas, sem necessidade de interpelação?

A mora mostra-se invocada no requerimento executivo.

Pretende o apelante que, tendo ocorrido mora e, tendo as partes, ao abrigo da autonomia contratual, prescindido de qualquer interpelação – e, por maioria de razão, do exercício do direito de resolução por parte do credor – tem o exequente o direito de considerar vencido, antecipadamente, o que os mutuários se obrigaram no mesmo contrato de mútuo, reunindo este todas as condições para ser considerado um título executivo válido e eficaz, ao abrigo do disposto nos artigos 45º nº 1 e 46º nº 1 alª c) do C.P.Civ.

Assim não o entendeu o tribunal a quo que considerou que, “a resolução do contrato não resulta do próprio documento escrito do contrato de crédito, sendo certo que essa resolução não pode ser considerada um efeito automático do incumprimento – deverá a aqui exequente, pois, intentar a respetiva ação declarativa que reconheça validamente efetuada a resolução do aludido contrato de mútuo”.
Dispõe o art. 46 nº 1 alª c) do CPC que à execução podem servir de base “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa certa ou de prestação de facto”.
O Tribunal a quo seguiu uma corrente jurisprudencial que defende que, quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual seguido de resolução, a sua exigência depende da alegação e prova de factos que não têm expressão no próprio título, sendo esse o caso do vencimento antecipado das obrigações.
E, assim sendo, tais quantitativos não estando documentados no contrato, não pode o mesmo servir de título executivo nos termos exigidos do artigo 46º nº 1, alínea c) do C.P.C., devendo o exequente previamente recorrer à ação declarativa para convencer do seu direito a tais montantes.
 Existe ainda uma corrente jurisprudencial intermédia[1] que admite a existência de título executivo, em execução fundada no incumprimento do contrato e na respetiva resolução pelo devedor, quando a quantia exequenda coincide com o valor das prestações não pagas, e apenas essas.
Todas as outras quantias de cariz indemnizatório, ainda que previstas no documento particular, não obstante assinado pelas partes, estariam fora do âmbito da exigibilidade “por não ser  certo que  o executado tenha  consciência de tais cláusulas, não obstante a assinatura aposta no contrato”[2].
Salvo o devido respeito divergimos de ambas as posições.
Defendemos antes, que o contrato em causa tem força executiva, apresentando uma exequibilidade não apenas extrínseca mas também intrínseca do título, na sua totalidade.
Quanto à exequibilidade extrínseca, entendemos que a mesma existe, uma vez que resulta do título que o mesmo é assinado pelos executados e dele consta a obrigação de pagar determinadas prestações em prazos, que já se venceram, bem como de uma cláusula que permite o vencimento antecipado, sem necessidade de interpelação, em caso desse não pagamento atempado.
Nada permite concluir que os executados, que assinaram o contrato, não estejam conscientes dessas obrigações.
No respeitante à exequibilidade intrínseca tenhamos em conta que “a pretensão é intrinsecamente exequível quando, em si, reveste a característica de que depende a sua suscetibilidade de constituir o elemento substantivo do objeto da ação executiva, para o que basta ter como objeto uma prestação que seja certa, líquida e exigível” – nas palavras de Lebre de Freitas  in “A Ação Executiva em Geral”, 2ª ed. Pág.18.
Assim, no título dado à execução foi inserida uma cláusula contratual donde emerge outra obrigação, para além da obrigação principal de pagar em prestações a dívida confessada, como é o caso de pagar o montante em dívida todo de uma vez se falhar o pagamento atempado de qualquer uma prestação.
As partes acordaram expressamente que podia ser exigida essa obrigação em caso de não cumprimento pontual das prestações acordadas. Os montantes clausulados são determináveis por simples cálculo aritmético.
Exigir a alegação e prova em sede declarativa da existência dessa condição – não pagamento pontual e resolução lícita do contrato – retira a nosso ver, exequibilidade a todos os documentos particulares que não se limitem à confissão de um valor em dívida, antes estipulem cláusulas com prazos de pagamento.
 Discordando os executados da exigibilidade da obrigação que se pretende executar ou do valor liquidado, por referência ao requerimento executivo que é apresentado, nos termos do artº 46 alª c) do CPC, deverão apresentar os seus argumentos em sede de oposição à execução[3].
Será, nessa sede que, perante a prova produzida se irá aferir da justeza da pretensão exequenda, quer em função do (não) pagamento atempado, quer em função da (i)licitude da resolução.
Tais questões, constituindo fundamento de oposição à execução, não comprometem, contudo, à partida, a exigibilidade extrínseca e intrínseca do título.
O título dado à execução reúne, pois, todos os requisitos para que possa constituir verdadeiro título executivo, nos termos do art. 46, al c), do CPC.

Em suma:
Um contrato celebrado entre exequente e executados, em que estes se obrigam ao pagamento de determinada quantia em prestações, e se acordou que o não pagamento atempado de qualquer das prestações implicava o imediato vencimento e a consequente e imediata exigibilidade de todas as restantes, sem necessidade de interpelação, constitui por si só, título executivo, nos termos do art. 46º nº 1 c) do CPC, devendo o exequente invocar a mora no respetivo requerimento executivo.

                                   *
Termos em que, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra, através da qual se ordene o prosseguimento da execução e seus ulteriores termos.
Custas pela apelante, considerando o proveito (os executados nem sequer estão citados).

 Anabela Luna de Carvalho ( Relatora )

João Moreira do Carmo

 José Fonte Ramos


[1] Ac. TRL Proc. 5516/2008-1, datado de 25-11-2008, in www.dgsi.pt
[2] Nas palavras do acórdão citado anteriormente.
[3]   Nesse sentido, Ac. TRP, Proc.0336826, datado de 05-02-2004 in www.dgsi.pt