Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
723/22.3T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CONTA BANCÁRIA COM CARTÃO DE CRÉDITO ASSOCIADO
EMISSÃO DE CARTÃO ADICIONAL A UM DOS TITULARES
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DAS CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 8.º, DO DL 446/85
ARTIGO 100.º, DO CÓD. COMERCIAL
ARTIGO 513.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: i) Se a R. se associa a uma conta-cartão de crédito do R., tendo a UNICRE procedido à atribuição de um cartão de crédito adicional à R. e das condições gerais de utilização do contrato decorre que “Todo e qualquer cartão está associado a uma Conta-cartão, podendo esta ter associado mais do que um Cartão (Contas Colectivas). (…) A responsabilidade perante a UNICRE sobre as Contas Colectivas é solidariamente assumida pelos vários titulares da mesma, independentemente do tipo de titularidade.”, a responsabilidade da R. é solidária com o R., pelos débitos emergentes da aludida conta-cartão de crédito.
Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. UNICRE - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., com sede em Lisboa, intentou a presente acção declarativa contra AA e BB, residentes nas ..., peticionando a condenação dos réus a pagarem à autora a quantia de 35.916,10 €, acrescida dos juros moratórios que se vencerem desde 12.4.2022, e até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa convencionada de 29,196% ao ano sobre o capital de 19.660,97 €.

Alegou, em síntese, que, no exercício da sua actividade, em 1991, acordou com o réu a atribuição de um cartão de crédito, posteriormente substituído por outros; que, em Março de 2005, a pedido e no interesse dos réus, a autora procedeu à atribuição de um cartão de crédito adicional à ré, posteriormente substituído por outros; que os réus aceitaram as “condições de utilização” dos referidos cartões, as quais foram alteradas durante a vigência do contrato; que os cartões de crédito em causa permitiam aos réus adquirir bens e/ou serviços a terceiros e a fazer levantamentos de numerários em caixas Multibanco, ficando os réus obrigados a reembolsarem a autora de todos os valores pagos e disponibilizados por esta através da utilização dos referidos cartões, acrescidos das despesas e encargos associados à actividade de financiamentoe de juros remuneratórios eventuais; que o reembolso e pagamento devidos seria efectuado mensalmente, mediante a comunicação de um extracto; que o pagamento mensal poderia ser total ou parcial, sendo que, neste caso, o remanescente em dívida em cada extracto venceria juros remuneratórios; que a taxa de juro acordada inicialmente poderia ser revista pela autora e alterada através da comunicação da nova taxa aos réus, cifrando-se tal taxa actualmente em 29,196%; que as partes convencionaram que, em caso de incumprimento, poderiam ser exigidos juros moratórios à taxa moratória máxima para operações comerciais; que, mediante a utilização dos referidos cartões de crédito, os réus adquiriram bens e/ou serviços no valor total de 19.660,97€, que a autora pagou aos respectivos fornecedores e que os réus não pagaram à autora; que, a partir de 7.2.2019, o saldo em dívida passou a vencer juros de mora à taxa convencionada de 29,196%; que, na ausência de pagamento, a 14.08.2020, a autora cancelou os cartões de crédito em causa e considerou a dívida integralmente vencida; que, à data de 18.9.2020, o valor em dívida pelos réus ascendia a 26.811,48€, sendo 19.660,97 € a título de capital, e 7.150,51 € a título de juros vencidos.

Os réus contestaram, sustentando, por um lado, que, no que concerne à responsabilidade da ré, que um dos cartões atribuído foi apenas ao réu e que a ré não subscreveu ou outorgou qualquer contrato respeitante a este cartão, e que, sendo o saldo devedor reclamado pela autora referente apenas à utilização do referido cartão, a ré não é responsável pelo pagamento reclamado pela autora; que o réu não contratou nem aceitou a taxa de juro moratório de 29,196%; que a autora resolveu o contrato aquando do cancelamento do cartão de crédito no dia 16.2.2019, pelo que a partir desta data, apenas são devidos juros de mora à taxa de 7%. Concluem pela absolvição da ré do pedido e pela procedência parcial da acção, condenando-se o réu a pagar à autora a quantia de 19.660,97 €, acrescida de juros de mora à taxa de 7% desde Fevereiro de 2019.

*

A final, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou os RR, solidariamente, a pagarem à A.:

A. a quantia de 19.660,97 €, a titulo de capital;

B. a quantia de 7.150,51 €, a título de juros remuneratórios; e

C. juros moratórios sobre a quantia de 26.811,48 € à taxa máxima legal para operações comerciais desde 8.9.2020 até integral pagamento.

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2. A A. recorreu, formulando as seguintes conclusões:

1 – O “escrito” referido no ponto 4 dos factos assentes constitui, na verdade, dois “escritos” fisicamente autónomos.

Um escrito denominado Proposta de Adesão de Titular Suplementar ao cartão 8653, já titulado por AA, datado de 22/3/2005, assinado pela Recorrente BB.

Outro escrito denominado Condições Gerais de Utilização, sem qualquer assinatura, apresentando-se os campos destinados a esse efeito em branco.

Perante esta ausência de assinaturas, e atento o caráter formal da relação contratual em causa, a decisão de facto vertida nos pontos 4 e 6, nos termos da qual a Recorrente BB “subscreveu as condições gerais” é incorreta. A ausência de assinatura (de “subscrição”) impõe decisão oposta;

2 – O único cartão atribuído à Recorrente BB foi o nº 5398. Todos os restantes cartões foram contratados apenas entre a UNICRE e o R. AA. Os cartões bancários são pessoais e a responsabilidade deles emergente está restrita ao seu titular;

3 – O ponto 17 dos factos assentes atribui, de formas genérica, a origem da dívida ao uso de todos os cartões de crédito. Contudo, da mera análise dos extratos e do Doc. nº 57, verifica-se que assim não é;

4 – Dos extratos resulta a existência de sete cartões: 0823; 1714; 5398; 5406; 2979; 5406; 3274. O único cartão atribuído à Recorrente BB, pelos movimentos do qual é responsável, é o nº 5398 (ponto 5 da decisão de facto). Ora este cartão, conforme resulta dos extratos, é tem débitos de anuidades, não tem movimentos a crédito, a débito ou de levantamento em numerário;

5 – Dos referidos documentos resulta que os movimentos que dão origem à dívida provêm de um único cartão, o 0823, atribuído ao R. AA em substituição de outro contratado entre a UNICRE e este, ainda no estado de casado com CC;

6 – Deve considerar-se como não provado que o valor de 19.660,97€, ou parte dele, provenha da utilização do cartão 5398, devendo antes ter-se por provado que provém da utilização do cartão 0823, titulado unicamente pelo R. AA, assim se afastando a responsabilidade contratual da Recorrente pela dívida em causa.
Termos em que deve conceder-se provimento ao presente recurso, com as legais consequências.

3. A A. contra-alegou, concluindo que:

a) Pretende a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao dar como provados ““os pontos 4; 6 e 17 (…) uma vez que, no que toca à responsabilidade contratual atribuída à ora Recorrente, a decisão de facto contraria os documentos tomados, precisamente, como suporte dessa mesma decisão”, pois não terá subscrito “o outro escrito denominado CARTÃO DE CRÉDITO UNIBANCO PARTICULAR – condições gerais de utilização, direitos e deveres das partes”, pelo que não assumiu qualquer obrigação solidária pelo saldo da conta-cartão a que o cartão de que era titular se encontrava associado, nem foi com por via da utilização do cartão de que era titular que o crédito peticionado pela Recorrida foi constituído.

b) Não assiste razão à Recorrente, tendo o Tribunal a quo dado como provada, e bem, a factualidade alegada pela Recorrida na petição inicial e complementada pelos subsequentes articulados de reposta e suportada em prova documental bastante e testemunhal.

c) Tal decisão devidamente fundamentada pela Mma. Juiz a quo, teve por base toda a prova produzida pela Recorrida e a resultante da própria confissão dos Réus.

d) A Recorrente seja em sede de contestação, seja em sede recursiva, não colocou em causa a subscrição do pedido de adesão (composto de monofolha com 2 páginas) constante de fls. 8-8v/80v-81, que assinou na frente, nem tãopouco negou conhecer o respectivo clausulado constante do verso.

e) Admitiu expressamente a Recorrente ser titular do cartão de crédito que a Recorrente lhe atribuiu em 2005 e que o mesmo se encontrava associado a uma conta-cartão já então titulado pelo co-Réu, que também subscreveu o pedido de adesão de fl.s 8-8v/80v-81 em 2005, ficando a Recorrente como 2ª titular da referida conta-cartão.

f) Para além dos contratos, a Recorrida juntou aos autos o extracto emitido em Janeiro de 2013, pelo qual foi comunicada aos Réus a alteração da taxa de juro aplicável no âmbito do contrato de cartão de crédito, os extractos descriminativos do saldo devedor da conta-cartão respectiva, e que constituíram o saldo em dívida, assim como diversa correspondência trocada com os Réus, documentos que o Tribunal a quo valorou e sustentam a sua decisão fáctica.

g) A Recorrente não alegou não ter recebido tais documentos, não ser sua a assinatura aposta no pedido de adesão o ter assinado, nem puseram em causa a veracidade do respectivo conteúdo, nem o seu desconhecimento ou discordância.

h) À prova documental escrita referida junta-se a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento através do depoimento da funcionária da Recorrida DD.

i) O único documento que a Recorrente alega não estar assinado é o verso do pedido de adesão junto com a p.i (fls. 8-8v/80v-81), e do qual constam as condições gerais de utilização – direitos e deveres.

j) Sucede que consta de tal documento, com óbvia relevância– e assim terá sido entendido e bem, pela Mma Juiz a quo, na apreciação e valoração da prova - a circunstância de o texto escrito do contrato conter, antes das assinaturas apostas na frente do mesmo (que nenhum dos Réus saliente-se, impugnou), referências explícitas ao clausulado que se lhe segue no verso, como se transcreve:

“(…)Os destinatários da informação são os legalmente previstos, bem como os constantes das cláusulas contratuais mencionadas no verso, relativamente às quais dou o meu acordo”. (sublinhado nosso)

“*Dando cumprimento ao estipulado na cláusula 21 da Condições Gerais, é designado como representante perante a UNICRE para efeitos de recepção de todas as comunicações, o 1º Titular, na morada supra.-identificada”, como ainda a menção expressa “Por favor, assine aqui e também no verso”

k) Deste modo, entendeu e bem, a Mma Juiz a quo, que as condições gerais em referência, constantes do verso do escrito assinado pelas partes na frente, não são de excluir, devendo, antes, ser tidas em conta.

l) Por outro lado, as “Condições Gerais” encontram-se totalmente impressas em letra bem legível, não se inserindo, assim, em formulário com espaços em branco, susceptíveis de preenchimento posterior, pelo que qualquer pessoa que usasse de um mínimo de diligência, face à forma como se mostra estruturado o contrato e naturalmente alertado para a existência das “Condições Gerais” pela referência constante antes da sua assinatura, se teria apercebido do conteúdo dessas “Condições Gerais” como efectivamente aconteceu, pois as mesmas constavam já devidamente impressas no verso do documento assinado pelos Réus.

m) A verdade é que a Recorrente contratou com a Recorrida ciente das obrigações reciprocamente assumidas e sempre teve inteiro conhecimento das condições de utilização aplicáveis.

n) Ao invocar falta de assinatura no verso do documento de fls. 8-8vs (e 80vs-81), com o intuito de se desvincular de uma obrigação que tem para com a Recorrida, a Recorrente está a abusar de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, em conformidade com o estatuído no artigo 334º do Código Civil.

o) Dos autos não consta, nem tão pouco a Recorrente o alegou, que em algum momento tivesse sido solicitado qualquer pedido de informações sobre qualquer elemento do contrato ou que tais pedidos tivessem sido recusados; como de igual modo, a Recorrente não alegou que o clausulado contratual não lhe foi explicado ou era por si desconhecido.

p) Antes pelo contrário, todos os actos praticados pelos Réus, permitiram demonstrar que conheciam e aceitavam em pleno as condições contratuais, e por essa razão o Tribunal a quo decidiu e bem ao dar como provados os factos constantes dos pontos 4, 6 e 17 que assim não merecem qualquer censura.

q) Por maioria de razão, decidiu bem o Tribunal a quo ao dar como provado que a Recorrente ao solicitar e aceitar a emissão de um segundo cartão de crédito em seu nome, mas inserto na Conta-cartão titulada também pelo co-Réu, obrigou-se solidariamente com este ao pagamento de todas as quantias recebidas através da utilização de qualquer um dos cartões incluídos na mesma conta por qualquer um dos Réus.

r) A sentença recorrida não merece qualquer espécie de censura, pois não violou nenhuma disposição legal ou convencional em vigor.

s) Por tudo, o supra exposto, dever-se-á manter a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” julgando-se improcedente in totum o recurso interposto pela Apelante, assim se fazendo a devida e costumada Justiça!

II - Factos Provados

  

1. A autora é uma instituição financeira de crédito que se dedica ao financiamento de crédito e à gestão e emissão de cartões de crédito – artigo 1.º da petição inicial.

2. No exercício da sua atividade, por acordo escrito subscrito pela autora e pelo réu AA em 11.01.1991 [cujas condições gerais constam do documento de fls. 6-6vs, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], a autora, a pedido e no interesse deste, atribuiu ao réu AA um cartão de crédito com o número ...68 – artigo 2.º da petição inicial,

3. O qual, posteriormente, foi sendo sucessivamente substituído por outros, o último dos quais com o n.º ...23 – idem.

4. Posteriormente, por acordo escrito subscrito pela autora e pelos réus AA e BB em 17.03.2005 [cujas condições gerais constam do documento de fls. 80vs-81, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], a pedido e no interesse dos réus, a autora procedeu à atribuição de um segundo cartão de crédito adicional à ré BB, com o n.º ...10 – artigo 2.º da petição inicial,

5. O qual, posteriormente foi sendo substituído por outros, o último dos quais com o n.º ...98 - idem.

6. Nos termos das condições contratuais subscritas pelos réus nos termos descritos em 4), «Todo e qualquer cartão está assocado a uma Conta-cartão, podendo esta ter associado mais do que um Cartão (Contas Colectivas). (…) A responsabilidade perante a UNICRE sobre as Contas Colectivas é solidariamente assumida pelos vários titulares da mesma, independentemente do tipo de titularidade.»

7. Através dos supra referidos cartões de crédito foi concedida aos réus a possibilidade de estes adquirirem bens e/ou serviços pelo montante acordado entre estes e o vendedor, bem como efetuar operações de levantamento em numerário em caixas Multibanco – artigo 5.º da petição inicial.

8. Por outro lado, sobre a Autora impendia a obrigação de proceder ao pagamento dos bens e/ou serviços adquiridos pelos réus a terceiros, bem como, assim a disponibilizar os produtos bancários associados à conta cartão em causa e a disponibilizar levantamentos em numerário efetuados em ATM – artigo 6.º da petição inicial,

9. A Autora obrigou-se ainda a disponibilizar mensalmente aos Réus um extracto da sua conta-cartão, contendo: i) as referências e os valores das transações efetuadas com os cartões de crédito, pagas pela Autora em nome dos Réus ii) as prestações e os encargos e seguros referentes aos produtos financeiros associados, designadamente “Créditos Pessoais”, quando aplicáveis; iii) os valores que pelos Réus seriam devidos à Autora pela prestação de serviços; iv) os valores respeitantes a correções ou movimentos de estorno quando devidos; v) os valores respeitantes a anuidades, juros, impostos e encargos devidos a serviços solicitados pelos Réus à Autora, quando aplicáveis; vi) os pagamentos efetuados pelos Réus à Autora – artigo 7.º da petição inicial.

10. O montante total em divida indicado num dado extracto deveria ser pago pelos Réus, no prazo de 20 dias após a data da sua emissão (o que, no caso, ocorria no dia 18 de cada mês) – artigo 8.º da petição inicial.

11. Caso os Réus não procedessem ao pagamento pela totalidade, sobre a parte remanescente, deduzida de eventuais juros e respetivos impostos, incidiriam juros pelo período mensal decorrido desde a data de emissão daquele extracto até à data de emissão do extracto seguinte - idem,

12. Os quais seriam remunerados a uma taxa de juro mensal, que poderia ser revista pela Autora, sendo tais alterações comunicadas aos Réus através de mensagem inscrita no extracto de conta [cf. consta expressamente das condições contratuais referidas em 4)].

13. A taxa dos juros remuneratórios aplicável cifra-se em 29,196% (TAN de 26,450%, acrescida de Imposto de Selo) - artigo 9.º da petição inicial

14. Os Réus comprometeram-se a proceder ao pagamento integral do referido saldo nos vinte dias posteriores à emissão daquele extracto – artigo 10.º da petição inicial.

15. Em alternativa, poderiam optar pelo pagamento fracionado, no valor mínimo de 3% do valor total em dívida até à data limite de pagamento indicada no extracto de conta - idem.

16. Foi igualmente convencionado entre as partes que, em caso de não cumprimento da obrigação do pagamento mínimo acordado, poderiam ser exigidos juros moratórios à taxa moratória máxima legal para operações comerciais [cf. cláusula 17.ª, alínea d), das condições contratuais referidas em 4)] – artigo 11.º da petição inicial.

17. Mediante a utilização dos referidos cartões de crédito, os Réus adquiriram, em diversos estabelecimentos comerciais, bens e/ou serviços e usufruíram de serviços no valor total de € 19.660,97, que a Autora pagou aos respectivos comerciantes – artigo 12.º da petição inicial.

18. A Autora enviou aos Réus para o endereço convencionado os extratos mensais discriminativos do seu saldo devedor – artigo 13.º da petição inicial.

19. Sucede que os réus, a partir de 07.02.2019, deixaram de amortizar pontualmente o capital vencido nos termos acordados, apresentando, à data de 23.03.2019, o montante total em dívida a título de capital, no valor de 19.517,24€ – artigo 15.º da petição inicial e teor dos documentos 44 e 45 juntos com a petição inicial.

20. Por cartas datadas de 23.03.2019 remetidas a ambos os réus, a autora comunicou aos réus, respectivamente, a abertura do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento [PERSI].

21. Por cartas datadas de 23.04.2019 remetidas a ambos os réus, a autora comunicou aos réus, respectivamente, o encerramento do PERSI.

22. Posteriormente, os réus efectuaram pagamentos parciais por conta da dívida, o último pagamento dos quais em 26.12.2019, no valor 1.000,00€ – artigo 16.º da petição inicial,

23. Na sequência da falta de pagamento, em 18.08.2020, a autora procedeu ao cancelamento dos cartões, deixando os Réus de os poderem utilizar – artigo 15.º da petição inicial.

24. Tendo a Autora então considerado a dívida integralmente vencida com reporte àquela data – artigo 15.º da petição inicial.

25. Sendo que, naquela data, o valor em dívida ascendia a 26.811,48€, sendo 19.660,97€ a título de capital e 7.150,51€ de juros vencidos remuneratórios, com data limite de pagamento até 07.09.2020 – artigo 17.º da petição inicial.

 

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Responsabilidade contratual – individual ou solidária - da R./recorrente em face da adesão ao “cartão de crédito adicional” disponibilizado pela A.

2. A recorrente impugna os factos provados 4., 6. e 17., com base em prova documental (junta com a p.i), pretendendo resposta modificada ao primeiro e terceiro, conforme redacção que apresentou, e resposta restritiva ao segundo, conforme sugeriu (cfr. conclusões de recurso 1 - a 6 -).

Na decisão recorrida exarou-se a seguinte motivação:

““As respostas aos factos controvertidos acima referenciados assentaram na análise crítica e conjugada, à luz das regras da experiência comum e do ónus da prova, dos documentos juntos aos autos e da prova produzida em audiência de julgamento:

a) na análise dos documentos de fls. 6-6vs e 8-8vs (condições especificas e condições gerais assinadas e rubricadas pelos réus);

b) na análise da correspondência e dos extractos de fls. 13-54 e 54vs-65, e de fls. 94-95;

c) na análise do depoimento prestado, em audiência de julgamento, pela testemunha DD, com 52 anos de idade, bancária e trabalhadora da autora desde há 34 anos, e que declarou ter conhecimentos dos factos descritos, quer por via do exercício das respectivas funções profissionais, quer da consulta da documentação interna da autora, confirmando o teor dos documentos acima referenciados e os factos atinentes ao incumprimento por parte dos réus.

Em concreto, a testemunha DD, acima identificada, relatou que o réu AA, juntamente com a então esposa, CC, era cliente da autora desde 1991, aquando da subscrição do primeiro cartão de crédito, sendo certo que tais declarações corroboram e são corroboradas pelo teor do “Pedido de Adesão” e “Condições Gerais” de fls. 6-6vs. A testemunha mais esclareceu que, posteriormente, em 2005, o réu solicitou o cancelamento do cartão emitido em nome de CC e, agora acompanhado pela ré BB, subscreveram um segundo cartão, o qual foi incluído na mesma Conta-cartão originária [cf. subscrição do “Pedido de Adesão” e “Condições Gerais” de fls. 80vs-81]. Tais factos são, ainda, coerentes e corroborados pelo teor dos extractos de fls. 13-54, dos quis se extrai a inclusão dos dois cartões em análise na mesma Conta-cartão. Como tal, a autora demonstrou que os réus, ao aderir a este novo cartão de 2005, quiseram ambos aceitar e aceitaram as condições contratuais documentadas a fls. 80vs-81. No entanto, analisadas as “Condições Gerais de Utilização, Direitos e Deveres das Partes” de fls. 10-12vs, resulta desde logo que o respectivo “Modelo” é datado de Janeiro de 2019, logo, posterior à subscrição dos cartões em referência nos autos, sendo certo que, analisados todos os extractos, não consta dos mesmos qualquer referência ao envio e à aceitação de um clausulado escrito, nem em concreto, das condições contratuais em referência. Como tal, a autora não demonstrou que os réus tenham aceitado ou subscrito as referidas “Condições Gerais de Utilização, Direitos e Deveres das Partes” de fls. 10-12vs, e, como tal, estas não são aplicáveis aos cartões em referência nos autos.

Para prova dos factos vertidos em 12) a 22), o Tribunal valorou os extractos e as correspondências juntos aos autos, conjugados com o depoimento da testemunha DD, acima identificada. Neste sentido, o depoimento da testemunha é coerente e corroborado pelo teor dos referidos extractos [esclarecendo, inclusive, que estes são enviados exclusivamente para o 1.º titular da Conta-cartão], sendo certo que, quanto a estes, os réus não suscitou falta de recepção ou de conhecimento dos mesmos, nem, tão-pouco impugnaram o seu teor, admitindo, ao invés, expressamente, o valor do capital peticionado pela autora e que decorre dos referidos extractos. Ainda assim, o depoimento da testemunha, conjugado com a comunicação de alteração da morada de fls. 94 permite ainda concluir que os extractos e as correspondências postais documentadas nos autos foram remetidas pela autora aos réus para a morada contratual indicada por estes para esse efeito. Nestes termos, considerando que a relação comercial entre autora e réus em apreciação nestes autos perdurou por um período de mais de 15 anos e o réu AA recebeu mensalmente os extractos remetidos por aquela, utilizou sempre o cartão de crédito nos levantamentos e em compras de bens e serviços durante aquele período de tempo, não reagindo a esses extractos, não podemos deixar de considerar e concluir que os réus, através desse comportamento aceitou as condições contratuais que decorrem expressamente desses mesmos extractos [ou seja, pode falar-se numa situação objectiva de confiança criada pelos réus quanto à aplicabilidade de tais condições contratuais]. Da mesma forma, o juízo ora formulado vale ipsis verbis para demonstração da taxa de juros remuneratórios aplicável, a qual consta expressamente dos referidos extractos, que o réu recebeu e pagou em conformidade por cerca de 15 anos, o que significa que a aceitou, tal como decorre expressamente do extracto de fls. 13, no qual foi comunicada a alteração da taxa nos termos dados como provados.”.

2.1. Em relação aos factos 4. e 6., a recorrente propõe que a resposta a dar seja, quanto ao facto 4., a de considerar não provada a atribuição à mesma do cartão nº 5810 (últimos 4 números), mas a sua associação, como titular suplementar, ao cartão 8653 (últimos 4 números), e, quanto ao facto 6., a de não provado a subscrição pela apelante das condições contratuais constantes no escrito denominado CARTÃO DE CRÉDITO UNIBANCO PARTICULAR-Condições Gerais de Utilização, Direitos e Deveres das Partes, ou qualquer outro, que não contenha a sua assinatura.

Argumenta que o escrito referido no ponto 4 dos factos assentes constitui, na verdade, dois escritos fisicamente autónomos, um denominado Proposta de Adesão de Titular Suplementar ao cartão 8653, já titulado pelo co-R. AA, datado de 22.3.2005, assinado pela recorrente, o outro denominado Condições Gerais de Utilização, sem qualquer assinatura, apresentando-se os campos destinados a esse efeito em branco, sendo que o único cartão atribuído à mesma foi o 5398 (últimos 4 números), pois todos os restantes cartões foram contratados apenas entre a A. e o R. AA.

2.1.1. Os docs. 1 e 1A, juntos com a p.i. demonstram que entre o 1º cartão atribuído ao co-R. AA e o último - factos provados 2. e 3. (não impugnados pela apelante) -, tal AA, em Dezembro de 2004, era titular do cartão 8653 (últimos 4 números). E que em 17.3.2005, e não em 22.3.2005, como afirma a recorrente (Doc. 1B, a fls. 8/8v. e a cores a fls. 80v./81), a recorrente aderiu a esse cartão, a seu pedido e apondo a respectiva assinatura no formulário, tendo a A. procedido à atribuição de um cartão de crédito adicional à R./recorrente. No formulário consta que o nº era o ...10. De tal documento não se consegue extrair com segurança se tal número era o do formulário de adesão ou o nº do cartão a atribuir. O tribunal deu como provado tal número, com base na fundamentação que apresentou, atrás transcrita, a recorrente diz que não era, que era o número do formulário, mas prova para tanto não exibe, nem outro elemento o demonstra, como ela pretendia. De qualquer maneira, importante é que à recorrente foi atribuído um cartão, e que esse cartão inicial foi substituído, sendo que o último que titulava era o 5398 (últimos 4 números), como a recorrente aceita e está provado sob o facto 5. (não impugnado pela apelante).   

Assim, a redacção do apontado facto, neste aspecto, tem de manter-se.

2.1.2. Quanto à ligação entre o facto provado 4. e 6., relativo à subscrição das condições gerais de utilização do referido cartão de crédito, avança a mesma que não assinou as mesmas pelo que não está vinculada.

De facto, tais condições gerais não estão assinadas no verso, só na frente do escrito (o Doc. 1B), no formulário de adesão, a recorrente assinou. E não impugnou essa sua assinatura.

Mas a recorrente não invoca nenhuma norma legal da qual resulte que só a assinatura na parte de trás de tal documento é válida, não na parte da frente, e que assim não estava vinculada, não subscreveu as condições gerais do uso de tal cartão de crédito.

Mas podia ter invocado a exclusão de quaisquer cláusulas, nos termos do art. 8º do DL 446/85, de 25.12, nomeadamente da d), para sujeitar a apreciação pelo tribunal recorrido. O que não fez. Sibi imputet.

Agora em recurso, e caso se entendesse, com muito boa vontade, que afinal estava a ir por tal caminho - de qualquer modo não aceitaríamos tal invocação, dado não haver nenhum indício forte e claro para tanto -, então esbarrava contra outro obstáculo. É que se trataria de uma questão nova, não cognoscível no âmbito deste ou qualquer recurso (a excepção seria uma questão de conhecimento oficioso, que não é o nosso caso em concreto).

Portanto, aquele argumento da recorrente de que não se vinculou porque não assinou a parte traseira do formulário de adesão, não pode proceder, visto que, inclusive, o tribunal justificou (cfr. a motivação da decisão de facto anteriormente transcrita) e deu por provado que a recorrente subscreveu a conta-cartão de crédito e as condições da sua utilização.

Sucede, até, que consta de tal documento, do texto escrito antes das assinaturas apostas na frente do mesmo, referência explícita ao clausulado que se lhe segue no verso, como se transcreve: “Os destinatários da informação são os legalmente previstos, bem como os constantes das cláusulas contratuais mencionadas no verso, relativamente às quais dou o meu acordo”, ainda “Dando cumprimento ao estipulado na cláusula 21 da Condições Gerais, é designado como representante perante a UNICRE para efeitos de recepção de todas as comunicações, o 1º titular, na morada supra-identificada”, como ainda a menção expressa “Por favor, assine aqui e também no verso”.

Daqui retiramos, tudo conjugado, que a recorrente subscreveu também as condições gerais do cartão de crédito que ela queria e que lhe foi atribuído.

Não procede, por isso, a impugnação deduzida aos factos 4. e 6. interligados.

2.2. Em relação ao facto provado 17., a recorrente propõe que deve, antes, dar-se por provado que o valor aí indicado provém da utilização do cartão 0823 titulado, unicamente, pelo R. AA.

Contrapõe à convicção do tribunal a quo, que a origem da dívida do uso de cartões de crédito, conforme análise dos extractos e do Doc. nº 57, resulta dos movimentos que provêm de um único cartão, o 0823, atribuído ao R. AA. Sendo que dos extractos resulta a existência de sete cartões: 0823; 1714; 5398; 5406; 2979; 5406; 3274, e o único cartão atribuído à recorrente, pelos movimentos do qual é responsável, é o 5398, cartão que, conforme resulta dos extractos, só tem débitos de anuidades, não tem movimentos a crédito, a débito ou de levantamento em numerário.

Dos docs. nºs 3 a 43, referentes ao cartão 0823, juntos com a p.i. (extractos a fls.13/54 e 54v/65), e do doc. nº 56 (não 57, como afirma a recorrente), a fls. 66, decorre que os mesmos têm despesas relacionadas com os indicados cartões 0823, 1714; 5398; 5406; 2979; 5406; 3274, designadamente o 5398, o último atribuído à R., só tem débitos de anuidades, não tendo movimentos a crédito, a débito ou de levantamento em numerário.

Ou seja, cartões usados pela R. e seu co-R., sendo que a R. se associou ao cartão do R., na altura nº 8653, como antes já mencionado, e agora nº 0823.

Do exposto, não pode proceder a impugnação de facto da R. a tal facto provado 17.

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Resulta, em síntese, dos factos alegados na petição inicial e dados como provados que a autora, na qualidade de sociedade financeira de aquisições de crédito celebrou com os réus um contrato de concessão de crédito através da adesão a um cartão de crédito, nos termos do qual os réus poderiam, nomeadamente, adquirir bens ou serviços a crédito.

Constata-se, pois, que, no âmbito da contratação em causa, os réus ficaram obrigados à restituição do capital utilizado (capital utilizado com recurso ao cartão de crédito) e ao pagamento do respectivo preço, ou seja, dos juros contratados sobre o capital mutuado.

De facto, a ré BB, ao solicitar e aceitar a emissão de um segundo cartão de crédito em seu nome, mas inserto na Conta-cartão titulada também pelo réu AA, obrigou-se solidariamente com este ao pagamento de todas as quantias recebidas através da utilização de qualquer um dos cartões incluídos na mesma conta por qualquer um dos réus.

Assim, com referência à responsabilização solidária dos réus, estamos perante um contrato comercial, no âmbito do qual o regime-regra no âmbito do direito comercial é o das obrigações solidárias (cf. art. 100.º do C. Com). Ainda que assim não fosse, nos termos do art. 513.º do CC, «a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes», sendo certo que, in casu, conforme resulta da factualidade provada, o réu … assumiu responsabilidade solidária com a ré …, na qualidade de titular/utilizador, pelas dívidas contraídas com aludido cartão de crédito.

Concluímos, pois, que o regime contratual acordado entre as partes permite concluir que, de uma forma expressa, ambos os réus, se obrigaram perante a mutuante, aqui autora, a cumprir de forma solidária as obrigações resultantes do contrato firmado e aqui em apreciação.”.

A recorrente verdadeiramente só impugnou a decisão da matéria de facto, mas no final da conclusão 6 - de recurso diz não ter qualquer responsabilidade, sem apresentação de argumentação jurídica. Impõe-se, por isso, uma justificação de direito brevitatis causa.

E nesta parte há que chancelar a fundamentação jurídica exarada pelo julgador, pois que, no âmbito da contratação em causa, a R. (e o co-R.) ficou obrigada à restituição do capital utilizado com recurso ao cartão de crédito e ao pagamento do respectivo preço, ou seja, dos juros contratados sobre o capital mutuado.  Ela no âmbito do seu cartão de crédito, mas inserto na Conta-cartão titulada também pelo co-R., obrigou-se solidariamente com este ao pagamento de todas as quantias recebidas através da utilização de qualquer um dos cartões incluídos na mesma conta por qualquer um dos RR. – facto provado 6.

Assim, com referência à responsabilização solidária dos réus, estamos perante um contrato comercial, no âmbito do qual o regime-regra no âmbito do direito comercial é o das obrigações solidárias (cf. art. 100º do C. Com) e perante uma solidariedade convencional (art. 513º do CC), “a solidariedade de devedores …só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes”.

Não procede a apelação.

(…)

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente, assim se confirmando a sentença recorrida.

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Custas pela R./recorrente.

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Coimbra, 9.1.2024

Moreira do Carmo

Fernando Monteiro

Alberto Ruço