Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
166/10.1TBVLF.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
CASO JULGADO
REFORMATIO IN PEJUS
Data do Acordão: 01/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - V. N. FOZ CÔA - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.23, 24 CEXP, 635 Nº5 CPC
Sumário: 1. No processo de expropriação a decisão dos árbitros deverá ser considerada verdadeira decisão judicial, aplicando-se ao recurso que sobre ela recair o regime do Código do Processo Civil, com as necessárias adaptações.
2. A decisão do tribunal não pode ser mais desfavorável para o recorrente que a decisão arbitral impugnada, e da qual a parte contrária não recorreu, atento o princípio da proibição da “reformatio in pejus” (art.º 635º, n.º 5, do CPC de 2013) – por exemplo, a não interposição de recurso da decisão arbitral, por parte da entidade expropriante, impedirá a “avaliação” por valor inferior ao fixado nesta decisão.

3. O caso julgado verifica-se apenas quanto à decisão relativa à quantia indemnizatória global.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. Nos presentes autos de expropriação litigiosa por utilidade pública em que são, expropriante, D (…), ACE, e, expropriados, J (…), M (…) e A (…) foi expropriada a “parcela n.º L36”, a destacar do prédio rústico sito na freguesia e concelho de Vila Nova de Foz Côa, descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º 3532/20051019 e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º 4203, identificada no despacho do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas de 12.8.2009, publicado no Diário da República, 2ª série – n.º 162, de 21.8.2009, necessária para a execução do “IP2 Pocinho-Longroiva, no trecho 0+000 a 07+852,353”.

Realizou-se a vistoria ad perpetuam rei memoriam.

Na impossibilidade de acordo, constituída a arbitragem, foi decidido, por unanimidade, atribuir aos expropriados a indemnização em € 14 772,40.

            Adjudicada a propriedade da parcela à entidade expropriante e notificada a decisão arbitral, o expropriado A (...) impugnou esta decisão, referindo, em resumo, que foi feita uma errada descrição da parcela (características e vias de acesso), o cálculo do rendimento fundiário e económico da parcela é desprovido de fundamento, não é correcto o valor atribuído ao olival e à vinha aí implantados e, ainda, que deixou de ter acesso a grande parte da área sobrante, com os inerentes incómodos e despesas, devendo ser paga a indemnização global de € 121 144.

            A entidade expropriante respondeu, pugnando pela fixação da indemnização atribuída pela decisão arbitral.

            Procedeu-se à avaliação tendo os Exmos. peritos fixado, por unanimidade, a valor global da indemnização em € 14 314,80.

Realizada a audiência de discussão e julgamento e na sequência da notificação prevista no art.º 64° do Código das Expropriações (CE) [aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18.9, e na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 56/2008, de 04.9][1] a expropriante e os expropriados apresentaram alegações, reafirmando as suas posições.

            Foi depois proferida sentença, datada de 09.5.2014, que julgou “parcialmente procedente” o recurso interposto pelo expropriado A (...) e, “em consequência”, fixou a indemnização no montante de € 14 314,80 (catorze mil trezentos e catorze euros e oitenta cêntimos), a actualizar pelo índice de preços no consumidor, fornecido pelo I.N.E., a partir da data da declaração de utilidade pública.

Os expropriados recorreram desta decisão, formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

            1ª - A parcela foi desvalorizada por ter sido valorizado o aumento das distâncias percorridas, sem que tivessem sido concretizadas tais distâncias.

            2ª - A distância, a percorrer, da parcela poente para a parcela nascente, pelo caminho agrícola, que a expropriadora construiu, paralelo ao IP2, é de 3 870 m, só numa ida, pelo que os recorrentes ficarão permanentemente penalizados em custos e tempo perdido ao deslocarem-se para a parcela nascente, três vezes maior que a parcela que restou, a poente, nos tratamentos agrícolas.

            3ª - O valor desta parcela, a preço de mercado, é cerca de € 100 000/ha.

            4º - A entidade expropriante propôs pagamentos para áreas expropriadas de vinha, com valores superiores a € 50 000/ha, para o mesmo local, e pagou aos recorrentes uma pequena parcela de terreno para caminho agrícola, paralela ao IP2 a € 6,06/m2.

            5ª - Não foi tido em conta a desvalorização provocada pelos taludes construídos com descargas de água pluviais, com resíduos do tráfico e do desgaste dos pneus (provenientes das valetas das bermas do IP2), de elevado volume, com túneis cilíndricos de betão, com mais de 1 m de diâmetro, para a vinha instalada na parcela poente, facto que, por impedir o seu tratamento agrícola em determinadas épocas do ano, deveria ter sido tomada em linha de ponderação.

            6ª - Os recorrentes deveriam ter sido indemnizados, de acordo com o art.º 27º, do CE, tendo em conta o rendimentos efectivo, a natureza do solo e subsolo, a configuração do terreno, as condições de acesso, culturas, clima, frutos, pendentes e todas as circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo.

            7ª - No cálculo do rendimento fundiário efectuado pelo relatório pericial, no valor unitário do olival, foi considerada uma taxa de capitalização de 4 %, quando na verdade, a taxa média aplicada rondará os 2 %, taxa actual, anual líquida, máxima, que as entidades bancárias pagam nos depósitos a prazo - dividindo o valor unitário do olival por 2 %, cf. peritagem € 25 000/ha, teria resultado um valor de € 50 000/ha.

            8ª - Nem sequer se ponderou, no cálculo do valor do olival, as próprias oliveiras e o tipo de oliveiras existentes, idade, porte, compasso, quantidade de árvores por ha, tipo de solo, etc.

            9ª - De acordo com duas Cooperativas de Olivicultores, cada oliveira do tipo existente na parcela expropriada, produz em média anual 50/60 kg; e seriam necessários 6 kg para a produção de 1 litro de azeite a um valor de mercado de € 3.

            10ª - O custo máximo para produzir esta quantidade de azeite é de 30 %.

            11ª - O valor pretendido como indemnização pela área de olival e vinha, nunca deveria ser inferior ao montante que o expropriante pagou (superior a € 6/m2) por terra inculta para caminho agrícola.

            12ª - O valor fixado pela área expropriada (20 % x € 11 929), não levou em conta a área sobrante, nomeadamente sobre o valor de 30 000 m2 de vinha remanescente, a poente do traçado do IP2, sendo que a indemnização pela área expropriada nunca deveria inferior a 20 % do seu real valor (€ 300 000 x 20 %).

            13ª - Devem ser tidos em conta, não a depreciação da parcela a poente, mas os danos que a mesma sofreu (e que o tribunal reconhece) com a divisão dos prédios.

            14ª - Nos autos existem dados que permitiam ao tribunal discordar, fundamentadamente, da proposta feita pelos peritos.  

            Rematam pugnando pela procedência do recurso e consequente revogação da sentença.

            A expropriante não respondeu à alegação de recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso), importa conhecer, sobretudo, dos factores determinantes do cálculo da indemnização e da justa indemnização a atribuir, ponderando se a não interposição de recurso da decisão arbitral por parte da entidade expropriante obsta à “avaliação” por valor inferior ao fixado naquela decisão.

*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            a) Por despacho de 12.8.2009, publicado em Diário da República, 2ª Série, de 21.8.2009 foi proferida declaração de utilidade pública expropriativa da “parcela L36”, e que se destinava à construção da obra “IP2 Pocinho-Longroiva, no trecho 0+000 a 07+852,353”.

            b) A referida parcela foi destacada de um prédio rústico sito na freguesia e concelho de Vila Nova de Foz Côa, descrito na CRP de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º 3532/20051019 e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º 4203 a favor dos expropriados.

            c) O prédio identificado em II. 1. b) tinha área inicial de 42 556 m2.

            d) A parcela identificada em II. 1. a) confronta de Norte com António Fernando Ferreira Farelo, de Sul com Hermínio João Elias Abrantes, de Nascente e de Poente com a fracção sobrante do prédio (que confronta, de Nascente, com Estrada Nacional n.º 102 e, de Poente, com EM Pocinho Santo Amaro); tem a área de 4 045 m2.[2]

            e) A parcela identificada em II. 1. a) é constituída por terreno de orografia plana e ligeiramente inclinada, com solo de origem xistosa, fundo e fértil[3]; estava ocupada por olival a nascente composto de cinquenta e duas oliveiras grandes e quatro oliveiras pequenas, antigas, com copa bem desenvolvida e formada numa área de 2934 m2, e a poente e sul por vinha não aramada organizada em cinco fiadas de videira com um ano de idade, numa área de 1111 m2, não dispondo de estruturas urbanísticas.

            f) A parcela identificada em II. 1. a) encontra-se inserida em parte em Reserva Ecológica Nacional e Reserva Agrícola Nacional e pertence à Região Demarcada do Douro.

            g) O olival implantado na parcela e melhor descrito em II. 1. e) tem um valor global de € 7 335.[4]

            h) A vinha implantada na parcela e melhor descrita em II. 1. e) tem um valor global de € 4 594.[5]

            i) Por força do descrito em II. 1. a) aumentaram os custos culturais inerentes ao aumento das distâncias percorridas durante o ciclo de desenvolvimento vegetativo da cultura da vinha e do olival na parcela sobrante no valor de € 2 385,80.[6]

            j) O prédio descrito em II. 1. b) é dotado de acesso pela Estrada Municipal Pocinho-Santo Amaro pavimentada a betuminoso.

            k) Em 06.4.2010 a entidade expropriante tomou posse administrativa da parcela expropriada.

            l) Em 10.9.2010 foi proferido Acórdão de Arbitragem que concluiu pela atribuição de indemnização pela parcela expropriada no valor global de € 14 772,40, depositado nos autos.

            2. E deu como não provado:

            a) A distância que vai da área expropriada até ao limite nascente da propriedade é de cerca de 600 m, com uma largura, em alguns locais de 60 m, atingindo em alguns pontos declive com 50 % de inclinação.

            3. Não vindo expressa e adequadamente questionada a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada e não provada, mas apenas os critérios que presidiram ao cálculo da indemnização, importa agora decidir com a necessária concisão.

            Como se verá, a decisão do recurso afigura-se relativamente simples, tendo em conta, sobretudo, o contributo dos Srs. árbitros e peritos (metade dos quais com formação académica da área agrária ou agrícola) - consideraram que a avaliação da parcela expropriada consiste na determinação do valor do olival, na valorização da vinha e na desvalorização da parte sobrante, divergindo apenas quanto a alguns dos factores de cálculo a aplicar mas com diminuta relevância para a determinação do valor global da indemnização; acresce que a prova documental que os recorrentes/expropriados juntaram aos autos não permite a “leitura” por eles efectuada.

4. Resulta claramente dos autos que, para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo da parcela expropriada deverá ser classificado como “solo para outros fins” [cf. II. 1. f), supra; acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência n.º 6/2011, de 07.4.2011[7], e art.ºs 25º, n.ºs 1, alínea b) e 3, e 27º] e que, atentos os elementos disponíveis, no cálculo do valor da mesma parcela deverá ser aplicado o preceituado no n.º 3 do art.º 27º.[8]

            5. Não se suscita assim qualquer dúvida quanto à qualificação da parcela expropriada, sendo que a arbitragem e a peritagem efectuadas nos autos seguiram critérios de cálculo similares ou idênticos, obtendo valores globais que divergem em cerca de € 500.

            Concretizando.

            No apuramento dos três mencionados valores, consideraram os Srs. árbitros, no “valor do olival”, que o respectivo rendimento fundiário[9] seria o resultado de uma produção média anual de 650 litros/ha ao preço de € 4/litro, com encargos culturais de 60 % do rendimento bruto e uma taxa de capitalização de 4 %, daí resultando o valor de € 7 628,40 [(650 x 4 - 650 x 4 x 0,6) : 0,04 : 10 000 m2 x 2934 m2]; para o “valor da vinha” atenderam ao valor do solo de € 2/m2 (preço que se obteria em mercado livre, em virtude da sua localização, facilidade de acesso e nível de fertilidade) e à existência de 493 videiras ao preço de € 4/cada e de 80 esteios ao preço de € 5/cada, do que resulta a quantia de € 4 594 [1111 m2 x € 2 + 493 x € 4 + 80 x € 5], sendo que existiu manifesto lapso de cálculo por se ter considerado 70 (esteios), e não 80, o que agora se rectifica; finalmente, em razão da valorização do olival em € 2,60/m2 [(650 x 4 - 650 x 4 x 0,6) : 0,04 : 10 000 m2] e tendo-se como adequado aplicar um factor de desvalorização correspondente a 10 % do valor do terreno (no que concerne à parte sobrante do prédio a nascente da parcela, com cerca de 10 000 m2), fixou-se a desvalorização da parte sobrante do prédio em € 2 600 [10 000 m2 x € 2,60 x 10 %], do que resultou um valor global da indemnização de € 14 822,40 (cf. fls. 74 a 76 com a mencionada rectificação).

            Por seu lado, os Srs. Peritos, por unanimidade, adoptaram o mesmo critério de cálculo no tocante à avaliação da vinha; quanto à avaliação do terreno (olival) recorreram a elementos publicados no Instituto Nacional de Estatística em 2009 (preço de azeite/granel de € 2,54/l) e no Gabinete de Planeamento e Política Agro – Alimentar (produção média anual de azeite de 1000 l/ha) e consideraram o consumo médio de 6 kg de azeitona na produção de 1 litro de azeite, uma taxa de capitalização de 4 % e encargos culturais por hectare de € 1 540 [existindo, aqui, uma diferença de apenas € 20 relativamente à importância indicada no acórdão da arbitragem/cf. fls. 75 e 276], do que resultou a quantia de € 7 335 [(1000 x € 2,54 - € 1540) : 4 % : 10 000 m2 x 2934 m2]; relativamente à desvalorização da parcela sobrante (nascente) fixaram o valor de € 2 385,80 correspondente a 20 % do somatório dos valores encontrados para o olival e para a vinha [(€ 4594 + € 7335) x 0,2], o que se traduziu num valor global da indemnização de € 14 314,80 (cf. fls. 276 a 278). 

            6. A principal questão que se coloca é a de saber se foram alcançados valores que traduzam uma “justa indemnização”.

            A “justa indemnização” determina-se pelo recurso à lei ordinária, que disciplina o seu apuramento, no presente caso, essencialmente, o Código das Expropriações e os preceitos do PDM de Vila Nova de Foz Côa

            A expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos confere ao expropriado o direito de receber o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização, que não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data (art.º 23º, n.º 1).

Trata-se de um princípio geral de direito que rege a indemnização por expropriação, consistente em que esta deve ser calculada tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública (sem prejuízo da actualização à data da decisão final do processo, nos termos do art.º 24º)[10].

Segundo a doutrina e a jurisprudência dominantes, a justa indemnização, ou seja, o valor real e corrente do bem, corresponde à importância que nas condições normais de mercado livre o expropriado obteria (“valor real e corrente dos bens numa situação normal de mercado”), de modo a ser reposto no seu património o valor equivalente ao do bem de que fica privado, com referência à data da declaração de utilidade pública e considerados todos os elementos valorativos do prédio que, numa análise objectiva da situação e segundo a opinião generalizada do mercado, nunca possam nem devam ser desprezados.

7. A expropriação é, como se sabe, um processo especial no qual a avaliação aparece como diligência fundamental, inevitável (art.º 61º, n.º 2), que funciona em concreto como “rainha das provas”.

Por isso se tem entendido que traduzindo-se a determinação do valor da coisa expropriada essencialmente num problema técnico, deve o juiz aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade destes (face à sua posição de imparcialidade e à garantia de uma melhor objectividade por eles oferecida). Ponto é que se observem os critérios legais, sendo certo que o juiz decidirá segundo a sua convicção, formada sobre a livre apreciação das provas (apreciará livremente os elementos de prova, sem estar sujeito ao laudo dos peritos).[11]

O único objectivo que se pretende atingir com a indemnização por expropriação é a “justa indemnização” dos danos suportados pelo expropriado, em termos de não ser constitucionalmente legítimo afastar daquela quaisquer elementos valorativos ou acrescentar-lhe outros que distorçam “(positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação”.[12]

E os peritos e o tribunal não poderão deixar de fundamentar adequadamente o valor da indemnização e indicar os critérios objectivos (qualitativos e quantitativos) do seu apuramento.

8. Neste contexto e relativamente a eventuais prejuízos patrimoniais subsequentes, derivados ou laterais, previstos no n.º 2 do art.º 29º[13], sempre se dirá que só poderão ser atendidos se forem consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio (prejuízo directo, material e certo causado pela expropriação), pois só estes podem ser incluídos na indemnização e não aqueles que têm com a expropriação parcial do prédio apenas uma relação indirecta, porque encontram a sua justificação em factos posteriores ou estranhos à expropriação (por ex., quaisquer prejuízos causados pela construção da auto-estrada e pela circulação de veículos automóveis e não resultantes directa e imediatamente do acto expropriativo).[14]

9. Tem vindo a ser entendido na jurisprudência, de forma praticamente unânime, que a decisão arbitral constitui uma verdadeira decisão judicial proveniente de um tribunal arbitral necessário, aplicando-se por isso ao recurso que incide sobre a mesma o regime dos recursos estabelecido no Código do Processo Civil (CPC), com as necessárias adaptações.[15]

Este entendimento permanece actual e não se vê a menor razão para o enjeitar.

10. Retomando o caso em análise.

Do acórdão arbitral, apenas os expropriados vieram interpor recurso; a expropriante não recorreu de tal decisão, conformando-se, nessa altura, com a mesma.

 Nos termos do art.º 633º, n.º 1, do CPC, se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável. Por seu turno, o art.º 635º, do mesmo Código, dispõe no seu n.º 5, que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.

Esta norma vem excluir a “reformatio in pejus”, na medida em que o julgamento do recurso não pode agravar a posição do recorrente, tornando-a pior do que se ele não tivesse recorrido; a decisão do tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao recorrente que a decisão recorrida.[16]

Assim sendo, a parte decisória não recorrida torna-se estável, não podendo a posição da recorrente ser agravada, devido ao recurso por si interposto, adquirindo a força e autoridade de caso julgado, atenta a proibição constante do princípio da “reformatio in pejus”; daí que o poder de cognição do juiz se delimite pelas conclusões das alegações do recorrente e pelo decidido no acórdão arbitral, transitando para este em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente e envolvendo a falta de recurso concordância com o decidido pelos árbitros - a falta de recurso próprio envolve concordância com o decidido pelos árbitros.[17]

11. No recurso que interpuseram da decisão arbitral, o expropriado/recorrente não restringiu o objecto do recurso a uma parte da mesma, não havendo nenhuma “parte da decisão não recorrida” para efeitos do art.º 635º, n.º 5, do CPC; requereu a fixação de um montante indemnizatório superior ao definido pelos árbitros, pondo em causa o valor indemnizatório a que os mesmos chegaram; ora, esse valor global, ali definido, terá sempre que ser observado como limite pelo tribunal de recurso, sob pena do recorrente ser prejudicado e uma vez que a expropriante não recorreu.

A sentença sob recurso tinha assim como “limites”, por um lado, o valor indemnizatório atribuído pelos árbitros e, por outro lado, o valor pedido pelos recorrentes, importando averiguar se aquele montante fixado devia ser superior de acordo com as razões invocadas.

Deverá pois concluir-se que a expropriante se conformou com o montante indemnizatório global de € 14 822,40.

  12. O Tribunal recorrido considerou não haver razão para discordar do cálculo efectuado pelos Srs. peritos, acolhendo o que consta do “relatório” de fls. 273 e seguintes.

Por tudo quanto se deixou explanado supra, é evidente que, propendendo-se para um tal entendimento, sempre haveria que atender ao referido “limite” mínimo indemnizatório fixado na decisão arbitral, razão bastante para a rejeição, desde logo, do valor da indemnização global ali obtido.

 E se quantum global indemnizatório fixado na decisão arbitral, com a rectificação indicada em II. 5., supra, se apresenta como o valor mínimo atendível, afigura-se ainda, salvo o devido respeito por opinião em contrário e atendendo aos elementos disponíveis, à perspectiva unânime quanto a alguns dos factores de cálculo a adoptar e ao conhecimento comum sobre algumas das matérias ligadas à actividade agrícola nacional e regional, que os factores considerados no acórdão arbitral estarão mais próximos da realidade, sendo que, por um lado, importará atender à situação económica e de mercado à data de declaração de utilidade pública, e, por outro lado, que certos factores são estimados ou resultam da ponderação de médias do passado recente e da previsível evolução de mercado (por exemplo, no tocante às taxas de juro).

13. Nesta linha de entendimento, afigura-se que nenhum relevo poderá/deverá ser dado ao que possa resultar das situações documentadas a fls. 178 e 350, porquanto, relativamente à primeira (“expropriação amigável”), tratar-se-á de um prédio com destinação diversa (da do prédio dos autos) e não se conhecem todos os elementos caracterizadores da parcela expropriada e, no tocante à segunda (“expropriação amigável”), embora respeite a parcelas igualmente destacadas do prédio expropriado nos presentes autos (parcelas “L36C.1” e “L36C.2”), tal expropriação ocorreu cerca de quatro anos depois da aqui em apreço (utilidade pública declarada por despacho de 09.5.2013), em diferente condicionalismo fáctico e a que presidiu certamente o propósito de evitar os custos de uma expropriação litigiosa (nomeadamente, os honorários do perito que realize a VAPRM e dos árbitros - por conta da entidade expropriante), o que redundará em benefício das partes, pelo que improcede, desde logo, o que vemos aduzido, por exemplo, nas “conclusões 4ª e 11ª” (ponto I, supra).

Nenhum reparo merece o critério unânime seguido quer quanto aos factores do cálculo do valor da vinha da parcela expropriada, quer, no tocante ao valor do olival da mesma parcela, a taxa de capitalização de 4 % (dado estarmos perante factores com uma componente de previsibilidade; de resto, este factor identifica-se com a taxa de juros moratórios civis actualmente aplicável e que vigora há mais de 11 anos/portaria n.º 291/2003, de 08.4).

De igual modo, nada se poderá objectar ao valor indicado para a produção média anual de azeite por hectare, além de que foi considerado o preço de € 4/litro (preço médio do azeite a granel que se tem verificado no Distrito de Viseu ao longo, pelo menos, dos últimos 5 anos), bem acima do preço que consta do relatório de peritagem (€ 2,54/l) e, também, com um acréscimo de 33 % em relação ao mencionado pelos próprios recorrentes (cf. a “conclusão 9ª”, ponto I, supra).

Será também de acolher o montante a título de “encargos culturais” (que os “laudos” dos autos apresentaram como praticamente igual/fls. 75 e 276), antolhando-se evidente que a percentagem de 30 % aventada pelos recorrentes não corresponde minimamente à realidade.

Por último, face à matéria provada e não provada e, nomeadamente, ao explanado em II. 8., será de concluir que, estando obviamente prejudicado ou afastado o vertido na “conclusão 5ª” relativamente à parcela restante do lado poente (ponto I, supra), os recorrentes viram adequadamente reconhecida a desvalorização da parcela restante do lado nascente e os Srs. árbitros fizeram-no na forma que lhes é mais favorável.

14. Sendo certo que a decisão arbitral em processo de expropriação por utilidade pública faz caso julgado apenas no que respeita ao valor da indemnização fixada e já não quanto às qualificações feitas pelos árbitros e critérios por ele utilizados[18], dir-se-á, no entanto, e em razão do que que fica exposto, que no caso em análise também nada impedia o procedimento e critérios de cálculo que na mesma foram adoptados.

15. O princípio da proibição da “reformatio in pejus” tem apenas em vista que o recorrente não venha a ficar prejudicado pelo facto de ter recorrido da decisão e isso não acontece se lhe for atribuído o valor do acórdão arbitral - o caso julgado verifica-se quanto à decisão relativa à quantia indemnizatória atribuída, in casu, no montante de € 14 822,40; foi esta quantia indemnizatória global, com a qual a expropriante se conformou, não recorrendo da decisão, que fez caso julgado.

Assim, considerados os efeitos do julgado da decisão quanto à indemnização fixada e da qual a expropriante não recorreu, importa revogar a decisão recorrida, atribuindo aos recorrentes a quantia indemnizatória fixada no acórdão arbitral.

                                                          *

            III. Pelo exposto, julga-se o presente recurso parcialmente procedente, atribuindo-se aos recorrentes/expropriados a quantia indemnizatória fixada no acórdão arbitral, ora rectificada, de € 14 822,40 (catorze mil oitocentos e vinte e dois euros e quarenta cêntimos), mantendo-se o demais decidido.

            Custas da apelação pela expropriante e pelos expropriados, atento o respectivo decaimento.

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27.01.2015

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernando Monteiro

[1] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem, aplicável ao caso vertente, já que o facto constitutivo da relação jurídica da expropriação (a declaração de utilidade pública) ocorreu na vigência deste diploma – cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 18.6.1974, 02.12.1975, 20.11.1986 e 24.02.1994, in BMJ n.ºs 238º, 160; 252º, 83; 361º, 490 e 434º, 404, respectivamente.

    De resto, nos termos da lei, o montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública (cf. art.º 24º, n.º 1, do código vigente).
[2] Rectificou-se tendo em consideração o relatório de vistoria “ad perpetuam rei memoriam”.
[3] Idem.
[4] Valor fixado no relatório de peritagem de fls. 273 (276 e seguinte); rectifica-se a redacção.
[5] Idem (fls. 277 e seguinte).
[6] Idem (fls. 278).
[7] Publicado no DR, I Série, de 17.5.2011.

[8] Preceitua o art.º 27º: “1. O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica. 2. Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores. 3. Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo”.


[9] E não “rendimento fiduciário”, expressão/denominação que vemos utilizada, certamente por lapso, na sentença recorrida (fls. 395 e 398).
[10] Cf., entre outros, F. Alves Correia, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, in RLJ, 134º, pág. 99.
[11] Vide, neste sentido, designadamente, os acórdãos da RE de 09.12.1993 e da RL de 30.6.2005, in BMJ, 432º, 449 e CJ, XXX, 3, 116, respectivamente, e os diversos arestos referidos por F. Alves Correia em A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999/RLJ, 133º, pág. 16, notas 87 e 88.
[12] Vide F. Alves Correia, Estudo cit., RLJ, 132º, págs. 235 e seguinte e RLJ, 134º, pág. 98.

[13] Que reza o seguinte: “Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada.”

[14] Vide, nomeadamente, Vide F. Alves Correia, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional, cit., RLJ, 133º, pág. 56 e RLJ, 134º, págs. 100 a 102, e o acórdão da RC de 29.6.2010-processo 1176/06.9TBVIS.C1, publicado no “site” da dgsi.
[15] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 28.5.1974-processo 065204, 22.10.1974-processo 065407, 27.01.1976-processo 066000, 10.02.1976-processo 065647, 09.5.1990-processo 078606, 15.10.1998-processo 98B654, 28.01.1999-processo 98B1108 e 26.11.2009-processo 2416/04.4TJVNF.S1, publicados no “site” da dgsi.
[16] Vide, entre outros, Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. V, pág. 311 e J. Lebre de Freitas e A. Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 33.
[17] Cf., entre outros, os citados acórdãos do STJ de 27.01.1976-processo 066000, 10.02.1976-processo 065647 e de 26.11.2009-processo 2416/04.4TJVNF.S1, e da RC 22.01.2013-processo 316/2000.C2 e de 02.12.2014-processo 160/12.8TBTCS.C1, estes, também publicados no “site” da dgsi.
[18] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 30.10.2012-processo 1333/06.8TBFLG.G2.S1, publicado no “site” da dgsi, onde se refere: no caso de recurso interposto por expropriado que sustente a atribuição de uma indemnização de montante superior à fixada na decisão arbitral, os critérios de avaliação que a decisão arbitral tomou em consideração e que, no conjunto, estiveram na base do montante fixado, estão todos sujeitos a reponderação judicial tendo em vista determinar se a justa indemnização é aquela que foi fixada na decisão arbitral ou aquela que os expropriados consideram ser a devida, pelo que, ainda que, relativamente a algum ponto parcelar, o expropriado não tenha suscitado objecção relativamente ao que foi considerado na decisão arbitral, o Tribunal pode considerá-lo de modo diverso, não se devendo entender haver aqui caso julgado, pois a indemnização a atribuir, agora no plano do recurso interposto da decisão arbitral, não pode deixar de tomar em linha de conta, para ser uma justa indemnização (art.º 23º), o correto valor a atribuir a cada um dos elementos que se considera concorrerem para a fixação da indemnização por expropriação sem o que estaria posto em causa a reponderação do critério de avaliação e, consequentemente, a possibilidade de fixação de justa indemnização (art.º 62º, n.º 2, da CRP e art.º 23º, n.º 1, do CE).