Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
411/14.4TBCNT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RECURSO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
REJEIÇÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAÇÃO
IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 02/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.640 CPC, 790, 810 CC, DL Nº 446/85 DE 25/10
Sumário: 1.- Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.

2.- A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, a), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital, nem com a minúscula transcrição do que as testemunhas terão afirmado na audiência.

3. -Nos contratos individualizados, com cláusulas contratuais gerais, nos termos do art. 1º, nº 2 e 3, do DL 446/85, de 25.10, o aderente interessado em fazer-se valer da exclusão de algumas, por omissão do dever de comunicação e/ou informação, terá que alegar e provar que tais cláusulas foram previamente elaboradas, que não foram negociadas.

4.- A impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor (prevista no art. 790º, nº 1, do CC), abarca as situações de força maior, caso fortuito, impedimento por facto do outro contraente ou facto de terceiro, ou, ainda, impedimento da lei.

5.- A mera impossibilidade relativa da prestação (a difficultas praestandi) não extingue a obrigação, apenas a impossibilidade absoluta o consegue.

6.- Se ficar apurado uma multiplicidade de factores impeditiva do cumprimento de cláusula contratual de aquisição mínima de quantidades de café como: crise económica que assolou o mercado e retraiu o comércio; mudança de instalações da compradora do café; e não fornecimento de café à mesma por falta de pagamento de facturas em dívida, estas duas últimas situações só têm causa, só a ela são imputáveis.

7.- E nestas circunstâncias não fica demonstrado a verificação de qualquer uma das situações que integram o conceito de impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor;

8.-Não cabe aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. Por apenso à execução que lhes move N (…) SA, com sede em Paredes, J (…), residente em Oliveira do Bairro, e JM (…), residente em Anadia, deduziram os presentes embargos de executado, pedindo a improcedência da execução, com os seguintes fundamentos:

a) Invocam a falta de título executivo porque o documento dado à execução, uma letra, não integra o elenco previsto no nº 1 do art. 703º do NCPC, e a exequente se limitou a remeter para o título sem mencionar a origem da dívida, o que também gera a ineptidão do requerimento executivo;

b) Alegam que, não havendo na face anterior da letra dada à execução qualquer assinatura referente ao aval, mas somente as assinaturas dos legais representantes da sociedade subscritora, inexiste declaração de aval;

c) Sustentam que, não tendo autorizado a aposição na letra dada à execução de quaisquer menções, as datas e a quantia nela inscritas pela exequente são nulas, tudo se passando como se o título não estivesse preenchido, o que o invalida;

d) Excepcionam o incumprimento pela exequente do contrato de compra e venda de café celebrado com a executada N (…), Lda., subjacente à emissão do título dado à execução, designadamente das obrigações a que se vinculou sob as suas cláusulas 1ª, nºs 1, 2 e 3, 8ª, nº 1, 10ª, nº 2, e 11ª, nº 1, nada sendo devido, por isso, pelos executados;

e) Pugnam pela exclusão e nulidade das cláusulas 3ª e 4ª do contrato referido em d) por omissão dos deveres de comunicação e informação, sendo proibidas nos termos do regime especial das cláusulas contratuais gerais;

f) Alegam que a impossibilidade de aquisição da quantidade mínima de café contratado não foi imputável à executada N (…) e invocam a modificação do contrato referido em d) quanto à quantidade mínima de café a adquirir e à indemnização por café contratado e não adquirido com base em alteração superveniente das circunstâncias.

A exequente contestou, refutando o alegado pelos embargantes.

Teve lugar a audiência prévia, na qual se conheceu do mérito da causa, em concreto das questões enunciadas em a) a c) supra, no sentido da sua improcedência.

Os autos prosseguiram para conhecimento das questões identificadas em d) a f) supra.

*

A final foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos.

*

2. Os embargantes, interpuseram recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

1. A presente execução baseia-se num impresso que normalmente funciona como letra e do qual consta: “No seu vencimento pagará(ão) V. Ex.ª(s) por esta única via de letra a nós ou à nossa ordem a quantia de sessenta a três mil e duzentos euros”.

2. No lugar destinado à assinatura do sacador foi aposto o carimbo da exequente.

3. No espaço reservado ao nome e morada do sacado consta o nome e a sede da sociedade N (…), Lda. e no lugar do aceite (canto esquerdo) foi aposto o carimbo desta sociedade.

4. Como local e data de emissão, importância e vencimento escreveu-se, respectivamente, “Paredes”, “11.05.2012”, “€ 63.200,00” e “22.04.2014”.

5. No verso do documento referido em 1 consta o seguinte texto manuscrito, em triplicado: “Dou o meu aval à firma aceitante”, seguido das assinaturas dos executados.

6. Ao tempo da emissão/assinatura do documento referido em 1, este encontrava-se por preencher, designadamente quanto à data de emissão e vencimento e quantia.

7. A exequente/embargada, a sociedade N (…) Lda. e os executados (…) subscreveram e assinaram, como primeira, segunda e terceiros contraentes, o escrito denominado “Minuta do Contrato de Compra e Venda N.º 2012-CAF/15”, datado de 04.05.2012, junto como documento n.º 1 com a petição de embargos (cfr. fls. 11-15), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. O documento referido em 1 foi emitido no âmbito do contrato mencionado em 7, mais concretamente da sua cláusula 6.ª, que dispõe, designadamente, o seguinte: “(…) 2- Não obstante a constituição de fiança, a segunda contraente dá o seu aceite a uma letra de câmbio, nesta data sacada pela primeira contraente, e à qual os terceiros contraentes dão o seu aval. 3- Tal letra, entregue em branco, destina-se exclusivamente a facilitar a cobrança da dívida que venha efectivamente a resultar do incumprimento do presente contrato, não dando em qualquer circunstância lugar a uma duplicação de dívida. 4- A segunda e terceiro contraentes dão, desde já, autorização à primeira contraente para proceder ao preenchimento da letra e apresentá-la a pagamento ou desconto, ficando desde já definido que o seu montante será o que resultar do incumprimento do presente contrato. 5- A primeira contraente apenas poderá apresentar a referida letra a pagamento ou desconto, nos termos anteriormente definidos, em caso de incumprimento pela segunda contraente das obrigações para si emergentes das cláusulas 3.ª e 5.ª do presente contrato – que a segunda e os terceiros contraentes declaram conhecer. 6- O seu vencimento ocorrerá no termo do prazo concedido pela primeira contraente, em carta que esta enviará sob registo e com aviso de recepção à segunda contraente, quanto entenda necessário, reclamando o pagamento do crédito de que então seja titular”.

9. No contrato mencionado em 7 previam-se como obrigações da embargada:

- «Torrar, embalar e fornecer à segunda contraente café dos seguintes lotes: lote “ K (...) ”, lote “Rocci Verona”» (cláusula 1.ª, n.º 1);

- «Produzir, embalar e fornecer o lote “ K (...) ” em regime de exclusividade à segunda contraente» (cláusula 1.ª, n.º 2):

- «Manter os preços, sem prejuízo da sua qualidade, em boas condições de concorrência (…)» (cláusula 1.ª, n.º 3);

- «Embalar o lote “ K (...) ”, de acordo com o protótipo que segue como ANEXO III”» (cláusula 8.ª, n.º 1);

- «(…) dar assistência técnica gratuita aos (…) equipamentos (máquinas de café e moinhos), nos estabelecimentos “ K (...) ”» (cláusula 10.ª, n.º 2), com a ressalva do n.º 4, segundo o qual “O incumprimento de alguma das cláusulas do presente contrato, isolada ou conjuntamente – designadamente, o não pagamento de facturas vencidas e o incumprimento dos prazos de pagamentos ou das obrigações de aquisição das quantidades mínimas mensais – fará imediatamente cessar o direito à assistência técnica aos equipamentos”;

- «Fornecer açúcar à segunda contraente em saquetas com a marca “ K (...) Caffècel”, conforme protótipo aprovado pela última constante do Anexo II» (cláusula 11.ª, n.º 1).

10. E como obrigações da N (…), Lda., além do mais, sob a cláusula 3.ª:

- «2 - Adquirir, durante o período de 60 meses, a quantidade mínima mensal de 137 (cento e trinta e sete) quilos de café, perfazendo o total contratual de 8240 (oito mil duzentos e quarenta) quilos.

& Único – Da referida quantidade mínima mensal de 137 quilos de café, pelo menos 80% desta deverá corresponder à aquisição, pela segunda contraente, do lote “ K (...) ” – referente à compra da quantidade mínima mensal de, pelo menos, 110 quilos do aludido lote.

4 - Indemnizar a primeira contraente em € 8,00 (oito euros) por cada quilo de café contratado e não adquirido, em caso de incumprimento do contrato, por motivo que lhe seja imputável.»

11. Dispõe a cláusula 4.ª do contrato mencionado em 7 que: «1 - O presente contrato iniciará a sua vigência na data da sua assinatura e durará pelo período de 60 meses, ou até que haja sido adquirida pela segunda contraente a quantidade de 8240 (oito mil duzentos e quarenta) quilos de café, sendo certo que, em consonância com o estipulado na cláusula 3.ª, n.º 2, parágrafo único, da referida quantidade, 80% deverá corresponder ao lote “ K (...)

” (pelo menos, de 6600 (seis mil e seiscentos) quilos de café).

& Único - A segunda contraente iniciará a compra do café enumerado no ponto anterior em 11 de Junho de 2012.»

12. Por carta datada de 27.02.2013, junta a fls. 43, enviada pela embargada e recebida pela N (…), Lda. e pelos embargantes, estes foram interpelados para cumprimento do contrato mencionado em 7, nomeadamente da obrigação de aquisição da quantidade mínima de café, e pagamento de uma factura vencida à data no valor de € 1.934,59.

13. Durante a vigência do contrato, a N (…), Lda. Adquiriu somente 340 kg de café.

14. Por força do narrado em 13, a embargada resolveu o contrato, por cartas datadas de 14.03.2014, juntas a fls. 50-55 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, recebidas pela N (…), Lda. e pelos embargantes, nas quais se dava também conta da existência de uma factura vencida por liquidar, no valor de € 249,08.

15. O teor do contrato mencionado em 7, incluindo as suas cláusulas 3.ª e 4.ª, foi negociado entre as partes durante período não inferior a sete meses.

16. A N (…), Lda., desde período não concretamente determinado, atravessou dificuldades financeiras decorrentes da crise económica que assolou o mercado e retraiu o comércio, da mudança de instalações e do não fornecimento de café por parte da embargada invocando pagamentos em dívida e a cessação do contrato, as quais provocaram a redução do volume de vendas em montante também não concretamente apurado e culminaram na sua declaração de insolvência.

17. As dificuldades financeiras sofridas pela N (…), Lda. eram do conhecimento da embargada.

*

Factos não Provados

(…)

f) O contrato mencionado em 7 foi da exclusiva autoria da embargada e foi entregue aos embargantes previamente elaborado e com todo o seu clausulado;

g) A factualidade vertida em 16 fez com que a N (…) Lda. não pudesse adquirir as quantidades mínimas de café previstas no contrato mencionado em 7.

*

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Exclusão e nulidade das cláusulas 3.ª e 4.ª do contrato subjacente à emissão do título executivo por omissão dos deveres de comunicação e informação, nos termos do regime especial das cláusulas contratuais gerais.

- Impossibilidade de cumprimento não imputável à N (…)

- Inexistência de fundamento legal para a exequente ter resolvido o contrato.

2. Os recorrentes impugnam o facto provado 15. e os factos não provados f) e g), pretendendo que aquele passe a não provado e estes últimos dois a não provado (cfr as suas conclusões de recurso I. a XXVII.).

Fundam-se (vide corpo das alegações) nas declarações de parte do executado (…), e no depoimento das testemunhas, arroladas pela exequente (…)para impugnar o dito facto provado 15., nas mesmas declarações de parte, para impugnar o facto não provado f), e, ainda, em tais declarações de parte e no depoimento de parte do representante legal da exequente, José Luís Alves, para impugnar o facto não provado g).

Em relação a essas declarações e depoimentos referem-se a todos eles como tendo “ficado gravado no sistema de audiodocumentação do Tribunal”. E nessas alegações referem muito sinteticamente aquilo que as partes e referidas testemunhas terão dito/afirmado na audiência de julgamento.

Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.

Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:

i) Que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

ii) Qual o sentido correcto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;

iii) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;

iv) E por que razão assim seria, com análise critica criteriosa;

v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.

Ora, das suas alegações de recurso – corpo e conclusões - verifica-se que os recorrentes, não cumpriram o 5º dos indicados requisitos legais, pois, sendo certo que o julgamento foi gravado - vide actas de e de 27.6.2014, a fls. 93/93v., e aonde foram assinaladas separadamente o início e termo da declaração de parte e mencionados depoimentos -, os apelantes nem sequer se deram ao trabalho de indicar temporalmente o início e termo da gravação, muito menos apontaram a passagem (ou passagens) exacta da gravação, atinentes à declaração da parte e ao depoimentos de tais testemunhas e da parte, limitando-se a extractar minúsculas transcrições dos excertos de tais declaração/depoimentos, embora esta transcrição seja facultativa.

Na realidade, o ónus imposto a qualquer recorrente no aludido nº 2, a) do art. 640º, do NCPC não se satisfaz com a simplista menção feita pelos recorrentes de que os depoimentos estão gravados, nem sequer com a transcrição parcial dos depoimentos prestados, já que esta é meramente facultativa. Não deixando a lei neste ponto qualquer dúvida, face aos termos claros e terminantes com que está redigida (vide igualmente no mesmo sentido L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 4. ao artigo 685º-B, págs. 62/64, e A. Geraldes, Recursos em P. Civil, 2ª Ed., 2008, notas 3. e 4. ao referido artigo, págs. 138/142, normativo do CPC semelhante ao actual 640º do NCPC, e a título de exemplo os recentes Ac. desta Rel. de 10.2.2015, Proc.2466/11.4TBFIG e de 17.12.2014, Proc.6213/08.0TBLRA, e Ac. do STJ, de 19.2.2015, Proc.405/09.1TMCBR, disponíveis em www.dgsi.pt). No caso, como se disse, os recorrentes limitam-se a referir que os apontados depoimentos se encontram gravados no sistema digital, e fazem uma minúscula transcrição do que as partes e testemunhas terão afirmado, em vez de indicar com exactidão as passagens da gravação em que tais pessoas depuseram, no sentido supostamente afirmado/defendido pelos apelantes, a fim de permitir, como pretendiam, as eventuais respostas de provado e não provado, aos apontados factos, depois de prévia audição por esta Relação e subsequente análise e ponderação de tais depoimentos.

Assim, face ao não cumprimento do referido ónus legal, a impugnação da matéria de facto não pode proceder com base em tais declaração/depoimentos.

3. Os apelantes defendem a exclusão e nulidade das cláusulas 3.ª e 4.ª do contrato subjacente à emissão do título executivo por omissão dos deveres de comunicação e informação, nos termos do regime especial das cláusulas contratuais gerais. (cfr. as suas conclusões de recurso XXVIII. a XXXVI).

Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Os embargantes pugnam, ainda, pela exclusão e nulidade das cláusulas 3.ª e 4.ª do contrato celebrado entre as partes por, respectivamente, omissão dos deveres de comunicação/informação e proibição nos termos do regime especial das cláusulas contratuais gerais.

O contrato em relação ao qual apenas se tem a opção de aceitar ou rejeitar em bloco o conteúdo que é proposto dentro do tipo contratual desejado pelas partes exprime a estipulação de contrato de adesão. Contrato de adesão é “aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado” (Antunes Va rela, “Das Obrigações em Geral”, p.262). Tais contratos contêm por via de regra “cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão” (Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 6.ª edição, p.75).

O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10, instituiu o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais e, na redacção do Decreto-Lei n.º 249/99, de 07.07, estatui o seguinte:

“1. As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.

2. O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.

3. O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.”.

Para que se considere a existência de um contrato de adesão não é bastante que algumas cláusulas sejam preordenadas, unilateralmente pelo proponente; importa que o núcleo essencial modelador do regime jurídico contratualmente acordado, constitua um bloco que o aderente aceita ou repudia, sem qualquer possibilidade de negociação.

Mas o regime instituído pelo referido decreto-lei não se circunscreve apenas aos contratos de adesão; estende-se, ainda, aos contratos individualizados cujo conteúdo se encontre previamente elaborado e que o destinatário não possa influenciar – n.º 2.

Num e noutro caso, o ónus da prova de que as cláusulas contratuais resultaram de negociação entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo – n.º 3.

Apesar desta aparente similitude de regimes, há, no entanto, uma diferença relevante, ao nível do ónus da prova, entre o que se passa nos contratos de adesão e o que ocorre nos contratos enquadráveis no n.º 2. No primeiro caso, não há que fazer prova de que se está perante um contrato de adesão, já que isso decorre do próprio objecto do mesmo, das suas cláusulas e dos sujeitos nele intervenientes (estando em causa um contrato de seguro, celebrado entre uma companhia seguradora e uma pessoa individual ou uma empresa, não haverá dúvidas quanto à natureza desse contrato; o mesmo acontece com um contrato de crédito ao consumo ou com um contrato bancário) e, por via disso, que as cláusulas nele inseridas foram previamente elaboradas e não foram influenciadas pelo destinatário/aderente.

No segundo caso, a parte interessada na aplicação do referido regime legal já terá que alegar e provar que as cláusulas do contrato que põe em questão foram previamente elaboradas, competindo depois à outra parte (à que elaborou as cláusulas) o ónus da prova previsto no n.º 3 do art.º 1.º, ou seja, que essas cláusulas, apesar de previamente elaboradas, foram objecto de negociação prévia entre ambas as partes; isto porque em tais contratos (nos enquadráveis no referido n.º 2) não ocorre a evidência que se verifica nos contratos de adesão quer ao nível dos sujeitos, quer, principalmente, ao nível do seu objecto e das respectivas cláusulas. – Assim, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.03.2012, proc. 3951/08.0TBVFR.P1, em www.dgsi.pt.

Aqui chegados, é tempo de regressar ao contrato aqui em causa. Nada no seu objecto e nas cláusulas que o integram indicia que se trate de contrato de adesão; nem isso é sequer defendido pelos embargantes que, na petição de embargos, não lhe atribuem tal natureza, limitando-se a dizer que as cláusulas 3.ª e 4.ª são cláusulas contratuais gerais.

Assim, a eventual aplicação do regime previsto no citado Decreto-Lei n.º 446/85 só seria então possível ao abrigo do n.º 2 do seu art.º 1.º. Mas, para que tal acontecesse, seria necessário que os embargantes tivessem provado que as cláusulas do contrato que celebrou com a embargada – em particular, as referentes à quantidade mínima de café a adquirir, à cláusula penal e ao prazo de vigência do contrato, que são as que põem em causa – haviam sido previamente elaboradas; prova que não fez, conforme se afere na alínea f) do factualismo não provado.

Sem a prova desse pressuposto de aplicação do regime ínsito naquele Decreto-Lei (e, note-se, resultou mesmo provado que as cláusulas 3.ª e 4.ª, foram negociadas entre as partes – cfr. o ponto 15), não poderá sustentar-se que o contrato em apreço esteja sujeito ao mesmo, designadamente aos deveres de comunicação e de informação prescritos nos seus artigos 5.º e 6.º (nem que as aludidas cláusulas possam ter o destino estabelecido no artigo 8.º daquele diploma) ou às nulidades e proibições ali previstas.”.

Nada existe para censurar à sentença recorrida, a partir do momento em que a matéria de facto se manteve inalterada.

Na verdade, face ao texto legal ínsito no aludido art. 1º, nº 2 e 3, do DL 446/85 (que instituiu o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais) na redacção do DL 249/99, e acima transcrito, resulta do mesmo que a parte interessada na aplicação do referido regime legal – no nosso caso em apreço, os apelantes querem-se prevalecer da exclusão legal das ditas cláusulas 3ª e 4ª, por omissão dos deveres de comunicação e informação - terá que alegar e provar que as cláusulas do contrato individual que põe em questão foram previamente elaboradas, que não foram negociadas (vide no mesmo sentido Menezes Cordeiro, Tratado, II, Parte Geral, Negócio Jurídico, 4ª Ed., 2014, pág. 423, Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, págs. 175/180, e Acds. do STJ de 24.10.2006, Proc.06A2978, e de 10.5.2007, Proc.07B841, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Na nossa situação, temos um contrato individualizado. Cabia aos ora recorrentes provar que as referidas cláusulas desse contrato, que põem em questão, foram previamente elaboradas, o que não lograram, conforme decorre do facto não provado f). Aliás, era mesmo ininvocável o falado regime das cláusulas contratuais gerais, já que a recorrida demonstrou, no facto provado 15., que o mencionado contrato, e indicadas cláusulas, foi negociado entre as partes.

Não procede, pois, esta parte do recurso.

4. Os recorrentes pugnam pelo reconhecimento de que houve impossibilidade de cumprimento, nos termos do art. 790º e como tal se extinguiu a obrigação (cfr. as suas conclusões de recurso XXXVII. a XLVII.).    

Na sentença recorrida deixou-se dito que:

“Posto isto, alegam os embargantes que a impossibilidade de aquisição da quantidade mínima de café contratado não foi imputável à sociedade N (…), Lda., antes se deveu à crise do sector da restauração e consequente redução do volume de vendas …..

Vejamos, em primeiro lugar, se o não cumprimento do contrato se deveu a motivo de força maior não imputável à N (…), Lda. e se, por via disso, a sua responsabilidade fica excluída ou, pelo menos, reduzida, conforme sustentam os embargantes.

Começando pela qualificação do contrato, é pacífico que as partes celebraram entre si um contrato de fornecimento de café, em regime de exclusividade, mediante o qual a embargada se comprometeu a vender à N (…), Lda. e esta se comprometeu a comprar-lhe só a ela, com exclusão de terceiros, uma determinada quantidade de café de dois lotes, a uma dada razão mensal (8240kg, à razão de, pelo menos, 137kg por mês) e mediante um preço.

(…)

As principais obrigações a que as partes se vincularam foram:

- A embargada vender à N (…), Lda. as acordadas quantidades mensais de café dos lotes combinados até atingir a quantidade global convencionada;

- A N (…), Lda. comprar à embargada tais quantidades de café, mediante o pagamento do preço fixado, e não adquirir café de outras marcas a qualquer outra entidade.

Avancemos para o incumprimento contratual. As partes estavam obrigadas a cumprir integral, pontualmente e de boa fé o convencionado no contrato – artigos 406.º n.º 1, 762.º n.º 2, e 763.º, n.º 1, do Código Civil. Porém, atendendo ao facto provado em 13 (durante a vigência do contrato – desde 04.05.2012 a Março de 2014 –, a N (…), Lda. adquiriu somente 340 kg de café), facilmente se conclui que esta sociedade não adquiriu a quantidade mínima mensal de café convencionada (137 kg, de acordo com o n.º 2 da cláusula 3.ª), incumprindo aquilo a que se havia vinculado, circunstância que motivou a resolução do negócio.

Sobre este assunto provou-se que a N (…), Lda., desde período não concretamente determinado, atravessou dificuldades financeiras decorrentes da crise económica que assolou o mercado e retraiu o comércio, da mudança de instalações e do não fornecimento de café por parte da embargada invocando pagamentos em dívida e a cessação do contrato, as quais provocaram a redução do volume de vendas em montante também não concretamente apurado e culminaram na sua declaração de insolvência (ponto 16). Porém, não se provou que esta factualidade fez com que a N (…), Lda. não pudesse adquirir as quantidades mínimas de café previstas no contrato (alínea g) do factualismo não provado).

Mas, mesmo que assim não fosse e estivéssemos perante uma verdadeira impossibilidade superveniente de cumprimento das obrigações assumidas, colocar-se-ia a questão de saber se estaríamos face a impossibilidade objectiva, não imputável à sociedade, ou diante de uma impossibilidade subjectiva que lhe é imputável (a impossibilidade subjectiva também pode ser imputável a terceiro). Aquela está prevista no artigo 790.º (que abarca também a impossibilidade subjectiva imputável a terceiro), esta é regulada no artigo 801.º, ambos do Código Civil.

Na primeira vertente (impossibilidade objectiva) situam-se o caso fortuito e a causa de força maior. O caso fortuito assenta na ideia de imprevisibilidade e representa o desenvolvimento de forças naturais a que se mantém estranha a acção do homem e o caso de força maior tem subjacente a ideia de inevitabilidade, será todo o acontecimento natural ou acção humana que, embora previsível ou até presumido, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências. Outros autores consideram sinónimas as expressões “caso fortuito” e “caso de força maior”, referindo que ambas se reportam a “acontecimento que cria uma impossibilidade de cumprir não atribuível nem à vontade do devedor, nem à do credor”, de que são exemplos “a tempestade que provoca a perda ou danos na mercadoria objecto do contrato de transporte marítimo, a guerra que impede o pagamento de uma dívida no estrangeiro, a inundação que destrói a produção agrícola já vendida”, caracterizando-se, por conseguinte, por se traduzirem em “obstáculo que para o devedor ou o agente é invencível ou intransponível, que ele não pode remover ou afastar” (cfr. Pessoa Jorge, “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1995, pp. 118-121).

Olhando para o caso sob apreciação, o que temos é um conjunto de factores – crise económica que assolou o mercado e retraiu o comércio, mudança de instalações e não fornecimento de café por parte da embargada invocando pagamentos em dívida e a cessação do contrato -, o qual não constitui, em si, um caso de força maior (ou fortuito), já que as duas últimas situações têm, ainda, a sua causa na própria sociedade e nos seus sócios gerentes. É o que basta para se afastar a impossibilidade de cumprimento, por parte da N (...) , Lda., por causa que não lhe é imputável, com a consequente não aplicação do regime previsto no artigo 790.º do Código Civil.

(…)

Assente o incumprimento do contrato imputável à N (...) , Lda., podia a embargada resolvê-lo, nos termos dos nºs 1 e 2 do citado artigo 801.º. Isto porque se presume a culpa daquela no incumprimento – artigo 799.º do Código Civil – e os embargantes não lograram ilidir essa presunção – artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, nºs 1 e 2, do mesmo diploma. Aliás, tal solução foi expressamente estabelecida no n.º 1 da cláusula 5.ª do contrato, na qual se refere que “a violação de qualquer cláusula deste contrato dará lugar à resolução do mesmo, a qual será declarada pela contraente cumpridora à contraente faltosa, mediante carta registada com aviso de recepção, com 15 dias de antecedência (…)”. A embargada podia, assim, face ao incumprimento da N (...) , Lda., resolver o referido contrato, mediante simples declaração dirigida à mesma – art.º 436.º do Código Civil. E foi isso que ela fez, em 14.03.2014, através das cartas a que se alude no ponto 14 dos factos provados.

Cumulativamente com a resolução do contrato, podia a embargada exigir da N (…) Lda. e dos embargantes, enquanto fiadores e avalistas, o pagamento de uma indemnização por cada kg de café contratado e não adquirido, prevista no n.º 4 da cláusula 3.ª do contrato. Trata-se de uma cláusula penal mediante a qual as partes fixaram por acordo o montante da indemnização exigível – artigo 810.º, n.º 1, do Código Civil. A cláusula penal pode ter uma de duas funções: uma função compulsória – que tem por fim pressionar o devedor a cumprir nos termos e no prazo convencionados, tendo o seu campo de aplicação privilegiado nos casos de mora do devedor –, e uma função de antecipação de indemnização – quando as partes estabelecem antecipadamente o montante da indemnização devida, ou os termos em que esta deverá ser fixada, independentemente da prova da existência de danos e do seu montante (prova de que o credor fica liberto). In casu, está-se perante cláusula penal com função indemnizatória. Foi essa a indemnização que a embargada exigiu aquando da declaração resolutória do contrato, sem qualquer reparo, uma vez que, como decorre do exposto, a responsabilidade da N (...) , Lda. e dos embargantes não se mostra excluída nem, tão-pouco, reduzida ou limitada.”.

E assim é, realmente, a partir do momento em que a matéria de facto se manteve inalterada.

Desde logo, não se provou – em g) – que o facto provado 16. fez com que a N (…) não pudesse adquirir as quantidades mínimas de café previstas no contrato mencionado em 7. O mesmo é dizer que os apelantes não lograram estabelecer um nexo de causalidade entre o seu incumprimento das suas obrigações contratuais e a factualidade vertida em 16. Dito de outra maneira, não se demonstrou que foi por causa de dificuldades financeiras decorrentes da crise económica que assolou o mercado e retraiu o comércio, da mudança das suas instalações e do não fornecimento de café por parte da embargada invocando pagamentos em dívida, que a N (…)deixou de adquirir as quantidades mínimas de café previstas contratualmente, circunstância esta que, acrescida de não pagamento de uma factura anterior vencida não liquidada, levou à resolução do contrato por parte da exequente (cfr. factos provados 13. e 14. e cartas de fls. 50/55 dos autos).

Deste modo, não estabelecido tal nexo de causalidade, não se pode afirmar que houve impossibilidade de cumprimento.

Por outra banda, a impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor, prevista no art. 790º, nº 1, do CC, abarca as situações de força maior, caso fortuito, impedimento por facto do outro contraente ou facto de terceiro, ou, ainda, impedimento da lei (vide A. Varela, CC Anotado, Vol. II, 2ª Ed., nota 1. ao referido artigo, págs. 37/38 e A. Costa, D. Obrigações, 6ª Ed., pág. 908).

Ora, na sentença recorrida, e muito bem, demonstrou-se que não estamos perante qualquer caso de força maior ou caso fortuito, o que os apelantes nem sequer questionam. Nem se configuram as hipóteses de impossibilidade de cumprimento por facto de terceiro, que os recorrentes nem sequer invocam, ou por facto do outro contraente.

Antes, o que a factualidade apurada mostra é uma multiplicidade de factores impeditiva do cumprimento dessa cláusula contratual de aquisição mínima de quantidades de café: crise económica que assolou o mercado e retraiu o comércio; mudança de instalações; e não fornecimento de café por parte da embargada invocando pagamentos em dívida.

Ora, estas duas últimas situações só têm a ver, só têm causa na N (…). Foi a mesma que decidiu mudar de instalações; foi a N(…)que deixou de pagar facturas vencidas em dívida.

Como tal, está afastada a situação de impossibilidade objectiva do cumprimento por causa não imputável ao devedor, prevista no aludido art. 790º do CC, nas suas indicadas hipóteses.

Como nota final, necessariamente sumária, por não ser o objecto do recurso, pode avançar-se que quando muito tal factualidade (que os recorrentes condensaram nas suas conclusões XL. a XLIV.) podia evidenciar uma difficultas praestandi, uma impossibilidade relativa. Mas como justamente alertam A. Varela (ibidem, nota 3, pág. 38) e A. Costa (ibidem, págs. 942/943), e se decidiu no Ac. do STJ, de 18.1.1996, BMJ 453, pág., 444, não deve confundir-se a impossibilidade da prestação com a alteração das circunstâncias que a torne excessivamente onerosa. Desde que não haja impossibilidade absoluta da prestação a obrigação não se extingue.

Embora o devedor possa obter a resolução ou a modificação do contrato, segundo juízos de equidade, caso se verifiquem os requisitos legais da alteração das circunstâncias, exigidos no art. 437º do CC. Tema este que, contudo, como dissemos, não é o objecto do recurso.

Improcede, pois, esta parte do recurso.       

5. Afirmam os recorrentes que inexiste fundamento para a exequente ter resolvido o contrato, atento o facto de a cláusula 4ª do contrato celebrado, com a redacção “O presente contrato iniciará a sua vigência na data da sua assinatura e durará pelo período de 60 meses, ou até que haja sido adquirida pela segunda contraente a quantidade de 8240 (oito mil duzentos e quarenta) quilos de café…”, que tal prazo de 60 meses era meramente indicativo, pelo que o contrato poderia ser prolongado até que a N (…) adquirisse os quilos de café que constavam do mesmo. Assim, e sendo o prazo estipulado prorrogável até que a N (…) consumisse os quilos contratados não existia fundamento legal para a exequente cessar o fornecimento do mesmo e resolver o contrato (cfr. conclusões XLVIII. a LIII.).

Este fundamento não foi invocado na petição de embargos (vide o relatório supra), e como tal não foi objecto de contraditório pela embargada quando apresentou a sua contestação, e, por conseguinte, não foi também objecto de conhecimento e apreciação por parte do tribunal a quo na sentença recorrida.

Trata-se, por isso, de questão nova posta em recurso que nunca poderia ser conhecida neste tribunal de apelação. Como é de todos sabido, e já foi dito e redito, infindavelmente, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão, proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último. Não cabe, pois, aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la (vide L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 5. ao art. 676º, pág. 7/8, e jurisprudência aí mencionada). Tratando-se, portanto, de uma questão nova, não pode, agora, ser conhecida em fase de recurso.

Não procede o recurso neste ponto.         

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes;

ii) A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, a), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital, nem com a minúscula transcrição do que as testemunhas terão afirmado na audiência;

iii) Nos contratos individualizados, com cláusulas contratuais gerais, nos termos do art. 1º, nº 2 e 3, do DL 446/85, de 25.10, o aderente interessado em fazer-se valer da exclusão de algumas, por omissão do dever de comunicação e/ou informação, terá que alegar e provar que tais cláusulas foram previamente elaboradas, que não foram negociadas;

iv) A impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor (prevista no art. 790º, nº 1, do CC), abarca as situações de força maior, caso fortuito, impedimento por facto do outro contraente ou facto de terceiro, ou, ainda, impedimento da lei;

v) A mera impossibilidade relativa da prestação (a difficultas praestandi) não extingue a obrigação, apenas a impossibilidade absoluta o consegue;

vi) Se ficar apurado uma multiplicidade de factores impeditiva do cumprimento de cláusula contratual de aquisição mínima de quantidades de café como: crise económica que assolou o mercado e retraiu o comércio; mudança de instalações da compradora do café; e não fornecimento de café à mesma por falta de pagamento de facturas em dívida, estas duas últimas situações só têm causa, só a ela são imputáveis;

vii) E nestas circunstâncias não fica demonstrado a verificação de qualquer uma das situações que integram o conceito de impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor;

viii) Não cabe aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pelos embargantes/recorrentes.

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    Coimbra, 7.2.2017

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias