Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
710/23.4T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
TÍTULO EXECUTIVO TENDO POR BASE REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO EFECTUADA NO ÂMBITO DA INJUNÇÃO
DOMICÍLIO CONVENCIONADO
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 2.º, 1, DO DL 269/98
ARTIGO 12-º-A, 1, DO REGULAMENTO ANEXO AO DL 269/98
ARTIGO 334.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: Só uma convenção escrita quanto ao domicílio é que permite, no procedimento de injunção, que a notificação do respectivo requerimento seja efectuada mediante o envio de carta simples.
Decisão Texto Integral: Apelações em processo comum e especial (2013)
*
Relator: Falcão de Magalhães
1.º Adjunto: Des. Henrique Antunes
2.º Adjunto: Des. Sílvia Pires
Apelação n.º 710/23.4T8CTB-A.C1
 
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra[1]


:
 

I - A) - 1) – [2]«[…] Por apenso aos autos de acção executiva para pagamento de quantia certa, veio a executada L... Unipessoal, Lda., deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, fundando, em suma e no que releva, os mesmos nos seguintes argumentos:

- o título executivo (requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória) dado à execução é inválido e inexequível, porquanto é nula a notificação efectuada à embargante no âmbito do procedimento de injunção por não existir domicílio convencionado, ao contrário do indicado pela exequente no requerimento de injunção, ocorrendo a notificação da embargante mediante carta simples por depósito naquela morada e não por carta registada com aviso de recepção;

- no âmbito da transação comercial entre embargante e embargada, ocorreu incumprimento defeituoso da obrigação por parte desta, invocando danos patrimoniais (lucros cessantes) e danos não patrimoniais, nos termos que explicita;

Termina requerendo a procedência dos embargos e declarada a nulidade da citação da executada e a inexequibilidade do título, e consequente extinção da execução; subsidiariamente, deduz ainda reconvenção, peticionando a condenação da embargada no pagamento à embargante na quantia de 413.420,86€ referente a lucros cessantes e ainda na sua condenação no pagamento de quantia não inferior a 10.000,00€ a título de danos não patrimoniais.

 
*

Regularmente notificada, contestou a Embargada, defendendo, em suma, que no âmbito da transacção comercial subjacente ao negócio celebrado entre as partes, outorgaram, em 19/07/2022, um contrato que denominaram de “contrato promessa de compra e venda, da lavra da executada, tendo ficado consignado que todas as comunicações entre as partes relativas ao contrato são endereçadas às moradas constantes do mesmo, no caso da executada em ..., ... ..., nada podendo ser alterado a não ser por acordo escrito, juntando documento sob n.° 1, tendo proposto a injunção dos autos como domicílio o contratualmente convencionado, a executada recebeu a citação da injunção neste domicílio convencionado e não a contestou; no mais, impugna toda a versão trazida à demanda pela Embargante nos termos que explicita, concluindo que o título executivo é bastante e a dívida líquida e exigível. Mais acrescenta que não são admissíveis nem o pedido reconvencional deduzido, nem a invocada compensação de créditos, defendendo indeferimento liminar da reconvenção, sendo a embargada absolvida de quaisquer pedidos contra si formulados.
Termina concluindo pela improcedência dos embargos de executado deduzidos.
[…]».
*
2) – O valor da causa foi fixado em 19.241,09€.
*

3) – Em 17/11/2023 foi proferido saneador-sentença, tendo-se consignado na respectiva parte dispositiva:
«[…] decido:

1) Julgar procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado, e, consequentemente absolvo a Embargante L... Unipessoal, Lda. da instância executiva, determino a extinção da acção executiva a que estes autos se encontram apensos, e ordeno que se proceda ao levantamento da(s) penhora(s) ali 

 
realizada(s).
2) - Condenar a Embargada nas custas do processo. […]».
*

B) - Inconformada com tal decisão, dela apelou a Exequente/Embargada, “M..., LDA.”, que, na sua alegação de recurso, apresentou as seguintes conclusões:
«1ª

Foi de boa-fé, entre as partes, celebrado o contrato-promessa de compra e venda que estabeleceu, na sua cláusula sétima, n.º 1, pontos a. e b., que “Todas as comunicações a realizar entre as partes relativas ao presente ContratoPromessa deverão ser endereçadas para: a. No caso do Promitente Vendedor para a respetiva morada constante do preâmbulo deste Contrato. b. No caso do Promitente Comprador para a respetiva morada constante do preâmbulo deste Contrato”.

No contrato que as partes denominaram de contrato promessa de compra e venda, que mais não se trata de um contrato de compra e venda com pagamento faseado, uma vez que as faturas, que estão na base da injunção e consequente execução foram emitidas de imediato, o pagamento inicial efetuado e os bens colocados à disponibilidade da executada (a qual até já procedeu à revenda das ovelhas, apesar de ter alegado que as mesmas estariam doentes), consta expressamente o domicilio convencionado entre as partes, o qual contamina o contrato prometido, não podendo a executada vir agora alegar que tal não se aplica à factura emitida.

Entende-se por domicílio convencionado “o que é fixado pelas partes em contratos escritos para efeito de o eventual devedor ser procurado pelo credor ou por algum órgão judicial ou administrativo com vista ao cumprimento das obrigações deles decorrentes”

 

Os requisitos ali referidos, isto é, a circunstância de o devedor poder ser procurado pelo credor ou por algum órgão judicial ou administrativo, com vista ao cumprimento de obrigações, não são cumulativos, pelo que está preenchido, sendo bastante, o requisito de interpelação/procura por parte da credora/Recorrente que, por ser outorgante de contrato-promessa e da respectiva factura, e visando interpelar a ora Recorrida, devedora, para o cumprimento da dívida emergente de tal contrato, fê-lo através da morada/sede fixada no contrato escrito, tal e qual como o deveria ter feito.

A Recorrida, na oposição à execução, não juntou aos autos o contrato-promessa compra e venda, que está na base das faturas consequentemente objeto de todo o processo executivo, e fundamental para que se entenda se houve ou não convenção de domicílio, omitindo um dado imprescindível para o alcance da justiça.

Na sua contestação a ora Recorrida alegou uma série de factos demonstrativos de que a Recorrente sempre considerou a sua sede como domicílio convencionado, designadamente nos arts. 4.º a 20.º da contestação para a qual se remete e se dá por reproduzida.

Assim, não deveria o tribunal “a quo” decidir como o fez sem ter efetuado julgamento e analisado a prova oferecida.

Mais se refere que a Recorrida incorre numa situação de abuso de direito por até à propositura da execução ter adotado comportamentos que se reportam à existência da sua sede enquanto domicílio convencionado, vindo depois alegar convenientemente a inexistência daquele e atuando, assim, fora do objetivo natural e da razão justificativa e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante daquele direito.

 

Entende-se não haver motivo justificativo para a improcedência da ação por nulidade da notificação, mantendo-se a Recorrente na posição de credora, a quem lhe é devido o total líquido de 19.241,09€, facto este que não pode ser ignorado.

Em face ao exposto, não pode colher a tese da Recorrida e as considerações do tribunal “a quo”.

Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se a V. Ex.as se dignem considerar procedente e provado o presente recurso e revogada a decisão proferida na 1.ª instância, ordenando-se a prossecução dos autos seguindo-se os ulteriores termos até final. […]».

*

C) - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[3] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento dos litigantes, não está obrigado a apreciar.

Assim, a questão a solucionar no presente recurso, para além da atinente à invocação do abuso do direito, é a de saber – já que não foi impugnada a decisão proferida quanto à matéria de facto – se, estando provado que “Não foi

 

convencionado entre Exequente e Executada, por escrito, o local onde aquelas se consideravam domiciliadas, para o efeito de citação ou notificação em caso de litígio, designadamente que tal local fosse o sito no ..., ... ....”, a argumentação tecida na alegação de recurso – v.g. quanto à identificação da sede da Executada e outorgante no “contrato-promessa de compra e venda”, datado de 19.07.2022, e o acordado, nesse contrato, designadamente na “Cláusula Sétima” - leva a que se entenda haver domicílio convencionado, para efeitos do disposto no artº 2º, nº 1 do DL 269/98, de 01.09 e do artº 12-A, nº 1, do regime anexo a esse DL 269/98, e, assim, determine que, considerando-se devidamente efectuada a notificação da Requerida no procedimento injuntivo, se negue a nulidade da notificação do requerimento de injunção e, portanto, a falta de título executivo.
* II - Fundamentação:

A) - Na sentença da 1.ª Instância, no que concerne aos factos que aí se entenderam como provados e à factualidade que se considerou como não provada, consignou-se o que se passa a transcrever:
«1. Factos provados

Com relevo para a decisão da causa, encontram-se assentes os seguintes factos: 1) A exequente instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa no valor de 19.241,09€ contra a executada, aqui Embargante, de que estes autos são um apenso. 

2) Nos autos executivos id. em 1) foi dado à execução, como título executivo, um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, tendo corrido termos no Balcão Nacional de Injunções sob o n.º 13650/23...., abrangente das seguintes quantias: 18.550,00€ a título de capital, acrescida de juros de mora no montante de 201,51€, outras quantias no montante de 100,00€,  acrescida ainda da quantia de 153,00€ pela taxa de justiça, com base nos seguintes factos alegados que fundamentam a sua pretensão: 

“1. A M... Lda., ora Requerente, é uma sociedade que se dedica ao fabrico

 

de queijo e requeijão, comercialização e distribuição de produtos alimentares, exploração agropecuária e prestação de serviços conexos com a actividade, sita na Rua ..., ... ... ... e é possuidora do contribuinte fiscal nº ...56. 

2. A Requerida, L... Unipessoal, Lda., é uma sociedade que se dedica a atividades agrícolas, avícolas, pecuárias, cinegéticas e florestais em toda a sua extensão, incluindo a produção, transformação e comercialização de produtos e serviços destas atividades, desenvolvidas em prédios rústicos em regime de propriedade plena, usufruto, arrendamento, parceria, comodato ou a qualquer outro título. Turismo rural e alojamento local. Operações de melhoramentos, transformação e reestruturação de solos e instalação e manutenção de sistemas de rega. Compra e venda de bens imobiliários. Arrendamento de bens imobiliários e aluguer de máquinas agrícolas e industriais. Exploração de clube de tiro desportivo, com sede em ... ... ... e possui o contribuinte fiscal nº ...15.

3. A Requerente, no exercício da sua atividade comercial, forneceu à Requerida, a pedido desta, 364 ovinos reprodutores para o exercício da sua atividade profissional. 

4. O valor total da fatura cifra-se na quantia de 37.100,00€, com data de vencimento a 19-07-2022 – FT R2022/484.

5. Contudo, a Requerida apenas procedeu ao pagamento de metade dessa quantia, ou seja, 18.550,00€, tendo, inclusive acordado com a Requerente em pagar a restante quantia (18.550,00€) até 31 de Dezembro de 2022. 

6. Contudo, não obstante a interpelação da Requerente, quer através de contactos telefónicos, quer através de cartas, a Requerida nunca procedeu ao pagamento da quantia supra.

7. Pelo exposto, decorrente do não pagamento da referida fatura, é a Requerente credora e, por seu turno, é a Requerida devedora, do montante de 18.550,00€, acrescido de juros de mora vencidos calculados à taxa legal até à presente data no montante de 201,50€, sem prejuízo dos juros vincendos até

 
efetivo e integral pagamento. 

8. É o Requerido também devedor da quantia de 100.00€ a título de outras quantias, referentes a despesas administrativas alusivas à tentativa de cobrança extrajudicial dos valores em dívida, nomeadamente telefonemas e envios de cartas.

Fatura ...84 no valor de 18 550,00 € + juros entre 31/12/2022 e 10/02/2023 (3,56 € (1 dias a 7,00%) + 197,95 € (41 dias a 9,50%)).” 

3) No requerimento de injunção id. em 2) foi selecionada a obrigação emergente de transação comercial abrangida pelo Decreto-Lei 62/2013, de 10/05.  4) No requerimento de injunção id. em 2) consta como domicílio da requerida, aqui executada: ..., ... .... 

5) No requerimento de injunção id. em 2), a seguir à menção no campo “domicílio convencionado?”, a requerente, aqui exequente, colocou a menção:
“sim”. 

6) Nesta sequência, no âmbito do procedimento de injunção id. em 2), o Balcão Nacional de Injunções promoveu a notificação da Requerida, aqui executada, para a morada indicada no requerimento de injunção, sita no ..., ... ..., carta registada via postal simples, com prova de depósito, para, no prazo de 15 dias, pagar à requerente, aqui exequente, ou deduzir oposição à injunção. 

7) A notificação referida em 6) foi depositada no receptáculo postal domiciliário do domicílio descrito em 4), constando o registo da prova de depósito com a data de 24.02.2023 (CTT ...).

8) A requerida, aqui executada, não deduziu oposição, tendo sido aposta fórmula executória ao requerimento de injunção id. em 2), em 29.03.2023. 

9) Nas relações comerciais que estabeleceram entre si em data anterior ao requerimento de injunção id. em 2), a Requerente / Exequente e a Requerida/Executada, por documento particular celebraram entre si “contratopromessa de compra e venda”, datado de 19.07.2022, no qual consta aquelas identificadas, respectivamente, na qualidade de promitente vendedora,

 

M..., Lda., com sede na Rua ..., ..., ... ..., e na qualidade de promitente compradora L... Unipessoal, Lda., com sede no ..., ... .... 
10) Do teor do documento id. em 9), consta, além do mais, no que ora releva: 
Cláusula Primeira 

O Promitente Vendedor é possuidor e legítimo proprietário de 364 (trezentas e sessenta e quatro) ovelhas, de raça Cruzada (doravante conjuntamente designadas por "Ovelhas").
Cláusula Segunda 

Por este Contrato-Promessa, o Promitente Vendedor promete vender ao Promitente Comprador, e este promete comprar-lhe, inteiramente livre de quaisquer ónus ou encargos, as Ovelhas.
Cláusula Terceira 

1 - As Partes acordam que o preço global para a prometida compra e venda das Ovelhas será no valor de EUR 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) mais Iva à taxa de 6% que totaliza o valor de 37.100,00 € (trinta e sete mil e cem euros).  2 - O pagamento do preço global a que se refere o número anterior será pago nos seguintes prazos e condições: 

a) Na data da celebração do presente Contrato-Promessa, o Promitente Comprador entregará ao Promitente Vendedor, a título de sinal e de princípio de pagamento, a quantia de EUR 18.550,00 (dezoito mil quinhentos e cinquenta euros), através de transferência bancária para a conta bancária indicada pelo Promitente Vendedor. 

b) Até ao dia 31 de dezembro de 2022 será entregue pelo Promitente Comprador ao Promitente Vendedor, a quantia remanescente, no valor de EUR 18.7550,00 (dezoito mil qinhentos e cinquenta euros), o qual deverá ser pago através de transferência bancária para a conta bancária indicada pelo Promitente Vendedor.
(…)

Cláusula Sétima 

 

1 - Todas as comunicações a realizar entre as Partes relativas ao presente Contrato-Promessa deverão ser endereçadas para: a. No caso do Promitente Vendedor para a respetiva morada constante do preâmbulo deste Contrato.

b. No caso do Promitente Comprador para a respetiva morada constante do preâmbulo deste Contrato.

2 - Qualquer notificação ou comunicação deverá ser enviada por correio registado com aviso de receção. Sempre que enviadas pelo correio serão consideradas como recebidas na data da assinatura do aviso ou nos 5 (cinco) dias úteis seguintes à data da respetiva expedição. 

3 - As Partes obrigam-se reciprocamente a comunicarem entre si, por escrito, qualquer alteração dos endereços dos seus domicílios, sem o que se consideram como devidamente efetuadas, todas as comunicações e notificações expedidas para os endereços referidos no presente Contrato, bastando para tal a prova de que tais notificações foram enviadas. (…)” 

11) Não foi convencionado entre Exequente e Executada, por escrito, o local onde aquelas se consideravam domiciliadas, para o efeito de citação ou notificação em caso de litígio, designadamente que tal local fosse o sito no ..., ... ....

*
2. Os demais factos alegados não têm relevância para a presente decisão.».
*

B) – No denominado “contrato-promessa de compra e venda”, datado de 19.07.2022, identifica-se, na qualidade de promitente compradora, a ora Embargante/Executada, L... Unipessoal, Lda., referida com sede no ..., ... ....

Por sua vez, na “Cláusula Sétima” desse contrato, Exequente e Executada, aí outorgantes, acordaram, designadamente:

 

«[…] Todas as comunicações a realizar entre as Partes relativas ao presente Contrato-Promessa deverão ser endereçadas para: a. No caso do Promitente Vendedor para a respetiva morada constante do preâmbulo deste Contrato. b.No caso do Promitente Comprador para a respetiva morada constante do preâmbulo deste Contrato.
(…)

“As Partes obrigam-se reciprocamente a comunicarem entre si, por escrito, qualquer alteração dos endereços dos seus domicílios, sem o que se consideram como devidamente efetuadas, todas as comunicações e notificações expedidas para os endereços referidos no presente Contrato, bastando para tal a prova de que tais notificações foram enviadas. […]».
Ora, o que assim foi acordado no referido contrato, não o foi, especificamente, “…para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio., sendo que se encontra provado (ponto 11), que “não foi convencionado entre Exequente e Executada, por escrito, o local onde aquelas se consideravam domiciliadas, para o efeito de citação ou notificação em caso de litígio, designadamente que tal local fosse o sito no ..., ... .... […]».

Ora o artº 2º do citado DL 269/98, estipula no respectivo nº 1:”Nos contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear os procedimentos a que se refere o artigo anterior podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio.”.

E o nº 1 do artº 12.º-A, do regime anexo ao aludido DL 269/98, estabelece: “Nos casos de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do diploma preambular, a notificação do requerimento é efectuada mediante o envio de carta simples, dirigida ao notificando e endereçada para o domicílio ou sede convencionado.”.

 

Daqui resulta que, só uma convenção escrita quanto ao domicílio, referindo como escopo específico a “realização da citação ou da notificação, em caso de litígio”, é que permite que, no procedimento em causa, a notificação do requerimento seja efectuada mediante o envio de carta simples.

O que significa que, tendo a ora Exequente, assinalado no requerimento injuntivo, a seguir à menção no campo “domicílio convencionado?”, a menção: “sim”, quando, como de viu, não existiu convenção nesse domínio, determinou que a notificação da Requerida se fizesse, indevidamente, mediante o envio de carta simples, o que, tal como se explicita na decisão recorrida, determina a nulidade dessa notificação e, consequentemente, a falta do título executivo. Concordamos, assim, com o entendimento expresso na decisão recorrida, na senda, aliás, daquilo que se entendeu nos Acórdãos desta Relação, de 29/05/2012, e de 10/05/2016,[4] que aí se citam.

No Acórdão de 29/05/2012, Apelação nº 927/09.4TBCNT-A.C1, relatado pelo ora Cons. do STJ, Barateiro Martins, escreveu-se, entre o mais:
«[…] por lapso da exequente/recorrente, por ter dado, no preenchimento do requerimento de injunção, uma informação incorrecta.
Disse que havia “domicílio convencionado”, o que não é verdade.
Como se refere na sentença recorrida, citando o Conselheiro Salvador da Costa, por domicílio convencionado deve entender-se “o que é fixado pelas partes em contratos escritos para efeito de o eventual devedor ser procurado pelo credor ou por algum órgão judicial ou administrativo com vista ao cumprimento das obrigações deles decorrentes”[…].
Ora, no caso – em face do alegado na contestação à oposição – ficou “confessado” que não só não há contrato escrito como muito menos há convenção de domicílio.
A convenção de domicílio, para o efeito processual tido em vista, tem que ser uma cláusula explicitamente inserida no texto escrito do contrato, tem que ser uma cláusula em que ambas as partes declaram e aceitam, para o caso de litígio dele derivado, que

 
certo lugar de domicílio, certa residência, valem para o efeito de receber a citação ou a notificação no quadro dum concreto processo.
Para este “conceito” e efeito, o documento referido no ponto 4 dos factos provados é duma vacuidade total e absoluta; não é o texto escrito do contrato, não é uma cláusula inserida no texto do contrato, o seu conteúdo nada tem a ver com o que se disse sobre o “conceito” em causa, não é da autoria de ambas as partes e não faz sequer qualquer alusão ao oponente (mas a uma firma social - D (...), Lda.).
Enfim, a partir desta vacuidade “documental” (tendo presente o referido “conceito” e fim tido em vista com a convenção de domicílio), mal se compreende/justifica a informação incorrecta prestada pela exequente/recorrente, no preenchimento do requerimento de injunção, dizendo, sem qualquer fundamento, que havia “domicílio convencionado”.
Informação incorrecta que gerou, logicamente, a nulidade de citação.
Colocado perante tal informação, o Balcão Nacional de Injunções tinha que notificar os requeridos – entre os quais o aqui oponente/recorrido – de acordo com o disposto nos art.º 2.º/1 do Diploma Preambular e 12.º-A/1 do Anexo, do DL 269/98, de 1 de Setembro; isto é, bastava-lhe enviar “notificação via postal simples” ao notificando, considerando-se a notificação realizada com a certificação, pelo distribuidor do serviço postal, do depósito da carta na caixa de correio do notificando […]». (os sublinhados são nossos).
E       no sumário do referido              Acórdão de 10/05/2016 (Apelação nº
580/14.3T8GRD-A.C1), relatado pela aqui 2ª Adjunta, pode ler-se:
«[…] Os procedimentos de notificação no âmbito do procedimento de injunção dependem da existência de convenção de domicílio para efeito de realização da notificação do requerimento de injunção em caso de litígio.
(…) Tendo sido convencionado domicílio, esta notificação é efetuada mediante o envio de carta simples, remetida para o domicílio convencionado, considerando-se a
 
notificação feita na pessoa do requerido com o depósito da carta na caixa do correio deste (art. 12.º-A, n.º 1, do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98);
(…) Em contrapartida, não havendo domicílio convencionado, a notificação do requerimento de injunção é efetuada por carta registada com aviso de receção, sendo aplicável as disposições relativas à citação (art. 12.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo regime jurídico).
(…) Se, por hipótese, não for observado o modo de notificação previsto no art. 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (carta registada com aviso de receção), existe nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei (art. 191.º, n.º 1, do nCPC). Esta nulidade implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (arts. 726.º, n.º 2, al. a) 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, do nCPC). […]».

Concorda-se, em absoluto, com o entendimento seguido na sentença recorrida e que tem forte alicerce na jurisprudência que citamos desta Relação.

Sendo nula, nos termos acima referidos, a notificação do requerimento injuntivo, o direito da Requerida, que não deduziu oposição nesse procedimento, a arguir essa nulidade, mediante embargos, na execução que, com base no título formado pelo requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, é contra ele intentada, não pode ser entendido como abusivo, á luz do disposto no artº 334º do Código Civil.

Assim, concordando-se inteiramente com a sentença recorrida, confirma-se a mesma, improcedendo a Apelação.
* III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, julgando a Apelação improcedente, confirmar a sentença recorrida. *

Custas pela Apelante (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do

 
NCPC).
*
19/3/2024[5]
*
(Luiz José Falcão de Magalhães)
(Henrique Ataíde Rosa Antunes)
(Sílvia Maria Pereira Pires)

[1]Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.

[2] Transcrição de extracto do relatório da sentença recorrida.

[3] Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, v.g., no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.

[4] Ambos consultáveis em “em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.

[5] Processado e revisto pelo Relator.