Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
653/20.3T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
EMBARGO DE OBRA NOVA
PREJUÍZO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
Data do Acordão: 11/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - COVILHÃ - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.397 CPC, 1414, 1419, 1421, 1422, 1432 CC
Sumário: 1. - No âmbito dos fundamentos do procedimento cautelar de embargo de obra nova, para a procedência da providência pode bastar a ameaça (ou o perigo) do prejuízo, isto é, que: a) O direito real do requerente possa ser ofendido (sem, pois, ofensa consumada) em consequência de obra, trabalho ou serviço novo e ainda em execução; b) Essa obra nova ameace causar prejuízo ao requerente.

2. - Na propriedade horizontal, cada fração autónoma não é uma ilha, mas uma parte de um todo, onde, por isso, se conjugam direitos de propriedade exclusiva (sobre cada uma das frações) e direitos de compropriedade (sobre as partes comuns do edifício), sendo que os dois espaços/elementos (o objeto de propriedade exclusiva e o marcado pela compropriedade) se conjugam, entrecruzam e interpenetram, importando limitações na pretensão de uso e modificação de cada fração, como consagrado no n.º 2 do art.º 1422.º do CCiv..

3. - Se um dos condóminos, unilateralmente (sem comunicação e assentimento dos demais, apostando numa lógica de facto edificativo consumado), procede a obras numa fração autónoma de que é titular, situada no rés-do-chão do edifício e destinada a armazém e escritório, demolindo paredes interiores, para construção de dois quartos de banho, duas cozinhas, dois quartos, instalação de tubagem para escoamento de águas sanitárias, instalação de nova rede elétrica, criação de saídas de ar para ventilação no interior da dita fração, criação de extração de fumos em ambas as cozinhas, entre outras, na intenção de transformação em dois apartamentos habitacionais de tipologia “T1”, com o inerente uso desconforme ao fim não habitacional a que destinada, demonstrada está, em termos sumários/cautelares, a aludida ameaça (ou o perigo) de prejuízo para os direitos dos demais condóminos, atento o especial modo – decorrente da específica natureza do domínio – como tais direitos de índole patrimonial relativamente ao prédio (propriedade exclusiva das frações de que são donos / compropriedade das partes comuns) se exprimem, exercitam e valorizam.

4. - Tais obras, pela sua dimensão, são idóneas a criar o risco (ameaça) de prejuízos em elementos estruturais do edifício, quer quanto à segurança edificativa, quer quanto à integridade dos sistemas de água/saneamento, elétrico, ventilação e extração de fumos.

Decisão Texto Integral:


Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório ([1])

1.ºs – C (…) e mulher, M (…), e

2.ºs – J (…) e mulher, M (…) todos com os sinais dos autos,

intentaram os presentes autos de procedimento cautelar de embargo de obra nova contra

F (…) e mulher, S (…), também com os sinais dos autos,

pedindo, sem audição prévia dos requeridos, “a decretação do (…) embargo de obra nova”, efetuada pelos Requeridos, sendo lavrado o auto a que se refere o art.º 400.º, n.º 1, do NCPCiv. e notificado o dono da obra, pelo modo indicado no requerimento inicial, com a cominação legal aplicável em caso de desrespeito de tal determinação judicial (art.º 375.º do NCPCiv.), aludindo ainda, em sede de articulado (alegação não transposta para o petitório), a uma sanção pecuniária compulsória de € 1.000,00 por cada dia de desrespeito do mesmo ou por cada ato de violação do dito embargo (cfr. fls. 12 v.º e seg. do processo físico).

Alegaram, para tanto, em síntese, que, sendo titulares de frações autónomas, que identificam, em prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, aperceberam-se de trabalhos de demolição interior de paredes noutra fração autónoma (fração “B”, correspondente ao r/c direito) do mesmo prédio, danificando a estrutura do edifício, trabalhos esses em implementação pelos Requeridos, que se traduzem em alteração do uso da fração autónoma intervencionada – de armazém e escritório para habitação (dois apartamentos, com tipologia “1”) –, o que é ilícito, desde logo por não autorizado (carece de autorização de todos os condóminos) e contrariar o título constitutivo de propriedade horizontal, para além de implicar obras de canalização, instalações elétricas, ligações e tubagens, saídas de ar, receando os Requerentes que daí resultem danos nas demais frações autónomas do edifício, com risco para a segurança dos respetivos utilizadores.

Observado o contraditório prévio dos Requeridos, estes deduziram oposição, invocando terem respeitado as normas e disposições legais e regimentais aplicáveis, pelo que deve o procedimento ser julgado totalmente improcedente, mais devendo os Requerentes serem condenados, como litigantes de má-fé, em multa e indemnização.

Procedeu-se à realização de audiência, com inspeção judicial ao local e registo fotográfico da obra, bem como produção da demais prova.

Após, foi proferida sentença, julgando procedente o procedimento cautelar, assim se determinando a suspensão imediata das obras efetuadas pelos Requeridos.

Desta decisão recorrem os Requeridos, inconformados, para o que apresentaram alegação, onde formulam as seguintes

Conclusões:

«I - A providência cautelar de embargo de obra nova, considerando a sua especificidade e tipicidade, destina-se exclusivamente a obstar à realização de obra, trabalho ou serviço novo que cause ou ameace causar prejuízo ao titular de direito de propriedade, singular ou comum, ou de qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou de posse.

II - O embargo de obra nova não pode ser utilizado ou decretado como providencia conservatória de abstenção de vontades e eventuais comportamentos que, nada tendo a haver com a obra em causa, possam vir a ser adotados no futuro.

III - Na verdade, dos presentes autos realça que é indiferente se as obras em causa são legais ou necessárias, dado que o que ressalta é a necessidade de impedir que possam permitir uma eventual utilização diversa do previsto, ainda, e pasme-se que os requeridos tenham, expressamente, confessado que têm perfeito conhecimento de que apenas podem utilizar a fração em causa nos autos para o fim que está previsto no título constitutivo, e por essa razão, solicitaram expressamente a sua alteração aos demais proprietários, ora requerentes.

IV - É incompreensível e inaceitável que seja decretado o presente embargo, à revelia das evidências que comprovam a legalidade e legitimidade da atuação dos requeridos.

V - Andou mal a Mª Juíza ao presumir, à revelia do que é confessado pelas declarações de parte do Requerido e corroborado pelo técnico que projetou a renovação do espaço, que o mesmo se destinará a outro qualquer fim que não seja permitido pelo título de propriedade horizontal.

VI - em face dos depoimentos identificados, dos documentos e inspeção judicial, devem ser alterados o pontos dados como provados supra indicados, nomeadamente:

- Do Ponto 13 da matéria de facto provada, designadamente eliminando a parte que refere e citamos: “(…)destruindo a respetiva estrutura que vibrava perante as pancadas que lhe eram dadas com ferramenta diretamente em paredes e, ou outras estruturas de edifícios (…)”.

- Do ponto 23 da matéria de facto provada, designadamente na parte que refere e citamos: “para além da mudança de caixilharia das janelas e portas que deitam para o exterior, consistem no derrube das paredes interiores, e construção de novas paredes para criação de 4 divisões e duas instalações sanitárias, instalação de tubagem para escoamento de águas sanitárias, instalação de nova rede elétrica e nova canalização de aguas quentes e frias.”

- No ponto 26 da matéria de facto não pode ser considerado provada – “Alterando o destino da fração B, destinada a armazém e escritório, para uso de habitação, os requeridos terão de realizar obras, nomeadamente, de canalização, com ligação à tubagem.”, dado que tais obras de canalização com a ligação de tubagem terão ser realizadas mesmo que não seja autorizada a alteração de uso pelo condomínio

- No ponto 27 da matéria de facto não pode ser dada como provado – “Vindo a ocorrer o descrito em 26- o sobredito prédio fica sem uma fração destinada a armazém e escritório.” Dado que tal alteração carece como é reconhecido por todos da autorização do condomínio e fica prejudicado pela resposta que se impõe ao quesito 26.

VII - Bem como se deverão considerar provados, por confissão do Requerido e depoimentos das testemunhas identificadas, (…), os factos não considerados provados, nomeadamente, que:

- as obras em causa estão a ser realizadas no interior da referida fração B;

- a rentabilização do investimento que os requeridos pretendem é independente do destino ou uso que lhe possa ser dado;

- numa primeira fase as obras eram no sentido de manter o uso de escritórios e armazéns;

- foi sugerido aos requeridos acautelar possíveis utilizações, nomeadamente para habitação, apesar de menos rentável, por as soluções de construção serem as mesmas;

VIII - Como resulta de todas as provas produzidas, mormente pela inspeção judicial ao local, pode-se constatar que todas as obras em causa nos autos, são obras que se realizam, exclusivamente, no interior da fração, ou seja no domínio exclusivo da propriedade dos requeridos.

IX - As Obras não afetam, nem implicam qualquer alteração às instalações comuns de agua, eletricidade e esgotos do condomínio, tal como foi verificado na inspeção judicial ao local e como resulta dos depoimentos das tuas testemunhas técnicas, (…) responsável pela execução da obra.

X - As obras de renovação da fração B do edifício, têm como objectivo rentabilizar o investimento que ali fizeram, através do arrendamento das frações A e B.

XI - Sendo lícito e legítimo que os Requeridos tenham dado instruções para acautelar a possível utilização da referida fração para outro fim, que venha a ser autorizado pelo condomínio.

XII - As obras descritas nos autos, implicam em qualquer caso a substituição de canalizações e de eletricidade dentro da fração em causa, mediante substituição das antigas.

XIII - Nenhuma obra realizada ou a realizar na fração dos Recorrentes pode prejudicar, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício;

XIV - Mesmo no que se refere à substituição da caixilharia (janelas e portas) da referida fração, a verdade que resulta das fotos e desenhos juntos aos autos, “de madeira por PVC”- respeita integralmente a cor e configuração das existentes, pelo que carece de qualquer tipo de licenciamento e, como é evidente, de qualquer autorização do condomínio, as novas caixilharias respeitam, quer na cor quer no material quer a configuração das que foram instaladas nas frações dos Requerentes, ora recorridos…

XV - A substituição da caixilharias em mau estado e deterioradas é perfeitamente lícito, sendo que a alteração do material das mesmas, não é nem pode ser considerado uma inovação susceptível de alterar a estética do edifício, desde que mantenham a configuração e cor das existentes.

XVI - Todas as obras realizadas e a realizar pelos Recorrentes são licitas porque são realizada apenas no interior da fração e não colocam em causa ou prejudicam a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício;

XVII - A douta sentença recorrida enferma de conclusões e presunções manifestamente abusivas e totalmente ilegais, pois, à revelia de todas as normas jurídicas (vide artigos 1422º, 1422-A e 1425º do Código Civil, evidências, provas e até das mais elementares regras de experiência comum, se conclui que as obras em causa foram e são especificamente concebidas e realizadas para uma única utilização, o que manifestamente, não se aplica ao presente caso.

XVIII - Na verdade, e como é de conhecimento geral qualquer escritório moderno, tem as instalações básicas que lhe permitam o conforto de utilização, nomeadamente, espaços ou bancadas para refeições, lava loiças e instalações de água quente e fria.

XIX - Sendo que no caso dos autos, as obras que estão a ser realizadas são as necessárias e adequadas à criação de um espaço de escritório com armazém e instalações sanitárias modernas atuais e adequadas às necessidades que atualmente se exigem.

Nestes termos, sendo as obras em causa lícitas e não carecendo de autorização de quem quer seja, nomeadamente, do condomínio, andou mal a Mª Juíza a decretar o embargo de obra nova nos presentes autos, devendo tal decisão revogada, e substituída por outra que permita a realização das obras identificadas nos autos. Tudo como é da mais elementar

JUSTIÇA!» (destaques retirados).

Na sua contra-alegação, os Recorridos esgrimem que a contraparte não observou os ónus legais de indicação, nas conclusões da apelação, dos concretos factos impugnados e dos concretos meios de prova a determinar distinta decisão sobre a matéria de facto, concluindo pela total improcedência do recurso.

Foi o recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, após o que os autos foram remetidos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões, está em causa na presente apelação saber ([2]):

a) Se deve ser admitida e proceder a impugnação da decisão de facto;

b) Se não estão verificados os requisitos legais de procedência da providência requerida, obrigando a um juízo revogatório da decisão recorrida.

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

1. - Na 1.ª instância foi julgada como sumariamente apurada a seguinte matéria, em sede de decisão de facto:

«1- Os requerentes C (…) e M (…), casados sob o regime de comunhão geral, são donos e legítimos possuidores das seguintes frações autónomas do prédio urbano, composto por edifício de cave, rés-do-chão, primeiro e segundo andar e sótão, sito na (...) (…), na (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) sob o número 1903/20090529 e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias da (...) e (...) sob o artigo 3436:

a) Fração C, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, destinada a garagem, cujo direito de propriedade se encontra registado na Conservatória do Registo Predial da (...) a favor dos mesmos pela AP. 11 de 2002/03/11 – vd. Documento n.º 1 correspondente a cópia não certificada do teor do registo predial, que se junta e que aqui se dá por inteiramente reproduzida para os devidos e legais efeitos;

b) Fração D, correspondente ao primeiro andar, destinada a habitação, com despensa, um terraço coberto e uma divisão ampla no sótão, destinada a arrecadação, cujo direito de propriedade se encontra registado na Conservatória do Registo Predial da (...) a favor dos mesmos pela AP. 16 de 2003/01/07 – (Documento n.º 1).

2- Os requerentes J (…) e M (…) casados sob o regime de comunhão de adquiridos, são donos e legítimos possuidores da seguinte fração autónoma do prédio identificado no artigo 1.º:

a) Fração E, correspondente ao segundo andar, destinada a habitação, com terraço, cujo direito de propriedade se encontra registado a favor dos mesmos na Conservatória do Registo Predial da (...) pela AP. 18 de 2003/01/15 – (Documento n.º 1).

3- Em 1977, o prédio urbano descrito no ponto 1- veio à posse e propriedade dos requerentes C (…) e mulher e de J (…) e mulher (…), por compra, em regime de compropriedade e na proporção de metade para cada casal, aos respetivos anteproprietários (…) conforme AP. 7 de 1977/06/23 e AP. 18 de 1977/07/01, respetivamente, constantes do teor do registo predial – (Documento n.º 1).

4- Em 1979, os requerentes constituíram o sobredito prédio em propriedade horizontal – (cfr AP. 9 de 1979/05/29, constante do teor do registo predial – Documento nº1).

5- Na década de noventa do século passado, os requerentes alienaram as frações autónomas A e B do sobredito prédio urbano.

6- Em 2002, os requerentes C (…) e M (…)adquiriram aos requerentes J (…) e M (…) a metade que a estes competia na suprarreferida fração C, tornando-se, assim, proprietários, na plenitude, da referida fração – (cfr AP. 11 de 2002/03/11, constante do teor do registo predial junto como Documento 1).

7- Em 2002, os requerentes J (…9 e M (…) permutaram com os requerentes C (…9 e M (…) a metade que lhes competia da fração autónoma a que corresponde a letra D com a metade que a estes competia da fração autónoma a que corresponde a letra E.

8- Os requerentes C (…) e mulher (…), tornaram-se proprietários, na plenitude, da fração autónoma a que corresponde a letra D – (cfr AP. 16 de 2003/01/07, constante do teor do registo predial junto como Documento n.º 1).

9- Por sua vez, os requerentes J (…) e mulher (…) tornaram-se proprietários, na plenitude, da fração autónoma a que corresponde a letra E (cfr AP 18 de 2003/01/15, constante do teor do registo predial junto como Documento n.º 1).

10- Há mais de 40 ano que os Requerentes e anteproprietários que possuem as aludidas frações autónomas a que correspondem as letras C,D e E do prédio urbano indicado no ponto 1-, à vista de toda a gente e, sem oposição de ninguém, de quem quer que seja e praticando sobre as mesmas, em seu próprio nome, todos os atos de uso, conservação, posse e pagamento dos respetivos impostos, na convicção de os exercer em coisa própria, conservando-as e beneficiando-as através de obras que lhes realizam, utilizando-as ou permitindo que outros as utilizem.

11- Do teor do registo predial relativo às frações autónomas decorre que se encontra registado a favor dos requeridos, F (…) e mulher (…) casados sob o regime da comunhão de adquiridos que:

a) A Fração A correspondente à cave, destinada a oficina e composta por logradouro com 50 m², através da AP. 3604 de 2019/01/08 – (cfr Documento n.º 1);

b) A Fração B correspondente ao rés-do-chão direito, destinada a armazém, escritório e instalações sanitárias, através da AP. 3604 de 2019/01/08 – (cfr Documento n.º 1).

12- No dia 27 do abril do corrente ano, os requerentes C (…) e mulher (…), com domicílio fixado em prédio adjacente ao prédio urbano identificado no ponto 1-, encontravam-se, com intenção de a arrendar, na fração autónoma a que corresponde a letra D e, na ocasião, aperceberam-se, pelo ruído que era emitido no local, que, no interior da referida fração autónoma a que corresponde a letra B, se desenrolavam obras.

13- Os trabalhos que ali se encontravam a ser executados consistiam em trabalhos de demolição de paredes e arremesso do respetivo entulho para a parte traseira do edifício, para o logradouro que integra a fração A, e pareciam derrubar o prédio, destruindo a respetiva estrutura que vibrava perante as pancadas que lhe eram dadas com ferramenta diretamente em paredes e, ou outras estruturas de edifícios, o que era também aferível pelo ruído que emanava de tais trabalhos.

14- Nesse mesmo dia, os requerentes C (…) e mulher (…) viriam a ser contactados, no respetivo domicílio, por uma das pessoas que, na ocasião, acompanhava a obra e se assumiu como responsável técnica da obra, a engenheira civil (…), desempenhando funções para a entidade que executava os trabalhos, a sociedade comercial com a razão social A (…), LDA., que pretendia informar-se sobre o local onde se encontravam instalados os contadores de água das frações A e B do sobredito prédio.

15- Nessa ocasião a identificada Engenheira não prestou informação, sobre o tipo de obras que estavam a ser realizadas, tendo apenas informando quem era o dono da obra e estabelecido contacto telefónico com o requerido.

16- Nesse contacto do requerido com a Engenheira S (...) , foi possível que o filho dos requerentes C (…) e mulher(…) R (…), também ele presente, conversasse com o requerido F (…)

17- Nenhum dos requerentes e nem R (…), filho dos requerentes C (…) e mulher (…), ou qualquer outra pessoa ligada aos requerentes conhecia a quem pertenciam, presentemente, as suprarreferidas frações autónomas A e B do sobredito prédio urbano.

18- À data procurando indagar a respeito do tipo de obras que estavam a ser executadas, o requerido limitou-se se, nessa altura, a indicar o respetivo endereço de correio eletrónico, solicitando que lhe fosse remetida mensagem de correio eletrónico com os contactos telefónicos e de correio eletrónico dos requerentes C (…) e mulher (…) e, simultaneamente, os do filho destes R (…).

19- No dia 27 de abril, o filho dos requerentes, R (…) remeteu mensagem de correio eletrónico para o endereço do requerido, fornecendo os contactos.

20- No dia 7 de maio do corrente ano, R (…), filho dos requerentes C (…) e mulher (…) rececionou uma mensagem de correio eletrónico do requerido F (…), com o seguinte teor:

«Boa tarde Sr (…),

Como conversado ao telefone em anexo envio a ata para que possam em conjunto analisar e concordar com a mesma na esperança que seja assinada e tudo decorra sem grandes atrasos.

Aproveito a oportunidade para lhe dizer mais uma vez que estamos de acordo relativamente que esta discussão devia ter sido mais cedo, mas como lhe expliquei houve essa impossibilidade por vários motivos, no entanto, tenho a certeza que o bom senso de todos nós, nos levara a bom porto.

Relembro ainda que a reabilitação do espaço é benéfico para todos com a valorização do imóvel, tanto em aproveitamento, limpeza embelezamento. Sem dúvida que concorda comigo que um espaço renovado e com vida é melhor que um espaço fechado e abandonado como esteve tantos anos.

Relativamente a questões sobre o projecto ou da obra propriamente dita e para que não haja receios quanto à segurança do edifício e garantir que tudo está controlado informo que a Engenheira S (...) estará amanha no local às 11h e convido-o assim, caso seja oportuno a visitar a obra e colocar as suas questões técnicas.

Cordialmente,

F (…)» (cfr Doc 3)

21- A dita mensagem de correio eletrónico, era acompanhada de um ficheiro contendo uma ata de uma “suposta” assembleia de condóminos, nunca antes abordada, onde, em suma, os aqui requerentes, enquanto condóminos, eram informados que os requeridos, pretendiam instalar na fração autónoma a que corresponde a letra B, «dois apartamentos habitacionais, com a tipologia T1» - (cfr Documento número 4 aqui dado por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos).

22- Perante isto, ainda nesse dia, os requerentes C (…) e mulher e o filho R (…) entenderam conveniente que também os requerentes J (…) e mulher (…) se inteirassem do que se passava na fração “B” do supra referido prédio urbano.

23- As obras que os requeridos pretendem executar, para além da mudança de caixilharia das janelas e portas que deitam para o exterior, consistem no derrube das paredes interiores, na construção de dois quartos de banho, duas cozinhas, dois quartos, instalação de tubagem para escoamento de águas sanitárias, instalação de nova rede elétrica, criação de saídas de ar para ventilação no interior da dita fração, criação de extração de fumos em ambas as cozinhas, entre outras.

24- A sobredita fração B, destina-se a armazém e escritório (cfr decorre do título constitutivo da propriedade horizontal do referido prédio – (vd. Documento n.º 1);

25- Os requerentes nunca consentiram, nem anuíram ou, sequer, se inteiraram da intenção de alguém destinar a referida fração B a fim diverso daquele a que o título constitutivo da propriedade horizontal a destinou.

26- Alterando o destino da fração B, destinada a armazém e escritório, para uso de habitação, os requeridos terão de realizar obras, nomeadamente, de canalização, com ligação à tubagem.

27- Vindo a ocorrer o descrito em 26-, o sobredito prédio fica sem uma fração destinada a armazém e escritório.

28- [Provado apenas que] para a realização das obras indicadas em 23- foi utilizado o logradouro contíguo à fração.

29- As obras em causa consistiram na renovação da fração B do edifício.

30- Os requeridos pretendem rentabilizar o investimento que ali fizeram, arrendando as frações A e B.

31- Os requeridos deram instruções para acautelar a possível utilização da referida fração para habitação.

32- No dia 27 de abril do corrente ano, a empresa encarregada de realizar as obras de substituição de caixilharia iniciaram os trabalhos indicados em 23-.

33- As obras estão a ser realizadas com recurso a geradores e água transportada em baldes.

34- As obras acima descritas implicam a substituição de canalizações e de eletricidade dentro da fração em causa, mediante substituição das antigas.

35- Os serviços do Município da (...) dirigiram-se por diversas vezes ao local, na sequência de denúncias apresentadas.».

2. - E foi julgado não provado:

«- as obras em causa estão a se[r] realizadas no interior da referida cave;

- a rentabilização do investimento que os requeridos pretendem é independente do destino ou uso que lhe possa ser dado;

- numa primeira fase as obras eram no sentido de manter o uso de escritórios e armazéns;

- foi sugerido aos requeridos acautelar possíveis utilizações, nomeadamente para habitação, apesar de menos rentável, por as soluções de construção serem as mesmas;

- as visitas do Fiscal da Camara Municipal de (...) tenha causado inúmeros transtornos e atrasos na obra.».

          B) Da impugnação da decisão da matéria de facto

          Se foi devidamente impugnada a decisão de facto e se merece acolhimento

Os Apelantes, no âmago da sua alegação recursiva, começam por manifestar inconformismo com a decisão da matéria de facto, pretendendo que seja alterado o juízo da 1.ª instância nesta vertente, quer quanto às respostas aos pontos 13.º, 23.º, 26.º e 27.º, todos do factualismo dado como provado, a deverem ser julgados como não provados (ao menos parcialmente), quer relativamente aos primeiros quatro do total de cinco pontos dados como não provados, a deverem, por sua vez, ser julgados provados.

Esperava-se, por isso, que os Recorrentes, ao pretenderem impugnar a decisão de facto, esclarecessem/concretizassem, não só qual a factologia que, na sua ótica, o julgador julgou erradamente, como ainda quais as provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adotada em sede de decisão de facto, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito objetivo e probatório da impugnação de facto, sem deixar de sinalizar qual o sentido, quanto a cada um dos factos impugnados, da decisão a ser proferida pelo Tribunal de recurso (cfr. art.º 640.º, n.º 1, mormente al.ª c), do NCPCiv.).

Assim, sob pena de rejeição da impugnação da decisão de facto, impendia sobre os Apelantes o ónus de especificar qual a decisão a proferir sobre cada um dos ditos pontos impugnados.

Ora, compulsadas as conclusões recursórias, conjugadas com a antecedente alegação, verifica-se que os Apelantes deram suficiente cumprimento aos ónus legais nesta parte a seu cargo (dito art.º 640.º do NCPCiv.), seja quanto à indicação dos factos concretos sob impugnação, seja quanto ao diverso sentido probatório pretendido (a diversa decisão a proferir).

Com efeito, não só indicaram quais os factos objeto de impugnação, como também quais os fundamentos dessa impugnação e o sentido pretendido para a decisão recursória a proferir nesta matéria.

Já quanto aos concretos meios probatórios convocados, os Apelantes são seguramente sintéticos em sede de conclusões: aludem apenas a “depoimentos identificados”, “documentos e inspeção judicial” (conclusão VI), no concernente a factos dados como provados, e, quanto aos não provados, a “confissão do Requerido e depoimentos das testemunhas identificadas, Eng. S (...) e Arq. J (...) ” (conclusão VII), não procedendo aí à obrigatória análise crítica (e conjugada) da prova, nem à indicação das passagens da gravação da prova pessoal invocada [cfr. al.ª a) do n.º 2 do art.º 640.º do NCPCiv., preceito consabidamente de natureza imperativa].

Por isso – e visto o invocado neste âmbito pela contraparte –, urge verificar se a alegação recursiva dos Apelantes (parte III, referente à “impugnação da matéria de facto”) supre a extrema síntese conclusiva por estes oferecida nos autos.

Assim, relativamente à obrigatória indicação das passagens da gravação, alude, desde logo, à prova por declarações de parte do Requerido/Recorrente F (…), o qual «confessou para não ser mais retirado, que:

- A partir do Minuto 3:25 do seu depoimento, o requerido, a instância da Mª Juíza, confirma que obra destina-se à renovação integral da fração B, com o objectivo de rentabilizar o investimento que fizeram com a aquisição do imóvel através do arrendamento das frações A e B.

- ao Minuto 4:05 do seu depoimento, A Mª Juíza expressamente questiona o Requerido, ora Recorrente:

“o Senhor sabia o que aquilo era antes? O que é que aquilo era antes?”

Ao que o Requerido responde e é repetido pela Mª Juíza: “Escritórios”

- Mª Juíza: “Mas o senhor como pretende rentabilizar isto com o arrendamento, é para o mesmo fim?

- Requerido: …

- Mª Juíza: ai é também para escritórios?

- Requerido: “Exatamente”».

Depois, alude à corroboração de tais declarações com prova testemunhal, apenas mencionando a “testemunha J (...) , cujo depoimento, se encontra registado de 08-07-2020 17:00:42 a 08-07-2020 17:49:17”.

Ora, compulsada a ata da sessão de audiência de “08-07-2020”, o que se constata é que aí foi exarado que a testemunha J (…) arquiteto, que disse ter sido “contratado para efetuar o projeto da obra em causa nos autos”, foi ouvida, com “Gravação digital - Habilus” respetiva desde as “17:00 a 17:45” horas.

Assim sendo, ao aludir às passagens da gravação como sendo “17:00:42 a (…)17:49:17”, nem sequer coincidindo com a duração integral registada em ata da gravação do depoimento, seguro é que não foi nesta parte observado o ónus de indicação exata das passagens da gravação em que se fundasse o recurso, visto para tanto não bastar a menção à hora de início e fim do depoimento/gravação (isto é, o tempo de duração máxima do mesmo).

E, quanto aos impugnados pontos fácticos não provados, se os Recorrentes invocam novamente a “confissão do Requerido” – sem menção a outras quaisquer passagens da gravação –, completam com a convocada corroboração através dos “depoimentos das testemunhas identificadas, (…)”, sem qualquer adicional indicação de passagens da gravação a atender.

Quer dizer, se, quanto à testemunha J (…) mais não se fez – como já sublinhado – do que indicar (e, ainda aí, com alguma percetível imprecisão) a hora de início e final da gravação (o que já constaria da ata), já relativamente à testemunha S (…), nem a tal indicação se procedeu, havendo total omissão de referência a quaisquer passagens da gravação do respetivo depoimento testemunhal.

Assim sendo, forçoso é concluir que, ao menos quanto à prova testemunhal convocada não foi observado o ónus legal de indicação exata das passagens da gravação em que se fundasse o recurso, sendo que também não foi oferecida transcrição dos respetivos depoimentos/excertos que fossem considerados relevantes, o que é motivo de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, por força da citada norma imperativa da al.ª a) do n.º 2 daquele art.º 640.º.

Ora, como se pode ver da enunciada motivação da convicção probatória da sentença, a convicção do Tribunal recorrido fundou-se na análise crítica e conjugadas das provas produzidas, documental, por inspeção ao local, por declarações de parte e testemunhal, mormente testemunhas arroladas pelos Requerentes ((…)

Essencial à pretensão probatória dos Recorrentes era, pois, aquela prova testemunhal corroborante – depoimentos de (…) posto que as declarações de parte, relatando factos que a favorecem, não são idóneas a obter “confissão”, esta, por natureza, referente a factos desfavoráveis ao depoente/confitente e favoráveis à contraparte (cfr. art.º 352.º do CCiv. e 466.º do NCPCiv.) –, âmbito em que, reitera-se, opera a “sanção” processual da “imediata rejeição do recurso” [dito preceito do art.º 640.º, n.º 2, al.ª a)].

Em suma, indemonstrada fica a proclamada corroboração por prova testemunhal, tal como não ocorre “confissão” que favoreça os Requeridos/Recorrentes, sendo que as demais provas invocadas, de per se, seja a inspeção judicial ao local, seja a prova documental, ademais sem qualquer análise crítica da prova pessoal oferecida pela contraparte e que mereceu credibilidade aos olhos do Tribunal a quo – competia aos impugnantes mostrar o erro do Julgador ao conferir tal credibilidade –, não poderiam fundar uma inversão do juízo probatório, sabido que a Relação apenas deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Tudo para concluir que, ainda que a rejeição da impugnação da decisão de facto apenas atingisse a dita prova testemunhal (e não a totalidade de tal impugnação), nem por isso a convocada prova restante imporia decisão diversa quanto aos pontos impugnados, tanto mais que não foi posta em crise, pelos Recorrentes, em pertinente análise crítica (de que se demitiram), a prova oferecida pela contraparte em que se fundou a sentença.

Falece, pois, a empreendida impugnação da decisão de facto, permanecendo inalterada a parte fáctica da sentença, de cuja factualidade provada – assim tornada definitiva –, e só dessa, caberá apreciar em matéria de direito.

C) Da impugnação de direito

Se não estão verificados os pressupostos de decretamento do procedimento intentado

Na fundamentação jurídica da sentença pode ler-se:

«Conforme resulta do art 1419º/1, do C.Civil “O título constitutivo da propriedade horizontar pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos.”

Sendo que relativamente a uma das limitações ao exercício dos direitos resulta do disposto na al c) do nº 2 do art 1422º, do C.Civil onde se preceitua que é especialmente vedado aos condóminos dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada.

Nos antecedentes históricos legislativos deste normativo invocava-se que no exercício do seu direito devem os proprietários suportar as limitações necessárias ao bem de todos, em virtude das relações de vizinhança, da copropriedade nas coisas comuns e da circunstância das frações pertencerem ao mesmo edifício.

Desde logo, a proibição de alterar a estrutura unitária do edifico, pelo facto de as diversas frações autónomas integrarem um edifício único, justifica quer a proibição da realização de obras novas que contendam com a segurança ou estabilidade do edifício, com a sua linha arquitetónica ou arranjo estético (art 1422º, nº2, al a) do C.Civil).

Analisemos agora a proibição de dar à fração uso diverso do fim a que é destinada (art 1422º/2, al c) do CCivil.

Tal proibição radica em razões de interesse e ordem publica, embora vise também a proteção dos interesses particulares dos restantes condóminos.

Em casos como o presente, se o prédio foi projetado e construído para ter frações destinadas a habitação e as dos requeridos ab initio para escritório e oficina, não será licito, a pretexto de fazer obras de remodelação destinar a fração para habitação ou pior ainda, invocar a ambivalência do seu uso, silenciando a utilização prevista para as frações, abrindo caminho para uma utilização discriminada.

É certo que o título constitutivo pode ser modificado, desde que haja acordo de todos os condóminos (art 1419º/1, do CCivil).

Porém, quando em casos como o presente, os requerentes não foram devidamente informados acerca da afetação da fração tal não será possível fazer.

Com efeito, conforme resulta da factualidade provada, só depois de os requerentes alertados pelo barulho das obras e de terem pedido ao requerido explicações para as obras é que este tentou obter o consentimento dos mesmos. (…)

O instrumento jurídico ao qual compete, em primeira linha, definir as relações entre os condóminos fixar o fim a que se destina cada uma das frações do prédio é o título constitutivo da propriedade horizontal (e também o regulamento que forma o estatuto regulador do condomínio).

No caso sob analise, compreende-se a importância que constitui para os requerentes conhecerem a indicação do destino da fração que está a ser intervencionada, porquanto para pessoas como os requerentes, membros de uma família, é bem diferente saber que a fração dos requeridos estava destinada a escritório e oficina e depararem-se agora com o facto consumado do inicio de obras destinadas a uma utilização dúbia, por ora silenciada, relativamente ao verdadeiro destino visado, certo sendo que tudo indica estar a fração preparada para o fim habitacional, ademais numa cidade como a (...) , com muitos estudantes universitários.

No caso dos autos, o que fundamentalmente importa precaver é que os requerentes possam ser ouvidos e tomarem posição sobre o uso que irá ser dado á fração, o que até à presente data, repete-se, foi silenciado, para que então sim possam pronunciar-se sobre o consentimento a dar ou não.

Insiste-se a proibição prevista no art 1422.º/ 2ª al c) do CCivil de alterabilidade do fim inicial não significa que o título não possa ser modificável, porquanto obtida a competente licença camarária, podem os condóminos proceder à modificação do título assinalando à fração uma destinação nova, diferente da anterior, desde que essa modificação conste de escritura pública (art 1419º, do CCivil).

Ora, a alteração do destino das frações autónomas constitui uma modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, pelo que carece da aprovação de todos os condóminos (arts 1432º, do C.Civil), o que não se verificou no caso.».

Ex adverso, esgrimem os Apelantes que se trata exclusivamente de obras interiores da fração autónoma intervencionada, isto é, no domínio exclusivo da propriedade dos Requeridos.

Todavia, mesmo no interior de uma fração autónoma nem tudo será necessariamente propriedade exclusiva do proprietário da fração, que é, por outro lado, um comproprietário quanto às partes comuns do edifício, por constituído em regime de propriedade horizontal (cfr. art.ºs 1414.º e seg. do CCiv.).

Ora, relativamente a estas – partes comuns –, é sabido, sem controvérsia, que são comuns, para além do mais, “os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio” [art.º 1421.ºn.º 1, al.ª a), do CCiv.].

Noutra perspetiva, é “especialmente vedado aos condóminos” prejudicar, “quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício” ([3]), ou dar à sua fração “uso diverso do fim a que é destinada” [al.ªs a) e c) do n.º 2 do art.º 1422.º do CCiv., com itálico aditado].

Vem provado, por um lado, que, no dia 27/04/2020, devido ao ruído que era emitido no local, foi percecionado que, no interior da fração autónoma “B”, decorriam obras, cujos trabalhos (em execução) consistiam em demolição de paredes (com arremesso do respetivo entulho para a parte traseira do edifício), parecendo danificar/destruir elementos da estrutura do edifício, que vibrava perante as pancadas aplicadas com ferramenta diretamente em paredes ou outras partes do mesmo edifício (pontos 12.º e 13.º dos factos apurados).

E, por outro lado, apurou-se que o Requerido marido, mediante mensagem de correio eletrónico, acompanhada de um ficheiro, veio a dar a conhecer à contraparte, com referência a tais obras, que “os requeridos, pretendiam instalar na fração autónoma a que corresponde a letra B, «dois apartamentos habitacionais, com a tipologia T1»” (pontos 20.º e 21.º dos mesmos factos).

Ora, não há dúvida que tal comunicada intenção/pretensão de instalação de “dois apartamentos habitacionais” constituiria, como ilustrado na sentença em crise, a atribuição à respetiva fração autónoma (fração “B”, correspondente ao r/c direito) de um uso diverso do fim não habitacional a que destinada ([4]), o que, explicando a dimensão das obras em curso, contraria o disposto no art.º 1422.º, n.º 2, al.ª c), do CCiv..

E, no concernente a tais obras, prova-se que estas, para além da mudança de caixilharia das janelas e portas para o exterior, se reportam ao derrube das paredes interiores, à construção de dois quartos de banho, duas cozinhas, dois quartos, instalação de tubagem para escoamento de águas sanitárias, instalação de nova rede elétrica, criação de saídas de ar para ventilação no interior da dita fração, criação de extração de fumos em ambas as cozinhas, entre outras (pontos 23.º e 34.º dos mesmos factos).

Ora, como dispõe o art.º 397.º, n.º 1, do NCPCiv., quem “se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, (…) em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente” ([5]).

Neste âmbito, e vista a factualidade apurada, não pode aceitar-se a afirmação dos Apelantes no sentido de se tratar exclusivamente de obras interiores da fração autónoma intervencionada, isto é, no domínio exclusivo da propriedade dos Requeridos.

Com efeito, apurou-se, desde logo, que foi empreendida a mudança de caixilharia das janelas e portas para o exterior, pelo que não se trata de obras exclusivamente interiores.

Mas, mais importante, as obras interiores podem extravasar o domínio exclusivo da propriedade dos Requeridos. É que há elementos estruturais – como tais, partes comuns do edifício – que podem “passar” pelo interior da fração autónoma intervencionada. Poderá ser o caso de colunas, pilares, paredes mestras ou outras partes que constituam a estrutura do prédio, mas que se prolonguem pelo interior de uma ou várias frações autónomas, não deixando por isso, obviamente, de constituir partes comuns do edifício, assim objeto de um direito de compropriedade que cabe a cada um dos diversos condóminos.

Sendo sabido que, in casu, as obras empreendidas são de envergadura apreciável, transformando profundamente o espaço e compartimentação interior da fração intervencionada, implicando demolição de paredes, com possível impacto na estrutura edificativa, bem como repercussão nos sistemas sanitário, elétrico e de ventilação do edifício (cfr. art.º 1421.º, n.º 1, al.ª d), do CCiv.), não pode afastar-se a possibilidade de repercussão sobre partes comuns e inerentes danos.

O que tem de excluir-se, por não demonstrado, é a conclusão de que todas as obras interiores da fração autónoma caem no domínio exclusivo da propriedade dos Requeridos.

Estes, por outro lado, invocam que qualquer escritório moderno, tem as instalações básicas que lhe permitam o conforto de utilização, nomeadamente, espaços ou bancadas para refeições, lava-loiças e instalações de água quente e fria.

Porém, foi a própria parte requerida que sinalizou, como dito, pretender instalar na fração «dois apartamentos habitacionais, com a tipologia T1», o que é bem diferente, obviamente, de um qualquer escritório moderno.

Assim, é contraditório vir agora, ante a reação da contraparte, no plano do litígio, defender que as obras em curso são as necessárias e adequadas à criação de um espaço de escritório com armazém e instalações sanitárias modernas atuais e adequadas às necessidades que atualmente se exigem.

Posto isto, cabe dizer que, se a obra pretendida de instalação na dita fração de dois apartamentos habitacionais contraria, quanto ao resultado projetado, o disposto no art.º 1422.º, n.º 2, al.ª c), do CCiv., em prejuízo da posição dos demais condóminos, os Requerentes ([6]), que nada autorizaram e que, não fosse a sua reação, se veriam perante uma lógica de facto edificativo consumado, também parece adequado e razoável concluir que a obra em execução, vistas as suas proporções/dimensões já assinaladas, pode pôr em risco sério partes comuns do edifício – as quais, como tal, pertencem ao conjunto dos condóminos, em compropriedade, ainda que possam “passar”, incorporando-se, pelo interior de uma ou várias das frações autónomas do prédio em regime de propriedade horizontal –, seja quanto a colunas, pilares ou paredes de sustentação, tendo em conta que ocorre demolição de paredes interiores (que podem incorporar elementos de sustentação da estrutura física do prédio), seja quanto a repercussões das obras em elementos estruturais dos sistemas (instalações gerais) de escoamento de águas sanitárias, elétrico, de ventilação e extração de fumos.

Não se quer com isto afirmar a existência de danos (consumados) em quaisquer partes comuns, para o que não há prova, mas – isso sim, nesta sede cautelar – o risco para tais partes comuns do edifício (por via de obra que ameaça causar prejuízo, afetando os direitos de compropriedade) ([7]).

Com efeito, estamos perante obra – nova – que, pela sua envergadura, ameaça causar prejuízos em tais partes comuns, assim pondo em risco o direito de compropriedade de cada um dos demais condóminos sobre essas partes comuns, pelo que estes têm fundamento/motivo para se julgarem ofendidos nesse seu direito dominial comum, tanto mais que, como visto, a lógica dos Requeridos era a do facto edificativo consumado, sem autorização (ou sequer comunicação prévia) dos demais condóminos, no sentido da preparação/conformação da fração para um (novo) uso ao arrepio do disposto no art.º 1422.º, n.º 2, al.ª c), do CCiv..

Postura esta que, obviamente, era idónea a deixar as maiores dúvidas e causar fundados receios aos comproprietários aqui Requerentes, sabedores que uma fração autónoma não é uma ilha, mas uma parte de um todo, onde, por isso, se conjugam direitos de propriedade exclusiva (sobre cada uma das frações autónomas) e direitos de compropriedade (sobre as partes comuns), sendo que os dois espaços/elementos (o objeto de propriedade exclusiva e o marcado pela compropriedade) se conjugam, entrecruzam e interpenetram, podendo importar limitações na pretensão de uso e modificação de cada fração, como consagrado no n.º 2 do dito art.º 1422.º.

Em suma, são justificados os receios de prejuízo dos Requerentes ([8]), ante a conduta dos Requeridos [que aqueloutros percecionam como ameaça aos seus direitos, desde logo de compropriedade], quanto às partes comuns do edifício, no concernente à segurança deste, e ao uso pretendido para a fração em transformação, de molde a evitar uma situação de facto consumado de alteração física de um espaço destinado a armazém e escritório em espaço predisposto a dois apartamentos habitacionais, o que, obviamente, não é indiferente para os demais condóminos e respetivos direitos, atento o especial modo – decorrente da específica natureza do domínio – como tais direitos de índole patrimonial relativamente ao prédio (propriedade exclusiva das frações de que são donos / compropriedade das partes comuns) se exprimem, exercitam e valorizam.

Improcedem, por isso, salvo o devido respeito, as conclusões dos Apelantes em contrário, devendo ser mantida a decisão recorrida.


***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - No âmbito dos fundamentos do procedimento cautelar de embargo de obra nova, para a procedência da providência pode bastar a ameaça (ou o perigo) do prejuízo, isto é, que: a) O direito real do requerente possa ser ofendido (sem, pois, ofensa consumada) em consequência de obra, trabalho ou serviço novo e ainda em execução; b) Essa obra nova ameace causar prejuízo ao requerente.

2. - Na propriedade horizontal, cada fração autónoma não é uma ilha, mas uma parte de um todo, onde, por isso, se conjugam direitos de propriedade exclusiva (sobre cada uma das frações) e direitos de compropriedade (sobre as partes comuns do edifício), sendo que os dois espaços/elementos (o objeto de propriedade exclusiva e o marcado pela compropriedade) se conjugam, entrecruzam e interpenetram, importando limitações na pretensão de uso e modificação de cada fração, como consagrado no n.º 2 do art.º 1422.º do CCiv..

3. - Se um dos condóminos, unilateralmente (sem comunicação e assentimento dos demais, apostando numa lógica de facto edificativo consumado), procede a obras numa fração autónoma de que é titular, situada no rés-do-chão do edifício e destinada a armazém e escritório, demolindo paredes interiores, para construção de dois quartos de banho, duas cozinhas, dois quartos, instalação de tubagem para escoamento de águas sanitárias, instalação de nova rede elétrica, criação de saídas de ar para ventilação no interior da dita fração, criação de extração de fumos em ambas as cozinhas, entre outras, na intenção de transformação em dois apartamentos habitacionais de tipologia “T1”, com o inerente uso desconforme ao fim não habitacional a que destinada, demonstrada está, em termos sumários/cautelares, a aludida ameaça (ou o perigo) de prejuízo para os direitos dos demais condóminos, atento o especial modo – decorrente da específica natureza do domínio – como tais direitos de índole patrimonial relativamente ao prédio (propriedade exclusiva das frações de que são donos / compropriedade das partes comuns) se exprimem, exercitam e valorizam.

4. - Tais obras, pela sua dimensão, são idóneas a criar o risco (ameaça) de prejuízos em elementos estruturais do edifício, quer quanto à segurança edificativa, quer quanto à integridade dos sistemas de água/saneamento, elétrico, ventilação e extração de fumos.


***


V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas da apelação pela parte recorrente.


Coimbra, 03/11/2020

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

          Luís Cravo

Fernando Monteiro

 


([1]) Segue-se, no essencial, por economia de meios, o teor do relatório da decisão recorrida.
([2]) Cabendo a este Tribunal de recurso sindicar a decisão recorrida, confirmando-a ou, diversamente, anulando-a ou revogando-a, reapreciando os respetivos fundamentos, não caberia aqui pronúncia sobre matéria nova, mormente quanto a questões não apresentadas ao Tribunal a quo, sobre que, por isso, este não julgou, nem quanto a questões que resultem prejudicadas pela decisão das precedentes.
([3]) Quanto a obras de modificação da linha arquitetónica ou do arranjo estético do edifício, só podem elas ter lugar mediante prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio (cfr. n.º 3 do art.º 1422.º do CCiv.).
([4]) Comprovadamente, destinava-se a “armazém, escritório e instalações sanitárias” (cfr. pontos 11.º, 24.º e 26.º dos factos apurados).
([5]) Como explicado, inter alia, no Ac. TRL de 07/11/2019, Proc. 6530/19.3T8LSB.L1-2 (Rel. Carlos Castelo Branco), disponível em www.dgsi.pt: São requisitos cumulativos para o decretamento da providência cautelar de embargo de obra nova, na sua feição repressiva, os seguintes: a) Que o requerente seja titular de um direito real ou pessoal de gozo ou de uma posse em nome próprio, mas não abrangendo os direitos de personalidade; b) Que tal direito (ou posse) tenha sido, ou possa ser, ofendido em consequência de obra, trabalho ou serviço novo (e ainda não acabada à data do embargo); c) Que essa obra, trabalho ou serviço novo, cause ou ameace causar prejuízo ao requerente (cfr. sumário do aresto referido, com sublinhado aditado).
([6]) Importando sopesar – parafraseando o sumário do aludido Ac. TRL de 07/11/2019 – a forma como os direitos de índole patrimonial destes relativamente ao prédio (no binómio, propriedade das frações de que são donos / compropriedade das partes comuns) se exprimem e valorizam.
([7]) Como defendido no Ac. TRL de 18/06/2019, Proc. 20711/18.3T8LSB.L1-7 (Rel. Cristina Coelho), também em www.dgsi.pt, «(…) 2.- No embargo de obra nova, o “prejuízo” confunde-se com a própria violação do direito do requerente ou da sua posse. // 3.- Deve, contudo, resultar da alegação e prova dos factos a demonstração da existência de um justo receio de lesão do direito do requerente.».
([8]) Como também entendido no Ac. TRL de 27/09/2016, Proc. 10883/16.7TBLSB.L1-7 (Rel. Maria do Rosário Morgado), em www.dgsi.pt, «À semelhança do que ocorre com a generalidade das providências cautelares, exige-se que o requerente demonstre, ainda que sumariamente, a violação ou perigo de violação de um direito subjetivo, maxime do direito de propriedade, quer a ofensa derive de um conflito de vizinhança, quer de outra situação de onde, em termos objetivos, possam resultar prejuízos de ordem patrimonial.» (itálico aditado). Veja-se ainda, inter alia, o Ac. TRC de 24/04/2012, Proc. 4696/11.0TBLRA-A.C1 (Rel. Moreira do Carmo), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «A lei, no caso de embargo de obra nova (ou respectiva ratificação judicial), contenta-se com a verificação de um dano jurídico, bastando, pois, que o facto tenha a feição de ilícito porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade (numa posse ou fruição legal) para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos de tal embargo de obra nova.».