Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
90/13.6GAACB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE MULTA POR PRISÃO SUBSIDIÁRIA
PAGAMENTO PARCIAL DA MULTA
CONVERSÃO DO REMANESCENTE
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE ALCOBAÇA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 49.º, N.º 1, DO CP; ART. 479.º DO CPP
Sumário: I - Tendo sido fixada a multa em dias, só faz sentido proceder ao cálculo da multa não paga em prisão subsidiária, relativamente à parte remanescente dos dias que falta cumprir.

II -A quantia paga deve ser reportada aos correspondentes dias de multa, os quais devem ser abatidos ao total de dias em que a arguida foi condenada e só depois se deve operar a conversão em prisão subsidiária, com os respectivo arredondamento de a ele houver lugar.

III - No arredondamento deve ter-se em conta que o mesmo deve ser feito por defeito, isto é, deve beneficiar a arguida, com obediência das regras legais quanto à unidade de tempo considerada para cumprimento da pena de prisão.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

No processo supra identificado, por despacho de 8/11/2013, proferido de acordo com o disposto no art. 397.º, do CPP, foi condenada a arguida A... , por um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelos art.s 3.º, nºs 1 e 2 do DL 2/98 de 3/1 e 121.º, do C. da Estrada, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00, o que perfaz o montante de €300,00 (trezentos euros).


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A arguida, em 4/12/2013, requereu o pagamento em seis prestações mensais de €50,00 cada (fls. 64), o que lhe foi deferido por despacho de 21/01/2014 (fls. 66).

Das prestações apenas pagou a 1.ª prestação em 10/02/2014 (fls. 77).

Em consequência por despacho 6/05/2015, a senhora juíza declarou vencidas as restantes prestações, nos termos do art. 47.º, n.º 5, do CP (fls. 94), ordenando a emissão de guias para pagamento do remanescente da multa em falta, com prazo de pagamento até 21/05/2015 e notificação da arguida com advertência de que a falta de pagamento poderia implicar o cumprimento da prisão subsidiária.

No dia 21/05/2015 compareceu a arguida em tribunal informando que não recebeu a notificação atrás referida, tendo na sequência sido notificada e emitida nova guia (fls. 99), com prazo de pagamento até 9/06/2015 para pagar a quantia de €250,00 (fls. 100).

Por despacho de 29/05/2015, foi emitida nova guia para pagamento daquela quantia remanescente da multa em falta, como limite de pagamento em 22/06/2015 (fls. 102 e 103).

Solicitada a notificação da arguida à GNR de Alcobaça, informou que não foi notificada, por não se encontrar na sua residência aquando da deslocação de várias patrulhas e não ter comparecido no Posto Territorial de Alcobaça em tempo útil, em despeito dos vários avisos deixados na respectiva caixa do correio (fls. 104).  

A arguida não pagou o remanescente da multa de €250,00 (fls. 109).


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Dada a falta de pagamento da multa, esta foi, nos termos do art. 49.º, n.º 1, do CP, por despacho de 11/07/2015, convertida em 27 dias de prisão subsidiária, com a ressalva de:

- poder a todo o tempo proceder ao pagamento integral ou parcial da pena de multa.

- poder fazer prova de que o não pagamento da multa não lhe é imputável e requerer a suspensão da execução da prisão subsidiária.


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  Inconformado recorreu o Ministério Público, o qual pugna pela revogação do despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que fixe em 28 dias a prisão subsidiária e não 27 dias, formulando para tal as seguintes conclusões:

«1. Nos presentes autos foi proferida sentença condenando a arguida A... na pena de 50 dias de multa à razão diária de €600,00, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 2 de Janeiro, da qual a arguida apenas efectuou o pagamento da quantia de €50,00 [cf. fls. 77].

2.            Não tendo sido substituída por prisão subsidiária, a conversão da referida pena de multa em prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, considerando o pagamento parcial de €50,00, corresponde a 28 (vinte oito) dias de prisão subsidiária, atento o disposto no artigo 49.º/1 do Código Penal, segundo a qual «Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º».

3.            A citada norma deve ser interpretada como estabelecendo um critério quantitativo-temporal na conversão da pena de multa em prisão subsidiária, segundo o qual a duração desta última é calculada em função da duração (total ou remanescente) da pena de multa e não em função do seu valor (total ou remanescente).

4.            O despacho recorrido, ao fixar a prisão subsidiária em 27 (vinte sete) dias e não em 28 (vinte e oito) dias, violou a citada norma prevista do artigo 49.º/1 do Código Penal, aplicando um critério quantitativo-monetário para o cálculo da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, segundo o qual a duração desta última é calculada em função do seu valor (total ou remanescente) e não em função da duração (total ou remanescente) da pena de multa.

5.            Deverá, assim, o despacho recorrido ser julgado ilegal e substituído por outro que proceda à conversão do tempo remanescente da pena referida de multa (42 dias [= 50 dias – 8 dias]) em 28 (vinte e oito) dias [= (42 dias: 3) x 2] de prisão subsidiária».


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Notificada a arguida nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, não respondeu.

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Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o qual emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso

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Notificado o arguido, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP não respondeu.

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Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.

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II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir:

Apreciar se a arguida condenada em 50 dias de multa, à taxa diária de €6,00, o que perfaz o montante de €300,00 de multa, tendo pago uma prestação de €50,00, deve cumprir 27 ou 28 dias de prisão subsidiária relativamente ao remanescente da multa por pagar.

Apreciando:

A questão a decidir não oferece dificuldades quanto aos critérios legais a aplicar.

A divergência do cálculo dos dias da prisão subsidiária relativamente ao remanescente da multa que falta pagar, resulta da forma como a operação aritmética é feita.

Dispõe a este respeito o art. 49.º, n.º 1, do CP:

«Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º».

O princípio é simples: a arguida deve cumprir os dias de prisão subsidiária correspondentes ao quantitativo da multa que falta pagar.

O quantitativo da multa paga deve ser sempre reportado aos correspondentes dias da multa em, dias estes que devem ser abatidos aos dias da multa inicialmente fixada, calculando-se a partir daqui a prisão subsidiária, reduzindo a 2/3 o remanescente de dias da multa por cumprir que importa converter em prisão.

Tendo sido fixada a multa em dias, só faz sentido proceder ao cálculo da multa não paga em prisão subsidiária, relativamente à parte remanescente dos dias que falta cumprir.

Entendemos que a quantia paga deve ser reportada aos correspondentes dias de multa, os quais devem ser abatidos ao total de dias em que a arguida foi condenada e só depois se deve operar a conversão em prisão subsidiária, com os respectivo arredondamento de a ele houver lugar.

No arredondamento deve ter-se em conta que o mesmo deve ser feito por defeito, isto é, deve beneficiar a arguida, com obediência das regras legais quanto à unidade de tempo considerada para cumprimento da pena de prisão.

A arguida foi condenada na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00, o que perfaz o montante de €300,00 (trezentos euros).

A arguida pagou a 1.ª prestação da multa no montante de €50,00 (cinquenta euros).

Ora, aplicando uma regra de três simples, se ao total da quantia de 300,00€ correspondem 50 dias de multa, a 50,00€ pagos pela arguida correspondem 8,33 dias de multa (50Dx50,00€:300,00€), que devem ser abatidos à multa inicial fixada de 50 dias (50D- 8,33D= 41,67D).

Tal equivale a dizer, nos termos do art. 49.º, n.º 1, do CP, que ao remanescente de 41,67 dias de multa, que a arguida não pagou, reduzido a 2/3, correspondem, 27,78 dias de prisão subsidiária.

Nos termos do art. 479.º, n.º 1, al. c), do CPP, a prisão fixada em dias é contada considerando-se cada dia um período de 24 horas

Ora, como a pena de prisão é cumprida em dias, a arguida não pode cumprir mais tempo do que o tempo resultante da operação de conversão, devendo por isso proceder-se ao arredondamento por defeito, isto é, para unidade inferior.


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III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, consequentemente se mantem o despacho recorrido.

Sem custas, por delas estar isento.

Coimbra, 15 de Dezembro de 2016



(Inácio Monteiro - relator)


(Alice Santos - adjunta)

Nesta conformidade, ao remanescente dos dias de multa que falta cumprir, correspondem 27 dias de prisão subsidiária, como aliás foi fixado o despacho recorrido.