Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/12.8GAACN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: PERDA A FAVOR DO ESTADO
INSTRUMENTO DO CRIME
PERIGOSIDADE
Data do Acordão: 10/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 109.º DO CP
Sumário: I - O legislador exige para a declaração de perda dois pressupostos cumulativos:
- um pressuposto formal de que os objetos tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática do facto ilícito, (instrumentos); ou que tenham sido produzidos pelo facto ilícito, (produtos),

- e um pressuposto material relacionado com a perigosidade dos próprios objetos que pela sua natureza intrínseca devem mostrar-se vocacionados para a atividade criminosa.

II - A perda só dever ser decretada para evitar a perigosidade resultante da utilização do objeto e a mesma também deverá ser proporcional à gravidade do facto ilícito cometido.

III - Apesar de o veículo ter sido utilizado no transporte dos objetos subtraídos, não resultando dos factos apurados que a utilização do veículo pela sua natureza e circunstâncias, pusesse em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública ou que oferece sérios riscos de ser utilizado no cometimento de novos crimes.

IV - Assim, não é de declarar perdido a favor do Estado o veículo aqui em causa uma vez que não se encontram reunidos os pressupostos exigidos pelo disposto no artº 109 nº 1 do CP.

Decisão Texto Integral: Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

***
            No processo supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acusação pública, e, em consequência
a)- absolveu os arguidos A..., B... e C... da prática de um crime de coacção agravado, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 155.º, n.º 1, al. a), com referência ao art.º 154.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CP;
b)- condenou o arguido A... pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de furto p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1, do CP, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
c)- condenou o arguido A... pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, com referência ao disposto nos art.ºs 121.º, n.º 1, 122.º, n.º 1 e 123.º, todos do Código da Estrada, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
d)- condenou o arguido A... pela prática de um crime de um crime de dano p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do CP na pena de 10 (dez) meses de prisão;
e)- em cúmulo jurídico, condenou o arguido A... na pena única de 22 (vinte e dois) meses de prisão;
f)- substituiu a pena de 22 meses de prisão aplicada ao arguido A... pela prestação de 480 (quatrocentos e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade, de acordo com o plano de execução a elaborar pela Direcção Geral da Reinserção Social;
g)- condenou a arguida B... pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de furto p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1, do CP, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
h)- suspendeu a execução daquela pena de prisão pelo período de 12 (doze) meses, sendo tal suspensão acompanhada de regime de prova de acordo com um plano de reinserção social a elaborar pela Direcção Geral da Reinserção Social, que fiscalizará o seu cumprimento e dará conhecimento ao Tribunal da data de início e do fim da sua execução e, com uma periodicidade trimestral, da evolução da arguida;
i)- condenou a arguida C... pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de furto p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1, do CP, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 5,5 (cinco euros e cinquenta cêntimos) euros, no total de € 660 (seiscentos e sessenta euros);
j)- condenou os arguidos na taxa de justiça, que se fixa em 3 (três) UC (art.ºs 513.º, n.º 3 do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP) e nos demais encargos a que sua actividade houver dado lugar (art.º 16.º do RCP);
k)- declarou perdido a favor do Estado o veículo automóvel da marca Mercedes, modelo Vito 111, com a matrícula AU (...), apreendido nestes autos.
                                                           ***
            Desta sentença interpôs recurso o arguido, A....

São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso, interposto pelo arguido:
            1. O recorrente vem condenado pela prática de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203°, n.º 1 do Código Penal, na pena de doze meses de prisão, um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3°, n.° 2 do Decreto-Lei 2/98, de 03 de Janeiro, com referência ao disposto nos artigos 121°, n.°1, 122°, n.°1 e 1230, todos do Código da Estrada, na pena de oito meses de prisão e um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, n.°1, do Código Penal, na pena de dez meses de prisão, sendo que em cúmulo, foi condenado na pena única de vinte e dois meses de prisão, sendo a mesma substituída pela prestação de 480 (quatrocentos e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade.
2. Mais se determinou, nos termos do artigo 109°, n.°1, do Código Penal, perdido a favor do Estado o veículo automóvel com matrícula AU (...), pertença do arguido, ora recorrente.
3. Os antecedentes criminais do arguido, resultam exclusivamente do cometimento de crimes que, embora censuráveis, são considerados como criminalidade de gravidade muito reduzida, como é o crime de condução sem habilitação legal, tendo já sido condenado por três crimes de condução sem habilitação legal, por factos praticados em 25 de Dezembro de 2004, 14 de Março de 2007 e 30 de Abril de 2012, respectivamente.
4. Apesar de o recorrente ter antecedentes criminais por um crime da mesma natureza dos autos, tal situação não é susceptível de voltar a ocorrer, uma vez que o arguido já é detentor de título que o habilita a conduzir veículos automóveis ligeiros desde 15 de Outubro de 2012.
5. O recorrente vive em condições pessoais e económicas débeis, tendo como rendimentos os provenientes do Rendimento Social de Inserção e do abono dos filhos, estando, ainda, a frequentar um curso de formação profissional, reside com a companheira e dois filhos (ambos menores), tendo como habilitações literárias a 4ª classe, estando bem integrado socialmente com todos quanto o rodeiam.
6. Em jeito de apontamento prévio é de referir que o arguido concorda na plenitude, à excepção do facto pelo qual recorre (perdimento a favor do Estado o veículo automóvel apreendido), com a Douta Sentença, não fazendo qualquer objecção quanto ao enquadramento jurídico-legal efectuado e sua fundamentação, antes pelo contrário.
7. Nos presentes autos foi o arguido condenado pela prática de um crime de furto, um crime de condução sem habilitação legal e um crime de dano, mais se determinando, ao abrigo do preceituado no artigo 109° do Código Penal, o perdimento a favor do Estado do veículo automóvel de matrícula AU (...), e respectivos documentos apreendidos nos autos, em virtude do mesmo ter servido para a prática dos factos ilícitos atrás descritos, como consta na Douta Sentença.
8. O objecto deste recurso prende-se unicamente com a declaração de perda a favor do Estado do veículo automóvel supra referido, a qual foi proferida ao abrigo do disposto no artigo 109°, n.°1, do Código Penal.
9. Assim, no caso em apreço, importa verificar se estão reunidos todos os requisitos exigíveis pelo artigo 109°, n.º1, do Código Penal, que declarem o veículo automóvel apreendido perdido a favor do Estado, como decidido pelo Tribunal a quo, ou se ao invés deve ser restituído ao arguido, seu legitimo proprietário.
10. Em primeiro lugar, é necessário que esse instrumento do crime tenha servido ou estivesse destinado à prática de um crime, o que aqui sucedeu, e em segundo lugar que ocorra uma das duas situações tipo descritas naquele preceito legal, ou seja, uma delas está condicionada à existência de uma qualquer circunstância de perigosidade para a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, a outra à existência de um sério risco de repetição criminosa.
11. Nestes termos, tem de se atender às específicas características dos objectos que foram empregues na prática do crime ou então de quem os detém, de modo que se possa concluir que os mesmos oferecem perigosidade, seja sob um ponto de vista objectivo, seja subjectivo - veja-se neste sentido Figueiredo Dias, Figueiredo Dias, no seu "Direito Penal Português -As consequências jurídicas do crime" (1993), p. 623 e ss.
12. Assim, um instrumento será objectivamente perigoso quando o mesmo, independentemente da pessoa que o detém, é apto ou revela potencialidades para ser um utensílio criminoso e, por sua vez, um instrumento pode oferecer perigosidade, sob o ponto de vista subjectivo, se o mesmo permanecer na disponibilidade de uma pessoa que já tenha demonstrado uma específica propensão criminosa, sendo a mesma capaz de vir a utilizar esse instrumento para os mesmos ou outros fins delituosos.
13. No caso concreto tem de se ter em conta o facto de o arguido não ter antecedentes criminais de relevo, nomeadamente por crimes de furto ou roubo, e o instrumento (veículo automóvel) não apresentar características de qualquer perigo típico, pois tal veículo é o único meio de transporte do arguido para o seu dia-a-dia, não se perspectivando que o mesmo venha a ser utilizado para futuros fins delituosos, sendo que a este respeito veja-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 1989 e mais recentemente de 21 de Outubro de 1998.
14. Mais, tratando-se de uma sanção análoga à de uma medida de segurança, a perda dos objectos deve ser decidida pelo Tribunal de acordo com o princípio da proporcionalidade, isto é, a perda só deve ser declarada quando for necessária para evitar a perigosidade e proporcional à gravidade do facto ilícito cometido.
15. Acresce, ainda, que a imposição da perda desse veículo a favor do Estado, com as consequências daí advenientes para o arguido, surge totalmente desproporcionada com o valor do resultado do crime de furto cometido, neste caso inexistente mesmo, pelo que, teremos de concluir que a Sentença impugnada violou o disposto no artigo 109°, n.º 1, do Código Penal ao decretar aquele veículo perdido a favor do Estado.
16. Por outro lado, a declaração de perdimento do veículo não foi equacionada na acusação, com indicação das razões de facto e de direito, de forma a viabilizar-se o princípio do contraditório, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Maio de 2002, processo n.º 611/02, 3a SASTJ, n.º 61,68.
17. Pelo que não foi dado como provado que o veículo declarado perdido a favor do Estado pela sua natureza ou circunstâncias, pusesse em perigo a segurança dos pessoas, a moral ou a ordem pública, nem que oferecesse sérios riscos de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos, bem pelo contrário, motivo pelo qual, deverá o veículo automóvel de matrícula AU (...) e respectivos documentos ser devolvido ao arguido, seu legítimo proprietário.
NORMAS VIOLADAS:
-Artigo 109°, n.°1,do Código Penal e;
-18°, n.°2 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, mas sempre com o douto e superior critério de V. Exa., deve o presente Recurso merecer provimento e, em consequência, deve ser devolvido ao arguido o veículo automóvel de matrícula AU (...) e respectivos documentos, apreendidos nos presentes autos, pois a Douta Sentença violou o disposto no artigo 109°, n.° 1, do Código Penal ao decretar aquele veículo perdido a favor do estado.
Assim farão V. Exas a tão costumada Justiça!


            O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs o visto – artº 416, nº 2 do CPP.
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Colhidos os vistos legais e efectuada a audiência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange apenas matéria de direito sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do artº 410 nº 2 do CPP.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

1. No dia 01 de Fevereiro de 2012, durante a manhã, os arguidos A...; B... e C... fizeram-se transportar no veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, marca “MERCEDES”, modelo “VITO 111”, de cor branca, com a matrícula AU (...) até à sucateira “E..., LDA”, cujo sócio gerente é D..., sita na (...), concelho de Alcanena;

2. Aí chegados, introduziram-se no seu interior, através da entrada que a ela dá acesso pela via pública, e retiraram de dentro de um contentor de metal (cuja porta se encontrava aberta) que se encontrava no local: - 3 (três) bombas de lagar de azeite em bronze; 7 (sete) alternadores; 2 (duas) bombas de direcção “ Urbitrol “; 8 (oito) extensões eléctricas, contendo cabos eléctricos em cobre, de cerca de vinte metros; 2 (duas) baterias e 2 (dois) cabos de auxílio de arranque de bateria, tendo levado todos esses objectos que pertenciam à mencionada sociedade e sem autorização ou consentimento desta, para o interior do referido veículo automóvel;

3. Após ter sido informado do que estava a suceder, o sócio gerente D... acorreu ao local, conduzindo o seu veículo automóvel, marca “MITSUBISHI”, modelo “PAJERO”, com matrícula XE (...) e, aí chegado, colocou tal veículo automóvel à frente da entrada da sucateira, de modo a impedir a saída dos arguidos que ainda permaneciam no interior das instalações da sucateira;

4. Ao aperceber-se do descrito em 3), a arguida B..., em tom de voz elevado, disse a D... “tira daí o carro”;
5. Como D... não retirou o seu veículo desse local, os três arguidos entraram no veículo AU (...) e o arguido A..., conduzindo este veículo, fez marcha-atrás, acelerou e avançou em direcção ao veículo de D..., tendo embatido no mesmo e no muro, tendo dessa forma, conseguido fugir do local;

6. Devido ao embate querido e provocado pelo arguido A..., o veículo pertencente a D... ficou com amolgadelas na parte frontal do lado esquerdo e o muro ficou parcialmente destruído;

7. O arguido A... acelerou o veículo AU (...) por si conduzido, no sentido (...) - Moitas Venda, tendo circulado vários quilómetros por caminhos de terra batida e estradas afectas à circulação rodoviária até tal veículo avariar e ficar imobilizado, altura em que foi interceptado por elementos da G.N.R., na via pública, na freguesia de Monsanto e concelho de Alcanena;

8. Ao ser submetido a fiscalização, apurou-se que o arguido A... não era titular de carta de condução ou de outro documento que legalmente o habilitasse à condução do referido veículo automóvel;

9. No interior do aludido veículo automóvel AU (...) foram encontrados, apreendidos e posteriormente entregues a D... os objectos supra descritos;
10. Os objectos subtraídos pelos três arguidos tinham nessa data, o valor total aproximado de 1.000,00 (mil euros);

11. O valor total dos estragos que o arguido A... causou no veículo automóvel XE (...) e no muro foi, pelo menos, de €150,00 (cento e cinquenta euros);

12. Os três arguidos sabiam que não tinham consentimento ou autorização para retirar os objectos pertencentes à aludida sociedade, que fizeram seus;

13. O arguido A... previu e quis, nas circunstâncias atrás descritas, causar estragos no veículo automóvel XE (...) e no mencionado muro, bem sabendo que tais objectos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade dos seus legítimos donos;

14. O arguido A... conhecia as características do veículo e do local onde conduzia e sabia que não era titular de carta de condução ou de qualquer título que legalmente o habilitasse à condução do referido veículo automóvel;

15. Ao actuarem da forma supra descrita, os três arguidos agiram livre, consciente e voluntariamente, com o propósito de se apropriarem de objectos que sabiam que não lhes pertenciam;

16. O arguido A... agiu ainda livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de exercer a condução do supra referido veículo automóvel na via pública, bem sabendo que não o podia conduzir sem ser titular de carta de condução ou de qualquer título que legalmente o habilitasse à sua condução e ainda assim não se absteve;

17. Os três arguidos agiram bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal;

Mais se provou que:

18. O arguido A... tem os seguintes antecedentes criminais:
- pela prática em 25/12/2004 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec.-Lei 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 70 dias de multa, por sentença proferida em 27/12/2004 pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, no Proc. 391/04.4GTCTB, e transitada em julgado em 28/01/2005;
- pela prática em 14/03/2007 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3.º, do Dec.-Lei 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 70 dias de multa, por sentença proferida em 15/03/2007 pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, no Proc. 123/07.5GBFND, e transitada em julgado em 30/03/2007;
- pela prática em 30/04/2012 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec.-Lei 2/98, de 03/01 e art.º 121.º do Cód. da Estrada foi condenado na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, por sentença proferida em 02/05/2012 pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, no Proc. 132/12.2GBABT, e transitada em julgado em 22/05/2012;

19. A arguida B... tem os seguintes antecedentes criminais:
- pela prática em 29/04/2002 de um crime de simulação de crime p. e p. pelo art.º 366.º do CP foi condenada na pena de 150 dias de multa, por acórdão proferido em 13/03/2002 pelo Tribunal Judicial do Sabugal, no Proc. 95/99.8GASBG, e transitado em julgado em 11/04/2002;
- pela prática em 23/10/2006 de um crime de roubo p. e p. pelo art.º 210.º do CP e de um crime de sequestro p. e p. pelo art.º 158.º do CP foi condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na execução por 3 anos, por acórdão proferido em 09/04/2008 pelo Tribunal Judicial de Celorico da Beira, no Proc. 153/06.4JAGRD, e transitado em julgado em 02/12/2006;

20. A arguida C... tem os seguintes antecedentes criminais:
- pela prática em 08/09/2010 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3.º, do Dec.-Lei 2/98, de 03/01, foi condenada na pena de 80 dias de multa, por sentença proferida em 09/09/2010 pelo Juízo de Pequena Instância Criminal de Sintra (Juiz 1) da Comarca da Grande Lisboa - Noroeste, no Proc. 219/10.6PFSNT, e transitada em julgado em 04/10/2010;

21. O arguido A... é detentor de título que o habilita a conduzir veículos automóveis ligeiros desde 15 de Outubro de 2012;

22. O arguido A... é solteiro, mas vive maritalmente com a arguida C..., numa barraca;

23. O arguido A... e arguida C... têm dois filhos comuns, de 8 e 5 anos, frequentando o mais velho o 3.º ano do ensino oficial e a mais nova o ensino pré-escolar;

24. Os arguidos A... e C... estão desempregados e recebem o rendimento social de reinserção de € 300 por mês;

25. Frequentam ambos um curso de formação profissional recebendo cada um deles um subsídio de refeição mensal de € 70;

26. Os arguidos recebem ainda cerca de € 40 por mês de abono dos filhos menores;

27. Despendem cerca de € 50 por mês em medicação necessária para tratar os problemas de saúde de que padece a filha menor;

28. Como habilitações literárias, os arguidos A... e C... têm a 4.ª classe;
29. O arguido A... é dono do veículo automóvel da marca Mercedes, modelo Vito 111, com a AU (...);

30. A arguida B... encontra-se detida no Estabelecimento Prisional de Tires desde Outubro de 2012;

31. Antes de ser detida, a arguida exercia a actividade de feirante;

32. O marido da arguida encontra-se igualmente detido;

33. A arguida tem 5 filhos, estando um deles a cumprir pena de prisão;

34. A arguida mantém contactos regulares com os filhos, que a visitam no estabelecimento prisional sempre que podem;

35. A arguida B... não sabe ler nem escrever.

Factos não provados:
Não resultaram provados outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente que:
a)- os três arguidos se tenham aproximado de D... e em tom de voz sério, exaltado e ameaçador lhe tenham dito: “Se não retiras a carrinha, mato-te”;
b)- o arguido A... tenha acelerado o veículo que conduzia quando se apercebeu da presença de elementos da GNR;
c)- o veículo conduzido pelo arguido A... tenha circulado até ser interceptado por elementos da GNR;
d)- o mesmo veículo tenha sido interceptado na Rua Principal de Monsanto;
e)- os três arguidos soubessem que não tinham consentimento ou autorização para entrar no interior da referida sucateira;
f)- os três arguidos, ao proferirem a expressão descrita no ponto 4 da acusação, com foros de seriedade e em tom de voz exaltado e ameaçador, a D..., tenham querido agir de modo a constrangê-lo a retirar o seu veículo do local;
g)- os três arguidos soubessem que tal conduta era adequada a conseguir que D..., com receio de ver aquela ameaça concretizada, ficasse limitado na sua liberdade de determinação pessoal e retirasse o seu veículo do local, resultado que quiseram e apenas não lograram conseguir por razões totalmente alheias à sua vontade;
h)- os arguidos tenham agido com o propósito, não conseguido, ao proferir tal expressão a D..., de que este, contra sua vontade, retirasse o seu veículo da entrada da sucateira, de modo a que o veículo dos Arguidos pudesse dali sair, assim procurando limitar a sua liberdade de determinação pessoal.

Convicção do Tribunal:
O Tribunal formou a sua convicção no conjunto da prova produzida na audiência de julgamento, analisada segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre apreciação (artigo 127.º, do CPP).
Quanto aos factos provados
Assim, no que tange à data dos factos, o tribunal considerou o denominado “auto de denúncia” de fls. 4, datado de 01/02/2012 (do qual consta a queixa apresentada, nesse mesmo dia, por D... relativamente aos factos que deram origem a estes autos), o auto de apreensão de fls. 14 (do qual consta a descrição dos objectos apreendidos no dia 01/02/2012 pela GNR e que se encontravam no interior da carrinha “Mercedes Vito 111”, com a matrícula AU (...)), o auto de apreensão de fls. 18 (do qual consta que no dia 01/02/2012 foi apreendido o veículo automóvel referido) e o auto de notícia de fls. 42 (do qual consta que no dia 01/02/2012 o arguido A... foi detido pela alegada prática de um crime de condução sem habilitação legal), conjugados com os depoimentos das testemunhas F...e G..., militares da GNR que participaram na operação policial que culminou com a interceptação e posterior detenção dos arguidos, as quais confirmaram que os aludidos autos foram elaborados na data em que lhes foi comunicada a ocorrência que desencadeou aquela operação policial e na data em que os descritos objectos foram efectivamente apreendidos.
No que respeita à prova dos factos insertos nos n.ºs 1 a 17, a par das declarações dos arguidos A... e B..., que admitiram a sua ocorrência nos precisos termos ali descritos (excepto a qualidade de gerente de D... da sociedade identificada no n.º 1 dos factos provados, a concreta identificação dos bens subtraídos, os danos causados pela actuação do arguido – no veículo Mitsubishi e no muro da sucateira – e o valor dos objectos subtraídos e dos danos), o Tribunal considerou os depoimentos das testemunhas F..., G..., D... (gerente da sociedade identificada no n.º 1 dos factos provados) e H... (funcionário da referida sociedade), conjugados entre si e com o auto de apreensão dos objectos subtraídos de fls. 14, as fotografias do veículo AU (...) e dos objectos no seu interior de fls. 15 e 16, as fotografias dos objectos subtraídos de fls. 119 e 120, o termo de entrega dos objectos subtraídos de fls. 118, as fotografias do veículo XE (...) de fls. 121, o auto de apreensão do veículo AU (...), o certificado de matrícula de fls. 18 e 17 e a informação prestada pelo IMMT de fls. 49.
A testemunha H... relatou a chegada dos arguidos à sucateira (onde se encontrava por ser o seu local de trabalho), o meio de transporte que utilizaram para ali chegar (uma carrinha), a actuação dos arguidos (que carregavam materiais da sucateira para uma carrinha, que estava parada junto a um contentor aberto), o telefonema que efectuou para D... a dar-lhe conta do que se passava, a chegada deste à sucateira, o local onde este estacionou o Jipe para impedir a saída da carrinha, a saída da carrinha (o arranque e o embate no Jipe) e as características do espaço ocupado pela sucateira, confirmando a generalidade dos factos insertos nos n.ºs 1 a 3 e 5.
A testemunha D..., por seu turno, relatou a forma como tomou conhecimento do que estava a passar na sucateira (através de um telefonema da testemunha H...), a sua chegada à sucateira e a forma como tentou impedir a saída dos arguidos (colocando o seu Jipe Mitsubishi atravessado na entrada da sucateira) e a actuação dos arguidos (o que lhe foi dito pela arguida B... e o modo como estes saíram da sucateira), confirmando, de uma forma geral. Os factos insertos nos n.ºs 2 (parte final), 3 a 6 e 7 (1.ª parte), 10 e 11.
Esta testemunha identificou igualmente a carrinha utilizada pelos arguidos e os objectos constantes das fotografias juntas aos autos, do auto de apreensão e do auto de entrega, afirmando que tais objectos se encontravam na sucateira, dentro de um contentor, e que pertenciam à sociedade de que era gerente e que depois de apreendidos pela GNR lhe foram entregues.
Confirmou ainda o valor aproximado dos objectos subtraídos e dos danos no no Jipe e no muro da sucateira.
As testemunhas F...e G... relataram a operação policial que culminou com a detenção dos arguidos e a apreensão dos objectos subtraídos, confirmando a factualidade inserta 7 a 9.
A prova da qualidade de gerente da sociedade identificada no n.º 1 resultou da certidão permanente da matrícula de fls. 110.
A prova da falta de título de condução do arguido A... resultou da informação prestada pelo IMMT de fls. 49.
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, o tribunal considerou os CRC’s dos arguidos juntos aos autos a fls. 297-298, 319-323 e 324-328.
No que tange à obtenção pelo arguido A... de carta de condução em Outubro de 2012, o tribunal considerou a informação prestada pelo IMTT que consta de fls. 344.
A prova dos factos atinentes à situação pessoal, familiar e económica dos arguidos resultou das declarações que, a tal propósito, os arguidos prestaram.

Quanto aos factos não provados
Os factos não provados assim foram considerados por não se ter feito prova ou prova credível da sua verificação ou ainda por se ter feito prova do seu contrário.
Assim, no que tange à factualidade descrita na al. a), os arguidos A... e B... negaram que qualquer um deles (incluindo a arguida C...) se tenha aproximado de D... e lhe tenha dito “Se não retiras a carrinha, mato-te”.
A arguida C... não prestou declarações quanto aos factos que lhe eram imputados.
Por seu turno, a testemunha D... afirmou, com um elevado grau de certeza, que a arguida B... lhe disse “tira daí o carro”.
Inicialmente afirmou ainda que a mesma arguida lhe disse que se não tirasse o carro o matava, mas depois acabou for dizer que não tinha a certeza de que a arguida B... tenha dito efectivamente que o matava, porque não a ouvia bem em virtude do barulho produzido pelo motor dos carros, admitindo que tenha tirado tal conclusão porque estava com receio e porque lhe pareceu que tal arguida foi ao interior da carrinha, a uma mala, buscar um objecto que pensou ser uma arma.
Atenta a incerteza que a testemunha D... revelou quanto a esta concreta factualidade e a falta de outra prova, o tribunal considerou não provada a factualidade descrita na al. a) dos factos não provados e, por consequência, a factualidade inserta nas als. f), g) e h).
Nem os arguidos nem as testemunhas inquiridas confirmaram os factos constantes das als. b) e d), razão pela qual foram os mesmos considerados não provados.
O facto descrito na al. c) foi infirmado pelo arguido A... e pelas testemunhas F...e G..., que afirmaram que a carrinha onde se faziam transportar os arguidos circulou até ficar imobilizada por uma avaria (um dos pneus furou e desgastou-se até ficar apenas a respectiva jante), o que é visível nas fotografias da carrinha que estão nos autos.

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Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano marques da Silva, in “Curso de Processo penal”, III, pg 335).

Questões a decidir:
- Se é de declarar perdido a favor do Estado o veículos de matrícula AU (...);


Dispõe o artº 109, nº 1 do CPenal que:
São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando pela sua natureza ou circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos ilícitos típicos.»
Como é referido no acórdão da Relação do Porto de 2/03/2011 relatado pela Exmª Sra Desembargadora Paula Guerreira e que aqui seguimos, actualmente o instituto da perda de objectos não constitui uma pena acessória e não tem qualquer relação com o princípio da culpa, sendo exclusivamente determinado por necessidades de prevenção relacionadas com a perigosidade do objecto em causa.
O legislador exige para a declaração de perda dois pressupostos cumulativos:
- um pressuposto formal de que os objectos tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática do facto ilícito, (instrumentos); ou que tenham sido produzidos pelo facto ilícito, (produtos),
- e um pressuposto material relacionado com a perigosidade dos próprios objectos que pela sua natureza intrínseca devem mostrar-se vocacionados para a actividade criminosa.
Porém, e de acordo com o preceito legal, a perigosidade do objecto também poderá aferir-se em função das circunstâncias do caso, ou seja, em conjugação com as circunstâncias inerentes ao caso e ao respectivo utilizador, designadamente, tendo em atenção os especiais conhecimentos que o detentor do objecto possua para o respectivo emprego em concreto.
Em sentido contrário dispunha o art. 75, 1º, do C.Penal de 1886 onde se consignava:
«O réu definitivamente condenado, qualquer que seja a pena, incorre:
1º Na perda, a favor do Estado, dos instrumentos do crime, não tendo o ofendido, ou terceira pessoa, direito à sua restituição.»

A perda era então vista como um efeito da condenação, surgindo essencialmente com uma função retributiva.
Porém, e como resulta da leitura das actas da comissão revisora do C.Penal, - edição da Associação Académica de Lisboa, parte geral, 31ª sessão, pág. 202 -, o autor do projecto refere que «a medida deve essencialmente ser vista como medida preventiva e não como reacção contra o crime – o que explica que ela não esteja na dependência da efectiva condenação do arguido»
A evolução é, pois, no sentido de que a prevenção deve relacionar-se com a aptidão dos instrumentos em si para a repetição criminosa ou à sua permanência em mãos de agentes particularmente propensos ao crime ou que, pelo menos, já haviam demonstrado ser capazes de os utilizar para fins criminosos.
No entanto, cumpre salientar que até 1 de Outubro de 1995, - data da entrada em vigor da redacção do art. 111 do C.Penal dada pelo DL 48/95 de 15 de Março, art. 13º -, os instrumentos do crime a que faltasse perigosidade para se integrarem no art. 107 do C.Penal, seriam ainda declarados perdidos a favor do Estado, por força do disposto no art. 109 nº 2 do C.Penal que dispunha:
«São ainda perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiros, os instrumentos,
objectos ou produtos do crime não abrangidos pelo art. 107, e os objectos, direitos ou vantagens que, através do crime, hajam sido directamente adquiridos pelos seus agentes.»
No entanto, a partir de 1 de Outubro de 1995 esta matéria passa nos termos do já citado DL 48/95 a estar contemplada no art. 111 nº2 do C.Penal que tem a seguinte redacção:
«São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido directamente adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.»
Esta redacção mantém-se em vigor até 1 de Março de 2011, por força do art. 4º da Lei 32/2010 de 2 de Setembro.
Verifica-se, pois, que na redacção do DL 48/95 desapareceu completamente a referência aos instrumentos do crime que não sejam susceptíveis de representar os perigos a que alude o art. 109 do C.Penal.
Por outro lado, à perda de objectos aplica-se ainda o princípio da proporcionalidade.
Assim, além de a perda só dever ser decretada para evitar a perigosidade resultante da circulação do objecto, a mesma também deverá ser proporcional à gravidade do facto ilícito cometido.
No caso vertente, o arguido já foi julgado e condenado mas apenas pela prática de crimes de condução sem habilitação legal.
Dos factos apurados resulta apenas que o veículo de matrícula, AU (...) foi, efectivamente utilizado no transporte dos objectos subtraídos. No entanto, não resulta dos autos que o mesmo possa vir a ser utilizado na prática de novos crimes. Portanto, não resultou dos factos apurados que a utilização do veículo pela sua natureza e circunstâncias, pusesse em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública ou que oferece sérios riscos de ser utilizado no cometimento de novos crimes. Assim, não é de declarar perdido a favor do Estado o veículo aqui em causa uma vez que não se encontram reunidos os pressupostos exigidos pelo disposto no artº 109 nº 1 do Cod. Penal.
Nestes, termos consideramos que efectivamente se nos afigura não existir fundamento legal para declarar, no caso concreto, a perda a favor do Estado do veículo apreendido.

Nestes termos, decidem conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar o douta decisão recorrida na parte em que declarou perdido a favor do Estado o veículo automóvel pertença do recorrente, que, assim, lhe será entregue.

Sem custas
 
Coimbra, 22 de Outubro de 2014

Alice Santos (relatora)

Belmiro Andrade (adjunto)