Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
205940/09.6YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
SUBEMPREITADA
ACÇÃO DIRECTA
DONO DA OBRA
Data do Acordão: 12/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE MANGUALDE – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 267º, NºS 1 E 2 DO DEC. LEI Nº 59/99, DE 2/3.
Sumário: I - O artigo 267º, nº 1 do DL nº 59/99, de 2/3 possibilita ao subempreiteiro de obras públicas socorrer-se da acção directa, exigindo do dono da obra o pagamento da dívida decorrente da realização e execução dos trabalhos subempreitados e incorporados em obra.

II - Tratando-se de uma empreitada de obras públicas sempre podia o dono da obra reter a quantia a pagar ao empreiteiro – nº 2 do artigo 267º do DL nº 59/99, de 2/3 – caso este depois notificado para o efeito, não pagasse o montante reclamado ao subempreiteiro.

III - Compete ao dono da obra, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 342º do CC, a alegação e prova da extinção pelo pagamento ao empreiteiro do montante reclamado pelo subempreiteiro em acção intentada para o efeito.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

1. Relatório
I…, Lda. intentou a presente injunção que prosseguiu como acção comum, sob a forma ordinária, contra a ré M…
Pedindo:
a. A condenação da ré no pagamento do capital de €55.608,60, acrescido de juros de mora comerciais vencidos desde a data de vencimento acordada de cada factura até à presente data, que arbitra em €10.180,38, acrescida do montante da taxa de justiça devida no presente procedimento e ainda o valor dos juros vincendos até integral e efectivo pagamento.
Para tanto alega que no exercício da actividade comercial de ambas, em Outubro de 2007 contratou com a ré, como executou, a subempreitada de realização de serviços de escavação, aterro, decapagem, regularização de taludes, de camião e de cisterna, na obra de alargamento e beneficiação de um dado troço da A1 - Auto-estrada do Norte, trabalhos esses identificados nas facturas e respectivos autos de medição: factura nº 2621 (auto de medição nº01), encontrando-se apenas em dívida o montante de €3.520,02; factura nº 2622 (auto de medição nº 01 - adic.), encontrando-se apenas em dívida o montante de €220,56; factura nº 2653 (auto de medição nº 02), no montante de €29.105,56; factura nº 2709 (auto de medição nº03), no montante de €22.119,96; factura nº 2777 (auto de medição nº 01), no montante de €580,00; factura nº 2778 (auto de medição nº02), no montante de €62,50.
Em conclusão, alega que a ré deve à autora o valor global de €55.608,60 correspondente a trabalhos efectivamente realizados na obra. Apesar de acordado o pagamento do preço no prazo de 90 dias após a emissão das respectivas facturas, a ré nunca pagou, não obstante interpelação posteriormente efectuada, o referido montante de €55.608,60. A ré deve também juros de mora comerciais vencidos desde a data de vencimento acordada de cada factura até à presente data, que perfaz o valor global de € 10.180,38, tudo perfazendo o total de €65.788,98, acrescida do montante da taxa de justiça devida no presente procedimento e ainda o valor dos juros vincendos até integral e efectivo pagamento.
Contestou a ré, defendendo-se por impugnação que motivou, mais excepcionando o incumprimento culposo e definitivo da autora, que justificou a resolução do respectivo contrato de subempreitada, por abandono da obra. Acresce que o incumprimento da autora lhe causou prejuízos, sobrecustos de execução dos mesmos trabalhos, no valor total de €229.150,78, sendo a ré credora da demandante para efeitos de compensação.
                A autora replicou à matéria da excepção e concluiu como na petição inicial.
Termina requerendo a intervenção principal provocada do Banco A…, S.A., a fim de ser condenado nos precisos termos peticionados contra a ré, em virtude daquele ter prestado a favor desta duas garantias bancárias que tinham por objectivo garantir o cumprimento das obrigações assumidas pela ré perante terceiros com quem contratasse a execução da obra em causa.
Admitida a intervenção principal provocada do Banco A…, S.A., o interveniente veio contestar invocando que as referidas garantias bancárias foram prestadas a favor de …, S.A. e não a favor de terceiros, o que implica a ilegitimidade do Banco interveniente.
Replicou a autora respondendo à matéria da excepção e concluiu como na petição inicial.
Termina requerendo a intervenção principal provocada da …, S.A. a fim de ser condenada nos precisos termos peticionados contra a ré, em virtude daquela beneficiar das garantias bancárias prestadas pelo Banco interveniente no âmbito da execução da obra em causa.
Indeferida a intervenção principal provocada da …, S.A., a autora interpôs o correspondente recurso.
Por Acórdão da RC de 14.12.2010 foi dado provimento ao referido recurso e, consequentemente, admitida a intervenção principal provocada da …, S.A., tendo contestado por impugnação que motivou.
                No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade do Banco interveniente e no mais julgou-se a instância válida e regular.
                Consignaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória que notificados foram objecto de reclamação por parte da autora, reclamação que no entender dos réus devia ser desatendida, entendimento acolhido por despacho de folhas 230/231.
Realizou-se o julgamento com observância do formalismo legal com designação de dia e hora para a leitura da decisão que incidiu sobre a matéria de facto controvertida, que não foi alvo de qualquer reclamação.
                Conclusos os autos, proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e consequentemente:
a) Condenou o réu consórcio e a interveniente … a pagar solidariamente à autora a quantia de €55.955,96, acrescida de juros de mora sobre o montante de €55.608,60, a taxa de juro comercial, desde o dia 27.06.2009 até efectivo e integral pagamento.
b) Condenou o interveniente Banco A…, S.A., a reconhecer a existência desse crédito a favor da autora.
c) Absolveu o réu consórcio e ambos os intervenientes do mais contra si peticionado.
                O Banco A…, SA interpôs recurso que instruiu com as suas doutas alegações e a final concluiu:
...
                A …, SA interpôs recurso da sentença que instruiu com as suas doutas alegações e a final formulou as seguintes conclusões:
… 
                M… interpôs recurso da sentença que fez acompanhar das suas doutas alegações e a final rematou formulando as seguintes conclusões:

                A autora não contra alegou.
                Por despacho de folhas 577, os recursos foram admitidos como apelação, com subida imediata e nos autos e efeito meramente devolutivo.
                Lavrou-se despacho a folhas 578, no qual se considerou que a sentença recorrida não padecia de qualquer nulidade.
                2. Delimitação objectiva dos recursos[1]     
                As questões a decidir nas apelações e em função das quais se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigo 685ºA, ambos do Código de Processo Civil, são as seguintes:
a. Recurso A…, SA
i. Nulidade da sentença por violação das alíneas a) e e) do nº 1 do artigo 668º do CPC.
b. Recurso …, SA
i. Nulidade da sentença – alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC.
ii. Nulidade da sentença – alínea e) do nº 1 do artigo 668º do CPC.
iii. Erro de julgamento
1. Condenação solidária da … comporta uma condenação por responsabilidade objectiva e esta sé é admitida nos casos especificados por lei – artigos 500º, 501º, 512º e 513º do CC.
2. Erro de interpretação do artigo 267º do RJEOP. Falta de matéria de facto caracterizadora da «acção directa».
3. Ónus da prova na acção directa – artigo 267º do RJEOP
c. Recurso da M…
i. Nulidade da sentença por violação da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC
ii. Impugnação da matéria de facto: as respostas aos quesitos 3º, 6º a 9º, 11º a 16º e 29º a 52º devem ser não provados; as respostas aos quesitos 19º, 20º, 21º, 22º a 28º devem ter resposta positiva.
iii. Absolvição do pedido.
                3. Colhidos os vistos, aprecia-se e decide-se
                3.1 - Recurso A…, SA
                Embora o relatório dê conta dos passos processuais que se sucederam ao longo deste processo, parece-nos importante considerando o fundamento do recurso do Banco A…, SA – nulidade da alínea e) do nº 1 do artigo 668º do CPC - dar nota do seguinte:
Ø A acção foi intentada contra M...
o  O pedido formulado foi o seguinte: condenação da ré no pagamento do capital de €55.608,60, acrescido de juros de mora comerciais vencidos desde a data de vencimento acordada de cada factura até à presente data, que arbitra em €10.180,38, acrescida do montante da taxa de justiça devida no presente procedimento e ainda o valor dos juros vincendos até integral e efectivo pagamento.
Ø A autora na réplica solicita a intervenção provocada do Banco A… que justifica com a existência de garantias bancárias prestadas pela aqui apelante à ré e a pedido desta, visando garantir o pagamento das obrigações assumidas pela ré perante terceiros com quem contratasse para a execução da referida obra, incluindo a autora, garantias que pode accionar.
Ø A autora termina a réplica nos seguintes termos: (…) requer-se que admita a intervenção principal provocada do Banco A…, SA a fim de ser igualmente condenado nos precisos termos que se peticionaram oportunamente contra a ré na petição inicial.
Ø Com os fundamentos expressos no despacho de folhas 57, foi admitida a intervenção do Banco A… como associado da ré, que foi citado nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 327º do CPC.
Ø Em articulado próprio suscitou a sua ilegitimidade e mais referiu que tais garantias, embora prestadas, o foram a favor da …, SA. Mais adiante referiu no artigo 17º - aderir à defesa apresentada pelo seu garantido, réu nestes autos, em tudo o que não o prejudique (…).
Ø Em requerimento autónomo a autora suscitou a intervenção principal provocada da …, SA que pese o facto de ter sido indeferida por despacho de folhas 99 a 102, veio o mesmo ser revogado por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.
Ø Admitida a intervenção, veio a chamada …, SA tomar posição nos termos plasmados na contestação de folhas 169.
Ø Julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva alegada pelo interveniente Banco A… e cumpridos os demais passos processuais, veio o Tribunal a quo a julgar a acção nos seguintes termos:
o Condenou o réu consórcio e a interveniente … a pagar solidariamente à autora a quantia de €55.955,96, acrescida de juros de mora sobre o montante de €55.608,60, a taxa de juro comercial, desde o dia 27.06.2009 até efectivo e integral pagamento.
o Condenou o interveniente Banco A…, S.A., a reconhecer a existência desse crédito a favor da autora.
Como pode ler-se nas doutas alegações/conclusões o apelante Banco A… insurge-se contra a sua condenação no reconhecimento de um crédito a favor da autora, considerando que a condenação a que foi sujeito é distinta do peticionado, indo o Tribunal a quo para além do que foi pedido pela autora, o que inquina de ilegalidade a sentença – nº 1 do artigo 661º do CPC – e implica a sua nulidade – alínea e) do nº 1 do artigo 668º do CPC – que tem a seguinte redacção:
  É nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido
                Como pode constatar-se da leitura da sentença recorrida, a questão da condenação do réu Banco A… foi abordada tendo em consideração quer a matéria de facto provada – factos 1 a 7 – quer os instrumentos legais vazados no RJEOP – DL nº 59/99, de 2/3, que entrou em vigor em 3 de Junho de 1999 e sucessivamente alterado pela Lei nº 163/99, de 14/9 e pelo DL nº 159/2000, de 27.7.
                A autora/apelada na sequência da alegação na réplica de factos caracterizadores da acção de simples apreciação positiva[2] – alínea a) do nº 2 do artigo 4º do CPC – deveria ter formulado o pedido de condenação do aqui interveniente/apelante no reconhecimento da existência da dívida e não «na sua condenação nos precisos termos que peticionou contra a ré na petição inicial», ou seja no pagamento da quantia reclamada, acrescida de juros.
Entendeu a sentença recorrida que não podendo condenar o interveniente Banco A…, SA no pagamento da dívida, tal como foi peticionado na réplica pela autora/apelada, acabou por considerar que tendo sido chamado à acção o garante que não contesta a existência das garantias bancárias nos termos que constam dos factos 1 a 4, condenou-o no reconhecimento da existência de um determinado crédito a favor da autora/apelada por entender tratar-se de uma decorrência do pedido formulado na réplica por força da posição de garante assumida pelo interveniente, mas sobretudo por ver naquele pedido a formulação implícita do pedido de reconhecimento do interveniente/apelante na existência de um determinada crédito a favor da autora.
Ora, salvo o devido respeito a causa de pedir que fundamenta o pedido de condenação é distinta daquela em que se chama à acção o Banco para na qualidade de garante reconhecer a existência de um crédito. A ser assim como nos parece que é, a sentença recorrida condenou o chamado Banco A…, SA em objecto diverso do pedido porque ao não ter sido formulado, aquando do seu chamamento, o pedido de reconhecimento do crédito, não podia o Tribunal a quo extrapolar de um pedido de condenação em determinada quantia para um pedido de reconhecimento da existência desse mesmo crédito, pelo que nesta parte não podemos deixar de considerar nula a sentença.
O artigo 715º do CPC estipula a regra de substituição que neste caso leva-nos a considerar a procedência da invocada nulidade com a consequente absolvição do pedido do chamado Banco A…, SA.
                3.2 – Recurso da …, SA
                3.2.1 – Nulidade da sentença – alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC
                Pode ler-se nas suas doutas alegações – folhas 526 – que a apelante …, SA ancora o pedido de nulidade da sentença no facto de o Tribunal a quo ter apoiado a sua decisão «na figura da acção directa» sendo que nunca alegou tal figura de «acção directa» por referência à apelante nem no requerimento de injunção nem no requerimento em que efectuou o seu chamamento à demanda. Como tal matéria nunca foi alegada nunca podia o Tribunal a quo tê-la por verificada.
                A nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC – quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – verifica-se quando o Juiz deixe de tomar posição sobre todas as causas de pedir invocadas na petição, sobre todos os pedidos formulados e mesmo sobre as excepções suscitadas ou de conhecimento oficioso, isto sem prejuízo do conhecimento de alguma delas prejudicar a apreciação das restantes (artigo 660º, nº 2 do CPC).
                Da conjugação do disposto nos artigos 668º, nº 1 d) e 660º, nº 2, ambos do CPC, o Juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação, mas está, naturalmente, impedido de se pronunciar sobre questões não submetidas ao seu conhecimento: no primeiro caso – se não se pronunciar sobre todas as questões – existirá uma omissão de pronúncia, no segundo caso – conhecer de questões não submetidas à sua apreciação – ocorrerá um excesso de pronúncia. Deve sublinhar-se que a lei fala em questões, ou seja, em assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de direito e de facto em que as partes fundamentam as suas pretensões. Naquele substantivo – questões – como é jurisprudência uniforme não cabem razões ou argumentos usados pelas partes[3].
                Se tomarmos por referência a orientação jurisprudencial e os argumentos avançados pela interveniente/apelante verificamos que a sentença não padece da nulidade apontada. Com efeito, a discordância da interveniente situa-se no plano substantivo – eventual erro de julgamento por errada interpretação do quadro legal que sustenta a sua condenação – e não no plano processual por violação da norma apontada. O Tribunal a quo não foi além nem ficou aquém dos pedidos que lhe foram formulados[4] e daí que a salutar discordância substantiva não possa integrar a suscitada nulidade.
                3.2.2 – Nulidade da alínea e) do nº 1 do artigo 668º do CPC
                Embora sem expressividade autónoma, a apelante acaba nas suas doutas alegações – ponto 24/folhas 531 – por mencionar e citamos: não se enjeita a defesa da figura da acção directa de lege ferenda. No entanto, o ordenamento jurídico não admite com a generalização pretendida pelo Tribunal a quo que condena a … muito além do pedido da autora.
                Embora tenhamos ficado na dúvida se na realidade a interveniente/… pretendia ou não suscitar a nulidade da sentença, agora amparada pela alínea e) do nº 1 do artigo 668º do CPC, optámos por conhecê-la evitando-se assim que um erro de interpretação por parte deste Tribunal levasse à consideração de não ter conhecido uma questão suscitada e com isso se invocasse a nulidade do acórdão.
Reza a norma em apreço que é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. O requerimento de folhas 82 a 84, no qual os autores solicitaram a admissão da …, SA, foi concluído do seguinte modo: (…) admitir a intervenção principal provocada da …, SA, a fim de ser igualmente condenada nos precisos termos que se peticionaram oportunamente contra a ré na petição inicial.
Sem necessidade de repetições desnecessárias, sabemos que a 1ª ré e a interveniente …, SA foram condenadas solidariamente a pagarem à autora/apelada determinada quantia e juros respectivos desde determinada data. Tal como referimos no ponto 3.1, voltamos a sublinhar, em nossa modesta opinião, que o requerimento a que acima aludimos – aquele onde se pede a intervenção da …, SA – devia concluir pela condenação solidária da 1ª ré e da …, SA no pagamento de determinada quantia. Não o fez é certo, mas procedendo a acção contra a 1ª ré e entendendo-se, como se entendeu, que a …, SA não podia deixar de ser solidariamente condenada por via do disposto no artigo 267º, nº 1 do DL nº 59/99, de 2.3, mais não se fez que dar sentido ao acórdão desta Relação que deferiu a pretensão da aqui autora quanto à intervenção da …, SA nestes autos. A terem-se por correctos os pressupostos de direito e de facto que sustentaram a condenação da …, SA, a aqui apelante/interveniente/… não podia deixar de ser condenada solidariamente, como foi, de resto, decretado.
Deste modo, julga-se improcedente a invocada nulidade.
                3.3 – Recurso da M…
                3.3.1 – Nulidade da sentença por violação da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC
                Sustenta a apelante que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre os efeitos que decorrem de uma nota de débito emitida pelo réu à autora referente a sobrecustos que aquele teve de suportar pelo abandono da obra e incumprimento por parte da autora. Tal omissão de pronúncia configura aquela nulidade
                Remetemos para o que escrevemos em 3.2.1 deste acórdão sobre o entendimento doutrinal e jurisprudencial que se vem fazendo de modo estável e convergente sobre o sentido e alcance do substantivo «questão». Repristinando o que ali se referiu não podemos deixar de concluir que a situação avançada como capaz de integrar o conceito de nulidade de sentença por omissão de pronuncia, não é integrável na previsão da norma que tipifica tal nulidade, antes se conformando com um eventual erro de julgamento por não ter tido em conta tal documento aquando da elaboração da sentença.
                Em suma não padece a sentença da invocada nulidade.
                4. Impugnação da matéria de facto

                Em conclusão nada se altera quanto às respostas impugnadas.
                5. Matéria de facto provada:

                6. Recurso da ... Condenação solidária. Artigo 267º do DL nº 59/99, de 2.3. Responsabilidade objectiva. Regra do ónus da prova.
                A apelante …, SA entende ter havido erro de julgamento por parte do Tribunal a quo escorada nos seguintes argumentos:
Ø Errada interpretação do artigo 267º do RJEOP por inexistência de matéria de facto que integre os seus pressupostos.
Ø Ónus da prova.
Ø Violação dos artigos 500º, 501º, 512º e 513º do CC na medida em que a lei só admite a condenação por responsabilidade objectiva nos termos especificados por lei
Por referência à primeira questão, a apelante/… invoca em abono da sua posição os ensinamentos do Sr. Prof. Romano Martinez[5] que por nos parecerem esclarecedores e deles – ensinamentos – termos, sempre com o respeito devido, uma visão distinta da aqui apelante vamos transcrevê-los:
A admissibilidade de uma relação entre o dono da obra e o subempreiteiro contraria a tradicional doutrina da relatividade dos contratos. Mas, seja pela admissibilidade de excepções à dita teoria, pela condenação da mesma, ou considerando que o dono da obra e o subempreiteiro não são verdadeiros terceiros um em relação ao outro é de aceitar, nalgumas situações, a existência de uma acção directa com carácter de reciprocidade. Assim sendo, o dono da obra, como credor de uma determinada prestação pode exigir o seu cumprimento ou a responsabilidade derivada do incumprimento ao subempreiteiro, em razão da conexão existentes entre os dois negócios jurídicos que visam a prossecução do mesmo fim (…) como ao subempreiteiro deve ser concedida uma acção directa contra o dono da obra para exigir o pagamento do preço da obra realizada em subempreitada. 
                Se se entender que a apelante …, SA é terceiro por referência ao contrato de subempreitada celebrada entre o ACE/consórcio empreiteiro e a autora/subempreiteira, então não podia deixar de vingar a tese avançada pela apelante …, SA e nesse sentido não podia o Tribunal a quo condená-la solidariamente no pagamento da quantia reclamada pela autora, por violação do disposto nos artigos 406º/2 e 512º do CC. Todavia, pensamos não ser esta a melhor doutrina em face do que consta do artigo 267º do DL nº 59/99, de 2 de Março[6]. Com efeito, nada emana da matéria de facto provada que vinculasse a empreiteira/1ª ré à execução efectiva dos trabalhos, ou dito de outro modo que a impedisse de subempreitar a execução de parte ou da totalidade dos trabalhos. Estando em causa um contrato administrativo de empreitada tal como se encontra definido no nº 3 do artigo 2º do DL nº 59/99, de 2.3 - cf. também a alínea h) do artigo 3º por referência à dona da obra – e tendo sido realizados/executados pela subempreiteira a favor da dona da obra um conjunto de trabalhos – facto 9 – que não lhe foram pagos pela empreiteira/1ª ré, então, cumprido o processo administrativo – cf. factos 5 a 7 – sempre podia a aqui apelada/autora reclamar nesta acção o pagamento dos serviços e materiais incorporados em obra e dos quais beneficiou a apelante/…, nos termos do disposto no artigo 267º do DL nº 59/99, de 2.3 que tem a seguinte redacção:
1. Os subempreiteiros podem reclamar junto do dono da obra pelos pagamentos em atraso que sejam devidos ao empreiteiro, podendo o dono da obra exercer o direito de retenção de quantias do mesmo montante devidas ao empreiteiro e decorrentes do contrato de empreitada de obra pública.
2. As quantias retidas nos termos do número anterior serão pagas directamente ao subempreiteiro, caso o empreiteiro, notificado para o efeito pelo dono de obra, não comprove haver procedido à liquidação das mesmas nos 15 dias imediatos à recepção de tal notificação.  
Embora com interesse marginal para o que aqui se discute, a epigrafe desta norma - direito de retenção – está associada à relação entre o dono da obra e o empreiteiro, gozando o subempreiteiro de acção directa contra o dono da obra a quem pode exigir o pagamento do preço da obra realizada. Esta solução, tal como refere a apelante …, SA nas suas doutas alegações é igualmente acolhida pelo Sr. Prof. Romano Martinez – cf. ponto 16/folhas 529 – solução que como referimos tem consagração legal e por esta razão não viola o nº 2 do artigo 406º do CC por se tratar de um caso especialmente previsto na lei.
 Aceitamos, como juridicamente integrável no artigo 770º do CC, que a dono da obra, no caso de não se ter acautelado com a retenção da quantia reclamada – artigo 267º/2 do DL nº 59/99, de 2.3 – venha a reclamar junto do empreiteiro o pagamento da quantia devida, reclamação que pode ter lugar em sede de, v.g. reclamação de créditos, caso se verifique a insolvência da empreiteira. O que dizemos e parece-nos ser a solução que tem assento na lei e na doutrina citada[7] é a que partilhamos e que se sintetiza na possibilidade do subempreiteiro de obras públicas se socorrer da acção directa, exigindo do dono da obra o pagamento da dívida decorrente da realização e execução dos trabalhos subempreitados e incorporados em obra.
A ser assim, como nos parece que é, caem por terra os argumentos aduzidos em sede das doutas alegações/conclusões ou seja a inaplicabilidade aos autos do regime previsto no DL nº 59/909, de 2.3 e consequentemente a impossibilidade, por falta de relação contratual entre o dono da obra e o subempreiteiro, da aqui apelada/subempreiteira poder exigir o pagamento da quantia em dívida. Tratando-se de uma empreitada de obras públicas sempre podia a dona da obra reter a quantia a pagar ao empreiteiro caso este notificado para o efeito, não pagasse o montante reclamado ao subempreiteiro.
Sobre o que identifica como «aspectos de ordem subjectiva considerados relevantes» - cf. alegação 21/folhas 531 – limitamo-nos a afirmar o seguinte: em primeira lugar a matéria de facto provada explicita com clareza a abertura de um inquérito administrativo por parte da …, SA em virtude da reclamação por falta de pagamento por parte da empreiteira com quem havia celebrado o contrato de empreitada – facto 4 – inquérito que seguiu a sua tramitação normal como decorre dos factos 5 a 7. Por outro lado, verificado o incumprimento por parte do empreiteiro, então, a lei estabelece, pelo menos assim a interpretamos, duas possibilidades: a primeira é a do subempreiteiro, por referência aos trabalhos subempreitados de obra pública, exercer a acção directa, exigindo-lhe a lei a comprovação do suporte administrativo que antecede a acção, ficando obrigado a alegar e a provar o seguinte: procedimento antecipatório de inquérito administrativo; alegação e prova de factos caracterizadores de um contrato de subempreitada de obras públicas; alegação e prova da execução e incorporação em solo de materiais e mão-de-obra subempreitados; valor de tais trabalhos e incumprimento por parte da empreiteira.
Ora, basta ler-se a matéria de facto dada como provada para se concluir pela alegação e prova de todos os pressupostos de que depende a possibilidade da autora lançar mão da acção directa para se ver ressarcida pelos trabalhos realizados no âmbito da aludida subempreitada. Ainda que concordemos com a apelante sobre quem recai o ónus da prova – artigo 342º/1 do CC – já entendemos, em divergência com o que defende, que a autora alegou e provou todos os factos que possibilitam que tivesse demandado a …, SA nos termos constantes do nº 1 do artigo 267º do DL nº 59/99, de 2.3.
Ainda a propósito do ónus da prova e escorada na teoria da norma – artigo 342º/1 do CC – a apelante defende que compete à autora a alegação e prova do crédito perante a ré subempreiteira – alegação 28 – o que merece a nossa concordância tal como acima aludimos. Mas, com todo o respeito, já divergimos quando defende que o facto de ter não sido demandada directamente mas sim num quadro de intervenção provocada e por via do chamamento antecipatório do Banco A…, SA, não se tornava essencial ter alegado e provado o facto extintivo do direito da autora – artigo 342º/2 do CC – ou seja o pagamento à empreiteira da quantia reclamada – alegações 29 a 31/folhas 533.
Que a acção não foi intentada contra a …, SA é claríssimo bastando a consulta dos autos, tal como é transparente ter sido pedida a sua intervenção provocada e citada defendeu-se como entendeu dever fazê-lo não nos competindo fazer quaisquer considerandos. No entanto, o facto de ter sido CHAMADA a intervir na acção não a impedia de alegar ter já cumprido a obrigação de pagamento junto da empreiteira, obrigando, por esta via, a que o Tribunal a quo considerasse ou não liberatório tal pagamento e consequentemente impossível ou não o recurso à acção directa. Não tendo sido este o caminho percorrido, partilhamos com a sentença recorrida que tendo sido a apelante/…, SA chamada a intervir na acção, nada impede, pelo menos da leitura da norma/267º da Lei nº 59/99, que se lance mão da acção directa nos termos em que constam da sentença de 1ª instância, até por se tratar de uma questão de direito e existir matéria de facto provada integradora dos seus pressupostos.
Aceitamos, até porque disso já demos conta neste acórdão quando abordámos as nulidades suscitadas pela apelante …, SA que, salvo melhor opinião, outra devia ser a formulação do pedido feito pela autora em sede de requerimentos de intervenção principal provocada.
Aceitamos que a nossa visão menos formalista mas com amparo numa interpretação mais lata da lei, no sentido de privilegiar a verdade material em detrimento da a formal, acaba em face de um quadro alargado de mecanismos que vinculam ou sugerem a intervenção do Tribunal na correcção e/ou aperfeiçoamento de um conjunto de situações a considerar como estando integrado O PEDIDO DE CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA da …, SA no requerimento em que é suscitada a sua intervenção e termina «(…) admitir a intervenção provocada da …, SA a fim de ser igualmente[8] condenada nos precisos termos que se peticionaram contra a ré na p.i.»
Todavia, tais imperfeições[9] não podem, em nosso modesto ver, ser usadas como impeditivas do Tribunal a quo ter considerado a possibilidade de, em face da matéria provada, lançar mão da acção directa e nesse sentido condenar solidariamente a …, SA.
São caminhos naturalmente discutíveis mas que têm a virtualidade de serem uma decorrência do pedido principal em conjugação com os demais factos provados, que não violam o princípio do pedido e que, dão corpo a um princípio, que embora não seja um fim em si mesmo, assume particular relevância para as partes – o princípio da celeridade processual.
Tudo isto para considerarmos estar legitimado o recurso à acção directa no respeito pela matéria de facto provada, que a aqui apelante, não impugnou. 
                Sobre a violação do disposto no artigo 512º do CC já fomos tomando posição ao longo do acórdão, expressando que tal condenação solidária decorre da verificação do quadro legal que emana do nº 1 do artigo 267º do DL nº 59/99, de 2.3 e nesse sentido nada a objectar à condenação solidária das apelante. Repetimos: se bem compreendemos a lei e partilhando os ensinamentos do Sr. Prof. Antunes Varela em sede de teoria da norma, em nada foi prejudicada a defesa da apelante pelo facto de ter sido chamada a intervir e não ter sido demandada na petição inicial. Se pagou o que a autora reclama devia tê-lo alegado. Note-se também que é a própria …, SA que solicitou a abertura de inquérito administrativo por falta de pagamento de trabalhos que o empreiteiro contratou a terceiros – facto 4 – o que por si só a alertou para a existência de eventuais incumprimentos. Ou seja, a …, SA não foi surpreendida com o chamamento para a acção e se pagou só tem que o afirmar e demonstrar e embora saia fora do âmbito do objecto/limites do recurso a condenação solidária no pagamento, caso mereça confirmação superior, não a impede de em sede própria de se defender e demonstrar ter pago.
                Sobre a questão da responsabilidade objectiva, trata-se não só de uma questão nova que não foi abordada na sentença recorrida, mas à qual não deixaremos de consagrar um curto comentário: concordando-se com a abordagem teórica, a propósito desta figura jurídica que a apelante …, SA, faz nas suas doutas alegações a verdade é que o fundamento da condenação não se enquadra na responsabilidade objectiva, mas antes na possibilidade que a lei confere ao subempreiteiro de reclamar junto do dono da obra o pagamento dos trabalhos que o empreiteiro não lhe pagou.
Esta partilha de responsabilidades entre dono da obra e empreiteiro para com o subempreiteiro pode ser reclamada em acção própria intentada contra ambos, por duas ordens de razão: se o dono da obra pagou ao empreiteiro, deve trazer tal realidade ao conhecimento do Tribunal; se não pagou e tendo a obra sido executada, sob pena de um claro enriquecimento ilícito, não pode deixar de pagar ao subempreiteiro o montante em dívida; caso o empreiteiro pague ao subempreiteiro então as relações entre dono da obra e empreiteiro passam a ser reguladas nos termos por si acordados.
                Mantendo-se os factos provados sem a alterações pretendidas pela apelante/1ª ré e entendo-se como correctos os fundamentos de direito e de facto que determinaram a sua condenação, nada há que alterar tendo em conta o recurso do ACE.
                Conclusão:
I. O artigo 267º, nº 1 do DL nº 59/99, de 2.3 possibilita ao subempreiteiro de obras públicas socorrer-se da acção directa, exigindo do dono da obra o pagamento da dívida decorrente da realização e execução dos trabalhos subempreitados e incorporados em obra.
II. Tratando-se de uma empreitada de obras públicas sempre podia a dona da obra reter a quantia a pagar ao empreiteiro – nº 2 do artigo 267º do DL nº 59/99, de 2.3 – caso este depois notificado para o efeito, não pagasse o montante reclamado ao subempreiteiro.
III. Compete à dona da obra, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 342º do CC, a alegação e prova da extinção pelo pagamento ao empreiteiro do montante reclamado pelo subempreiteiro em acção intentada para o efeito.
IV. Está implícito ao pedido de condenação da empreiteira a condenação solidária da …, SA na qualidade de dona da obra.
*
                Decisão
                Nos termos e com os fundamentos expostos acorda-se em julgar:
1. Procedente o recurso do Banco …, SA julgando-se verificada a nulidade da sentença – alínea e) do nº 1 do artigo 668º do CPC – e consequentemente vai o mesmo absolvido do pedido.
2. Improcedente o recurso interposto pela …, SA e consequentemente mantém-se nesta parte a sentença recorrida.
                Custas pela autora/apelada por referência ao recurso apresentado pelo Banco A…, SA.
                Custas pela apelante …, SA – artigo 446º do CPC.
                Coimbra, 3 de Dezembro de 2013

Jacinto Meca (Relator)
Falcão de Magalhães
Silvia Pires

[1] Considerando que a decisão recorrida e alegações foram elaboradas em data anterior a 1 de Setembro de 2013, o conhecimento dos recursos terá por base as normas do anterior Código de Processo Civil alterado pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto.
[2] Causa de pedir – existência de diversas garantias bancárias prestadas pelo aqui apelante.
[3] Ac. STJ, datado de 4.3.2004, proferido no âmbito do processo nº 04B522, publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt.
[4] Recorde-se que relativamente à nulidade suscitada pelo Banco A…, SA entendemos, sempre com a salvaguarda de melhor opinião, que por referência à alínea e) do nº 1 do artigo 668º e tendo por base a situação substantiva justificativa do chamamento do Banco, e pese a incorrecção do pedido formulado pela autora na replica onde suscitou esse incidente, considerámos que a condenação do Banco no reconhecimento da existência de um crédito a favor da autora era uma decorrência do pedido de condenação em determinada quantia que formulara contra a 1ª ré. 
[5] Contrato de Empreitada, Almedina, 1994, pág. 128/129.
[6] Relativamente à data dos factos embora sem incidência nesta norma, este diploma foi alterado pela Lei nº 163/99, de 14.9 e DL nº 159/2000, de 27.7
[7] cf. também Ac. STJ, datado de 31 de Maio de 2005, processo nº 05A4160, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fernandes de Magalhães; Ac. STJ, datado de 9.2.2010, processo nº 4966/04.3 TBLRA.C1.S1, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sebastião Povoas; Ac. RC, datado de 31.5.2005, processo nº 585/95, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Jorge Arcanjo, todos disponíveis no endereço electrónico www.dgsi.pt
[8] Sublinhado nosso.
[9] Mais flagrante no requerimento do chamamento do Banco A…, SA