Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1138/15.5T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO DE SEGUROS
CESSAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA
PRESCRIÇÃO
CONTRATO DE AGÊNCIA
ANALOGIA
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 144/2006 DE 31/7, LEI Nº 46/2011 DE 24/6, DL Nº 178/86 DE 3/7, ARTS.10, 334 CC
Sumário: 1 – O contrato de mediação de seguros é um contrato típico, encontrando-se actualmente regulado pelo DL 144/2006, de 31.07 (sendo a sua actual redacção decorrente da alteração introduzida pela Lei nº 46/2011 de 24.06).

2 – O regime legal aplicável a esse contrato é ainda o que resultar das cláusulas contratuais acordadas expressamente entre as partes e, subsidiariamente, dos princípios e regras gerais dos contratos, sendo que, na medida em que a subespécie dos contratos de mediação de seguros, tal como a dos contratos de agência, integra a categoria dos denominados “contratos de distribuição”, deve funcionar o regime jurídico do contrato de agência, previsto no DL 178/86 de 03.07, como regime modelo, por aplicação analógica (artigo 10º do Código Civil).

3 – Na verdade, nas matérias omissas – como é o caso do prazo de prescrição para o exercício do direito de indemnização de clientela em caso de cessação do contrato – , o regime jurídico do contrato de mediação de seguros, por analogia, extrai-se do regime do contrato de agência, por ser o contrato típico que apresenta afinidades com aquele.

4 – Quem comete violações, não pode actuar como se tivesse tido um comportamento leal ao contrato, sobretudo quando, num momento prévio, desequilibrou a regulação material das obrigações da contra-parte (entendimento a sufragar, com suporte na categoria dogmática do “tu quoque”, epifenómeno do exercício inadmissível de posições jurídicas, no contexto das exigências da boa fé contratual).

Decisão Texto Integral:      






       Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

L (…) (...) intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a “A (…) SEGUROS, S.A.” peticionando que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 51.936,89€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação daquela para os termos da presente ação até efetivo e integral pagamento.

Alegam, então, que a 15 de Outubro de 2010, deu início à sua atividade de mediador, na qualidade de agente exclusivo da ré, não obstante esta só a 16 de maio de 2011 ter disponibilizado o respetivo contrato de mediação de seguros em regime de exclusividade, data em que ambas as partes o subscreveram.

Depois de dissecar o conteúdo da atividade que tal contrato compreendia e, bem assim, de afiançar que sempre cumpriram o aí convencionado, referem que em 18 de Outubro de 2013, o autor L (…) denunciou o contrato de exclusividade celebrado com ré, no pressuposto, então negociado com a ré, de que outorgaria com esta outro contrato de mediação, agora, sem exclusividade.

Acrescenta que o seu propósito era o de agregar à carteira da sociedade autora a carteira de M (…), mulher do autor L (…), cujos seguros se encontravam colocados em várias seguradoras, permitindo-lhe gerir uma só carteira de seguros, uma única contabilidade, um só seguro de responsabilidade civil profissional e um único código para o Instituto de Seguros de Portugal, evitando, assim, a duplicação de pagamentos e encargos, com os consequentes benefícios financeiros e fiscais, permitindo-lhe assim expandir a sua atividade de mediador de seguros, o que era do conhecimento da ré e merecedor da sua concordância.

Todavia, a partir de 2014, a ré deixou de pagar, em definitivo, aos autores as comissões que lhe eram devidas, começou a transferir-lhes a carteira de seguros para outros mediadores, sendo que tal conduta prejudicou a imagem dos autores junto de terceiros, o que determinou que tenham perdido clientes, tendo deixado de fazer seguros o que fez com que diminuíssem drasticamente a sua carteira.

E continuou a ré sem disponibilizar aos autores o contrato de mediação de seguros prometido, sem qualquer regime de exclusividade.

Neste pressuposto, nos termos do conteúdo do referido Contrato de Mediação, celebrado em 16 de Maio de 2011, os autores têm direito a uma quantia pecuniária por indemnização de clientela, que corresponderia ao valor equivalente ao dobro da remuneração média anual do autor nos últimos cinco anos ou do período de tempo em que o contrato esteve em vigor, se inferior, sendo que, no entender dos autores, tal direito emerge da circunstância de tal contrato ter sido cessado pelos autores, mas com a anuência da ré, que não só aceitou os motivos subjacentes como se disponibilizou apresentar um novo contrato de mediação.

Com vista à computação da indemnização peticionada, os autores alegam que receberam em comissões os seguintes valores: em 2011, o montante de € 13.789,31; em 2012, o montante de € 39.238,51; e em 2013, o montante de € 24.877,52, razão pela qual aquela se cifrará em 51.936,89€.

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Regularmente citada, a Ré A (…) Seguros, S. A. apresentou a sua contestação, pugnando, nessa medida, pela improcedência total da presente ação.

Depois de descrever e caracterizar o conteúdo das vontades negociais estabelecidas entre a ré e os autores e as respetivas vicissitudes, a ré alega ter aceite a denúncia operada pelos autores do predito contrato de mediação de seguros, com regime de exclusividade, então, em vigor, e, bem assim, a passagem dos autores a agente não exclusivo da ré.

Acrescenta que na correspondência por si enviada, para além da aceitação da extinção do contrato de mediação de seguros como agente exclusivo foi expressamente referida a necessidade de ser formalizado novo contrato de mediação.

Conquanto, não obstante a disponibilidade da ré para subscrição de um novo contrato de mediação de seguros, o referido contrato nunca foi subscrito pelos autores, sendo que tal omissão é da exclusiva responsabilidade dos próprios autores.

Neste contexto, a ré considera que os autores não têm qualquer direito à indemnização de clientela por ambos peticionada no âmbito dos presentes autos, uma vez que a cessação do contrato de mediação de seguros em discussão foi da exclusiva iniciativa dos autores.

Ademais, a ré alega ainda que, mesmo inconsiderando o atrás mencionado, sempre o direito à indemnização de clientela peticionado pelos autores se mostraria prescrito, em virtude dos autores não a terem peticionado no ano seguinte à cessação do contrato de mediação em discussão, nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 4, do regime jurídico do contrato de agência, que, pela sua similitude, tem aplicação aos contratos de mediação.

Sem prejuízo do exposto, a ré impugna ainda o valor peticionado pelos autores a título de indemnização de clientela, sendo ele manifestamente excessivo.

*

Com o objetivo de dispensar a realização da audiência prévia e cumprido o contraditório, os autores pugnaram pela improcedência de todas as exceções aventadas pela ré no respectivo articulado defensivo.

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Foi dispensada a realização da audiência prévia, procedeu-se à elaboração do despacho saneador, e foi fixado o objeto do litígio e os temas sujeitos a prova.

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Procedeu-se à realização de audiência final, seguindo-se as formalidades legais decorrentes das regras adjetivas introduzidas pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os “factos provados” e os “não provados”, seguido da “Motivação”, após o que se cuidou de definir a natureza jurídica do acordo celebrado entre os AA. e a Ré – considerando-se que havia sido celebrado um contrato com as características típicas do contrato de mediação de seguros (em regime de exclusividade) – face ao que, no contexto da apreciação da responsabilidade da Ré pelo pagamento do peticionado pelos AA. a título de indemnização de clientela, se cuidou de analisar, sem mais, a exceção de prescrição do direito, invocada pela Ré, a propósito do que se concluiu que era de aplicar, por analogia, o regime jurídico do contrato de agência, donde, encontrando-se estabelecido neste (art. 33º, nº4 do DL nº178/86, de 3 de Julho) que se extinguia o direito à indemnização no caso de não ser comunicada, no prazo de 1 ano, que se pretendia receber a indemnização, devendo a acção judicial ser proposta dentro do ano subsequente a esta comunicação, pelo que, na medida em que o contrato ajuizado havia cessado a 18 de Outubro de 2013, e nunca antes da data da propositura desta ação os AA. haviam comunicado à Ré que pretendiam receber a quantia pecuniária, e esta acção havia sido proposta em 24 de Junho de 2015, se tinha de concluir no sentido de que havia decorrido mais de 1 ano para o efeito em causa quando os AA. accionaram os seus direitos, assim procedendo a exceção peremptória de prescrição, determinando-se em consequência a absolvição da Ré, e julgando-se despicienda a pronúncia sobre os demais fundamentos apresentados pelos AA. na p.i., termos em que se julgou a acção totalmente improcedente por não provada e se absolveu a Ré de tudo o contra si peticionado pelos Autores.

                                                           *

Inconformados com essa sentença, apresentaram os AA. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Apresentou por sua vez a Ré contra-alegações a fls. 132, finalizando as mesmas com base nas seguintes conclusões:

(…)

                                                           *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

            - junção de documentos na fase do recurso (como questão prévia);

- nulidade da sentença por violação do disposto na al.d) do art. 615º, nº1 do n.C.P.Civil (falta de pronúncia sobre as condutas dos AA. e da Ré anterior e posterior à denúncia do contrato de mediação ocorrida em 18/10/2013 e relatadas nos arts. 14º; 16º; 17º; 18º; 19º; 20º; 21º; 22º; 23º; 24º; 25º; 26º; 27º; 28º; 30º, 31º, 32º; 33º; 38º; 39º 42º; 43º; 44º da P.I.);

- incorrecto julgamento de facto, pois que deveria expressamente ter-se dado como provado que “Pelo menos desde 18/10/2010, o autor L (…), deu início à actividade de mediador, na qualidade de agente exclusivo da ré Companhia de Seguros”, e bem assim que “A 3 de Abril de 2014, o A. solicitou à R., via e-mail, informação se existia algum contrato em nome da A. L (…) Lda, para ser assinado;

- desacerto da decisão que considerou que o direito dos AA. se encontrava prescrito;

- desacerto da decisão, pois que a acção devia ter sido julgada procedente e a Ré condenada no pedido (conhecimento oficioso do aspeto do abuso do direito no pedido de indemnização formulado pelos AA.).

                                                                       *

            3 – QUESTÃO PRÉVIA

Cabe apreciar se devem ser admitidos os documentos juntos pelos Apelantes com as suas alegações.

Na verdade, com a apresentação das alegações recursivas, os AA. ora Apelantes juntam um total de 7 (sete) documentos – sendo o 1º deles uma cópia de uma declaração de “Intervenção – Assistência Técnica”, datada de 21 de Abril de 2016, por parte de uma empresa de Informática e Serviços (“MIR”), e os 6 demais, cópias de e-mail’s enviados de e para uma conta/endereço de correio electrónico de “ L (...) ” (“ L (...) .seguros@hotmail.com”), datados de 10.10.2010, 23.10.2010, 25.10.2010, 30.11.2010, 7.12.2010 e 3.04.2014, respectivamente – sustentando que os não puderam apresentar antes na medida em que o computador deles A.A. teve uma avaria no sistema operativo em Dezembro de 2015, tendo assim, a 18 de Dezembro de 2015, entregue o mesmo à referenciada empresa “MIR”, onde foi com parcial sucesso objecto de recuperação de dados (75%), tendo-lhes sido devolvido a 21 de Abril de 2016, sendo certo que tal avaria fez com que não fosse possível juntar aos autos, nos termos do art. 423º nº 2 do C.P.C., vários documentos necessários à instrução do processo, pois que só no dito dia 21 de Abril de 2016 lograram recuperar parte desses documentos, pelo que, “nos termos do art. 425º do C.P.C., se requer que os mesmos sejam admitidos”.

De referir que com os documentos numerados de 2 a 6, enquanto e-mail’s alegadamente trocados com responsáveis da Seguradora Ré e com referência à alegação expressa no art. 7º da p.i. no sentido de que “o autor, em 15 de Outubro de 2010, deu início á sua actividade de mediador, na qualidade de agente exclusivo da ré, os AA. ora Apelantes intentam provar que “Pelo menos desde 18/10/2010, o autor (…), deu início à actividade de mediador, na qualidade de agente exclusivo da ré Companhia de Seguros

E que com o documento numerado como nº7, com referência à alegação constante do art. 24º da p.i., a saber, que a Ré, “não obstante as repetidas solicitações feitas pelo autor, nunca cumpriu a promessa de apresentar um novo Contrato de Mediação”, intentam ver dada como provado que “A 3 de Abril de 2014, o A. solicitou à R., via e-mail, informação se existia algum contrato em nome da A. L (…) Unipessoal, Lda, para ser assinado”.

Na decisão sobre esta questão importa obviamente ter presente que a acção foi proposta pelos AA. em 24 de Junho de 2015, que a audiência de julgamento teve lugar no dia 22 de Fevereiro de 2016 e que a sentença é datada de 1 de Abril de 2016.

Quid iuris?

Estabelece o nº 1 do art. 651º do n.C.P.Civil aplicável que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».

Por sua vez, prescreve o art. 425º: «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento».

Acontece, desde logo, que não se mostra que a junção tenha sido necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, sendo claro que esta faculdade “não compreende o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia – e deveria – ter oferecido naquela instância.”[2].

Ora, assentando a alegação dos AA. ora Apelantes naquilo que é designado por impossibilidade subjectiva de junção atempada dos documentos, e admitindo que fizeram prova da aparente superveniência subjectiva dos documentos numerados de 2 a 7, para os mesmos (só após a reparação da avaria do computador, em 21 de Abril de 2016), será que fizeram prova quer da não disponibilidade tempestiva dos documentos, quer da inimputabilidade a uma culpa própria do não acesso a eles?

Cremos bem que não!

É que os AA. ora Apelantes, pelo confronto entre o concretamente invocado para este efeito com o único documento probatório para tal junto (cf. o dito documento 1º), não conseguem convencer, com um mínimo de concludência, do definitivo carácter subjectivamente superveniente do documento: atente-se que falam da avaria do sistema operativo do computador deles (que no documento de reparação da empresa “MIR” aparece identificado como sendo um “Computador HP Probook 4520s”), quando o que está em causa são e-mail’s (cf. ditos demais 6 documentos) enviados de e para uma conta/endereço de correio electrónico de “(…)” (“(…).com”); ora se assim é, resulta com meridiana clareza, sendo mesmo facto notório, que a invocada avaria do sistema operativo do computador, não era susceptível de impossibilitar o acesso ao teor de mensagens constantes de uma conta de endereço electrónico, à qual consabidamente na actualidade se acede, para além de computadores, por um qualquer smartphone ou tablet; acresce que os AA. ora Apelantes nem sequer invocaram que apenas dispunham daquele computador “HP”, sendo certo que consta dos autos que lhes foi oportunamente disponibilizado pela Ré 1 (um) “CPU Lenovo/Ecrã IBM” e 1 (um) “Portátil IBM” (cf. “Anexo II do contrato ajuizado – “Apoios Adicionais concedidos ao Agente”); ademais, invocam eles uma avaria ocorrida em Dezembro de 2015, quando é certo que a ação na qual tinham invocado a materialidade a cuja prova os documentos se destinariam havia dado entrada anteriormente, em Junho de 2015, isto é, numa data em que nenhuma avaria impossibilitava o acesso aos mesmos, quando é certo que os documentos devem ser juntos com o articulado no qual se alegam os factos correspondentes (cf. art. 423º do n.C.P.Civil)…

O que tudo serve para dizer que sendo todos os documentos numerados de 2 a 7 muito anteriores à propositura da acção e destinando-se à prova de materialidade já invocada na p.i., face à própria natureza e características dos ditos documentos, os AA. ora Apelantes não lograram demonstrar a indisponibilidade ou inacessibilidade não culposa aos mesmos.

Portanto, a junção dos documentos é extemporânea à luz das invocadas disposições legais, sendo certo que a mesma tinha como objectivo processual útil os documentos numerados de 2 a 7, pois que o doc. nº1 se destinava mais concretamente e apenas à prova da tempestividade da pretendida junção de documentos.

Nestes termos, impõe-se recusar a junção dos ditos documentos, devendo os AA. ora Apelantes ser condenados em multa, que se fixa em 1 (uma) UC (art. 27º nº 1 e 4 do Regulamento das Custas Processuais - art. 443º nº 1 do n.C.P.Civil).

Notifique.

                                                                       *

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que os AA./Recorrentes também tal impugnam. 

            São então os seguintes os factos que se consideraram “provados” na 1ª instância:

1. Por documento reduzido a escrito, datado de 25/01/2011, denominado de Contrato de Mediação de Seguros – Agente Exclusivo, a Companhia de Seguros (…)S. A., na qualidade de primeira outorgante, e L (…) na qualidade de segundo outorgante, acordaram entre si e além do mais, na Cláusula Primeira, que a primeira outorgante encarrega o segundo outorgante, nos termos do Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de julho, e da Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n.º 17/2006, de 29 de Dezembro, de, em seu nome e por sua conta, promover a obtenção junto de terceiros de propostas relativas a contrato de seguros, apresentando condições, preparando a celebração dos mesmos, e prestando-lhes assistência, durante a vigência da apólice.

2. E, por sua vez, que o segundo outorgante obriga-se a exercer a sua atividade em Regime de Exclusividade junto da primeira outorgante, ficando-lhe vedado o exercício paralelo, direto ou por interposta pessoa, de atividade igual ou similar junto de outras seguradoras, corretores de seguros ou agentes de seguros, bem como a colaboração na administração ou gestão direta ou indireta das referidas entidades.

3. Daquele consta como cláusula oitava que: 1. O segundo outorgante terá direito a receber da primeira outorgante, a título de remuneração pela atividade de mediação de seguros, as comissões correspondentes aos contratos que integrem a sua carteira de seguros, cujo valor será determinado por aplicação da tabela em vigor, constante do anexo I a este contrato, e do qual faz parte integrante, sem prejuízo da primeira outorgante poder vir a atribuir ao segundo outorgante uma comissão adicional, em condições a definir em documento escrito a anexar a este contrato. (…) 3. O segundo outorgante adquire o direito à remuneração uma vez cobrado o recibo do contrato (apólice) que lhe corresponda, e o seu valor será posto à sua disposição, pela primeira outorgante, no mês seguinte àquele a que respeitar. 4. O segundo outorgante terá direito a descontar nos valores referentes aos prémios por ele efetivamente cobrados, o que corresponder à sua remuneração. 5. Para efeitos do disposto no n.º 2 da cláusula décima constitui remuneração do segundo outorgante, enquanto agente de seguros, as comissões atribuídas ao abrigo do disposto no n.º 1 da presente cláusula, excluindo-se do conceito de remuneração quaisquer outros incentivos adicionais ou prémios de produtividade que lhe sejam atribuídos, independentemente de qual seja a sua designação.

4. Da cláusula nona consta que: 1. O presente contrato tem início na data da sua celebração e vigora por três anos, renováveis automaticamente por períodos de um ano até que qualquer das partes o denuncie, de acordo com o disposto no número seguinte. 2. Qualquer uma das partes poderá, decorrido o período inicial previsto no número anterior, denunciar o presente contrato, mediante comunicação dirigida à outra parte, por carta registada, com aviso de receção, com a antecedência mínima de um mês sobre a data em que se pretende que o contrato deixe de vigorar. 3. O contrato cessa nos termos previstos na lei, e designadamente: por acordo das partes, por iniciativa de alguma delas, com ou sem justa causa, ou por caducidade.(…)

5. E da cláusula décima consta que: 1. Em caso de cessação do presente contrato, o segundo outorgante terá direito a uma indemnização de clientela, desde que tenha angariado novos clientes ou aumentado substancialmente o volume da carteira de seguros já existente da primeira outorgante e este venha a beneficiar, após a cessação do contrato, da atividade por si desenvolvida. 2. A indemnização de clientela, quando devida, corresponderá ao valor equivalente ao dobro da remuneração média anual do segundo outorgante nos últimos cinco anos ou do período de tempo em que o contrato esteve em vigor, se inferior. 3. Não é devida a indemnização de clientela quando: a) o contrato tenha sido resolvido por iniciativa do segundo outorgante sem justa causa ou por iniciativa da primeira outorgante com justa causa; b) o segundo outorgante tenha cedido a sua posição contratual com o acordo da empresa de seguros.

6. Por documento reduzido a escrito, datado de 16/05/2011, denominado de Contrato de Mediação de Seguros – Agente Exclusivo, a Companhia de Seguros (…) S. A., na qualidade de primeira outorgante, e L (…), Unipessoal, Lda. na qualidade de segundo outorgante, acordaram entre si e além do mais, na Cláusula Primeira, que a primeira outorgante encarrega o segundo outorgante, nos termos do Decreto-Lei n.º 144/2006, de 31 de julho, e da Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n.º 17/2006, de 29 de Dezembro, de, em seu nome e por sua conta, promover a obtenção junto de terceiros de propostas relativas a contrato de seguros, apresentando condições, preparando a celebração dos mesmos, e prestando-lhes assistência, durante a vigência da apólice.

7. E, por sua vez, que o segundo outorgante obriga-se a exercer a sua atividade em Regime de Exclusividade junto da primeira outorgante, ficando-lhe vedado o exercício paralelo, direto ou por interposta pessoa, de atividade igual ou similar junto de outras seguradoras, corretores de seguros ou agentes de seguros, bem como a colaboração na administração ou gestão direta ou indireta das referidas entidades.

8. Daquele consta como cláusula oitava que: 1. O segundo outorgante terá direito a receber da primeira outorgante, a título de remuneração pela atividade de mediação de seguros, as comissões correspondentes aos contratos que integrem a sua carteira de seguros, cujo valor será determinado por aplicação da tabela em vigor, constante do anexo I a este contrato, e do qual faz parte integrante , sem prejuízo da primeira outorgante poder vir a atribuir ao segundo outorgante uma comissão adicional, em condições a definir em documento escrito a anexar a este contrato. (…) 3. O segundo outorgante adquire o direito à remuneração uma vez cobrado o recibo do contrato (apólice) que lhe corresponda, e o seu valor será posto à sua disposição, pela primeira outorgante, no mês seguinte àquele a que respeitar. 4. O segundo outorgante terá direito a descontar nos valores referentes aos prémios por ele efetivamente cobrados, o que corresponder à sua remuneração. 5. Para efeitos do disposto no n.º 2 da cláusula décima constitui remuneração do segundo outorgante, enquanto agente de seguros, as comissões atribuídas ao abrigo do disposto no n.º 1 da presente cláusula, excluindo-se do conceito de remuneração quaisquer outros incentivos adicionais ou prémios de produtividade que lhe sejam atribuídos, independentemente de qual seja a sua designação.

9. Da cláusula nona consta que: 1. O presente contrato tem início na data da sua celebração e vigora por três anos, renováveis automaticamente por períodos de um ano até que qualquer das partes o denuncie, de acordo com o disposto no número seguinte. 2. Qualquer uma das partes poderá, decorrido o período inicial previsto no número anterior, denunciar o presente contrato, mediante comunicação dirigida à outra parte, por carta registada, com aviso de receção, com a antecedência mínima de um mês sobre a data em que se pretende que o contrato deixe de vigorar. 3. O contrato cessa nos termos previstos na lei, e designadamente: por acordo das partes, por iniciativa de alguma delas, com ou sem justa causa, ou por caducidade.(…)

10. E da cláusula décima consta que: 1. Em caso de cessação do presente contrato, o segundo outorgante terá direito a uma indemnização de clientela, desde que tenha angariado novos clientes ou aumentado substancialmente o volume da carteira de seguros já existente da primeira outorgante e este venha a beneficiar, após a cessação do contrato, da atividade por si desenvolvida. 2. A indemnização de clientela, quando devida, corresponderá ao valor equivalente ao dobro da remuneração média anual do segundo outorgante nos últimos cinco anos ou do período de tempo em que o contrato esteve em vigor, se inferior. 3. Não é devida a indemnização de clientela quando: a) o contrato tenha sido resolvido por iniciativa do segundo outorgante sem justa causa ou por iniciativa da primeira outorgante com justa causa; b) o segundo outorgante tenha cedido a sua posição contratual com o acordo da empresa de seguros.

11. Com o fito de substituir o autor L (…) na qualidade de segundo outorgante, pela sociedade autora L (…), Unipessoal, Lda., os autores e a ré acordaram em outorgar o documento descrito de 6) a 10), fazendo constar da sua cláusula décima quarta que: As partes expressamente acordam em que o presente contrato substitui, na íntegra, a partir da data da sua assinatura, qualquer outro contrato de mediação que entre elas tenha sido celebrado com data anterior.

12. No ano de 2011, os autores receberam em comissões o valor de 13.789,31€.

13. No ano de 2012, os autores receberam em comissões o valor de 39.238,51€.

14. No ano de 2013, os autores receberam em comissões o valor de 24.877,52€.

15. O autor L (…), em representação da sociedade autora, enviou à ré Companhia de Seguros (..) S. A., que recebeu, uma email, datado de 22 de agosto de 2013, apresentando o seguinte teor: Dando cumprimento ao estabelecido no contrato de exclusividade (cessação do mesmo), venho pela presente, solicitar denúncia do mesmo, a partir de 18 de outubro de 2013, sendo que data da minha saída da Companhia, foi efetuada a 18 de outubro de 2010, tendo tido nessa data início minha apólice de seguro de responsabilidade civil, em vigor A (…)a n.º 56.00036248, sendo que posteriormente existiram outros contratos de exclusividade, resultantes da criação da Empresa L (…), Unipessoal, Lda.

Este pedido de denúncia prende-se essencialmente por questões contabilísticas, cessação atividade da minha esposa como mediadora seguros e inclusão na carteira seguros da mesma na L (…) Unip. Lda..

16. Em resposta ao descrito em 15), a ré Companhia de Seguros A(..), S. A. enviou à sociedade autora, que recebeu, uma carta, datada de 2 de setembro de 2013, cujo assunto anunciado era: Rescisão de contrato de exclusividade, apresentando o seguinte teor: (…) Na sequência do seu pedido e atendendo aos motivos apresentados, informamos que foi aceite o seu pedido de rescisão do Contrato de Exclusividade no Ramo Vida e Não Vida, com data e efeito a 18 de Outubro de 2013. Para a continuação da nossa parceria comercial, será necessário assinar novo Contrato de Agente com a (…) Seguros, ao abrigo do DL 144/2006, que poderá ser efetuado na nossa Delegação mais próxima.

17. Em data anterior ao referido em 15), os autores e a ré, através dos seus representantes, acordaram que, não obstante o teor do escrito aí referido, aqueles pretendiam celebrar com a ré um contrato de mediação de seguros mas sem qualquer regime de exclusividade, o que foi por esta aceite.

18. A ré Companhia de Seguros (…), S. A., por carta, datada de 03 de janeiro de 2014, cujo assunto anunciado era: Alteração de agente cobrador, comunicou ao tomador de contrato de seguro (…) até então mediado pela sociedade autora, além do mais, que deixou de ter a colaboração desta para cobrar o valor do respetivo prémio, informando que tal cobrança passaria a ser centralizada na delegação de (…) Lda., em Castelo Branco.

19. A ré enviou aos autores uma carta, datada de 7 de Abril de 2014, em correio registado, datado de 9 de abril de 2014, contendo no seu interior um contrato denominado de mediação se seguros, de agente não exclusivo, que apenas havia de ser assinado pelos autores e remetido o duplicado à ré.

20. Todavia, em 23 de abril de 2014, tal carta foi devolvida à ré, com a menção de objecto não reclamado.

21. A ré Companhia de Seguros (…), S. A., por cartas, datadas de 29 de abril de 2014, cujo assunto anunciado era: Alteração de mediação do contrato, comunicou aos tomadores dos contratos de seguro até então mediados pela sociedade autora, além do mais, de que iria proceder à transferência da assistência àqueles para a delegação do Fundão da A (...) .

22. Os autores nunca se dirigiram a uma qualquer delegação da ré com o objetivo de assinar um contrato de mediação de seguros, sem regime de exclusividade.

23. Antes da data da propositura da presente ação, nunca os autores comunicaram à ré que pretendiam receber a quantia pecuniária respeitante à denominada indemnização de clientela acima descrita.

                                                                       ¨¨

E os seguintes os factos que se consideraram “não provados[3] no tribunal a quo:L (…) (...) deu início à atividade de mediador, na qualidade de agente exclusivo da ré companhia de seguros.

b. Entre o período descrito em A) e o descrito em 6), a ré não disponibilizou o contrato de mediação de seguros em regime de exclusividade para que fosse assinado entre as partes.   

                                                                       *

4.1 – Os AA./Recorrentes pugnam, no corpo das suas alegações, pela verificação da nulidade da sentença por violação do disposto na al.d) do art. 615º, nº1 do n.C.P.Civil (falta de pronúncia sobre as condutas dos AA. e da Ré anterior e posterior à denúncia do contrato de mediação ocorrida em 18/10/2013 e relatadas nos arts. 14º; 16º; 17º; 18º; 19º; 20º; 21º; 22º; 23º; 24º; 25º; 26º; 27º; 28º; 30º, 31º, 32º; 33º; 38º; 39º 42º; 43º; 44º da P.I.):

Segundo o dito artigo 615º, nº1, al.d), é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento".

            Estando em causa nesta sede quer o vício designado por “omissão de pronúncia”, quer o do “excesso de pronúncia”, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no nº2 do art. 608º do mesmo n.C.P.Civil, que é, por um lado, o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas em que a lei lhe permite delas conhecer oficiosamente).

            Sendo que para este efeito sustentam os AA./Apelantes ter sido cometida a nulidade da “omissão” de pronúncia por o Tribunal não se ter pronunciado sobre “questões” que devia apreciar e vertidas nos ditos artigos da p.i..

            Que dizer?

            Não assiste qualquer razão aos AA./Apelantes por várias ordens de razões.

            Desde logo porque “A palavra ‘questões’ deve ser tomada aqui em sentido amplo: abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade de umas e outras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem, [a menos que] o exame de uma só parte [imponha] necessariamente a decisão da causa”.[4]

            Ora se assim é, tendo-se na Sentença concluído pela procedência da exceção peremptória de prescrição, determinando-se em consequência a absolvição da Ré, e julgando-se despicienda a pronúncia sobre os demais fundamentos apresentados pelos AA. na p.i., não vislumbramos como possa ser sustentado que deixou de ser apreciada questão que o devesse ter sido…

Na verdade, um dos princípios da motivação das sentenças é o princípio da exaustão.

Segundo este princípio, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cf. art. 608º, nº2 do n.C.P.Civil).

A lei não prescreve que o juiz conheça de todas as questões suscitadas pelas partes, nem, muito menos, que analise todos os argumentos e linhas de raciocínio por elas deduzidos ou seguidos[5], mas sim que examine todas mas tão-só as questões efectivamente relevantes para a boa decisão da causa, quer as que tenham sido invocadas pelas partes, quer as que sejam de conhecimento oficioso.

Quer isto dizer que o juiz tem de conhecer «todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer»[6], exceptuadas as questões, quanto ao pedido, à causa de pedir ou às excepções, cuja apreciação quede prejudicada pela solução dada às outras.

Por outro lado, a nulidade consistente na omissão de pronúncia só se verificará se o juiz não se pronunciar especificamente sobre questões invocadas pelas partes e não, como dissemos, quando deixe de apreciar qualquer argumento apresentado pelos litigantes.

Em todo o caso, o facto de o Tribunal a quo ter considerado prejudicada a apreciação das demais questões substantivas atenta a procedência da exceção de prescrição, não configura error in procedendo, antes consubstancia, se pertinente, como veremos adiante, error in judicando.

            Acresce que, quanto a nós, o enquadramento feito pelos AA./Recorrentes – de arguição de nulidade – quanto a este aspecto, só se compreende como fruto de algum equívoco dogmático ou deficiente compreensão dos conceitos legais.

            Na verdade, a entender-se que devia expressamente ter sido dada resposta – fazendo constar no elenco dos factos “provados” ou “não provados” a matéria dos invocados artigos da p.i. – e que, em consequência, existia uma lacuna/omissão da Sentença quanto a este aspecto, sucede que tal configuraria quando muito uma situação de deficiência, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, eventualmente impeditiva do estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.

            Só que, a entender-se verificado este referido vício, ele poderia ser suprido por este Tribunal de recurso, com suporte e apoio nos elementos em que o tribunal a quo se fundou na tarefa de valoração dos meios de prova produzidos, isto na medida em que a anulação da decisão está reservada para os casos em que não seja possível o acesso a todos os elementos de prova que foram especificamente ponderados (cf. art. 662º, nº2, al.c) do n.C.P.Civil).

            Sendo essa uma tarefa que oficiosamente se impõe, sendo disso caso…   

            Contudo, sucede que em nosso entender nem sequer é fundado falar de uma omissão de resposta aos ditos artigos da p.i.: isto pela singela razão de que estes artigos não deviam efetivamente merecer uma resposta expressa, atenta a desnecessidade da sua consideração “a se”, isto é, face ao que já figura de relevante, no particular dos mesmos, dos factos dados como “provados”.

            Senão vejamos.

            Era o seguinte o teor literal dos mesmos:

«14º

Durante o período em que o aludido contrato vigorou, os autores exerceram a sua actividade de mediadores de seguros, de forma profissional e dedicada, procurando, no difícil cenário conjuntural económico em que se vivia, e se mantém, atingir os objectivos propostos – doc. 2.

(…)

16º

Na verdade, antes de tomar esta decisão, o autor tinha, uma vez mais, discutido este assunto com os seus superiores hierárquicos (responsáveis comerciais), que entenderam os seus motivos e lhe garantiram que a ré aceitaria outorgar outro Contrato de Mediação, sem exclusividade, logo que fosse denunciado o que se encontrava em vigor.

17º, Unipessoal, Lda., a carteira de sua esposa, (…), cujos seguros se encontravam colocados em várias seguradoras;

18º

Desta forma, o autor, na sua sociedade, poderia, designadamente, gerir uma só carteira de seguros, uma única contabilidade, um só seguro de responsabilidade Civil Profissional e um único código para o Instituto de Seguros de Portugal,

19º

Evitando, assim, a duplicação de pagamentos e encargos, com os consequentes benefícios financeiros e fiscais.

20º

Por outro lado, esta nova estrutura de negócio – sem exclusividade – permitiria ao autor L(...) expandir a sua actividade de mediador de seguros, facto que era do conhecimento da ré e que merecera, como já mencionado, a sua prévia concordância.

21º

Para tanto, veja-se o conteúdo da carta, de 2 de Setembro de 2013, em que a ré considera essencial «Para a continuação da nossa parceria comercial, será necessário assinar novo Contrato de Agente com a A (...) Seguros, ao abrigo do DL 144/2006, que poderá ser efectuado na nossa Delegação mais próxima» - doc. 3.

22º

Porém, a partir de 2014, o comportamento da ré agravou-se significativamente.

23º

Com efeito, em virtude da ré infringir, sistematicamente, as boas práticas comerciais, em 19 de Fevereiro de 2014, o autor (…) resolveu manifestar oficialmente o seu descontentamento e preocupação, utilizando para o efeito o “livro de reclamações” da ré – doc. 4.

24º

Sendo certo que esta, não obstante as repetidas solicitações feitas pelo autor, nunca cumpriu a promessa de apresentar um novo Contrato de Mediação, o que o impossibilitou, como era seu desejo e tinha sido acordado, de continuar a trabalhar com a ré.

25º

Por outro lado, a ré deixou de pagar, em definitivo, aos autores as comissões que lhe eram devidas, com os consequentes prejuízos (graves) daí resultantes.

26º

E começou, ardilosa, maliciosamente e em absoluto desrespeito pelos direitos dos autores, a transferir-lhes a carteira – docs. 5, 6 e 7,

27º

De forma unilateral, prepotente e indesculpável;

28º

Atente-se que a ré não se coibia de afirmar, fugindo à verdade, que o autor continuava a ser angariador – não agente cobrador -, ainda que nenhum contrato tivesse ainda sido celebrado entre ambos – doc. 8.

29º

Prejudicando, de forma incontornável, a imagem dos autores junto de todos aqueles que laboravam e colaboravam na área dos seguros, e junto dos seus clientes,

30º

Que não puderam deixar de sentir dúvidas e levantar suspeitas sobre o que teria levado a ré a tomar tão grave decisão (manipulação de contas?/falta de confiança?/utilização abusiva de dinheiros?);

31º

Sendo que a imagem de credibilidade que os autores haviam construído ao longo dos anos, foi posta em causa, de forma injusta e injustificada (note-se que um meio mais pequeno potencia o risco de alarme social para níveis muito mais elevados)

32º

Pelo que os autores perderam clientes.

33º

Deixaram de fazer seguros e viram diminuir drasticamente a sua carteira.

34º

E, consequentemente, com a perda de negócio, viram, também, reduzidos os seus proventos.

(…)

38º

Ora a cessação do Contrato de Mediação, outorgado em Maio de 2011, como já aduzido no artigo 15º deste petitório, mereceu a concordância da ré, que aceitou os motivos apresentados pelos autores e se disponibilizou a apresentar um novo Contrato de Mediação,

39º

Que permitisse aos autores continuarem a desenvolver o seu trabalho de mediação, em regime de não exclusividade.

(…)

42º

Até à presente data, os autores nunca mais conseguiram entabular qualquer tipo de contacto com a ré, por culpa exclusiva desta.

43º

Os autores ficaram, por isso, impossibilitados de continuar a trabalhar com a ré, o que lhes provocou prejuízos de natureza patrimonial e pessoal.

44º

Os autores são, por todo o acima exposto, credores do montante de € 51.936,89.»

De referir que se cuidou de transcrever o teor literal integral dos invocados artigos da p.i., pois que, em nosso entender, o mesmo evidencia insofismavelmente a sem razão desta pretensão dos Autores/recorrentes.

É que estão claramente em causa em grande medida factos meramente instrumentais, senão puramente argumentativos – caso dos artigos 14º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 26º e 27º – sendo que, consabidamente, uma tal categoria de factos não deviam nem tinham que figurar no elenco dos factos “provados”, assim como, por igualdade de razão, não tinham de figurar nos “não provados”.

Daí que na sentença recorrida se tenha consignado que “Este tribunal não se pronuncia sobre as demais asserções constantes dos articulados das partes, por as considerar ou irrelevantes, ou conclusiva ou matéria de direito para a resolução do litígio em que assenta a causa de pedir desta ação”, o que vai na linha do entendimento vindo de expressar.

O que se vem de dizer vale de pleno para os igualmente invocados artigos 39º e 42º, os quais são puramente argumentativos

Ora, consabidamente, “os factos instrumentais não terão que figurar propriamente como factos provados, antes como elementos de motivação ou de sustentação dos factos essenciais, estes, sim, relevantes para o resultado final”.[7]

Por outro lado, a matéria relevante constante dos artigos 16º e 38º da p.i. consta do facto provado sob “17.”, enquanto a do artigo 25º consta do facto provado sob “18.”, donde, nesse particular e por esta decisiva razão, nunca ser caso de dar acolhimento a esta crítica/reclamação dos Autores/recorrentes.

Na mesma linha, mas ora por se tratar de factualidade totalmente irrelevante na economia dos autos, improcede o suscitado pelos Autores/recorrentes quanto aos artigos 28º, 29º, 30º e 31º da p.i.

Finalmente, temos que os remanescentes factos deste invocado elenco (artigos 32º, 33º, 34º, 43º e 44º da p.i.) consistiam na alegação de factualidade conclusiva, donde, também por aí, não tinham tais “factos” que figurar no elenco dos factos “provados” (como, por igualdade de razão, não teriam que figurar no elenco dos “não provados”).

O que tudo serve para dizer que não vislumbramos qualquer necessidade de oficiosamente ponderar a modificabilidade da decisão de facto quanto ao aspecto suscitado (falta de resposta aos ditos artigos da p.i.), no quadro do previsto no art. 662º do n.C.P.Civil, pois que a factualidade que com relevância já não consta da matéria elencada na sentença, se configura como meramente instrumental, senão puramente argumentativa, sendo no demais irrelevante e conclusiva, isto é, quanto aos artigos relativamente aos quais não improcede liminarmente a reclamação (pois que, a contrario, os artigos 16º, 25º e 38º já foram considerados na sentença!) os mesmos não interfeririam, de forma alguma, na solução do caso!

Termos em que improcede claramente esta via de argumentação aduzida pelos  Autores/recorrentes como fundamento para a procedência do recurso, designadamente sob a veste da arguida nulidade da sentença.

                                                           *

4.3 – Os AA./Recorrentes sustentam ainda o incorrecto julgamento de facto, pois que deveria expressamente ter-se dado como provado que “Pelo menos desde 18/10/2010, o autor L (..), deu início à actividade de mediador, na qualidade de agente exclusivo da ré Companhia de Seguros”, e bem assim que “A 3 de Abril de 2014, o A. solicitou à R., via e-mail, informação se existia algum contrato em nome da A. L (…) Unipessoal, Lda, para ser assinado:

Esta sua pretensão soçobra inapelavelmente pela decisiva circunstância de que os AA./recorrentes assentavam a mesma em prova documental, a saber, os documentos nos 2 e 7, respectivamente, cuja junção requereram no contexto destas mesmas alegações recursórias.

Sucede que, como flui da decisão supra que apreciou esse pedido de junção de documentos na fase do recurso, como questão prévia, o mesmo foi indeferido.

Assim sendo e sem necessidade de maiores considerações, igualmente improcede, sem mais, esta questão recursiva.

                                                           *

5 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1– Cumpre agora entrar na apreciação da questão seguinte supra enunciada, esta já directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, ter havido erro da decisão que considerou que o direito dos AA. se encontrava prescrito.

Será assim?

Recorde-se que a decisão recorrida assentou no entendimento de que tendo o contrato de mediação cessado a 18/10/2013, e não tendo os AA. até à data da propositura da acção (que ocorreu a 24/06/2015), comunicado à Ré, que pretendiam receber a quantia pecuniária respeitante à indemnização de clientela, necessariamente procedia a exceção peremptória de prescrição deduzida pela Ré.

Sendo que para tanto se aduziu a seguinte linha de raciocínio:

«(…)considerando que quer da regulamentação específica do contrato de mediação de seguros quer da negociação particular decorrente das reunião das vontades negociais vertida no contrato celebrado pelas partes nada resulta a respeito da prescrição do direito de indemnização de clientela pelo mediador de seguros aquando da cessação do respetivo contrato, é no regime do contrato de agência – apelando à analogia – que se irá obter tal resposta (…)

Concluindo-se pela aplicação do regime jurídico do contrato de agência, dispõe o artigo 33.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho, com a redação acima aventada, que extingue-se o direito à indemnização [de clientela] se o agente ou os seus herdeiros não comunicarem ao principal, no prazo de um ano a contar da cessação do contrato, que pretendem recebê-la, devendo a ação judicial ser proposta dentro do ano subsequente a esta comunicação.

(…)

Pelo que, entre a cessação do predito contrato de mediação de seguros e a data em que o mediador de seguros comunicou à seguradora que pretendia receber a indemnização de clientela regulamentada decorreu mais de um ano, razão pela qual, entendo, ao abrigo dos ínsitos normativos acima enunciados que tal direito indemnizatório se mostra prescrito, mostrando-se extinta a obrigação correspondente.

Desta feita, procederá a exceção perentória de prescrição aventada pela ré e incidente sobre o direito de indemnização de clientela que os autores pretendiam ver reconhecido através desta ação, determinando, nessa medida, a absolvição da ré de todos os pedidos contra si formulados (…)»

Importa ainda referir que a sentença recorrida invocou o seguinte:

«Reportando-nos à situação em apreço e indo ao encontro do entendimento veiculado pela ré no seu articulado defensivo, no que ao regime jurídico do contrato de mediação de seguros diz respeito, considero que o mesmo se extrai da concatenação das seguintes regras: o regime geral e específico mostra-se regulado no Decreto-Lei n.º 144/2006 de 31 de Julho, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 359/2007, de 2 de Novembro, acima identificado; o regime particular vinculativo entre as partes decorre das cláusulas negociais convencionadas pelas elas, em estrita observância à regra supletiva da liberdade contratual – cfr.: artigo 405.º do Código Civil; e, na matéria omissa, por analogia, extrai-se do regime do contrato de agência,por ser o contrato típico que apresenta afinidades com aquele, nos termos do disposto no artigo 10.º, do Código Civil.

Aliás, a vocação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 178/86, de 3.7, com as alterações introduzidas pelo DL 118/93, de 13.4., para efeitos de aplicação ao contrato de mediação foi desde logo reconhecida expressamente pelo legislador no preâmbulo do primeiro daqueles diplomas.».

Ora, é precisamente quanto a este último ponto da argumentação – o da aplicação analógica, pelo Tribunal a quo (ex vi do art. 10º do Código Civil) do DL nº 178/86 de 3/7, que regula o contrato de agência – que os AA./recorrentes começam por manifestar a sua discordância, na medida em que no preâmbulo do referido DL nº 178/86 de 3/7, o legislador não teria reconhecido expressamente nenhuma vocação do regime desse diploma para efeitos de aplicação ao contrato de mediação.

Importa dizer que neste particular assiste razão aos AA./recorrentes.

O que não quer dizer que a decisão do Tribunal a quo não tenha sido no correto sentido.

É que, em nosso entender, essa aplicação analógica corresponde efectivamente ao melhor entendimento nesta matéria, sendo que para ela se encontram outros e  decisivos argumentos.

Na verdade, a mediação de seguros é “qualquer actividade que consista em apresentar ou propor um contrato de seguro ou praticar qualquer outro acto preparatório da sua celebração, em celebrar o contrato de seguro, ou em apoiar a gestão e execução desse contrato, em especial em caso de sinistro” (alínea c) do art. 5º do DL nº 144/2006, de 31/07); o mediador de seguros é qualquer pessoa singular ou colectiva que inicie ou exerça, mediante remuneração, a actividade de mediação de seguros (alínea e) do art. 5º do mesmo DL nº 144/2006, de 31/07); o mediador de seguros pode exercer actividade como mediador de seguros ligado, actuando sob a responsabilidade de uma ou mais empresas de seguros, seja em nome e por conta de uma companhia de seguros ou com autorização desta, seja como complemento da sua actividade profissional, como agente de seguros, caso em que actua sob a responsabilidade de uma ou mais empresas de seguros ou de outro mediador de seguros ou como corrector de seguros, hipótese em que a pessoa exerce a actividade de seguros de forma independente face às empresas de seguros (art. 8º do dito DL nº 144/2006, de 31/07); em qualquer caso, procede à angariação de clientes, apresentando soluções e propostas, que podem levar à celebração de contrato de seguro, podendo inclusivamente celebrar contratos em nome da seguradora caso estejam habilitados para tal.

O que se vem de dizer pretende fundamentar a seguinte conclusão: o contrato ajuizado, como contrato de mediação de seguros, atenta a data da sua celebração (25/01/2011 – cf. facto “provado sob “1.”) rege-se pelo DL 144/2006, de 31.07[8], sendo que, na medida em que essa categoria de contratos, tal como o contrato de agência, integram a categoria dos denominados “contratos de distribuição”, deve funcionar o regime jurídico do contrato de agência, previsto no DL 178/86 de 03.07, como regime modelo.[9]

Pois que, na prática, a indemnização de clientela tem sido aplicada analogicamente aos “contratos de distribuição comercial”.[10]

Ora, consabidamente, no que à indemnização de clientela diz respeito, prevê o art. 45º, nº 2, do dito DL nº 144/2006 de 31 de Julho (na sua actual redacção), que no caso referido no número anterior [no caso de cessação dos contratos de mediação de seguros] e sem prejuízo de qualquer outra indemnização a que haja lugar, o mediador de seguros tem direito a uma indemnização de clientela, desde que tenha angariado novos clientes para a empresa de seguros ou aumentado substancialmente o volume de negócios com clientela já existente e a empresa de seguros venha a beneficiar, após a cessação do contrato, da atividade por si desenvolvida.

Sucede que não vem previsto neste diploma legal e no que a esta indemnização de clientela diz respeito, qualquer prazo de prescrição para o respectivo exercício.

Esta lacuna/omissão, terá sido opção intencional do legislador? 

Cremos bem que não, pois que, em nosso entender, o que ressalta é que o legislador da mediação de seguros (DL nº 144/2006 de 31 de Julho) foi pouco cuidadoso e rigoroso na consagração dos termos da indemnização de clientela, como já foi doutamente evidenciado pela melhor doutrina.[11]

Isto para dizer que a aplicação analógica do regime do prazo de prescrição do direito de clientela ao contrato de mediação de seguros do regime de cessação do contrato de agência, pode e deve ser admitida sem qualquer problema, nos casos em que tal analogia se verifique e justifique.

Não propriamente porque pode ser tomada como regra, ou como resultado de uma qualquer tradição (formulada em termos puramente abstractos e genéricos, e sem devida fundamentação), mas antes porque após uma prévia e rigorosa ponderação da sua adequação ao contrato em apreço – nos termos em que o mesmo tenha sido concretamente delimitado e regulado pelas partes – é esse o resultado a que se chega.[12]

Senão vejamos.

Com efeito, o recurso à analogia surge nos nos 1 e 2 do art.10.º do Código Civil como meio adequado de preenchimento de lacunas “sempre que no caso omisso procedam as mesmas razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei” (sic).

Trata-se, no fundo, de uma emanação do princípio da igualdade, alma mater da generalidade dos sistemas jurídicos constitucionais, em conformidade com o velho brocardo latino ubi eadem ratio legis, ubi eadem eius dispositio: por isso mesmo se tem entendido que a analogia não corresponde a um processo de criação de direito novo, mas sim a um processo de descoberta de direito não contido directamente na lei para determinados casos mas imanente ao sistema jurídico, o qual se justifica fundamentalmente por razões de coerência normativa, de justiça relativa e até de certeza jurídica.[13]

Não obstante, importa não esquecer que o princípio da igualdade não se limita a prescrever a paridade entre todas as situações hipoteticamente concebíveis, impondo mesmo, ao invés, em certos casos, o tratamento como desigual do que é desigual.[14]

Donde, o problema reside em identificar a parcela dessa (des)igualdade de que a analogia se pode (e deve) ocupar, impondo-se, para o efeito, não apenas uma simples semelhança formal ou estrutural entre o caso regulado e o caso omisso, mas uma semelhança visceral no que toca às características que justificam a solução prescrita pela lei quanto ao caso regulado — i.e., no que toca à sua ratio legis.

A este propósito já foi doutamente alertado[15] para o risco de os intérpretes caírem numa “indução precipitada ou incompleta”, quando “tendo apurado que um ou vários preceitos legais convém do mesmo modo, no indicado plano valorativo, a outros para além daqueles a que se referem, induzem daí um princípio mais extenso, que aplicam depois a todas as hipóteses omissas nele incluídas, vendo em tal princípio o fundamento ou pressuposto daquela ou daquelas disposições legais; e isto sem terem o cuidado de examinar, nem antes de induzirem o princípio, nem no momento da sua aplicação, para todos e cada um desses casos omissos, e não só para alguns, se ele é tão justificável como nas espécies visadas na lei (sublinhado nosso).

Ora, dito isto, importa ter igualmente presente que “a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. Se o credor ou o titular do direito, deixar de o exercer durante certo tempo, fixado na lei, o devedor, ou a pessoa vinculada, pode recusar o cumprimento, invocando a prescrição.[16]

Isto é, a prescrição resulta da desvaloração da inércia do titular no exercício do direito, em atenção a que se fosse permitido ao titular do direito vir exercê-lo sem limite de tempo, criar-se-ia uma enorme insegurança no comércio jurídico.

O que igualmente ocorreria caso fosse aplicável o prazo ordinário de prescrição, de 20 (vinte) anos (cf. art. 309º do C.Civil)…

E nem se argumente que esse dito regime do prazo de prescrição do exercício do direito de indemnização de clientela corresponde a “normas excecionais”, as quais, consabidamente, por natureza e imperativo legal não comportam aplicação analógica (cf. art. 11º do mesmo C.Civil).

É certo que a indemnização de clientela corresponde a uma figura singular no nosso ordenamento jurídico, não se conhecendo qualquer outra situação em que a lei atribua a uma das partes, após a cessação do contrato, o direito a uma compensação pela actividade desenvolvida na pendência do mesmo, independentemente da existência (e da prova) de quaisquer danos.

Sucede que entre nós, essa questão – a de saber se, neste caso, estaremos perante normas de carácter excecional – tem sido respondida negativamente[17], por se entender que a natureza jurídica da indemnização de clientela será mais próxima do instituto residual do enriquecimento sem causa do que da responsabilidade civil.[18]

Não vemos assim como dissentir da conclusão de que nas matérias omissas – como é o caso do prazo de prescrição para o exercício do direito de indemnização de clientela em caso de cessação do contrato – , o regime jurídico do contrato de mediação de seguros, por analogia, extrai-se do regime do contrato de agência, por ser o contrato típico que apresenta afinidades com aquele, isto nos termos do disposto no art. 10º, do Código Civil.

O que tem plena e particular aplicação quanto a este aspeto do prazo de prescrição para o exercício do direito de indemnização de clientela, numa situação como a ajuizada, em que as partes até tiveram o cuidado de contratualmente estabelecerem cláusulas várias de regulação desse direito, mormente sobre as condições/requisitos da sua existência.

Ora se assim é, não seria seguramente defensável que o exercício do direito na circunstância pudesse ser exercido sem qualquer limite temporal, antes o estabelecimento do prazo de 1 (um) ano se afigura perfeitamente adequado e equilibrado, pois que, no particular caso ajuizado, analisadas as relações contratualmente acordadas entre as partes, pode-se concluir que as mesmas reclamam regulação idêntica à conferida pelo legislador aos contratos de agência.

Isto atenta a razão de ser que levou ao estabelecimento de prazos de exercício curtos neste tipo de contratos (de agência), verificando-se então um parentesco funcional capaz de justificar a projeção extra muros do regime deste último, a saber, ao concreto contrato de mediação de seguros ajuizado.

Acrescendo que essa ausência de regulação se deve considerar injustificada de lege lata.

Sendo certo que em termos do regime jurídico do contrato de agência, dispõe o art. 33º, nº 4, do correspondente e já citado DL nº 178/86, de 3 de Julho, que se extingue o direito à indemnização [de clientela] se o agente ou os seus herdeiros não comunicarem ao principal, no prazo de um ano a contar da cessação do contrato, que pretendem recebê-la, devendo a ação judicial ser proposta dentro do ano subsequente a esta comunicação.

O que tudo serve para dizer que julgou com acerto o Tribunal a quo, quando, nos termos supra transcritos, deu procedência à exceção perentória de prescrição deduzida pela Ré ora recorrida, nos termos em que o fez.

Em contraste com o vindo de dizer, não nos merece de todo acolhimento o aduzido pelos AA./recorrentes no sentido de que, em contraposição, devia ser aplicado o disposto no art. 498º nº 1 do Cód. Civil (que prevê o prazo de prescrição de 3 anos), ou o regime especial constante do art. 121º da Lei do Contrato de Seguro (que prevê o prazo de prescrição de 5 anos).

Termos em que improcede esta questão recursória deduzida pelos AA./recorrentes.

                                                           *

5.2 – A finalizar, importa entrar na apreciação da questão igualmente supra enunciada, esta igualmente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, a do desacerto da decisão, pois que a acção devia ter sido julgada procedente e a Ré condenada no pedido (aspeto do abuso do direito no pedido de indemnização formulado pelos AA.).

Neste particular queremos começar por sublinhar que a decisão da questão antecedente, tal como enunciada, dispensava sem mais a apreciação desta ultima questão.

Pelo que a sua apreciação serve apenas como reforço dessa linha decisória, sendo certo que vamos proceder a ela com o sintetismo e linearidade que, em nosso entender, ela justifica e reclama.

Temos desde logo que, nos termos da cláusula 10ª, nº3 do contrato celebrado entre as partes, “Não é devida a indemnização de clientela quando: a) o contrato tenha sido resolvido por iniciativa do segundo outorgante sem justa causa (…)(cf. ponto provado sob “10.”).

Ora, parece-nos insofismável no caso vertente, atenta a factualidade efectivamente provada, que tendo sido o contrato denunciado por iniciativa da aqui 1ª A., em tal representada pelo 2º A., não lhe assistia qualquer “justa causa” para tanto.

Pois que, o que foi oportunamente invocado no e.mail enviado para o efeito, a saber, “Este pedido de denúncia prende-se essencialmente por questões contabilísticas, cessação atividade da minha esposa como mediadora seguros e inclusão na carteira seguros da mesma na L (…) Unip. Lda.” (cf. ponto provado sob “16.”), não o constituía seguramente.

Mas ainda que se entenda que o termo “resolvido” empregue na dita cláusula 10ª do contrato está empregue no seu sentido jurídico estrito, não sendo equiparável a “rescindido” (não obstante o que em sentido contrário se extrai do ponto provado sob “9.”, subalínea “3.”), donde não ser aplicável a um caso de “denúncia” como o ocorrido “in casu”, ainda assim não assiste razão aos AA./apelantes.

É que, em nosso entender, sempre resultaria da matéria provada que se novo contrato de mediação não chegou a produzir efeitos ou nem sequer foi celebrado, tal ocorreu por culpa exclusiva dos AA., pelo que não pode qualquer responsabilidade ser assacada à Ré ora recorrida.

Atente-se que foi perspectivado por ambas as partes a continuidade da relação comercial de ambas, não obstante a “denúncia” apresentada pela aqui 1ª A., o que iria ter lugar por via da celebração de um novo contrato, com a cláusula de “não exclusividade” (cf. pontos “provados” sob  “15.” a “17.”).

Sucede que o que resulta da matéria apurada é que tendo a Ré enviado oportunamente uma missiva à 1ª A., por carta registada, contendo um exemplar do novo contrato a ser assinado, os AA. não cuidaram do seu recebimento/levantamento (cf. pontos “provados” sob  “19.” e “20.”).

Acrescendo que resulta igualmente apurado que “os autores nunca se dirigiram a uma qualquer delegação da ré com o objetivo de assinar um contrato de mediação de seguros, sem regime de exclusividade” (cf. ponto provado sob “22.”).

Desta conjugação de factos, retira-se em nosso entender a conclusão insofismável de que virem os AA. reclamar uma indemnização de clientela configura uma sua atuação em abuso do direito, isto com suporte na categoria dogmática do “tu quoque”, epifenómeno do exercício inadmissível de posições jurídicas (no contexto das exigências da boa fé contratual[19]).

De facto, quem comete violações – não acedendo ou diligenciando pela celebração do novo contrato que as partes tinham acordado celebrar na sequência – não pode actuar como se tivesse tido um comportamento leal no contexto das relações entre as partes …

Note-se que constitui abuso do direito, sob esta veste do “tu quoque”, “a invocação ou o aproveitamento de um acto ilícito por parte de quem o cometeu”.[20]

Sendo certo que o “acto ilícito” na circunstância foi precisamente a extinção da relação contratual de forma inesperada e imprevista para a aqui Ré/recorrida, violando mesmo o com esta acordado. 

Neste conspecto, tutelar tal pretensão das aqui AA./recorrentes, seria dar acolhimento à actuação duma sua posição jurídica indevidamente obtida!

Tal linha de entendimento corresponde, no fundo, à tutela que importa dar à boa fé como regra de conduta, o que tem plena aplicação nos casos de “actuação de posições jurídicas indevidamente obtidas”, a saber, impõe-se que “a pessoa que, mesmo fora do caso nuclearmente exemplar do sinalagma, desequilibre, num momento prévio, a regulação material instituída, expressa, mas só em parte, no seu direito subjectivo, não pode, depois, pretender, como se nada houvesse ocorrido, exercer a posição que a ordem jurídica lhe conferiu.[21]).

O que tudo serve para dizer que não se vislumbra tutela jurídica para a pretensão dos AA./recorrentes, sob qualquer enquadramento jurídico que se opere.

Termos em que, também por aqui, sempre improcederia o recurso pelos mesmos interposto.

                                                           *

6 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – O contrato de mediação de seguros é um contrato típico, encontrando-se actualmente regulado pelo DL 144/2006, de 31.07 (sendo a sua actual redacção decorrente da alteração introduzida pela Lei nº 46/2011 de 24.06).

II – O regime legal aplicável a esse contrato é ainda o que resultar das cláusulas contratuais  acordadas expressamente entre as partes e, subsidiariamente, dos princípios e regras gerais dos contratos, sendo que, na medida em que a subespécie dos contratos de mediação de seguros, tal como a dos contratos de agência, integra a categoria dos denominados “contratos de distribuição”, deve funcionar o regime jurídico do contrato de agência, previsto no DL 178/86 de 03.07, como regime modelo, por aplicação analógica (artigo 10º do Código Civil).

III – Na verdade, nas matérias omissas – como é o caso do prazo de prescrição para o exercício do direito de indemnização de clientela em caso de cessação do contrato – , o regime jurídico do contrato de mediação de seguros, por analogia, extrai-se do regime do contrato de agência, por ser o contrato típico que apresenta afinidades com aquele.

IV – Quem comete violações, não pode actuar como se tivesse tido um comportamento leal ao contrato, sobretudo quando, num momento prévio, desequilibrou a regulação material das obrigações da contra-parte (entendimento a sufragar, com suporte na categoria dogmática do “tu quoque”, epifenómeno do exercício inadmissível de posições jurídicas, no contexto das exigências da boa fé contratual).

                                                                       *

7 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final julgar totalmente improcedente a apelação.

            Custas em ambas as instâncias a cargo dos AA./recorrentes.

                                                                       *

Coimbra, 15 de Dezembro de 2016

 Luís Filipe Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro

António Carvalho Martins)


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins

[2] cfr. o acórdão do T. Rel. Coimbra, de 08/11/2011, no Proc. nº 39/10.8TBMDA.C1, consultável em www.dgsi.pt/jtrc.
[3] Sendo certo que resulta manifestamente ter sido grafado erradamente “provados” com referência a este segundo elenco de factos.
[4] Citámos LEBRE DE FREITAS / MONTALVÃO MACHADO / RUI PINTO, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, a págs. 680.
[5] Cf., inter alia, os acórdãos do S.T.J. de 26.04.84 (no BMJ 336, a págs. 406), de 27.01.93 (no BMJ 423, a págs. 444) e de 07.07.94 (no BMJ 439, a págs. 299).
[6] Assim JOSÉ LEBRE DE FREITAS in “A Acção Declarativa Comum”, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, a págs. 299.
[7] Citámos A. ABRANTES GERALDES, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Livª Almedina, 2013, Coimbra, na nota [326], a págs. 248.
[8] Com alterações posteriores, tomando-se aqui em consideração a redacção consolidada e vigente desde 29.06.2011, na sequência da alteração introduzida pela Lei nº 46/2011 de 24.06.
[9] Neste sentido, vide o acórdão do T. Rel. de Lisboa de 13-03-2014, no proc. nº 645/09.3TBMDL.L1-6, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[10] Nesse sentido, como expressão duma jurisprudência alargada veja-se o acórdão do S.T.J. de 18-06-2014, no proc. nº 2709/08.1TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[11] Assim por ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, in “Contrato de Agência”, Livª Almedina, 2010.7ª ed.actualizada, a págs. 153-154, no ponto “10.” da anotação ao art. 33º de tal diploma, quando se pronuncia sobre o dito DL nº 144/2006 ter solucionado a questão que vinha sendo debatida no direito comparado sobre a atribuição desse direito (de indemnização de clientela) ao mediador de seguros ligado e ao agente de seguros, o que fez com manifesta influência do regime previsto no contrato de agência (DL nº 178/86, de 3 de Julho), mas criticando a forma como o fez, e aventando que melhor teria sido a remissão direta para este último diploma.   
[12] Neste sentido, também, o acórdão do T. Rel. de Lisboa de 02/02/2006, no proc. n.º 9219/2004-6, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[13] Cf. JOÃO BAPTISTA MACHADO, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Coimbra, Livª Almedina, 1991, a págs. 202 e 331.
[14] Cf. JORGE MIRANDA, in “Manual de Direito Constitucional, tomo iv, “direitos fundamentais”, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, a págs. 239 e 240.
[15] Isso quase em tom de prenúncio, por MANUEL DE ANDRADE, in “Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 2.ª edição, Coimbra, Arménio Amado, editor, sucessor, 1963, a  págs. 81.
[16] Citámos PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, in “teoria Geral do Direito Civil”, 2008, 5ª ed., Livª Almedina, a págs. 380.
[17] Neste sentido, veja-se RUI PINTO DUARTE, in “Tipicidade e Atipicidade dos Contratos”, Coimbra, Almedina, 2000, a págs. 193 e 194 e “A jurisprudência portuguesa sobre a aplicação da indemnização de clientela ao contrato de concessão comercial — Algumas observações”, Themis, n.º 3 (2001), a págs. 319.
[18] Desde logo porque, pese embora o seu nome, a indemnização de clientela não visa propriamente o ressarcimento de quaisquer danos (cuja prova não se exige mas que, muitas vezes, se verificam, na vertente de lucros cessantes), mas sim a atribuição ao agente de uma compensação pela actividade de promoção e angariação de clientela desenvolvida pelo mesmo, ao longo da pendência do contrato.
[19] Cf., desenvolvidamente sobre esta temática, MENEZES CORDEIRO, in “Da Boa Fé no Direito Civil”, Colecção Teses, Livª Almedina, 2007, págs. 837-852.
[20] Assim o já antes referido PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, in obra e local citado na nota [17] supra, ora a págs. 275.
[21] Citámos o já antes referido A. MENEZES CORDEIRO, in obra e local referenciados na nota anterior, a págs. 851, no capítulo em que aprofunda a temática do “abuso do direito”, com expressão naquela figura típica que a doutrina tem designado por “tu quoque”!