Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA EXECUÇÃO VENDA PAGAMENTO MASSA INSOLVENTE | ||
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Data do Acordão: | 05/05/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.36, 46, 88, 149 CIRE | ||
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Sumário: | Vendido, em acção executiva, um imóvel de uma sociedade executada que posteriormente à venda veio a ser declarada em insolvência, só deve ser apreendido para a massa insolvente o produto da referida venda desde que aquele produto ainda não haja sido pago aos credores exequentes e/ou aos credores preferentes reconhecidos e graduados na execução, em obediência ao previsto no art. 149º, nº 2, do CIRE. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Proc.4440/14.0T8VIS-G
I – Relatório
1. C (…), C.R.L., com sede em (...) , intentou acção executiva para pagamento de quantia certa, contra E (…), SA, com sede em (...) . Na prossecução dos autos, foi efectuada em 24.10.2018 venda executiva de imóvel da executada, tendo a adquirente D (…) pago, no dia seguinte, a totalidade do valor de 111.000 €. O título de transmissão foi passado a 26.10.2018 e a compradora efectuou registo predial da aquisição do seu direito de propriedade nesse mesmo dia. Em 17.12.2018 foi decretada a insolvência da executada e anunciada em 18.12.2018. O agente de execução, em 11.1.2019, procedeu aos pagamentos nos termos da sentença de graduação de créditos (em 1º lugar o crédito da Fazenda Pública de IMI reclamado pelo Ministério Público, e em 2º lugar o crédito exequendo). O administrador da insolvência, em 23.1.2019, requereu à execução a transferência do produto da venda para a massa insolvente. * Em seguida, foi proferido despacho que: - determinou a suspensão da execução; - declarou a invalidade do acto de pagamento efetuado pelo AE e ordenou que o produto da venda seja entregue à insolvência. * 2. A exequente interpôs recurso, tendo concluído que: 3. S (…)Inc, credora reclamante, contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
II – Factos Provados
Os factos provados são os que decorrem do relatório supra.
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas. Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte. - Não entrega à massa insolvente do produto da venda.
2. Como se acabou de enunciar o thema decidendum do recurso é saber se o produto da venda deve ou não ser entregue à massa insolvente. A recorrente ao impugnar o decidido, impugnou implicitamente a suposta invalidade do acto de pagamento efetuado pelo Ag. Execução, porque a ordem judicial que o produto da venda seja entregue à insolvência é uma simples consequência que pressupõe tal invalidade. Assim, o recurso não é inútil ao contrário do que defende a recorrida nas suas conclusões de recurso, sob II) e IV). Prosseguindo. No despacho recorrido escreveu-se que: “Decorre dos presentes autos que a sociedade executada foi declarada insolvente em 18.12.2018 (fls. 120 verso e 121). Por outro lado, verifica-se que, não obstante tal declaração, o Senhor A.E., após a venda do imóvel, procedeu aos pagamentos nos termos da sentença de graduação de créditos, em 11.01.2019 (fls. 112 verso a 120). Nos termos do artigo 88.º, n.º1, do C.I.R.E.: “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes”. Na verdade, destinando-se a liquidação do activo, no processo de insolvência, à satisfação dos créditos reclamados e verificados, a prévia suspensão das execuções pendentes contra o insolvente revela-se um meio eficaz para assegurar que os credores concorram em condições de igualdade a este pagamento, fazendo jus ao princípio par conditio creditorum. Assim, suspensão das execuções pendentes constitui um efeito necessário da declaração da insolvência e não um efeito possível. Por isso, as consequências previstas no supra transcrito preceito legal, resultantes da declaração da insolvência, são automáticas e oficiosamente decretadas. No caso dos presentes autos, aquando da declaração de insolvência – devidamente anunciada em 18.12.2018, como resulta de fls. 120 verso e 121 – deveria a presente execução ter sido suspensa, nos termos do artigo 88.º, n.º 1, do C.I.R.E., altura em que ainda não tinha o Senhor A.E procedido aos pagamentos efectuados nos autos.”. A tese do despacho recorrido é aparentemente linear e acertada. Mas não pode ser acolhida, pois desconsidera texto legal relevante e decisivo. Expliquemos. Com a declaração de falência decreta-se a apreensão, para entrega imediata ao administrador da insolvência, de todos os bens do devedor insolvente (art. 36º, nº 1, g), e 149º, nº 1, do CIRE). Sendo que o poder de apreensão resulta da declaração de falência, devendo para tanto o administrador da insolvência diligenciar no sentido dos bens lhe serem entregues (art. 150º, nº 1, do mesmo diploma). Por outro lado, sabemos que a massa insolvente abrange todo o património do devedor â data da declaração de insolvência (art. 46º, nº 1, do referido código). Quer isto dizer, no nosso caso, que à data da falência – ocorrida em 17.12.2018, e anunciada em 18.12.2018 – o produto da venda executiva (efectuada em 24.10.2018) de imóvel da executada, agora insolvente, no valor de 111.000 €, integrava naturalmente a massa insolvente. Note-se que este produto da venda executiva tanto pode existir por resultar de venda ocorrida antes da declaração da insolvência, como pode existir por decorrer de venda executiva realizada depois da declaração de insolvência mas antes do administrador concretizar a sua efectiva apreensão (neste último caso pense-se por ex. na hipótese da insolvência ser decretada ao meio-dia e a venda ser efectuada às 14h, com depósito do preço no dia seguinte, antes de qualquer apreensão pelo dito administrador). Ora, existindo produto da venda, o mesmo deve ser, em princípio, apreendido para a massa insolvente (art. 149º, nº 2, 1ª parte do mencionado CIRE). Tal só não acontecerá se o produto da venda já tenha sido pago aos credores da execução, como se dispõe na 2ª parte de tal número e preceito. No caso em apreço à data da declaração da insolvência existia produto da venda, pelo que, em princípio, o mesmo devia ser apreendido para a massa insolvente. Acontece que o Ag. Ex. pagou aos credores graduados na execução em 11.1.2019, é certo que depois da data da declaração da insolvência, mas antes de qualquer apreensão por parte do administrador da insolvência. Que aliás só em 23.1.2019 requereu à execução a transferência do produto da venda para a massa insolvente. Contudo nessa data já os indicados pagamentos tinham sido feitos aos credores da execução. Desta sorte, o produto da venda não pode ser entregue à massa insolvente, face ao apontado texto legal. É também esta a posição jurídica que é defendida no Ac. do STJ de 20.5.2014, Proc.3055/11.9TBBCL-N, disponível ewww.dgsi.pt, assim sumariado: “Vendidos, em acção executiva, bens de uma sociedade executada que posteriormente à venda veio a ser declarada em insolvência, deve ser apreendido para a massa insolvente o produto da referida venda desde que aquele produto ainda não haja sido pago aos credores exequentes e/ou aos credores preferentes reconhecidos e graduados na execução, nem haja esse produto sido repartido entre eles, em obediência ao previsto no art. 149º, nº 2 do CIRE.”. E no Ac. Rel. Coimbra de 17.3.2015, Proc.1365/11.4TBCBR-A, disponível no mesmo sítio, assim sumariado: “1. Declarada a insolvência do executado, o dinheiro que porventura se ache depositado em execução contra este movida, constituindo produto de penhora aí efectuada ou da venda de bens aí penhorados, é pertença da massa insolvente e para ela deve ser apreendido. 2. Apenas obsta à integração desse bem na dita massa insolvente a circunstância de já ter ocorrido pagamento do exequente ou dos credores executivos, nos termos dos art.ºs 88, nº 1, e 149, nºs 1 e 2 do CIRE.”. E, ainda, no Ac. Rel. Porto, de 23.6.2015, Proc.5109/12.5TBVNG-F, mencionado pela recorrente nas suas alegações de recurso, no mesmo sítio, assim sumariado: “I - Após a sentença de declaração de insolvência, fica o administrador respectivo legitimado para apreender todo o património do insolvente, incluindo bens ou dinheiro que estejam penhorados numa execução. No caso de quantias em dinheiro, deve diligenciar para que estas sejam depositadas à sua ordem, o que implica a interpelação de quem delas seja depositário, para esse efeito (cfr. art. 150º, nº 4, al. a) e nº 6 do CIRE). II - Já não serão apreendidas as quantias que, obtidas em precedente execução, tenham sido transferidas para o credor exequente antes de empreendida a sua apreensão pelo administrador da insolvência, no regular curso do processo executivo, porquanto, ingressando na esfera jurídica do exequente, lhe passam a pertencer. “. E, também, no Ac. da Rel. Lisboa, de 21.6.2018, Proc.51715.0T8MFR (referido pela recorrente nas suas alegações, mas com data errada), no mesmo sítio, assim sumariado: “4.1. - Após a sentença de declaração de insolvência, incumbe ao administrador respectivo o dever de diligenciar pela apreensão dos bens susceptíveis de integrar a massa insolvente e destinados à satisfação dos credores da insolvência e pagamento das dívidas da própria massa insolvente, devendo designadamente providenciar para que montantes [v.g. decorrentes de penhoras de salários do executado/insolvente] que se encontrem depositados em execuções passem a estar à sua ordem exclusiva , o que implica a interpelação de quem delas seja depositário, para esse efeito (cfr. art. 150º, nº 4, al. a) e nº 6 do CIRE). 4.2. - Porém, já os montantes que resultem das penhoras indicadas em 4.1. e que, aquando da solicitada apreensão pelo administrador da insolvência, haviam já sido entregues - em sede de acção executiva e já depois da declaração de insolvência do executado - ao exequente em sede de pagamento da quantia exequenda, porque ingressaram já na esfera jurídica do exequente, passando a pertencer-lhe, escapam já ao poder de apreensão do administrador da insolvência. Adversamente a recorrida cita em abono da sua tese o Ac. do STJ de 19.6.2018, Proc.5664/14.5T8ENT-A, ainda no mesmo sítio, com o seguinte sumário: “I - Na venda em execução, o efeito translativo do direito de propriedade só ocorre com a emissão pelo agente de execução do documento de transmissão do imóvel (art. 827.º, n.º 1, do CPC). II - Com a declaração de insolvência, suspendem-se, necessariamente, as execuções pendentes (art. 88.º, n.º 1, do CIRE). III - Se, não obstante a declaração de insolvência, devidamente anunciada, a execução prossegue, deve declarar-se oficiosamente a nulidade dos actos praticados após aquela declaração, onde se inclui o título de transmissão do bem imóvel, entretanto emitido pelo agente de execução.”. Todavia, como resulta logo do sumário e mais claramente emerge do teor de tal aresto, o mesmo não aborda a situação em análise nos nossos autos, pois não trata da situação de pagamento prevista no aludido art. 149º, nº 2, que nem sequer é invocado, mas sim da situação bem diferente de um imóvel ter sido transmitido ao adquirente no âmbito de uma execução após a declaração de insolvência. Tendo em conta o explanado, importa dar deferimento à pretensão recursiva. 3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): i) Vendido, em acção executiva, um imóvel de uma sociedade executada que posteriormente à venda veio a ser declarada em insolvência, só deve ser apreendido para a massa insolvente o produto da referida venda desde que aquele produto ainda não haja sido pago aos credores exequentes e/ou aos credores preferentes reconhecidos e graduados na execução, em obediência ao previsto no art. 149º, nº 2, do CIRE.
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão recorrida na parte que declarou a invalidade do acto de pagamento efetuado pelo AE e ordenou que o produto da venda seja entregue à insolvência. * Custas pela recorrida S (…) * Coimbra, 5.5.2020
Moreira do Carmo ( Relator ) Fonte Ramos Alberto Ruço
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