Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1127/07.3TCSNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
DIREITO A REPARAÇÃO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 02/01/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA – ANADIA – GRANDE INSTÂNCIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 879.º B); 913.º; 914.º, N.º 1; 917.º DO CC
Sumário: 1. A expressão “acção”, no rigor técnico jurídico do legislador de 1966, está utilizada e pensada apenas em relação ao direito anulatório, único direito literal e expressamente referido e previsto no art. 917.º do C. Civil; os demais direitos (reparação, substituição, redução, resolução, indemnização) não constam do conteúdo expresso e literal do art. 917.º do C. Civil; foram e são incluídos na previsão do art. 917.º do C. Civil por interpretação extensiva.

2. A oposição de decisões que deu azo a que se “tirasse” o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/97 cingia-se à questão de saber se ao direito à reparação dos defeitos de coisa defeituosa se aplicava o prazo do art. 917.º do C. Civil ou os “princípios gerais”.

3. A ratio interpretativa do art. 917.º sugere que a exigência duma acção só pode/deve ser colocada em relação ao direito anulatório stricto sensu .

4. Quanto aos demais direitos – à reparação/eliminação dos defeitos, à substituição, ou às declarações de redução de preço e de resolução – podem, desde que dentro de tal prazo de 6 meses e respeitados os demais prazos do art. 916.º do C. Civil, ser exercidos extrajudicialmente.

5. Em consequência – não lhes sendo aplicável a exigência da propositura duma acção – podem tais demais direitos ser exercidos extrajudicialmente; e, por este modo oportunamente exercidos, a sua posterior (em relação ao anterior exercício extrajudicial) invocação, em acção judicial, por via de acção, reconvenção ou excepção, já não estará sujeita a qualquer prazo de caducidade, ficando apenas sujeitos, a partir do seu exercício extrajudicial, ao prazo de prescrição geral.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... Lda, com sede na ..., intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra B... e esposa C..., residentes em ..., contra D... e esposa E..., residentes em ..., e contra F..., residente em ..., pedindo que estes sejam condenados “ (…) a proceder à reparação dos danos referidos ou no pagamento do valor necessário à execução das obras necessárias e ainda no pagamento de uma importância, não inferior a 2.500 € mensais, desde a ocorrência das inundações, substitutiva do rendimento da fracção (…) e bem assim dos juros moratórios legais até efectivo cumprimento”.

Alegou para tal, muito em síntese, ter adquirido, em 14/04/2004, à G..., Lda, de que os RR. eram os únicos sócios e entretanto dissolvida e liquidada, a fracção G (dum prédio constituído em propriedade horizontal, que identificam, que a G... também construiu) que veio a apresentar defeitos – infiltrações ao nível do telhado e fissuração nas paredes, causadores de inundações e estragos na fracção da A. – que oportunamente denunciaram e cuja reparação a G... foi protelando e não efectuou.

Os RR. contestaram, articulado em que, além de impugnarem os factos/defeitos constantes da PI, invocam a caducidade do direito exercido na acção, uma vez que, segundo dizem, a única comunicação dos eventuais defeitos foi feita em 20/12/2005 (e a acção entrou em 18/06/2007).

A A. respondeu, opondo-se à caducidade, sustentando que os defeitos invocados nesta acção ocorreram já no ano de 2006.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador em que, após se declarar a instância totalmente regular, se conheceu e julgou procedente a excepção de caducidade da acção, com a consequente improcedência da acção e absolvição dos Réus do pedido.

Tendo-se em tal despacho/decisão discorrido nos seguintes termos:

“ (…)

Defendem os Réus a caducidade da acção.

Dizem para tanto, e em síntese que, feita a denúncia dos defeitos, a acção judicial tendo em vista lograr a reparação dos mesmos deve ser intentada no prazo de seis meses, à luz do art. 917° do Código Civil, preceito este que tem por aplicável não só aos casos, nele expressamente referidos, em que é pedida a anulação por erro, mas também, seja por analogia, seja por interpretação extensiva, aos casos em que se pretende a reparação dos defeitos.

Mais referem que a denúncia, nos termos referidos pela própria Autora, teve lugar em 20 de Dezembro de 2005, pelo que o prazo de seis meses para propor a acção expirou em 20 de Junho de 2006; e mesmo que se considerasse que o prazo era de um ano, teria este também já expirado, desta feita no dia 20 de Dezembro de 2006, em qualquer caso antes da instauração da acção, verificada em 18 de Junho de 2007.

Em sede de réplica a Autora pugna pela improcedência da excepção, defendendo que os defeitos em apreço ocorreram durante o ano de 2006, não estando em causa os comunicados em 2005.

Cumpre apreciar.

A acção destinada a exigir do vendedor a reparação de defeitos num imóvel estava efectivamente sujeita ao prazo de caducidade previsto pelo art. 917° do Código Civil, o que significa que feita a denúncia, dispunha o comprador do prazo de seis meses para instaurar a acção competente (Acórdão do Plenário das Secções Cíveis do STJ n° 2/97. publicado in DR 1-A, de 30.01.1997).

E dizemos estava, uma vez que no dia 1 de Janeiro de 1995 entrou em vigor o D.L. n° 267/94, de 25.10, que veio estabelecer, entre o mais, uma nova redacção para o art. 1225° do Código Civil, norma esta da qual ressalta então, para o que ora releva, o seguinte: (a) a denúncia dos defeitos deve ser feita no prazo de um ano, (b) a acção tendente à reparação de defeitos deve ser proposta no ano seguinte à denúncia, e (c) este regime é aplicável ao vendedor do imóvel que o tenha construído (n°s 2 a 4). In casu, a Autora refere que a vendedora G..., Lda. assumiu-se como empreiteira e dona da obra, no que não foi contrariada pelos Contestantes (art. 3° da petição inicial e 19° das Contestações).

Estamos em crer que terá havido aqui uma imprecisa formulação dos termos na alusão à empreitada, dado que o que terá decerto pretendido significar-se foi que a ‘ G...” interveio simultaneamente como vendedora e como construtora do imóvel. E sendo assim, há que dar aplicação ao preceituado pelo art. 1225°, na nova formulação derivada do diploma supra mencionado.

Temos então que a Autora dispunha de um ano para denunciar os defeitos – prazo este cuja observância não está em causa – e, feita a denúncia, dispunha de um ano para instaurar a acção, sendo este o prazo que importa ver se foi excedido.

Vejamos.

O que a Autora diz na petição inicial, que ora releva, é o seguinte: (a) adquiriu o imóvel em 14 de Abril de 2004 (art. 2°), (b) em 20 de Dezembro de 2005 foram descritas e transmitidas aos representantes da Ré em obra e à Ré, todas as anomalias (art. 6°), (c) durante o ano de 2006 ocorreram diversas chuvadas fortes que agravaram ainda mais as patologias que eram já visíveis em Janeiro de 2005 (arts. 9° e 10°).

Daqui ressalta que os defeitos de construção a que a Autora se refere eram já conhecidos em 2005 e foram denunciados à Ré em 20 de Dezembro de 2005 e que o que sucedeu entretanto, no dizer da própria, foi um agravamento dos mesmos em resultado de chuvas fortes havidas em 2006.

É pois legítimo pensar que, ao contrário do que a Autora esforçadamente refere na Réplica, não há defeitos novos a considerar: o que há, note-se, em termos de alegação, é novos sintomas dos defeitos já conhecidos, ou um agravamento dos sintomas de tais defeitos, o que em via de princípio nos leva a ponderar seriamente a efectiva caducidade da acção, dado que, tendo esta sido instaurada em 18 de Junho de 2007, então já havia decorrido o prazo de um ano a contar da assinalada denúncia, de 20 de Dezembro de 2005.

Assim é que a presente acção deveria ter sido instaurada até ao dia 20 de Dezembro de 2006.

Não tendo tal ocorrido, há que julgar verificada a caducidade da acção.

(…)”

Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue improcedente a excepção de caducidade; terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“ (…)

1. Andou mal a douta sentença ao decidir como o fez.

2. Não deve, pois, decidir-se, pela sentença recorrida, procedente a excepção de caducidade da acção, com a seguinte sustentação “(...) não há defeitos novos a considerar: o que há, note-se, em termos de alegação, é novos sintomas dos defeitos já conhecidos, ou um agravamento dos sintomas de tais defeitos, o que em via de princípio nos leva a ponderar seriamente a efectiva caducidade da acção, dado que, tendo esta sido instaurada em 18 de Junho de 2007, então já havia decorrido o prazo de um ano a contar da assinalada denúncia, de 20 de Dezembro de 2005 (...).“

3. Ora vejamos,

4. O regime aplicável à venda de imóvel com defeitos, sendo o vendedor simultaneamente o construtor desse imóvel, encontra-se previsto no art. 1225° do Código Civil, nos termos do n.° 4 do mesmo artigo.

5. Para que se possa efectivar, judicialmente, o direito à reparação de coisa defeituosa, os seus vícios terão de ser previamente denunciados, no prazo de um ano, depois de conhecidos pela compradora, nos termos dos art. 1225°, n.° 2, do Código Civil.

6. Deste modo, o referido direito à reparação/eliminação dos defeitos e/ou o direito a ser indemnizado, previsto no art.° 1225°, n.° 3 e n.° 2, in fine, respectivamente, do Código Civil, deverão ser exercidos no ano seguinte ao da denúncia.

7. Contudo, as normas jurídicas supra mencionadas que fundamentam juridicamente a decisão a quo, pela expiração do prazo que fixam, deveriam ter diferente interpretação e aplicação.

8. Ao requerer a produção de prova pericial antecipada, a A./Apelante visava garantir a efectivação do seu direito, em relação a todos os defeitos que, à data, viciavam a sua propriedade.

9. Face à natureza dos vícios de construção, mormente pelo carácter insidioso dos defeitos de isolamento a águas pluviais.

10. E, não tendo os RR./Apelados assumido o compromisso de que iriam resolver os defeitos comunicados a 20 de Dezembro de 2005 e constatados pelos RR., em Fevereiro de 2006 quando se deslocaram à obra.

11. A A/Apelante, aquando da propositura da acção, requereu de imediato um exame pericial que descortinasse, com precisão, os defeitos da obra.

12. Ora a A./Apelante, não poderia ter comunicado aos RR./Apelados, no prazo legalmente fixado, todos os defeitos concretos existentes na sua fracção, antes de tomar conhecimento do conteúdo da perícia, que mais não é do que “(...) um estudo para confirmar ou infirmar a existência dos defeitos e determinaras suas causas, claro está que, sem o estudo concluído e sem a definição exacta da posição dos contraentes face aos resultados obtidos, nenhum sentido faz aludir à caducidade; se esta, por assim dizer, é o morrer de um direito em consequência do esgotamento de um prazo.”

13. Pois que, o tribunal a quo, erradamente, decidiu pela improcedência da acção, na medida em que ignorou os defeitos “ocultos”, conhecidos de ambas as parte, na data de notificação do relatório pericial e que fundam a pretensão da A./Apelada de exigir, judicialmente, sua reparação/eliminação.

14. Da perícia foram identificados novos vícios, nomeadamente, as fortes deficiências de isolamento ao nível da cobertura e do terraço a proliferação de inúmeras fissuras resultantes de assentamentos diferenciais de fundações, em especial, na fachada e nas zonas de transição das moradias; o pavimento da sala apresenta um franco estado de deterioração; a deterioração dos materiais de revestimentos nas zonas envolventes e a fractura de algumas pedras dos guarnecimentos de vãos exteriores, pelo depósito de sais.

15. Bem como, todas as novas patologias associadas à falta de reparação atempada dos vícios já denunciados aos RR./Apelados, pois contribuíram para o forte agravamento do estado de deterioração da fracção da A./Apelante.

16. Apesar de se encontrarem associadas a vícios já comunicados, devem estas ser abrangidas pelo direito que legalmente assiste à A./Apelante na medida em que, foram estas novas patologias, identificadas e dadas a conhecer no relatório pericial e não antes, e destas resulta um agravamento desproporcionado do estado da propriedade da A./Apelante, por culpa dos RR./Apelados.

17. Ora, uma vez que não é exigível à A./Apelante que tivesse denunciado os defeitos, em data anterior a Abril de 2010.

18. E, não tendo os RR./Apelados, após a notificação da perícia, demonstrado vontade de proceder à regularização dos vícios, que por culpa sua - falta de rigor técnico - enfermam a obra por si construída.

19. Deve, pelo presente recurso, ser revogada a decisão do tribunal a quo, e ser reconhecido o direito da A./Apelante, à reparação/eliminação dos defeitos descritos supra, que não foram peticionados pela A. mas que constam do relatório pericial requerido, uma vez que, quanto a estes, não findou qualquer prazo, quer quanto à denúncia dos mesmos, quer quanto à propositura de acção judicial para efectivação dos direitos ora invocados.

20. Mais deve a A./Apelante ser indemnizada, a título de lucros cessantes, na medida em que ficou impossibilitada de arrendar ou de vender a fracção de que é proprietária, dado o estado grave de deterioração em que se encontra, sobretudo desde a ocorrência de chuvas intensas, no decurso do ano de 2006, pelo que lhe é devido o pagamento de uma importância, não inferior a 2.500 euros mensais, substitutiva do rendimento da fracção.

21. Bem como, o pagamento da quantia correspondente a todas as despesas suportadas pela Recorrente com o presente processo, nomeadamente, a perícia judicial, custas e demais encargos.

(…)”

Os RR. não apresentaram qualquer contra-alegação.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação

A – Os factos pertinentes constam e estão reproduzidos, todos eles, no relatório inicial.

B – Quanto ao Direito:

Na origem do litígio está um negócio jurídico de compra e venda entre a A/apelante (como compradora) e a G... Lda (como vendedora), firma entretanto dissolvida/liquidada e de que os RR/apelados eram os únicos sócios; tendo por objecto uma fracção habitacional dum prédio constituído em propriedade horizontal.

Nos termos da alínea b) do art. 879.º do CC, a compra e venda tem como efeito essencial a obrigação de entregar a coisa; obrigação esta, a cargo do vendedor, em cuja execução este deve respeitar escrupulosamente o contrato (art. 408.º e 763.º do CC), entregando a coisa prevista no contrato.

O que significa que não cumpre escrupulosamente o contrato, não só aquele que não entrega a coisa, como aquele que entrega coisa diversa da convencionada, como aquele que cumpre imperfeita, inexacta ou defeituosamente a obrigação de entrega.

A tal propósito – do cumprimento imperfeito na compra e venda – dispõe-se no art. 913.º do CC:

1 – Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.

2 – Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.

Assim, na compra e venda – para além da equiparação, em termos de tratamento jurídico, do vício ao defeito e à falta de qualidade – privilegia a lei a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente de que o importante é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera[1].

Numa compra e venda duma fracção habitacional – nova, como resulta do contexto factual – faz parte do “resultado prometido” que a mesma não apresente infiltrações, humidade, inundações; que, é verdadeiramente ocioso referi-lo, constituem “deficiências” que reduzem o seu valor, o mesmo é dizer, constituem vícios/defeitos, de gravidade suficiente a afectar o uso e/ou a coisa (fracção habitacional).

Assim, padecendo a coisa de “defeito”, o comprador goza, é sabido, do direito de reparação ou substituição da coisa, do direito de redução do preço, do direito à indemnização, da excepção do não cumprimento e da resolução nos termos gerais; “colecção” de direitos de exercício complexo, subsidiários e sucessivos nuns casos, cumulativos noutros e alternativos ainda noutros (cfr. art. 914.º, 915.º e 911.º ex vi 913.º do CC).

Isto dito, exposta em síntese a premissa maior em que nos movemos, centremo-nos sobre o direito à reparação da coisa, que é o direito que está na origem e centro do litígio.

Demonstrando-se que a coisa/fracção apresenta “defeitos”, ficam provados todos os factos constitutivos do direito à reparação/eliminação dos defeitos (art. 914.º, n.º 1, do CC). Com efeito, para no âmbito dum contrato de compra e venda se pedir a reparação/eliminação dum defeito, basta provar (art. 342.º, n.º 1, do CC), por um lado, a existência do defeito e, por outro lado, que o mesmo, pela sua gravidade, é de molde a afectar o uso ou a acarretar uma desvalorização da coisa; uma vez que, provado o defeito e a sua gravidade, presume-se – uma vez que é contratual a responsabilidade do vendedor – que o mesmo é imputável ao vendedor (art. 799.º, n.º 1, do CC), isto é, presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao vendedor.

Só deixará de ser assim se ocorrer uma qualquer situação que haja conduzido à extinção do direito – à eliminação dos defeitos – invocado pelo comprador.

É justamente aqui – na caducidade do direito à reparação invocado/exercido pela A/apelante – que se sitia o âmbito/objecto da apelação.

Efectivamente, para haver responsabilidade por cumprimento defeituoso – isto é, para o comprador manter o direito à eliminação dos defeitos – é necessário que seja previamente feita a denúncia do defeito (916º, n.º 1, do C. C.) e tempestivamente exercidos os direitos supra elencados (cfr. 916.º, n.º 2 e 3, e 917.º, ambos do C. C.).

A tal propósito, está hoje largamente sedimentada a ideia do funcionamento articulado, quanto aos direitos do comprador de coisa defeituosa, de 3 prazos de caducidade.

O prazo de denúncia dos defeitos, o prazo para o exercício dos direitos (de eliminação dos defeitos, de redução do preço, de resolução do contrato e de indemnização) e o chamado limite máximo da garantia legal.

Quanto ao 1.º prazo, vale, para o caso, o prazo de 1 ano, quer por força do art. 916.º, n.º 3, 1.ª parte, do C. Civil, quer por força do art. 1225.º, n.º 2 e 4, do C. Civil.

Quanto ao 2º prazo, entende-se que a lei estabelece o prazo de 6 meses, mas a contar da denúncia atempada dos defeitos (art. 917.º do C. C.); embora para o caso valha e seja aplicável o prazo de 1 ano do art. 1225.º, n.º 3, do C. Cicil (ex vi art. 1225.º, n.º 4, do C. Civil).

Quanto ao 3º prazo, vale o prazo de 5 anos (cfr. 916.º, n.º 3, parte final, e 1225.º, n.º 4, ambos do CC) – após a entrega da coisa, independentemente da data do conhecimento dos defeitos e da sua denúncia.

Entendeu o legislador que este último prazo de 5 anos – que configura uma presunção iuris et de iure – de 5 anos é o tempo suficiente para todos os defeitos serem conhecidos, denunciados e exercidos os respectivos direitos.

Continuando a circunscrever o objecto/âmbito da apelação, é no prazo referido em 2.º lugar – no prazo para o exercício dos direitos – que se “joga” o destino dos autos e do recurso.

A respeito deste prazo, mas a propósito da empreitada – em que a lei (1220.º a 1225.º do C. Civil) estabelece um idêntico funcionamento articulado dos mesmíssimos 3 prazos – já se sustentou[2], na esteira do defendido por Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, que “em nenhum lado a lei exige que o acto impeditivo da caducidade deva ser a propositura da acção judicial, nomeadamente o disposto no art. 1224.º do CC”[3].

Se deve ser assim em relação à empreitada, não vislumbramos, com o devido respeito pelas opiniões diversas, razões fortes e substantivas para as coisas terem que ser diferentes em relação à compra e venda; tanto mais que, é o caso, até estamos perante aquela hipótese – em que o vendedor do imóvel também o construiu – em que é a própria lei (art. 1225.º, n.º 4, do C. Civil) que manda aplicar os prazos da empreitada à compra e venda.

O que se acaba de dizer, reconhece-se, é decisivo para o desfecho do recurso; e, também se reconhece, não reflecte ou corresponde ao que vem sendo decidido maioritariamente nos nossos tribunais.

É, porém, assim que, a nosso ver e salvo o devido respeito, as coisas devem ser vistas e perspectivadas.

Tudo – todos os direitos conferidos ao comprador de coisa defeituosa – têm origem nos defeitos da coisa; a causa petendi está na desconformidade entre a coisa entregue e a que estava “implicitamente” convencionada.

Na génese do litígio está um contrato de compra e venda celebrado entre a G... (como vendedora) e a apelante (como compradora); contrato cujo objecto mediato é uma fracção habitacional

Foi combinado e pago o preço.

A isto se circunscreveu o essencial da fase estipulativa do negócio.

Cumprido/formalizado o negócio, recebido o preço e entregue a fracção, se tudo tivesse decorrido “pacta sunt servanda”, a fracção teria desempenhado (sem defeito, vício ou falta de qualidade) as suas funções normais – permitindo dizer que a vendedora cumpriu exactamente a prestação devida – e a apelante, tendo pago o preço, cumpriu pontualmente a sua prestação.

Segundo a A/apelante, não é assim que as coisas se apresentam.

Segundo a A/apelante, a fracção veio a revelar infiltrações, fissuração e humidade; “anomalias” transmitidas à vendedora tendo em vista a sua reparação.

Estaremos pois, como já referimos, perante a situação prevista no art. 913.º do CC – venda de coisa defeituosa – a exigir e a fazer funcionar a garantia edilícia; e é justamente aqui, na superação das dificuldades decorrentes das aparentes antinomias que o recurso ao instituto do erro gera (em sede de garantia edilícia[4]), que se delineia a solução que vimos e estamos a defender.

O legislador terá concebido tal garantia duma forma dualista e mista; concedendo ao comprador (de coisa defeituosa) uma tutela com base no erro (na forma simples ou qualificada por dolo) e permitindo-lhe anular o contrato; e uma tutela em sede de cumprimento inexacto ou imperfeito do contrato, permitindo-lhe reduzir o preço, pedir o exacto cumprimento ou resolver o contrato[5].

Sendo os vícios da coisa anteriores ou concomitantes à conclusão da venda e projectando-se no futuro, no desenvolvimento e execução da relação obrigacional, compreende-se tal dualismo em que o legislador assenta a garantia edilícia.

Isto é, “(…) se os defeitos existirem no momento estático da venda, é legítimo configurá-los como hipótese de erro sobre as qualidades do objecto – vício de vontade sancionado pela anulabilidade, desde que se verifiquem os requisitos legais.”“ (…) Se os defeitos se revelarem depois da venda (e esta não for invalidada) e se persistirem na fase dinâmica do seu cumprimento, perturbando ou rompendo a relação sinalagmática querida pelas partes, podem ter-se ainda por cumprimento defeituoso do programa contratual, por forma a facultar o estabelecimento da equivalência ou equilíbrio prestacional rompido, proporcionando ao comprador a satisfação legítima do seu interesse no cumprimento, mediante a reparação ou substituição da coisa defeituosa.”[6]

Dito de outro modo, “ (…) para o legislador, o vício e a falta de qualidades referidas no art. 913.º representam casos de erro (e por isso o comprador pode pedir a anulação se se verificarem os requisitos legais da anulabilidade); no caso de não opção pela anulabilidade, a lei intervém na fase executiva do contrato, não já em nome da errónea situação subjectiva (do comprador) em que este se encontrava na fase estipulativa, mas em nome da justiça comutativa, dada a ruptura objectiva do sinalagma ou equivalência entre as prestações, causada pela perduração da deformidade, vício ou falta de qualidade da coisa preexistente à venda. (…)”[7]

Daí que, assim vistas as coisas, não haja, na venda defeituosa, qualquer contradição jurídica ou incompatibilidade entre o direito à anulação do contrato e os direitos à reparação, substituição, redução ou resolução[8].

E é justamente por tudo isto que o disposto no art. 917.º do C. Civil vem sendo alvo de interpretação extensiva; mas não, salienta-se, de interpretação “parcialmente revogatória”.

E o que é que pretendemos dizer com isto?

Vem sendo entendido – porque e na medida em que, através de tais demais direitos, se fazem valer pretensões no quadro da garantia e à garantia ligadas; porque e na medida em que através deles se realize ou materialize a mesma garantia pelos vícios; numa palavra, porque e na medida em que são recursos contratuais por vícios da coisa[9] – que o prazo referido no art. 917.º se estende ao exercício dos demais direitos referidos (reparação, substituição, redução, resolução, indemnização).

Mas não se tem entendido – é o ponto que pretendemos salientar – que a expressão “erro”, contida no art. 917.º do C. Civil, se deve considerar como não escrita; e que, em sua substituição, se dever ler tão só “reparação, substituição, redução, resolução, indemnização”.

A uma coisa – ao “erro” – por fazer parte do conteúdo literal e às outras – à “reparação, substituição, redução, resolução, indemnização” – por interpretação extensiva, tem sido entendido ser aplicável o art. 917.º do C. Civil; sem qualquer antinomia, como supra se referiu.

Mas, sendo assim, continuando o art. 917.º do C. Civil a valer para o “erro”, não se tendo o legislador de 66 equivocado na “hipótese” que inscreveu na letra da norma em causa, importa reflectir se toda a estatuição – pensada para o erro – deve ser aplicada, por interpretação extensiva, ao exercício dos demais direitos referidos (reparação, substituição, redução, resolução, indemnização).

Entendemos que não e é aqui que, com o devido respeito, na senda do defendido por Cura Mariano a propósito da empreitada[10], nos apartamos da posição maioritária da doutrina e da jurisprudência.

O nosso ponto de vista é o seguinte:

O art. 917.º do C. Civil está no seu conteúdo literal gizado, na sua pureza técnico-jurídica, tão só para a anulação (do contrato) propriamente dita; isto é, tão só para o caso da opção pela anulação do contrato com fundamento em erro (ou dolo).

Foi a pensar neste caso – e apenas neste caso – que o art. 917.º estabeleceu a instauração, no prazo de 6 meses, duma acção.

Teve-se presente, como não podia deixar de ser, que a anulabilidade, para além de ter de ser invocada – não podendo ser declarada “ex officio” pelo juiz – exige uma acção especialmente destinada a esse efeito[11], não se bastando com a mera declaração à contraparte.

Daí a epígrafe do preceito – caducidade da acção – e daí que, logo no seu início, se diga que a “a acção de anulação por simples erro caduca (…)”.

O que, isto dito, significa que não se discorda da interpretação que, extensivamente, estende o prazo referido no art. 917.º ao exercício dos demais direitos referidos (reparação, substituição, redução, resolução, indemnização); do que se discorda – é este o ponto – é de tal interpretação extensiva ir além do prazo e incluir também, em tal “extensão”, a exigência duma acção; do que não se vê razão é para o exercício de todos esses outros e demais direitos, também sujeitos a tal curto prazo de exercício de 6 meses, terem que ser forçosa e necessariamente exercidos, judicialmente, em tal prazo de 6 meses (referido no art. 917.º)[12].

Compete, é certo, ao comprador exercer atempadamente os seus direitos, porém, a interpretação que fazemos do art. 917.º do C. Civil não pode ir no sentido de tal exercício – sejam quais forem os direitos – ter que consistir, necessária e obrigatoriamente, na propositura duma acção judicial[13].

Ao que não constitui “embaraço” intransponível, a nosso ver, quer a utilização literal da expressão “acção” no art. 917.º do C. Civil; quer o conteúdo do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/97[14], segundo o qual “a acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel (…) estava sujeita à caducidade nos termos previstos no art. 917.º do C. Civil”.

A expressão “acção”, no rigor técnico jurídico do legislador de 1966, está utilizada e pensada – insiste-se e sublinha-se – apenas em relação ao direito anulatório, único direito literal e expressamente referido e previsto no art. 917.º do C. Civil; os demais direitos (reparação, substituição, redução, resolução, indemnização) não constam do conteúdo expresso e literal do art. 917.º do C. Civil; os demais direitos foram e são incluídos, e bem, na previsão do art. 917.º do C. Civil por interpretação extensiva.

E, acrescenta-se, foi apenas sobre tal inclusão – mas apenas quanto ao prazo ali referido – que se debruçou e pronunciou o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/97.

A oposição de decisões que deu azo a que se “tirasse” tal Acórdão de Uniformização cingia-se à questão de saber se ao direito à reparação dos defeitos de coisa defeituosa se aplicava o prazo do art. 917.º do C. Civil ou os “princípios gerais[15].

Não estava em causa saber se tal direito à reparação tinha que ser exercido ou não por via judicial; em momento algum tal Acórdão de Uniformização discorreu, argumentou ou reflectiu sobre o modo – por uma acção judicial ou extrajudicialmente – de exercício do direito à reparação do defeito.

É certo que, a final, acabou por estabelecer – excedendo um pouco a oposição que visava uniformizar – que “a acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel (…) estava sujeita à caducidade nos termos previstos no art. 917.º do C. Civil”; porém – é a nossa posição – tal “estatuição” tem que ser entendida, interpretada e “corrigida” por reporte à única oposição discutida e decidida no próprio Acórdão Uniformizador, o que significa, muito claramente, que o nosso mais alto Tribunal, quando alude a “acção”, está a querer referir-se tão só ao “exercício do direito”[16].

Significa tudo isto – é a nossa opinião – que se está a ir longe demais, que se está a alargar a interpretação extensiva do art. 917.º do C. Civil, quando se considera tudo – incluindo a exigência da propositura duma acção aos demais direitos não literalmente incluídos no art. 917.º do C. Civil – aplicável/extensível.

A ratio interpretativa do art. 917.º sugere, a nosso ver e salvo o devido respeito, que a exigência duma acção só pode/deve ser colocada em relação ao direito anulatório stricto sensu[17].

Quanto aos demais direitos – à reparação/eliminação dos defeitos, à substituição, ou às declarações de redução de preço e de resolução – podem, desde que dentro de tal prazo de 6 meses[18] e respeitados os demais prazos do art. 916.º do C. Civil, ser exercidos extrajudicialmente.

Concluindo pois – corrigindo a amplitude da interpretação extensiva – entendemos que apenas é aplicável aos demais direitos, do disposto no art. 917.º do C. Civil, o prazo de exercício de 6 meses; isto é, têm tais demais direitos que ser exercidos nos 6 meses seguintes à denúncia do defeito, devendo esta, evidentemente, ter sido feita nos lapsos temporais do art. 916.º do C. Civil[19].

Em consequência – não lhes sendo aplicável a exigência da propositura duma acção – podem tais demais direitos ser exercidos extrajudicialmente; e, por este modo oportunamente exercidos, “a sua posterior (em relação ao anterior exercício extrajudicial) invocação, em acção judicial, por via de acção, reconvenção ou excepção, já não estará sujeita a qualquer prazo de caducidade, ficando apenas sujeitos, a partir do seu exercício extrajudicial, ao prazo de prescrição geral[20] e [21]

Significa tudo isto – o que se acaba de expor – que decisão sob recurso, sem prejuízo de reflectir a posição jurisprudencialmente maioritária, não merece a nossa concordância.

A nosso ver, em face do alegado pela A./apelante, não se pode julgar extinto o seu direito por caducidade.

Efectivamente, não se alegando que a denúncia dos defeitos foi feita 1 ano após o conhecimento dos mesmos[22] foram os mesmos devida e oportunamente comunicados[23]; e alegando-se que foi pedida a sua reparação, em Dezembro de 2005 e, principalmente, em Janeiro de 2006, foi alegado o exercício extrajudicial do direito à reparação no ano seguinte à denúncia dos defeitos; exercício extrajudicial que – em face do alegado e que, em referência às duas citadas datas, não é sequer contestado pelos RR. – ocorreu dentro do prazo máximo (5 anos) da garantia legal[24].

Direito à reparação dos defeitos que, assim sendo, não se extinguiu por caducidade e que, exercido extrajudicialmente, passou a ficar sujeito ao prazo ordinário de prescrição.

Enfim, concluindo, impõe-se julgar procedente o recurso.

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III - Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se a decisão que, na procedência da excepção de caducidade, absolveu os RR. do pedido; decisão que se substitui por outra a julgar não verificada e improcedente a excepção de caducidade e a ordenar que os autos sigam os seus termos (com a selecção da matéria de facto).

Custas da apelação pelos RR.


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Barateiro Martins (Relator)
Arlindo Oliveira
Emídio Santos

[1] Daí a noção funcional: vício que desvalorize a coisa ou impeça a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina ou para a função normal/corrente das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina; devendo, para a determinação do “vício”, “defeito” ou “falta de qualidade” ser tomadas em conta todas as circunstâncias e envolventes concretas do contrato; contemplando-se o interesse do comprador no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada, com vista à salvaguarda da equivalência entre a prestação e a contraprestação subjacente ao cumprimento perfeito ou conforme do contrato.

[2] Em Acórdão do mesmo relator, proferido, em 09/09/08, na Apelação n.º 607/04. C1. do 3.º Juízo de Tomar.
[3] Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, 1.ª ed., pág. 122.

[4] Na medida em que as qualidades da coisa vendida integrem o conteúdo vinculativo do contrato, o vendedor só cumpre bem entregando coisa que respeite tais qualidades; se o não fizer, se não entregar coisa com as qualidades contratuais, não terá cumprido nos termos devidos, devendo seguir-se os efeitos próprios do inadimplemento ou cumprimento imperfeito e não os do erro.

Para haver erro – dir-se-á – ter-se-á que concluir que as qualidades da coisa vendida, muito embora tenham motivado e determinado realmente o comprador a adquiri-la, não haviam entrado no conteúdo do contrato, assumindo tão só a natureza de elemento extra-negocial da motivação.

Neste contexto, admitir a existência de erro quando a coisa não cumpre as qualidades contratuais constituirá uma antinomia; uma vez que, se as qualidades acordadas e devidas não se encontram na coisa entregue, existe, não um erro-vício do consentimento, mas uma desconformidade entre a coisa real entregue e a coisa acordada/devida, melhor, uma desconformidade entre a qualidade real e qualidade devida da coisa contratada, portanto, mau cumprimento, cumprimento imperfeito ou cumprimento inexacto.

Sucede, porém, importa salientá-lo – tendo em vista considerar a antinomia como meramente aparente – que há, em tudo o que se disse, uma excessiva “rigidez” conceptual e algum desajustamento às realidades da vida.

A vontade negocial refere-se às qualidades da coisa como um quid que deve ser, pelo que, não possuindo a coisa as qualidades pressupostas na vontade contratual, haverá um problema de erro; e se tais qualidades ingressarem no conteúdo contratual – e as qualidades normais/habituais, pelo menos, ingressam – haverá também, simultânea e concorrentemente, um problema de inadimplemento ou cumprimento imperfeito.
[5] Além dos pedidos de indemnização a que haja lugar.
[6] Calvão da Silva, Compra e venda de coisas defeituosas, pág. 81.
[7] Calvão da Silva, Compra e venda de coisas defeituosas, pág. 82.

[8] Todos os direitos fazem parte da tutela concedida ao comprador de coisa defeituosa, podendo, na medida em que se referem a 2 momentos lógica e estruturalmente distintos – a anulabilidade refere-se à fase genética, estática e estipulativa do contrato, os restantes referem-se à fase dinâmica e executiva do contrato – ser usadas até em simultâneo e em concorrência.

A tutela do comprador na venda de coisa defeituosa comporta tanto a anulação (se o comprador adquirir a coisa na errónea convicção de que seja isenta de vícios) como a manutenção do contrato, embora com correcções, isto é, reequilibrado, corrigido, rectificado, refeito, através do restabelecimento da relação genética de correspectividade económica entre prestação e contraprestação para garantir o sinalagma funcional rompido.

[9] Seria incongruente – concorda-se com o Prof. Calvão da Silva – não sujeitar todas esses outros direitos à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois, de contrário, caso tal prazo fosse para a anulação, permitir-se-ia ao comprador obter resultados equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade.
[10] Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, 1.ª ed., pág. 122.

[11] Ressalvada a possibilidade da sua arguição por via de excepção (cfr. 287.º, n.º 2, do C. Civil); mas, mesmo aqui, a própria expressão “via de excepção” já pressupõe a pendência duma acção.
[12] Ou de 1 ano no caso de ser aplicável o art. 1225.º do C. Civil.

[13] Pense-se, por ex., no caso do direito à resolução, em que o art. 436.º, n.º 1, do C. Civil estabelece, como regra, a sua efectivação mediante mera declaração à outra parte; contexto em que tal interpretação do art. 917.º do C. Civil – a exigir uma acção judicial para a resolução – representaria, em face da referida regra do art. 436.º, n.º 1, uma verdadeira disposição especial por “interpretação extensiva” (ao lado do exemplo “raro” do art. 1084.º, n.º 2, do C. Civil).
[14] In Acórdãos Uniformizadores, Colectânea de Jurisprudência, 1.ª ed., pág. 89.

[15] Na expressão, citada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/97, do “acórdão fundamento”.

[16] Isto é, a nosso ver e salvo o devido respeito, o Acórdão Uniformizador em causa apenas estabelece, com os limites decorrentes do art. 678.º, n.º 6, do CPC, que o direito à reparação de defeitos de coisa imóvel (…) está sujeito à caducidade nos termos previstos no art. 917.º do C. Civil; sem se pronunciar ou fazer “doutrina” sobre o modo – judicial ou não – de exercício de tal direito..

[17] Era, insiste-se, apenas neste direito anulatório que o legislador estava a pensar quando redigiu o art. 917.º do C. Civil, razão pela qual, repete-se, não ignorando que a anulabilidade exige uma acção especialmente destinada a esse efeito, utilizou, coerentemente, o termo “acção”.
[18] Ou de 1 ano, como é o caso, de ser aplicável o art. 1225.º do C. Civil.
[19] Onde dissemos 6 meses passará a ser 1 ano no caso de ser aplicável o art. 1225.º do C. Civil.
[20] Cura Mariano, obra e local citados.

[21] O que não equivale a um qualquer alargamento dos prazos, de caducidade, previstos nos artigos 916.º e 917.º; efectivamente, sublinha-se, o comprador terá sempre – sob pena de caducidade – de exercer os seus direitos nos 5 anos do limite máximo da garantia legal. Se porventura não exercer, extrajudicialmente, os seus direitos nos prazos dos artigos 916.º e 917.º, verificar-se-á sem apelo nem agravo a caducidade de tais direitos; não podendo assim dizer-se que, no fundo, estamos a aplicar os prazos de prescrição geral aos direitos que a lei confere ao comprador de coisa com defeitos.
[22] Ónus que, lembra-se, pertence ao vendedor (cfr. art. 343.º, n.º 2, do CC).

[23] Podendo e devendo observar-se que os “defeitos evolutivos” – como é decerto o caso de fissuras nas paredes, infiltrações e manchas de humidade – não têm, em função da sua normal evolução, que estar sempre e continuamente a ser reclamados.
[24] A compra – e presumível entrega da coisa – ocorreu em 14/04/2004, o que significa que, em Janeiro de 2006, ainda não estava esgotado o prazo da garantia legal; como também não estava – embora este não seja um facto decisivo para o nosso raciocínio – quando, em 18/06/2007, a presente acção entrou em juízo. Isto é, a acção entrou a cerca de dois anos do termo da garantia legal, o que, fazendo a “bissectriz” entre a posição dominante e a que vimos de sustentar, deve levar, no mínimo e com o devido respeito, à consideração de que, caso se continue a exigir a propositura duma acção, esta possa/deva ser julgada tempestiva sempre que se mostre intentada dentro do prazo máximo da “garantia legal” – como é o nosso caso.