Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | EXECUÇÃO IMPEDIMENTO INSOLVÊNCIA FIANÇA | ||
Data do Acordão: | 03/29/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 627, 638, 640, 641, 791 CC | ||
Sumário: | Uma vez aprovada uma medida de recuperação, que impeça o credor de executar o devedor, ou uma vez decretada a falência [= insolvência], que, entre outras consequências, impede, quer a instauração quer o prosseguimento duma execução singular contra o devedor-falido [= insolvente] ocorre uma grave situação de impedimento à execução, que pode caber na al. b) do art. 640 do CC, racionalmente interpretada”, tirando ao fiador o benefício da excussão. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
A Caixa Geral de Depósitos (= CGD) requereu execução contra G (…)Lda, C (…), R (…) e N (…), alegando, entre o mais, que no exercício da sua actividade creditícia tinha celebrado com aquela sociedade um contrato de reestruturação de empréstimo com fiança no montante de 374.099€, formalizado por documento particular, no qual aquelas três pessoas singulares se constituíram fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas à CGD no âmbito daquele contrato. R (…) opôs-se à execução alegan-do, em síntese, que a G(…) foi declarada insolvente, tendo a exequente reclamado o seu crédito objecto da presente execução nos referidos autos de insolvência, tendo tal crédito sido reconhecido, condicionado; a G (…) continua a laborar e foi apresentado plano de recuperação que se encontra em avaliação; assim, por não resultar que a identificada empresa não possa pagar a divida, deve a presente execução ser suspensa até que resulte provado que a mesma, a quem foi concedido o crédito aqui em causa, não tem meios de solver tal divida; apenas compareceu no acto (de assinatura do contrato de reestruturação) por lhe terem dito que o teria de fazer devido à sua condição de casada; nunca retirou qualquer proveito da divida; apenas tem a 4.ª classe e não tinha consciência das implicações da assinatura do contrato e, se tivesse, jamais teria assinado o mesmo, o que era do conhecimento da CGD; não tem condições económicas que lhe permitam pagar, atendendo aos seus modestos rendimentos salariais mensais complementados por uma pensão de invalidez e por ter a seu cargo um filho menor de idade, o que, para ela, corresponde a uma impossibilidade originária e subjectiva de cumprimento da obrigação que lhe é exigida; deduziu, ainda, oposição à penhora, invocando o disposto no art. 863-A/1a) do CPC, porque, diz, respeita a um caso de impenhorabilidade objectiva (um dos imóveis indicados à penhorados não lhe pertence...). Notificada da oposição, a exequente repetiu que a executada se tinha constituído fiadora solidária e principal pagadora para garantia das quantias que fossem ou viessem a ser devidas à exequente no âmbito daquele contrato pelo que não pode recusar o pagamento de tal divida; opôs-se à suspensão da execução, pois que esta não depende do resultado da oposição; impugna o desconhecimento invocado pela executada quanto ao contrato e o efeito que esta pretende retirar da sua alegada incapacidade subjectiva; e no que toca à oposição à penhora alega que aquando da instauração da execução o imóvel se encontrava registado a favor da oponente, pelo que a validade da transmissão ocorrida será discutida em sede própria. Logo a seguir foi proferido saneador sentença julgado improce-dentes a oposição à execução e à penhora. A executada interpôs recurso desta sentença, para que seja subs-tituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos para produção de prova sobre a factualidade invocada, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: A CGD contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso. * Questões que importa decidir: se se verifica alguma das nulidades invocadas pela executada; se existiam elementos de facto suficientes para a decisão recorrida e se os factos apurados permitiam as decisões tomadas. * O saneador sentença considerou provados os seguintes factos (na parte que importa – note-se que nenhuma questão se coloca relativamente à oposição à penhora, pelo que nesta parte já a decisão transitou em julgado): I O saneador sentença tem a seguinte argumentação: Portanto, para a decisão recorrida, a executada é fiadora mas gozava do benefício de excussão. Só que a principal devedora foi declarada insolvente, a execução contra esta foi extinta e a oponente nem sequer alega que existam bens suficientes no património da massa insolvente para pagamento integral e imediato do crédito da exequente, pelo que não pode recusar o pagamento; ou seja, a dívida não é inexigível. A decisão recorrida não assenta, por isso, no erro da exequente que entende que a executada não gozava do benefício da excussão, isto é, que entende que a executada era também principal devedora. Entendimento este, da exequente, que não tem suporte no contrato de reestruturação de empréstimo invocado (dado por reproduzido nos factos provados). Pois que dele [o qual foi obtido pela secção de processos deste TRC a pe-dido do relator deste acórdão, por não se encontrar neste apenso] apenas resulta que: os contratantes são três: 1ª: G (…), adiante designada por devedora ou cliente; 2ºs: os executados, adiantes designados por fiadores, e 3ª: a CGD. A referência ao an-terior contrato, que não é descrito ou transcrito. A referência simples ao facto do contrato se encontrar garantido por fiança prestada por duas pessoas. A referência ao facto de a G (…) ter solicitado à CGD a reestruturação do pagamento das responsabilidades bem como a dispensa de um dos fiadores anteriores e a inclusão de outros 2, entre eles a oponente. A referência ao acordo entre a CGD e a G (…)com o acordo dos fiadores, em consolidar e reestruturar todas as responsabilidades decorrentes da referida corrente (sic). E depois a transcrição das cláusulas do contrato de reestruturação em que nada mais se diz quanto à fiança. No fim, a executada assina por baixo da epígrafe Fiadores. Este contrato de reestruturação não contém, pois, a cláusula de que as pessoas identificadas como fiadores se responsabilizam como fiadores solidários e principais pagadores de tudo quanto à CGD venha a ser devido pela G (…). Não contém essas cláusula, nem referência a ela, nem que seja por remissão para o anterior contrato, no qual, aí sim, existia. Quer isto dizer que a executada não assinou qualquer contrato do qual resultasse qualquer referência a uma fiança sem benefício de excussão, pelo que a ausência deste benefício não lhe pode ser oposta. Apesar de a executada, por isso, ser apenas fiadora – por ter assu-mido tal qualidade com a sua assinatura num contrato que a tratava como tal – e gozar de benefício de excussão, a decisão recorrida decidiu bem ao entender que a declaração de insolvência da principal devedora e a extinção da execução deduzida contra ela, afastavam tal benefício. Pois que tal é o que resulta da aplicação analógica do disposto no art. 640/b) do CC, tal como é defendido por Manuel Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Teses, Almedina, 2000, págs. 1027-1028. Com efeito, este autor, depois de reconhecer com desenvolvimento que nem o art. 63 nem os arts. 151/1 ou 154/3 CPEREF [as normas correspon-dentes do CIRE, arts. 217/4, 91/1, 85 e 88, permitem a mesma leitura – parênteses deste acórdão do TRC] parecem autorizar a transformação de fiança simples em fiança solidária, esclarece: A única parte que não se aceita na fundamentação da decisão recorrida é o relevo que é atribuído ao facto de a oponente nem sequer alegar que existem bens suficientes no património da massa insolvente para pagamento integral e imediato do crédito da exequente. Pois que seria irrelevante que a oponente o tivesse feito, já que tal facto não impediria a exclusão do benefício da excussão. Mas esta parte da fundamentação da sentença não retira o acerto da decisão, que se basta com a argumentação anterior, agora completada com a referência à norma do art. 640/b) do CC e à doutrina. Contra isto tudo, o que é que diz a executada/oponente? Nada de útil. A entender-se que as conclusões 1, 2 e 3 do recurso alguma coisa tenham a ver com esta fundamentação, para a porem em causa, é manifesto que nenhuma razão têm: não havia outros factos a considerar para além da existência da dívida, do título, da extinção da execução, da insolvência do devedor principal, da fiança e da exclusão do benefício da excussão, pelo que não havia prova a produzir. Nem, como já se viu, interessava saber se a massa insolvente tinha ou não bens. E como é evidente, o tribunal não esteve a conhecer de questão que não devesse conhecer - a dedução de um argumento para a decisão de uma questão, não é conhecimento de uma questão…-, pelo que não se verifica a nulidade ali invocada. II Queria, no entanto, a executada/oponente que a execução fosse suspensa até que resultasse provado que a devedora principal, a quem foi concedido o crédito aqui em causa, não tem meios de solver tal divida. Tratava-se, no fundo, da mesma questão anterior. Ou seja, tal pretensão só tinha sentido enquanto se entendesse que a executada tinha o benefício da excussão ou que este não tinha ficado excluído pela situação de insolvência e extinção da execução. Por isso, está correcta a decisão recorrida, embora de novo, mal, tenha dito, para assim decidir, que: Ou seja, mesmo que a executada/oponente tivesse alegado, para o vir a tentar demonstrar mais tarde, a existência de bens, tal não impediria que, por o benefício da excussão ter sido excluído, a execução não pudesse ser suspensa. É que a suspensão da execução seria precisamente, no caso dos autos, o efeito prático da concessão do benefício da excussão. Como diz Januário Gomes, obra citada, págs. 1085-1086: Não existindo o benefício da excussão, a suspensão da execução não podia ser concedida a outro pretexto, sob pena de ser frustrar a razão de ser da exclusão daquele benefício. Por isso, de novo aqui, a entender-se que as conclusões 1, 2 e 3 do recurso alguma coisa tenham a ver com esta fundamentação, para a pôrem em causa, é manifesto que nenhuma razão têm: não interessava saber se a massa insolvente tinha ou não bens. III Pretende depois a recorrente – nas suas alegações, que aqui se estão a considerar porque as conclusões do recurso de pouco podem ser aproveitadas dadas as suas imprecisões – que todos os factos que acima foram referidos no relatório deste acórdão (à excepção dos já considerados e daqueles que se referem à oposição à penhora), têm a ver com, e implicam, a impossibilidade originária e subjectiva da obrigação, o que, para ela, levaria, ao que se crê (atentas as normas invocadas), à nulidade (art. 401/1 do CC) e à extinção da obrigação (art. 791 do CC). E a recorrente diz isso, apesar de também referir a norma do art. 401/3 do CC que logo esclarece que “só se considera [originariamente] impossível a prestação que o seja relativamente ao objecto e não apenas em relação à pessoa do devedor”. Pelo que, como diz a exequente, não será despiciendo citar Galvão Telles, o qual diz: E a executada também faz aquela alegação apesar do teor literal do art. 791 do CC que apenas se refere às obrigações em que o devedor, no cumprimento da obrigação, não se pode fazer substituir por terceiro (por infungibilidade ou impraticabilidade, como explica Galvão Telles na obra citada), o que não é, manifestamente, o caso dos autos. Para além de que, como diz Antunes Varela, CC anotado, Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, esta impossibilidade tem de ser super-veniente, o que nada tem a ver com o caso, segundo os factos alegados pela executada/oponente. Tudo isto logo implicaria a improcedência desta oposição, para o que também serviria o que a sentença diz a propósito: Por tudo isto, como se vê, o saneador sentença tinha todos os dados necessários para se pronunciar sobre a suposta impossibilidade originária e subjectiva para o cumprimento da obrigação, improcedendo, por isso, também as conclusões 4ª e 7ª e a nulidade invocada na 4ª. IV E o resultado seria o mesmo se se tentasse ler a maior parte daque-les factos – que agora a oponente/executada pretende ligar à impossi-bilidade – à luz de outras normas, não citadas pela recorrente, quais sejam, as que têm a ver com as faltas ou vícios da vontade previstos nos arts. 246, 247 e 251 a 254, todos do CC. É que a oponente/executada não disse não ter consciência de ter feito uma declaração, mas apenas que “não tinha consciência das implicações da assi-natura do contrato”, o que não é o mesmo e não pode ser integrado no art. 246 do CC. Também o erro que implicitamente invoca (apenas compareceu no acto - de assinatura do contrato de reestruturação - por lhe terem dito que o teria de fazer devido à sua condição de casada), não é um erro na vontade declarada e por isso não pode ser integrado no art. 247 do CC. A simples falta de consciência das implicações do contrato, não corres-ponde, só por si, também, a erro sobre o objecto do negócio - para tal, a oponente teria que ter dito o que é que pensava ter estado a contratar em vez do que de facto contratou – art. 251 do CC. Também não é invocado um erro sobre os motivos do negócio (art. 252 do CC), pois que a executada nem sequer diz porque é que contratou (apenas diz que compareceu por engano, mas já não o que é que a levou a contratar). Por fim, a oponente também não diz que o dolo - que pode implicita-mente entender-se invocado – a tenha determinado a fazer a declaração de von-tade (apenas a levou a comparecer…), o que impede a integração na previsão do art. 254, conjugada com o disposto no art. 253, ambos do CC. O que tudo reforça a improcedência das conclusões da recorrente: foi ela, executada/oponente que, como se vê, não alegou factos suficientes para preencher a previsão normativa de normas que pudessem levar à procedência das pretensões que deduziu. E por isso era inútil a produção de prova sobre os poucos factos, e irrelevantes na sua maior parte, que alegou. V Quanto à conclusão 5ª, é evidente o lapso da recorrente: o saneador sentença tem suficiente fundamentação para tudo o que decide e os factos que invocou eram suficientes para o que decidiu. VI A sentença não pôs em causa o direito da executada opor à exequente qualquer causa extintiva da obrigação e conheceu da mesma, pelo que improcede também a conclusão 6ª. VII A título de conhecimento oficioso, considerou-se, também a possi-bilidade da nulidade da fiança. Afasta-se essa questão, porque o caso não assume a configuração de um fiança geral e por isso esta não é nula por in-determinabilidade do objecto. A fiança dos autos só garantia os créditos resultantes do contrato de reestruturação dado à execução (tem-se em vista, designadamente, aquilo que é dito na doutrina e jurisprudência invocadas pelo acórdão do TRC de 18/06/2008, publicado sob o nº. 0832552 da base de dados do ITIJ, que faz a síntese do estado de coisas actual sobre a questão: I. Para que a fiança de obrigações futuras seja válida, torna-se necessário que estas, à data da celebração do negócio jurídico, sejam determináveis por parâmetros objectivos, isto é, “o garante deve desde o início conhecer os limites da sua obrigação ou, ao menos, o critério ou critérios de fixação desses limites”. II. Os critérios para avaliar os limites da obrigação variam em função de cada situação, podendo passar pela descrição das operações a efectuar, por um especial conhecimento do fiador em relação às operações comerciais a realizar pelo afiançado e das respectivas necessidades de crédito. III. Fiança “omnibus” é a que “se estende às obrigações decorridas ou a decorrer de certa ou certas relações de negócios”; fiança geral é a que é “prestada para todas as obrigações do devedor principal, resultantes de um qualquer título ou causa, de operações económicas de qualquer género ou espécie, inclusive ilícito”. IV. A possibilidade de determinação tem de ser vista no contexto, isto é, se existe algum negócio jurídico contemporâneo a garantir, se a origem, o prazo, os montantes e as relações entre os outorgantes permitem inferir, com segurança, se há possibilidade, ou não, de enquadrar esses créditos futuros na fiança prestada […]”. * Sumário: “[…] Uma vez aprovada uma medida de recuperação, que impeça o credor de executar o devedor, ou uma vez decretada a falência [= insolvência], que, entre outras consequências, impede, quer a instauração quer o prosseguimento duma execução singular contra o devedor-falido [= insolvente] ocorre uma grave situação de impedimen-to à execução, que pode caber na al. b) do art. 640 do CC, racionalmente interpretada”, tirando ao fiador o benefício da excussão. * Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, manten-do-se a decisão recorrida. Custas pela executada/oponente. |