Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
792/10.9TBCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
IMPEDIMENTO
INSOLVÊNCIA
FIANÇA
Data do Acordão: 03/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 627, 638, 640, 641, 791 CC
Sumário: Uma vez aprovada uma medida de recuperação, que impeça o credor de executar o devedor, ou uma vez decretada a falência [= insolvência], que, entre outras consequências, impede, quer a instauração quer o prosseguimento duma execução singular contra o devedor-falido [= insolvente] ocorre uma grave situação de impedimento à execução, que pode caber na al. b) do art. 640 do CC, racionalmente interpretada”, tirando ao fiador o benefício da excussão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:

               A Caixa Geral de Depósitos (= CGD) requereu execução contra G (…)Lda, C (…), R (…) e N (…), alegando, entre o mais, que no exercício da sua actividade creditícia tinha celebrado com aquela sociedade um contrato de reestruturação de empréstimo com fiança no montante de 374.099€, formalizado por documento particular, no qual aquelas três pessoas singulares se constituíram fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas à CGD no âmbito daquele contrato.

              R (…) opôs-se à execução alegan-do, em síntese, que a G(…) foi declarada insolvente, tendo a exequente reclamado o seu crédito objecto da presente execução nos referidos autos de insolvência, tendo tal crédito sido reconhecido, condicionado; a G (…) continua a laborar e foi apresentado plano de recuperação que se encontra em avaliação; assim, por não resultar que a identificada empresa não possa pagar a divida, deve a presente execução ser suspensa até que resulte provado que a mesma, a quem foi concedido o crédito aqui em causa, não tem meios de solver tal divida; apenas compareceu no acto (de assinatura do contrato de reestruturação) por lhe terem dito que o teria de fazer devido à sua condição de casada; nunca retirou qualquer proveito da divida; apenas tem a 4.ª classe e não tinha consciência das implicações da assinatura do contrato e, se tivesse, jamais teria assinado o mesmo, o que era do conhecimento da CGD; não tem condições económicas que lhe permitam pagar, atendendo aos seus modestos rendimentos salariais mensais complementados por uma pensão de invalidez e por ter a seu cargo um filho menor de idade, o que, para ela, corresponde a uma impossibilidade originária e subjectiva de cumprimento da obrigação que lhe é exigida; deduziu, ainda, oposição à penhora, invocando o disposto no art. 863-A/1a) do CPC, porque, diz, respeita a um caso de impenhorabilidade objectiva (um dos imóveis indicados à penhorados não lhe pertence...).

              Notificada da oposição, a exequente repetiu que a executada se tinha constituído fiadora solidária e principal pagadora para garantia das quantias que fossem ou viessem a ser devidas à exequente no âmbito daquele contrato pelo que não pode recusar o pagamento de tal divida; opôs-se à suspensão da execução, pois que esta não depende do resultado da oposição; impugna o desconhecimento invocado pela executada quanto ao contrato e o efeito que esta pretende retirar da sua alegada incapacidade subjectiva; e no que toca à oposição à penhora alega que aquando da instauração da execução o imóvel se encontrava registado a favor da oponente, pelo que a validade da transmissão ocorrida será discutida em sede própria.

              Logo a seguir foi proferido saneador sentença julgado improce-dentes a oposição à execução e à penhora.

              A executada interpôs recurso desta sentença,  para que seja subs-tituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos para produção de prova sobre a factualidade invocada, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
         1. A decisão recorrida viola o princípio do contraditório, por-quanto impediu a recorrente de produzir prova sobre a factualidade que invocou para se defender contra o pedido formulado pela exe-quente.
         2. O tribunal a quo não dispunha, no momento em que deci-diu, de elementos suficientes para proferir uma decisão criteriosa, devendo mandar prosseguir os autos para produção de prova.
         3. Ao tomar conhecimento da questão da falta de existência de património da empresa insolvente para solver a dívida em questão, o tribunal a quo fez com que a decisão proferida ficasse ferida de nulidade: art. 668º/1d,) 2ª parte, do CPC.
         4. Ao tomar conhecimento da questão da impossibilidade originária e subjectiva para o cumprimento da obrigação, quando ainda não podia tomar dela conhecimento, o tribunal a quo fez com que a decisão proferida ficasse ferida de nulidade: art. 668º/1d), 2ª parte, do CPC.
         5. A decisão recorrida padece ainda do vício de deficiente fundamentação, pois limita-se a dizer que o fundamento invocado pela recorrente não encontra apoio na factualidade por si invocada, sem especificar os fundamentos de facto e de direito, em que assenta a decisão: com o que violou o disposto nos arts 158 e 659º/2 do CPC.
         6. À recorrente era lícito opor à exequente qualquer causa extintiva da obrigação conforme estabelece a alínea g), 1ª parte do n.º 1 do art. 814º do CPC.
         7. Além disso, a decisão recorrida não teve em consideração o disposto nos arts 401 e 791 do Código Civil que consideram que quando há impossibilidade da prestação relativamente ao objecto e à pessoa do devedor o negócio jurídico é nulo.

              A CGD contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

                                                                 *

              Questões que importa decidir: se se verifica alguma das nulidades invocadas pela executada; se existiam elementos de facto suficientes para a decisão recorrida e se os factos apurados permitiam as decisões tomadas.

                                                                 *

              O saneador sentença considerou provados os seguintes factos (na parte que importa – note-se que nenhuma questão se coloca relativamente à oposição à penhora, pelo que nesta parte já a decisão transitou em julgado):
         1. Nos autos de execução a que esta oposição se encontra apensa, a exequente interpôs contra os executados execução para pagamento de 304.987,33€, conforme requerimento executivo de fls.1 dos referidos autos, constando como título executivo um do-cumento particular denominado de Contrato de Reestruturação de Empréstimo, assinado pelos executados, junto a fls. 6 e seguintes dos autos principais, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido.
         2 e 3. Por sentença proferida em 06/10/2009, foi declarada a insolvência da G (…)
         4. Por despacho proferido a fls. 53 dos autos principais foi declarada extinta a execução contra a executada G (…)

                                                                  I

              O saneador sentença tem a seguinte argumentação:
         “Os autos de oposição à execução, embora introduzam na execução uma fase declarativa, são um meio de oposição, ou de defesa, no processo executivo, com o fim de invalidar, no todo ou em parte, o direito que o exequente invoca no requerimento de exe-cução.
         Daí que seja ao oponente que cumpra alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente.
         In casu, a exequente invoca direito de crédito sobre os executados […], titulado por documento particular assinado pelos executados, […] tendo-se os executados [entre eles a oponente] constituído fiadores solidários e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas à exequente no âmbito daquele contrato.
         […]
         Ora, do contrato que foi dado à execução resulta que o execu-tado/oponente assinou tal contrato enquanto fiador da sociedade executada […]
         A presente execução foi promovida contra [a] referid[a socie-dade], que consta[…] do título executivo […] como cliente e prin-cipal devedora e os três [executados] como fiadores da primeira.
         Vejamos, então, o regime previsto para a fiança.
         Nos termos do disposto no art. 627º/1 do CC “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.”
         Dispondo o seu n.º 2 que “a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor.”
         Estabelecendo o art. 638º/1 do CC que “ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.”
         Dispondo, ainda, o seu n.º 2, que “é lícita ainda a recusa, não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor.”
         Porém, como refere o artigo 641º/1 do CC “o credor, ainda que o fiador goze do benefício da excussão, pode demandá-lo só ou juntamente com o devedor; se for demandado só, ainda que não goze do benefício da excussão, o fiador tem a faculdade de chamar o devedor à demanda, para com ele se defender ou ser conjunta-mente condenado.”
         In casu, o exequente demandou conjuntamente o devedor principal […] e os seus fiadores […].
         Ao abrigo do referido art. 641º do CC podia fazê-lo. Caben-do, então, aos fiadores invocar o benefício da excussão, ou seja, recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.
         Todavia, como resulta da factualidade provada, foi declarada insolvente a sociedade principal devedora e extinta […] por via disso, a execução contra esta.
         Alega a oponente que a exequente reclamou o seu crédito nos autos de insolvência, contudo, nem sequer alegou que existam bens suficientes no património da massa insolvente para pagamento integral e imediato do crédito da exequente.
         Assim sendo, não pode a executada oponente recusar o paga-mento à exequente do crédito desta e é licito à exequente reclamar dos restantes devedores, na qualidade de fiadores da sociedade principal devedora e que foi declarada insolvente, a satisfação do seu crédito.”

               Portanto, para a decisão recorrida, a executada é fiadora mas gozava do benefício de excussão. Só que a principal devedora foi declarada insolvente, a execução contra esta foi extinta e a oponente nem sequer alega que existam bens suficientes no património da massa insolvente para pagamento integral e imediato do crédito da exequente, pelo que não pode recusar o pagamento; ou seja, a dívida não é inexigível.

               A decisão recorrida não assenta, por isso, no erro da exequente que entende que a executada não gozava do benefício da excussão, isto é, que entende que a executada era também principal devedora.

               Entendimento este, da exequente, que não tem suporte no contrato de reestruturação de empréstimo invocado (dado por reproduzido nos factos provados). Pois que dele [o qual foi obtido pela secção de processos deste TRC a pe-dido do relator deste acórdão, por não se encontrar neste apenso] apenas resulta que: os contratantes são três: 1ª: G (…), adiante designada por devedora ou cliente; 2ºs: os executados, adiantes designados por fiadores, e 3ª: a CGD. A referência ao an-terior contrato, que não é descrito ou transcrito. A referência simples ao facto do contrato se encontrar garantido por fiança prestada por duas pessoas. A referência ao facto de a G (…) ter solicitado à CGD a reestruturação do pagamento das responsabilidades bem como a dispensa de um dos fiadores anteriores e a inclusão de outros 2, entre eles a oponente. A referência ao acordo entre a CGD e a G (…)com o acordo dos fiadores, em consolidar e reestruturar todas as responsabilidades decorrentes da referida corrente (sic). E depois a transcrição das cláusulas do contrato de reestruturação em que nada mais se diz quanto à fiança. No fim, a executada assina por baixo da epígrafe Fiadores.

               Este contrato de reestruturação não contém, pois, a cláusula de que as pessoas identificadas como fiadores se responsabilizam como fiadores solidários e principais pagadores de tudo quanto à CGD venha a ser devido pela G (…). Não contém essas cláusula, nem referência a ela, nem que seja por remissão para o anterior contrato, no qual, aí sim, existia.            

               Quer isto dizer que a executada não assinou qualquer contrato do qual resultasse qualquer referência a uma fiança sem benefício de excussão, pelo que a ausência deste benefício não lhe pode ser oposta.

               Apesar de a executada, por isso, ser apenas fiadora – por ter assu-mido tal qualidade com a sua assinatura num contrato que a tratava como tal – e gozar de benefício de excussão, a decisão recorrida decidiu bem ao entender que a declaração de insolvência da principal devedora e a extinção da execução deduzida contra ela, afastavam tal benefício.

               Pois que tal é o que resulta da aplicação analógica do disposto no art. 640/b) do CC, tal como é defendido por Manuel Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Teses, Almedina, 2000, págs. 1027-1028.

               Com efeito, este autor, depois de reconhecer com desenvolvimento que nem o art. 63 nem os arts. 151/1 ou 154/3 CPEREF [as normas correspon-dentes do CIRE, arts. 217/4, 91/1, 85 e 88, permitem a mesma leitura – parênteses deste acórdão do TRC] parecem autorizar a transformação de fiança simples em fiança solidária, esclarece:
         “Apesar de tudo isto, pensamos que o CC fornece na al. b) do art. 640 um argumento decisivo no sentido da perda do benefício da excussão pelo fiador: trata-se, ao fim e ao cabo, de relevar, para efeitos de (não) subsistência do benefício de excussão, até que ponto é razoável que o credor tenha de perseguir previamente o devedor. Ora, uma vez aprovada uma medida de recuperação, que impeça o credor de executar o devedor, ou uma vez decretada a falência [= insolvência – parênteses deste acórdão do TRC], que, entre outras consequências, impede, quer a instauração quer o prosseguimento duma execução singular contra o devedor-falido (art. 154/3) – ficando sujeito às regras de verificação falimentares do passivo e reclamação de créditos – ocorre uma grave situação de impedimento à execução, que pode caber na al. b) do art. 640, racionalmente interpretada”.

               A única parte que não se aceita na fundamentação da decisão recorrida é o relevo que é atribuído ao facto de a oponente nem sequer alegar que existem bens suficientes no património da massa insolvente para pagamento integral e imediato do crédito da exequente. Pois que seria irrelevante que a oponente o tivesse feito, já que tal facto não impediria a exclusão do benefício da excussão. Mas esta parte da fundamentação da sentença não retira o acerto da decisão, que se basta com a argumentação anterior, agora completada com a referência à norma do art. 640/b) do CC e à doutrina.

               Contra isto tudo, o que é que diz a executada/oponente?

               Nada de útil.

               A entender-se que as conclusões 1, 2 e 3 do recurso alguma coisa tenham a ver com esta fundamentação, para a porem em causa, é manifesto que nenhuma razão têm: não havia outros factos a considerar para além da existência da dívida, do título, da extinção da execução, da insolvência do devedor principal, da fiança e da exclusão do benefício da excussão, pelo que não havia prova a produzir. Nem, como já se viu, interessava saber se a massa insolvente tinha ou não bens. E como é evidente, o tribunal não esteve a conhecer de questão que não devesse conhecer - a dedução de um argumento para  a decisão de uma questão, não é conhecimento de uma questão…-, pelo que não se verifica a nulidade ali invocada.

                                                                 II

               Queria, no entanto, a executada/oponente que a execução fosse suspensa até que resultasse provado que a devedora principal, a quem foi concedido o crédito aqui em causa, não tem meios de solver tal divida.

               Tratava-se, no fundo, da mesma questão anterior.

               Ou seja, tal pretensão só tinha sentido enquanto se entendesse que a executada tinha o benefício da excussão ou que este não tinha ficado excluído pela situação de insolvência e extinção da execução.

               Por isso, está correcta a decisão recorrida, embora de novo, mal, tenha dito, para assim decidir, que:
         “necessário se tornaria [para a suspensão] que a executada/oponente tivesse [alegado e] demonstrado nestes autos que ali [no processo de insolvência] se encontravam apreendidos para a massa insolvente bens suficientes para pagamento do crédito da exequente, o que nem sequer alegou”.

               Ou seja, mesmo que a executada/oponente tivesse alegado, para o vir a tentar demonstrar mais tarde, a existência de bens, tal não impediria que, por o benefício da excussão ter sido excluído, a execução não pudesse ser suspensa.

               É que a suspensão da execução seria precisamente, no caso dos autos, o efeito prático da concessão do benefício da excussão.

               Como diz Januário Gomes, obra citada, págs. 1085-1086:
         “O credor, uma vez “impedido” – temporariamente – de obter do fiador o cumprimento da obrigação [pela invocação eficaz do benefício da excussão], “deverá” dirigir-se ao devedor pela forma possível – ou por uma das formas possíveis – atentas as caracte-rísticas do seu crédito. […]. Com a invocação do benefício da excussão, o fiador paralisa a perseguição do credor contra si, reme-tendo-o para os recursos da relação principal […]”

               Não existindo o benefício da excussão, a suspensão da execução não podia ser concedida a outro pretexto, sob pena de ser frustrar a razão de ser da exclusão daquele benefício.

               Por isso, de novo aqui, a entender-se que as conclusões 1, 2 e 3 do recurso alguma coisa tenham a ver com esta fundamentação, para a pôrem em causa, é manifesto que nenhuma razão têm: não interessava saber se a massa insolvente tinha ou não bens.

                                                                 III

               Pretende depois a recorrente – nas suas alegações, que aqui se estão a considerar porque as conclusões do recurso de pouco podem ser aproveitadas dadas as suas imprecisões – que todos os factos que acima foram referidos no relatório deste acórdão (à excepção dos já considerados e daqueles que se referem à oposição à penhora), têm a ver com, e implicam, a impossibilidade originária e subjectiva da obrigação, o que, para ela, levaria, ao que se crê (atentas as normas invocadas), à nulidade (art. 401/1 do CC) e à extinção da obrigação (art. 791 do CC).

              E a recorrente diz isso, apesar de também referir a norma do art. 401/3 do CC que logo esclarece que “só se considera [originariamente] impossível a prestação que o seja relativamente ao objecto e não apenas em relação à pessoa do devedor”. Pelo que, como diz a exequente, não será despiciendo citar Galvão Telles, o qual diz:
         “A impossibilidade subjectiva que consiste, não em o deve-dor estar impedido de realizar a prestação, mas em estar impedido de a realizar por falta de meios económicos, não é liberatória […]” (Direito das Obrigações, 7ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág.  365, nota 1).

               E a executada também faz aquela alegação apesar do teor literal do art. 791 do CC que apenas se refere às obrigações em que o devedor, no cumprimento da obrigação, não se pode fazer substituir por terceiro (por infungibilidade ou impraticabilidade, como explica Galvão Telles na obra citada), o que não é, manifestamente, o caso dos autos.

               Para além de que, como diz Antunes Varela, CC anotado, Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, esta impossibilidade tem de ser super-veniente, o que nada tem a ver com o caso, segundo os factos alegados pela executada/oponente.

               Tudo isto logo implicaria a improcedência desta oposição, para o que também serviria o que a sentença diz a propósito:
         “Tal também não constitui fundamento legal admissível para oposição à execução, quando muito, seria[…] fundamento para requerer a redução ou o levantamento da penhora caso tivesse sido penhorado um salário ou pensão inferiores ao salário mínimo nacional, o que não ocorre nos autos.”

               Por tudo isto, como se vê, o saneador sentença tinha todos os dados necessários para se pronunciar sobre a suposta impossibilidade originária e subjectiva para o cumprimento da obrigação, improcedendo, por isso, também as conclusões 4ª e 7ª e a nulidade invocada na 4ª.

                                                                IV

               E o resultado seria o mesmo se se tentasse ler a maior parte daque-les factos – que agora a oponente/executada pretende ligar à impossi-bilidade – à luz de outras normas, não citadas pela recorrente, quais sejam, as que têm a ver com as faltas ou vícios da vontade previstos nos arts. 246, 247 e  251 a 254, todos do CC.

               É que a oponente/executada não disse não ter consciência de ter feito uma declaração, mas apenas que “não tinha consciência das implicações da assi-natura do contrato”, o que não é o mesmo e não pode ser integrado no art. 246 do CC.

               Também o erro que implicitamente invoca (apenas compareceu no acto - de assinatura do contrato de reestruturação - por lhe terem dito que o teria de fazer devido à sua condição de casada), não é um erro na vontade declarada e por isso não pode ser integrado no art. 247 do CC.

               A simples falta de consciência das implicações do contrato, não corres-ponde, só por si, também, a erro sobre o objecto do negócio - para tal, a oponente teria que ter dito o que é que pensava ter estado a contratar em vez do que de facto contratou – art. 251 do CC.

               Também não é invocado um erro sobre os motivos do negócio (art. 252 do CC), pois que a executada nem sequer diz porque é que contratou (apenas diz que compareceu por engano, mas já não o que é que a levou a contratar).

               Por fim, a oponente também não diz que o dolo - que pode implicita-mente entender-se invocado – a tenha determinado a fazer a declaração de von-tade (apenas a levou a comparecer…), o que impede a integração na previsão do art. 254, conjugada com o disposto no art. 253, ambos do CC.

               O que tudo reforça a improcedência das conclusões da recorrente: foi ela, executada/oponente que, como se vê, não alegou factos suficientes para preencher a previsão normativa de normas que pudessem levar à procedência das pretensões que deduziu. E por isso era inútil a produção de prova sobre os poucos factos, e irrelevantes na sua maior parte, que alegou.

                                                                 V

               Quanto à conclusão 5ª, é evidente o lapso da recorrente: o saneador sentença tem suficiente fundamentação para tudo o que decide e os factos que invocou eram suficientes para o que decidiu.

                                                                VI

               A sentença não pôs em causa o direito da executada opor à exequente qualquer causa extintiva da obrigação e conheceu da mesma, pelo que improcede também a conclusão 6ª.

                                                                VII

               A título de conhecimento oficioso, considerou-se, também a possi-bilidade da nulidade da fiança. Afasta-se essa questão, porque o caso não assume a configuração de um fiança geral e por isso esta não é nula por in-determinabilidade do objecto. A fiança dos autos só garantia os créditos resultantes do contrato de reestruturação dado à execução (tem-se em vista, designadamente, aquilo que é dito na doutrina e jurisprudência  invocadas pelo acórdão do TRC de 18/06/2008, publicado sob o nº. 0832552 da base de dados do ITIJ, que faz a síntese do estado de coisas actual sobre a questão: I. Para que a fiança de obrigações futuras seja válida, torna-se necessário que estas, à data da celebração do negócio jurídico, sejam determináveis por parâmetros objectivos, isto é, “o garante deve desde o início conhecer os limites da sua obrigação ou, ao menos, o critério ou critérios de fixação desses limites”. II. Os critérios para avaliar os limites da obrigação variam em função de cada situação, podendo passar pela descrição das operações a efectuar, por um especial conhecimento do fiador em relação às operações comerciais a realizar pelo afiançado e das respectivas necessidades de crédito. III. Fiança “omnibus” é a que “se estende às obrigações decorridas ou a decorrer de certa ou certas relações de negócios”; fiança geral é a que é “prestada para todas as obrigações do devedor principal, resultantes de um qualquer título ou causa, de operações económicas de qualquer género ou espécie, inclusive ilícito”. IV. A possibilidade de determinação tem de ser vista no contexto, isto é, se existe algum negócio jurídico contemporâneo a garantir, se a origem, o prazo, os montantes e as relações entre os outorgantes permitem inferir, com segurança, se há possibilidade, ou não, de enquadrar esses créditos futuros na fiança prestada […]”.

                                                                 *

               Sumário:                                   

               “[…] Uma vez aprovada uma medida de recuperação, que impeça o credor de executar o devedor, ou uma vez decretada a falência [= insolvência], que, entre outras consequências, impede, quer a instauração quer o prosseguimento duma execução singular contra o devedor-falido [= insolvente] ocorre uma grave situação de impedimen-to à execução, que pode caber na al. b) do art. 640 do CC, racionalmente interpretada”, tirando ao fiador o benefício da excussão.

                                                                 *

               Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto, manten-do-se a decisão recorrida.

               Custas pela executada/oponente.


Pedro Martins ( Relator )
Virgílio Mateus
António Carvalho Martins