Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3255/09.1TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: CASO JULGADO MATERIAL
PARTILHA
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 493º, NºS 1 E 2, 494º, ALÍNEA I) E 495º DO CPC.
Sumário: I – A sentença de homologação da partilha em processo de inventário forma caso julgado material relativamente às questões condicionantes ou modeladoras da forma de realização dessa partilha, nas quais não tenha ocorrido remessa dos interessados para os meios comuns.

II – Assim, se a partilha, expressa no mapa respectivo homologado por sentença, assentou no pressuposto expresso de um legado testamentário ter sido efectuado por conta da legítima do herdeiro, não pode uma sentença posterior, sem ofensa ao caso julgado, condenar os herdeiros a reconhecerem que esse mesmo legado foi por conta da quota disponível da testadora.

III – Sendo a verificação da excepção de caso julgado de conhecimento oficioso (artigos 494º, alínea i) e 495º do CPC), é ela acessível ao tribunal de recurso, mesmo que não tenha sido tal matéria invocada no processo (no segundo processo) anteriormente à decisão recorrida, só aparecendo nas alegações de recurso.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

            1. Em 29 de Dezembro de 2009[1], R… (A. e nesta instância Apelado) demandou a Herança ilíquida e indivisa por óbito de M… – posteriormente corrigiu o A. a referenciação subjectiva da acção[2] para todos os herdeiros: … (RR. e aqui Apelantes) –, pedindo contra todos estes a prolação de Sentença condenando-os a reconhecerem, quanto à referida herança, “[…] que a vontade da testadora M…, no testamento elaborado em 31/10/2005[[3]] através de testamento efectuado no Cartório Notarial de Cantanhede a cargo da Notária Licenciada … era de afectar o legado deixado ao A. à quota disponível da herança”.

            Diz o A. a este respeito que a de cuius sua mãe lhe legou, através desse testamento, “[…] a fracção autónoma designada pelas letras ‘…’, correspondente ao segundo andar frente poente sul, destinado a habitação, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na …, sendo que não clarificou no texto do testamento se o legado seria por conta da legítima do A. ou por conta da quota disponível do testador. Embora fosse vontade da testadora afectar esse legado à sua quota disponível, não prejudicando o A., já que efectuara doações de imóveis aos outros filhos, sempre com dispensa de colação.

            1.1. Nas contestações apresentadas excepcionaram os RR. a ineptidão da p.i. e impugnaram o pedido, sendo que, no que interessará à economia decisória deste recurso, referiram no final dos respectivos articulados o seguinte:
“[…]
40. Pelo que, não se entende a atitude do ora Autor que vem com a presente acção pôr em causa a vontade da testadora, quando já estando a decorrer processo de inventário relativo a mesma herança, Processo n.º …, que corre seus termos no 1.º Juízo do Tribunal da Figueira da Foz,
41. Não manifestou qualquer discordância ou sequer reclamou do legado em testamento e da sua incorporação na referida herança.
[…]” (os sublinhados foram aqui acrescentados).

            E, o que é facto é que – como veremos no subsequente relato – a acção prosseguiu até à Sentença final, a decisão que gerou o presente recurso, sem que qualquer das partes se tenha referido (no caso dos RR. voltado a referir) à pendência do inventário ou a qualquer vicissitude da tramitação do mesmo, designadamente à prolação nele de Sentença final transitada (o que ocorreu em 12/01/2011, v. nota 13, infra). Tal inventário foi, pois, marchando em paralelo a esta acção até ao seu final. Aliás – o que também não deixa de se sublinhar com estranheza –, nenhum dos dois Juízes deste processo (o que preparou a acção e o que a julgou) detectaram a questão de litispendência que a referência pelos RR. na contestação da existência desse inventário (que já estava pendente em 29/12/2009), ostensivamente, era susceptível de introduzir nesta acção[4].

            1.2. Foi assim que, findos os articulados, foi o processo saneado[5] e condensado no final de Junho de 2012[6], prosseguindo para o julgamento, findo o qual, depois de fixados os factos por referência à base instrutória, foi a acção decidida em 21/05/2013, pela Sentença de fls. 122/135corresponde esta à decisão objecto deste recurso –, no sentido da total procedência[7].

            1.3. Recorreram então os RR. A… (a cabeça de casal no inventário) e marido, concluindo na motivação de tal recurso, entre outros aspectos, o seguinte (restringimos a transcrição às conclusões que se referem ao fundamento do recurso que determinará a decisão desta apelação):
“[…]

            1.3.1. À motivação deste recurso anexaram os Apelantes o documento que consta de fls. 147/190. Este corresponde a uma certidão extraída do processo de inventário nº …, contendo as seguintes peças do referido inventário: o auto de juramento e declarações da cabeça de casal, a relação de bens apresentada pela cabeça de casal [8], a acta da conferência de interessados, realizada em 18/03/2009 [9], o mapa informativo, o mapa da partilha [10] e a Sentença homologatória da partilha, datada de 15/12/2010 e que transitou em julgado em 12/01/2011[11]. Desta Sentença consta o seguinte:
“[…]
Procede-se a inventário por morte de M…, falecida em 27/12/2005, sendo cabeça de casal A...
Após a conferência, foi elaborado mapa informativo (fls. 537).
Reclamadas e pagas tornas (fls. 541 e 551), foi elaborado mapa definitivo (fls. 566 a 572), colocado em reclamação, sem que qualquer interessado tenha reclamado.
Não há impedimento a que a sentença seja proferida.
Em face do exposto, homologo por sentença a partilha constante do mapa de fls. 566 e 572.
[…]”.

            1.3.2. Note-se, enfim, que as alegações de recurso dos Apelantes foram notificadas ao Apelado[12], não tendo este respondido ao recurso, valendo isto por considerarmos ter sido facultada ao Apelado possibilidade de exercício do contraditório quanto à questão do caso julgado introduzida pelos Apelantes nas conclusões A a F acima transcritas.


II – Fundamentação

            2. Relatado o iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar a apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pelos Apelantes – transcrevemo-las no texto e em nota no antecedente item 1.3. – operam a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) – ou, se se entendesse aplicável o Novo CPC, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º deste. Assim, fora das conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo, em qualquer dos casos, o artigo 660º, nº 2 do CPC, ou o artigo 608º, nº 2 do Novo CPC).

            No presente caso – e continuamos a referir-nos, preambularmente, à delimitação do objecto da apelação e às questões acessíveis à instância de recurso – é relevante sublinhar, como a subsequente exposição tornará claro, que “[n]o direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento [,sendo que isto] significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida […]”. Todavia, não vale esta restrição para matéria que se configure como de conhecimento oficioso, estando “[salvaguardada], naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, [de tal matéria][13].

            Ora, a excepção de caso julgado – que já de seguida veremos se verifica neste caso – constitui precisamente matéria de apreciação oficiosa (artigos 494º, alínea i) e 495º do CPC), o que, aliás, ilustra plenamente o sentido da vinculação dele decorrente, enquanto impossibilidade de num outro processo se gerar uma decisão contraditória com o caso julgado anteriormente formado. E essa incidência (a possibilidade de conhecimento oficioso) actua aqui, autorizando o acesso do Tribunal de recurso a matéria que só foi alegada posteriormente à decisão recorrida, proferindo este – esta Relação –, legitimamente, decisão sobre essa questão. 

            2.1. Interessa esta última asserção, tendo presente que nas alegações de recurso, com correspondência nas conclusões A a F supra transcritas, introduziram os Apelantes uma questão nova, não apreciada pela primeira instância (e, para sermos totalmente rigorosos, não suscitada junto da primeira instância[14]). Referimo-nos à invocação da existência, prévia à decisão aqui recorrida, de caso julgado formado pela Sentença homologatória da partilha proferida no inventário nº ...

            2.1.1. A questão que a este respeito se coloca prende-se com o alcance temático do caso julgado formado pela Sentença homologatória da partilha proferida no inventário, importando determinar – porque disso depende a aferição da incidência aqui do caso julgado – se desta decorre o contrário do afirmado na decisão ora impugnada, gerando-se a situação de sobreposição (de conflito) de afirmações sobre o mesmo tema, sejam elas contraditórias ou redundantes, a que a excepção de caso julga obsta[15].

            Aqui, como vimos, declarou-se que a vontade da testadora M…, no testamento de fls. 9/10 e relativamente ao legado aí instituído, incidindo este sobre o bem imóvel que no inventário correspondeu (correspondia) à verba 113, era (era vontade da testadora) a de afectar esse legado à respectiva quota disponível. Ora, no inventário, esse legado fora, no mapa da partilha, expressamente imputado, contrariamente ao que resulta da Sentença destes autos, na legítima do A., sendo que a partilha se efectuou nesses termos e a Sentença proferida no inventário, já transitada em julgado, homologou nesses precisos termos a partilha constante do mapa[16].

            Entendemos, assim, que o caso julgado formado por via do trânsito da Sentença do inventário abrangeu (tematicamente) a asserção contrária à afirmada na Sentença aqui apelada, sendo o conteúdo desta, pois, incompatível com o caso julgado que já se havia formado, sendo aquele, e não o que aqui se decidiu em primeira instância (mesmo que se confirmasse a Sentença apelada), que prevalece.

            Com efeito, quanto ao caso julgado formado no processo de inventário, relativamente a questões condicionantes ou modeladoras da forma de realização da partilha, nas quais não tenha ocorrido remessa dos interessados para os meios comuns (para fora do inventário), entendemos abrangidas estas questões condicionantes ou modeladoras pelo efeito de caso julgado gerado nesse inventário, nos termos do artigo 671º, nº 1 do CPC. A este respeito, tenha-se presente o entendimento comum na nossa Doutrina – que a presente decisão reflectirá – quanto aos reflexos do caso julgado material formado pela sentença de partilha:
“[…]
Na pendência do inventário agitam-se questões e o juiz deve procurar dar-lhes solução sempre que as provas a produzir se compadeçam com a índole do processo, isto é, quando não demandem larga indagação.
Da decisão do juiz resultam efeitos não só para os interessados na herança como também para os intervenientes na solução, salvo se for expressamente ressalvado o direito às acções competentes, entendendo-se que intervieram na solução de uma questão as pessoas que a suscitaram ou sobre ela se pronunciaram, e ainda as que foram ouvidas, embora não tenham dado resposta (CPC, artigo 1397º, nº 2).
Daqui resulta a subsistência de caso julgado no tocante a todas as questões assim discutidas, com os efeitos atribuídos por lei, desde que procurem suscitar-se de novo entre as mesmas partes.
[…]”[17].

            2.2. Valem as antecedentes considerações, pois, como afirmação aqui da relevância do caso julgado – da excepção dilatória de caso julgado (artigos 493º, nºs 1 e 2 e 494º – formado pela Sentença que homologou a partilha no processo de inventário nº … do 1º Juízo do Tribunal da Figueira da Foz, sendo que esta circunstância determinará que esta Relação absolva os RR. da instância, por verificação de uma excepção dilatória (artigo 493º, nº 2 do CPC), e que julgue procedente o recurso.

            Antes, porém, cumprindo o que determina o nº 7 do artigo 713º do CPC, indica o ora relator o seguinte sumário:
I – A sentença de homologação da partilha em processo de inventário forma caso julgado material relativamente às questões condicionantes ou modeladoras da forma de realização dessa partilha, nas quais não tenha ocorrido remessa dos interessados para os meios comuns;
II – Assim, se a partilha, expressa no mapa respectivo homologado por sentença, assentou no pressuposto expresso de um legado testamentário ter sido efectuado por conta da legítima do herdeiro, não pode uma sentença posterior, sem ofensa ao caso julgado, condenar os herdeiros a reconhecerem que esse mesmo legado foi por conta da quota disponível da testadora;
III – Sendo a verificação da excepção de caso julgado de conhecimento oficioso (artigos 494º, alínea i) e 495º do CPC), é ela acessível ao tribunal de recurso, mesmo que não tenha sido tal matéria invocada no processo (no segundo processo) anteriormente à decisão recorrida, só aparecendo nas alegações de recurso.


III – Decisão

            3. Face ao exposto, na procedência do recurso, revoga-se a Sentença apelada, absolvendo-se os RR. da instância, por verificação da excepção de caso julgado.

            Custas em ambas as instâncias a cargo dos RR./Apelados.


Tribunal da Relação de Coimbra, recurso julgado em audiência na sessão desta 3ª Secção Cível realizada no dia 21/01/2014 

(J. A. Teles Pereira - Relator)
(Manuel Capelo)
(Jacinto Meca)


[1] As datas neste recurso – como se verá… – são muito importantes. Com a indicação desta primeira data, a da propositura da acção (29/12/2009), sublinhamos o elemento central da aplicação à presente instância de recurso do regime processual originariamente decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Não se aplica aqui, desta feita por estar em causa decisão recorrida (a de fls. 122/135) anterior a 1 de Setembro de 2013 (de 21/05/2013), o texto do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (v. os respectivos artigos 7º, nº 1 e 8º, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2013. p. 15). Assumimos ser discutível se a regra do artigo 7º, nº 1 da Lei nº 41/2013, a única disposição do Diploma introdutório do Novo Código de Processo Civil que se refere à instância de recurso, abrange os recursos referidos a decisões anteriores a 01/09/2013 aos quais já se aplicasse, como aqui sucede, o regime do DL nº 303/2007 – processos instaurados depois de 01/01/2008 –, sendo que quanto a estes, em rigor, não há qualquer regime transitório expressamente definido, pelo que há que entender que, em tais casos, se continuará a aplicar o regime antigo, aqui sinónimo do regime “originário” do DL nº 303/2007, até porque, se o legislador se preocupou em definir um regime para as acções instauradas antes de 01/01/2008, não tem sentido concluir que um regime idêntico também vale para as acções propostas depois dessa data, além de que a “tradição” dos nossos Diplomas introdutórias de reformas profundas do Processo Civil é tratar a instância de recurso individualizadamente.
[2] O que foi aceite pelo Despacho de fls. 76/77.
[3] É este o testamento que consta de fls. 8/10.
[4] Questão essa (a litispendência) que era de conhecimento oficioso, nos termos resultantes da conjugação dos artigos 494º, alínea i) e 495º ambos do Código de Processo Civil.
[5] Sem qualquer referência ao inventário e à incidência deste nos pressupostos formais desta instância (tenha-se presente a este respeito o disposto no nº 3 do artigo 510º do Código de Processo Civil).
[6] Sabemos agora pela certidão junta com as alegações de recurso a fls. 147/190 que em Junho de 2012 já havia transitado em julgado, no inventário, a Sentença homologatória da partilha (havia transitado em 12/01/2011, v. nota 13, infra).
[7] Aqui se transcreve o pronunciamento decisório da Sentença:
“[…]

Pelo exposto, julgando-se a presente acção provada e procedente:

– Declara-se que a vontade da testadora M…, no testamento elaborado no dia 31 de Outubro de 2005, no Cartório Notarial de Cantanhede (e melhor identificado supra, no ponto 3 dos factos provados da presente sentença), foi a de afectar o legado deixado ao demandante R… à quota disponível da herança da testadora;

– Condenam-se os Réus … a reconhecerem o direito do demandante R… acabado de referir.
[…]”.
Fundou-se este entendimento do Tribunal na determinação, por via das respostas positivas aos quesitos 2º e 3º da base (v. fls. 100, cfr. fls. 119), dos seguintes factos:
“[…]

4 – M… declarou verbalmente que o legado referido no testamento identificado no ponto 3 (dos presentes factos assentes) seria por conta da quota disponível da testadora;

5 – M… declarou verbalmente que o legado referido no ponto 3 (desta factualidade provada) seria fora da herança para que o ora demandante tivesse os mesmos direitos que os seus irmãos A… e J…, que já tinham recebido bens fora da herança.
[…]”.
Ora, em função disto, entendeu o Tribunal que a vontade da testadora, captada aqui extra-texto, era a de tratar o seu filho ora A. em pé de igualdade com os restantes irmãos, os quais, por via de anteriores doações com dispensa de colação, tinham recebido bens fora da herança. Disse a este respeito, conclusivamente, o Tribunal:
“[…]

[R]ecorde-se que no caso dos presentes autos se provou ter a mãe do demandante, M…, declarado verbalmente que o legado referido no testamento em questão seria por conta da quota disponível dela, testadora, mais acrescentando, também verbalmente, que o dito legado seria fora da herança para que o ora demandante tivesse os mesmos direitos que os irmãos, que já tinham recebido bens fora da herança.

Os elementos acabados de expor permitem, sem dúvida, reproduzir a vontade da testadora, mãe do ora A., no momento contextual da celebração do testamento em questão, mais permitindo dissipar as eventuais dúvidas que pudessem existir sobre o sentido do legado atribuído ao demandante.
[…]”.
[8] Nesta, indica a cabeça de casal o seguinte, relativamente ao prédio correspondente ao legado cuja natureza se discute nesta acção:
“[…]
Legado feito pela falecida M…, no estado civil de divorciada, a favor de seu filho R…, divorciado.

113º
Fracção autónoma designada pelas letras …, correspondente ao ...
[…]”
[9] Dessa acta resulta, no que tange ao prédio aqui em causa (a verba 113 da relação de bens), não ter esta sido licitada, sendo que, posteriormente nessa conferência, alcançaram todos os interessados (também o aqui A.) acordo no sentido da adjudicação ao ora A./Apelado dessa verba 113 pelo valor constante da relação de bens.
[10] Neste, quanto ao legado ao ora A./Apelado (respeitante à verba 113), consignou-se o seguinte:
“[…]
O legado é imputável na legítima do filho R… por não constar do testamento ter sido efectuado por conta da quota disponível.
[…]”.
[11] Existe erro de escrita na data indicada na parte narrativa da certidão de fls. 147 (01/02/2010), data que até seria impossível tendo presente que a Sentença foi proferida em 15/12/2010. Esclarecendo esta situação, tomou o ora relator a iniciativa de contactar telefonicamente o 1º Juízo do Tribunal da Figueira da Foz, sendo-lhe transmitido pela Senhora Escrivã que a Sentença em causa transitou em 12/01/2010, sendo que dela pretendeu o aqui A. interpor recurso, que não foi admitido por despacho de 14/02/2011, correspondente à referência citius 3578150.
[12] V. a referência a fls. 136, no rosto do documento de envio das alegações, à notificação entre Mandatários nos termos do artigo 229º-A do Código de Processo Civil, cfr. o artigo 260º-A, nº 3, segundo trecho, do Código de Processo Civil.
[13] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lisboa, 1997, pp. 395/396. No mesmo sentido, v. José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, 2008, p. 8 e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., pp. 84/86.
[14] A referência nas contestações à existência do inventário (v. item 1.1., supra) teve a virtualidade – todavia depois desperdiçada – de alertar (o Tribunal) para o problema, mas, não obstante, não se traduziu no suscitar da excepção correspondente, que ao tempo era a de litispendência. Da mesma forma, depois da formação de caso julgado em Janeiro de 2011, ninguém – nem os RR. que nisso tinham todo o interesse – invocou a situação, previamente ao julgamento em primeira instância.
[15] Como refere Miguel Teixeira de Sousa, “[…] o caso julgado produz […] dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem) e impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, repitam) o que foi decidido anteriormente (quanto, por exemplo, a uma questão que é prejudicial para o conhecimento de uma outra questão)” (“Preclusão e ‘contrário contraditório’”, Cadernos de Direito Privado, nº 41, Janeiro/Março, 2013, pp. 24/25).
[16] Em termos gerais é esta caracterização dos limites objectivos do caso julgado, referidos aos fundamentos da decisão, que fazem J. Castro Mendes, M. Teixeira de Sousa:
“[…]

O conteúdo do caso julgado é só a decisão final referente ao pedido, e não mais: o caso julgado restringe-se à conclusão do silogismo judiciário, não se estendendo às suas premissas de facto ou de direito. Assim, não constituem caso julgado os fundamentos da decisão (embora tais fundamentos constituam conclusões, de certo modo decisões, do juiz). Portanto, não é possível desligar esses fundamentos da respectiva decisão e atribuir-lhes a indiscutibilidade própria do caso julgado material.

[…]

A circunstância de o fundamento não valer autonomizado da decisão implica que a decisão também não pode valer autonomizada do seu fundamento: a vinculação à decisão é sempre uma vinculação à decisão no contexto do seu fundamento. Isto significa que, sempre que se invoque uma decisão em juízo, o tribunal perante o qual essa decisão é invocada está vinculado não só à decisão, mas também aos fundamentos que constituam antecedentes lógicos e indispensáveis à sua emissão.
[…]” [Direito Processual Civil (obra em preparação), §39º, III, 1., 1.1.].
[17] João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, 3ª ed., Coimbra, 1980, p. 506/507.