Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
294/10.6TTFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: REMUNERAÇÃO
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
CLÁUSULA
PRÉMIO
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
Data do Acordão: 06/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: CL.ª 74ª, Nº 7” E “PRÉMIO TIR” DO CCTV PARA O TRANSPORTE RODOVIÁRIO, PUBLICADO NO BTE Nº 19 DE 22/05/1990. CT/2003. DESCANSO DEVIDO AO TRABALHADOR NO ESTRANGEIRO – REMUNERAÇÃO ACRESCIDA.
Sumário: I – A regularidade e a periodicidade do pagamento das quantias auferidas a título de “Cl.ª 74ª, nº 7” e “Prémio Tir” do CCTV para o transporte rodoviário, publicado no BTE nº 19 de 22/05/1990, levavam a que as ditas quantias fossem consideradas como parte integrante da retribuição e, como tal, na ausência de normas semelhantes às dos artºs 250º do CT/2003 e 262º do CT/2009, devia considerar-se que o seu valor integrava o cálculo do subsídio de férias e do subsídio de natal, no âmbito da legislação anterior ao dito CT/2003.

II – A partir da entrada em vigor do CT/2003 o valor da Cl.ª 74ª, nº 7 e do Prémio TIR deixou de integrar as prestações complementares e acessórias, salvo se o CCTV aplicável expressamente dispuser de outra maneira.

III – O referido CCTV apenas confere direito ao descanso compensatório quando ocorra trabalho no estrangeiro no dia de descanso semanal e em dia feriado – cls.ª 20º, nº 1.

IV – Não há lugar à concessão de descanso compensatório quando o trabalhador desenvolva trabalho no estrangeiro em dia de descanso complementar (no sábado – cls.ª 20ª, nº 2).

V – O não gozo dos descansos compensatórios não dá lugar ao pagamento do acréscimo de 200% previsto na cl.ª 41ª, nº 1, nem dá lugar ao acréscimo devido por trabalho suplementar.

VI – O descanso compensatório deve ser remunerado com uma quantia equivalente à paga pelo trabalho prestado em dia normal de trabalho, a não ser que se prove que o trabalhador não o gozou porque não quis, apesar de o mesmo lhe ter sido dado a gozar.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – A..., residente na Rua (…) Figueira da Foz instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra B..., SA, com sede na (…) V.N. Gaia pedindo que julgada procedente a acção seja a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 132.534,51€, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar de 24.01.2011 e até integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou sinteticamente que foi admitido ao serviço da ré em 15.05.1987, como motorista, desempenhando as funções de motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias.

De acordo com o estabelecido no CCT aplicável tinha direito a que as refeições lhe fossem pagas à factura; bem como direito à prestação prevista na cláusula 74º n.7, a uma retribuição mensal de 21.200$00, paga a título de ajudas de custo, designada por prémio TIR, o qual atenta a sua natureza mensal, certa, regular e periódica, se integra na retribuição; o acréscimo de 200% do trabalho prestado em dias feriados ou de descanso semanal ou complementar.

Que a R. não pagava ao A. as refeições à factura, nem antes das viagens lhe fazia os adiantamentos previstos nesta cláusula, antes inseria um montante variável nos recibos, que calculava ao Km, a título de ajudas de custo, deslocações e depois Clª 47-A.

[…]


+

A ré contestou impugnando os valores reclamados pelo autor, designadamente quanto aos valores das refeições, mormente quanto à sua contabilização, aduzindo que desde sempre foi tradicional aplicar um sistema de substituição das cláusulas do CCTV (47º-A e 74º-A) por um sistema de pagamento ao km, o que sucedeu na relação estabelecida entre o A. e a ré, e aceite por aquele e expresso nos recibos, sem qualquer oposição do A., recebendo aliás mais do que receberia por aplicação da cláusula 74ª-7 do CCTV. A partir de 1999 e até 2007, foi alterado o sistema de pagamento e a R. em substituição das duas cláusulas ( 47ª e 74ª 7) pagou ajudas de custo calculadas à viagem por valores pré-definidos, especificando uma parte no recibo de ajudas de custo e outra no recibo de vencimentos.

Conclui, arguindo que nesta matéria o sistema de pagamento efectuado pela ré foi mais benéfico para o A., pelo que é o mesmo admitido, nada devendo ao mesmo a tal título, e a assim não se entender, deverá ser declarada a nulidade com restituição de tudo o que foi pago.


[…]

+


Findos os articulados e saneado o processo, decidiu-se não convocar a audiência preliminar prosseguindo os autos sem ter havido lugar à selecção dos factos provados e à fixação de base instrutória.

***

II – Após realização do julgamento e decidida a matéria de facto veio a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu:

- Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 46.493,32 euros, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% (Portaria 291/03, de 8.04 e artigo 805º n2 a) e 806º do C.C.), a contar de 25-1-11, até integral pagamento.

- No mais, julgou a acção improcedente e dela absolveu a ré.


***

IIIInconformada veio a ré apelar, alegando e concluindo:

[…]

                                                                +

Contra alegou o autor rematando a sua peça com as seguintes conclusões

[…]


+

O mesmo autor veio interpor RECURSO SUBORDINADO, alegando e concluindo:

[…]


+

Contra alegou a ré concluindo em síntese:

[…]


+

Recebida a apelação o Exmº PGA emitiu parecer no sentido da sentença dever ser mantida.

+

A ré respondeu a este parecer.

***

IV – Dos factos:

Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto:

[…]


***

V - Do Direito:

Conforme decorre das conclusões da alegação dos recorrentes que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso (artºs 684 nº 3 e 685º-A nº 3, ambos do Código de Processo Civil), as questões que importa resolver são as seguintes:

Recurso independente:

1. Se o autor a partir de 1990, nos termos da regulamentação colectiva aplicável, passou a ter direito ao pagamento de quatro refeições diárias e não a três como até aí.

2. Se os subsídios de férias e de natal, a remuneração do trabalho prestado no estrangeiro em dias de descanso e em dias feriados e o pagamento do respectivo descanso compensatório não gozado a partir da entrada em vigor do Cód. do Trabalho de 2003 devem se calculados considerando apenas o salário base e as diuturnidades.

3. Se o autor apenas tem direito a um dia de descanso compensatório por cada Domingo e feriado trabalhados no estrangeiro e não também quando trabalhava ao sábado.

4. Se os dias de descanso compensatórios não gozados deves ser pagos da mesma forma com o acréscimo de 200% nos termo das Clª 41º nº 1.

Recurso subordinado:

1. Se o sistema remuneratório instituído pela ré era apenas para substituir o pagamento mensal da Clª 74ª nº 7  e da alimentação ou se era para substituir em bloco todo o sistema remuneratório que resulta da aplicação do CCTV  

2. Se o autor tem direito ao pagamento do equivalente a uma refeição por estar ao serviço da R pelo menos 4 horas no período compreendido entre as 0h e as 7h

Das refeições:

Na verdade o tribunal a quo na contabilização do valor atinente às refeições decidiu que a partir de 1990 o autor passou a ter direito, com a inclusão da ceia, ao pagamento de quatro e não a três refeições diárias (v. ponto 18).

E isto porque, como se assinala no despacho que decidiu a matéria de facto, “relativamente aos custos com a alimentação dos motoristas no estrangeiro, cumpre esclarecer que se considerou separadamente o período até Janeiro de 1990, em que o autor só tinha direito a pequeno-almoço, almoço e jantar (cláusula 47º-A do CCTV/80 na redacção até 22/51990), e o período a partir de Fevereiro de 1990, em que o autor passou a ter direito a pequeno-almoço, almoço, jantar e ceia (BTE 19, de 22/5/1990)”.

Contra este entendimento se insurge a recorrente alegando que o direito à ceia apenas foi instituído para os motoristas do serviço nacional, o que não é o caso do autor, motorista do serviço internacional ao qual é aplicável o regime específico referente a este tipo de serviço.

Na revisão de 1982 do CCTV aplicável (BTE nº 16 de 29/04/1982) fez-se constar duas cláusulas no que respeita às refeições alojamento e deslocações. Uma, a 47ª, referente aos trabalhadores deslocados no continente (serviço nacional) e outra, a 47ª-A, respeitante aos trabalhadores deslocados no estrangeiro (serviço internacional).

Com a revisão operada em 1990 (BTE 19 de 22/5/90) não só os trabalhadores do serviço nacional (clª 47ª) como também os trabalhadores deslocados fora do País passaram a ter direito a mais uma refeição (ceia), bastando para tanto ler a alínea a) da Clª 47ª -A na redacção da revisão de 1990 (“os trabalhadores deslocados no estrangeiro têm a seguintes condições direito ao pagamento das despesas efectuadas com refeições (pequeno almoço, almoço, jantar e ceia), mediante factura”).

Parece-nos, pois, evidente que, ao contrário do alegado pela recorrente, a partir de 1990 o autor, como motorista do serviço internacional, passou a ter direito ao pagamento de quatro refeições, mostrando-se assim correctas as contas efectuadas na 1ª instância.

Do cálculo dos subsídios de férias e de natal, da remuneração do trabalho prestado no estrangeiro em dias de descanso e em dias feriados e dos descansos compensatórios não gozados a partir da entrada em vigor do Cód. do Trabalho de 2003.

O tribunal recorrido considerou que no cálculo das referidas componentes remuneratórias havia que ponderar o valor da Cláusula 74º nº 7 e o valor do vulgarmente designado prémio TIR, na medida em que estas atribuições fazem parte da retribuição; e que esta ponderação devia continuar a fazer-se no âmbito de aplicação dos regimes resultantes dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009.

Lê-se na sentença que a “comparação[1] deve ser feita por referência ao momento da contratação do autor, determinando-se cada um daqueles regimes a essa data, sem possibilidade de atender-se a qualquer alteração subsequente ao regime remuneratório que seja o mais favorável e da qual resulte qualquer compressão dos direitos de crédito do aqui autor (v.g. as alterações legais decorrentes do Código do Trabalho de 2003 e 2009 em matéria de cálculo dos subsídios de férias e de Natal, de remuneração de trabalho suplementar …).

É o que resulta, em nosso entendimento, do princípio da irredutibilidade da retribuição (arts. 21º/1/c da LCT, 122º/d do CT/2003 e 129º/d CT/2009), bem assim como do estatuído nos arts. 8º/1 e 13º/1 da Lei 99/03, de 27/8”.

Não se desconhece que o STJ tem vindo a afirmar que a partir da entrada em vigor do Cód. do Trabalho o valor da Clª 74ºnº 7 e do Prémio TIR deixou de integrar as prestações complementares e acessórias, ex vi artºs 250º do CT/2003 e 262º do CT/2009, salvo se o CCTV aplicável expressamente disponha de outra maneira.

Esta Relação tem, no entanto, sustentado posição diferente relativamente a situações jurídicas constituídas em data anterior à entrada em vigor do Cód. do Trabalho e que continuaram a perdurar na vigência desta codificação.

Explicitemos:

No que concerne às situações jurídicas constituídas posteriormente à data de entrada em vigor do Cód. do Trabalho, nenhuma dúvida se levanta. A redacção dos artigos 250º e 262º parece-nos clara no sentido de só permitir que as prestações complementares ou acessórias possam ser calculadas considerando a remuneração base e as diuturnidades.

A questão coloca-se relativamente aos contratos celebrados anteriormente.

Estipulava o artigo 82.º da LCT que o conceito de retribuição abrangia “aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho” (n.º 1), compreendendo “a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie” (n.º 2), sendo que “até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador” (n.º 3).

A retribuição representava, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exigia regularidade e periodicidade no seu pagamento, apoiando a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador e assinalando a medida das expectativas de ganho do trabalhador.

No domínio do regime jurídico anterior à vigência do Código do Trabalho, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76 estabelecia que «a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo» (n.º 1), tendo os trabalhadores «direito a um subsídio de férias de montante igual ao daquela retribuição» (n.º 2).

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96 previa que “os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de Dezembro de cada ano”.

Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76, “a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo”, o que significava que o legislador teve em vista que o trabalhador em férias não fosse penalizado em termos retributivos, sendo-lhe, por isso, devida a retribuição como se estivesse ao serviço.

E o subsídio de férias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º citado, é precisamente igual à retribuição durante as férias.

Assim, face ao teor literal das normas examinadas tem, necessariamente, de se considerar que na retribuição de férias e no respectivo subsídio deve atender-se ao todo retributivo.

E o mesmo se diga relativamente ao subsídio de Natal, considerando o nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 88/96, ao prever que os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição.

Tendo em conta o teor deste preceito, pretendeu-se assegurar que o subsídio de Natal fosse, em todos os casos, de valor igual a um mês de retribuição, apontando no sentido de que, para efeito do pagamento do subsídio de Natal, devia também atender-se a todas as prestações retributivas que fossem contrapartida da execução do trabalho.

Ora, como se assinala na sentença impugnada e é posição uniforme desta Relação e também, ao que conhecemos, do próprio STJ, a regularidade e a periodicidade do pagamento das quantias auferidas a título de Clª 74ª nº 7 e prémio TIR levam a que as mesmas fossem consideradas como parte integrante da retribuição e, como tal, na ausência de normas semelhantes à dos citados artigos 250º do CT/2003 e 262º do CT/2009, se considerasse que o seu valor integrava o cálculo do subsídio de férias e de natal no âmbito da legislação anterior ao Cód. do Trabalho.

E dado o seu carácter retributivo, também o seu valor era considerado para calcular outras prestações complementares ou acessórias como sejam, no caso, o pagamento o trabalho no estrangeiro em dias de descanso e feriados e ainda para calcular o descanso compensatório não gozado a que o motorista tinha direito por ter trabalhado naqueles dias.

Com a entrada em vigor do Cód. do Trabalho o modo de cálculo das prestações complementares ou acessórias modificou-se como atrás ficou dito.

No entanto há que atentar no disposto no artigo 11º nº 1 do diploma que aprovou o Cód. do Trabalho/03 (cujo regime não vislumbrámos ter sido equacionado nos Acs. do STJ que versaram sobre o tema e citados pela recorrente) segundo o qual “a retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada e vigor do Cód. do Trabalho”.

Com tal norma pretendeu-se tutelar o montante da retribuição do trabalhador, no sentido em que a esta é dado pelo artigo 249º - P. Romano Martinez e outros Cód. do Trabalho 2003, anotado, págª 44.

Neste seguimento, esta Relação, em variados acórdãos onde a questão foi suscitada (cite-se a título de exemplo, entre muitos outros, o acórdão 1048/11.5TTLRA.C1, relatado pelo mesmo relator) tem vindo de forma uniforme a decidir que “o art. 11º da Lei n.º 99/2003, de 27/8, que aprovou o CT/2003, refere expressamente que a retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor do Código do Trabalho. Ou seja, a base de cálculo da retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal não pode ser alterada no sentido da redução dos montantes, tal como antes eram calculados.

Essa é, a nosso ver, a interpretação mais conforme com o princípio da irredutibilidade da retribuição, afirmado nas als. d) do art. 122.º do CT/2003 e do art. 129.º do CT/2009 e ao direito fundamental à segurança no emprego consignado no art. 53.º da Constituição, o qual garante a estabilidade nas condições do emprego, das quais o direito à retribuição é elemento essencial.

E, por isso, no respeito por esse princípio, também é de conservar o mesmo entendimento depois da entrada em vigor do CT/2009, o qual sem alterar, na parte em questão o regime do CT/2003, não contém, no entanto, uma norma semelhante ao referido art. 11.º da Lei n.º 99/2003”.

Tudo isto para dizer que não vemos razões para que o critério de cálculo das prestações em questão deva ser feito de modo diferente daquele que foi utilizado pela 1ª instância.

Do direito ao descanso compensatório por cada sábado trabalhado no estrangeiro:.

Na sentença entendeu-se que por cada dia de trabalho fora do País aos Sábados, Domingos e Feriados o motorista tinha direito a um dia de descanso compensatório.

O recorrente contesta este entendimento pois, do seu ponto de vista, o regime legal aplicável não atribui direito ao descanso compensatório quando o motorista presta serviço no estrangeiro aos sábados ou em outro dia de descanso suplementar e não obrigatório.

E, de facto, temos de concordar com a argumentação da recorrente que passamos a seguir.

Existem dois dias de descanso semanal: um é obrigatório (imposto por lei) e outro é complementar (autorizado por lei mas dependente de regulamentação colectiva, contrato de trabalho ou de uso da empresa ou profissão).

Com efeito, os artºs 37º e 38º do D.L. 409/71, depois os artºs 205º e 206º do CT/03 e depois o artº 232º do CT/09 distinguem o dia de descanso semanal (normalmente o Domingo) do dia de descanso complementar (normalmente ao Sábado).

A mesma distinção é feita na cláusula 20ª do CCTV, na redacção operada em 1982, a qual estipula

“1- O dia de descanso semanal coincidirá sempre que possível com o Domingo.

2- O dia de descanso complementar tem de ser fixado imediatamente antes ou a seguir ao dia de descanso semanal.”

Daqui resulta que sempre que o CCTV se refere ao dia de descanso semanal se reporta ao Domingo e que quando se pretende reportar ao sábado usará a expressão descanso complementar.

O artº 9º nºs 1 e 3 DL 421/83, depois o artº 202º nºs 1 e 3 CT/03 e depois o artº 229º nºs 1 e 4 CT2009, conforme refere a recorrente, evidenciam as diferentes repercussões dos dias trabalhados nos descansos semanais (obrigatórios) nos descansos complementares:

- trabalho suplementar em dias úteis, de descanso semanal complementar e feriado: 25% de descanso compensatório

- trabalho suplementar em dia de descanso semanal obrigatório: 100% de descanso compensatório

A mesma distinção é feita na Clª. 41ª nº 6 do CCT aplicável.

“Por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro o trabalhador, além do adicional referido nos nºs 1 e 2 desta cláusula, tem direito a 1 dia de descanso complementar[2], gozado seguida e imediatamente à sua chegada.”

O que impõe a conclusão de que o CCTV apenas confere direito ao descanso compensatório quando ocorra trabalho no estrangeiro no dia de descanso semanal (no Domingo, clª. 20ª nº 1) e em feriado.

Daí que não haja lugar à concessão de descanso compensatório quando o trabalhador desenvolva trabalho no estrangeiro em dia de descanso complementar (no Sábado, clª. 20ª nº 2), conforme decidiu já a Relação do Porto no acórdão de 10/7/2000, proc. nº 567/00 que em parte a recorrente juntou com a contestação como doc. 159 a fls 481[3].

Da remuneração dos dias de descanso compensatório não gozados:

A sentença impugnada decidiu que o trabalho em dias de descanso compensatório não gozado deve ser pago com o acréscimo com que é pago o trabalho prestado no em dias de descanso semanal, complementar ou em feriados (nº 1 da Clª 41ª).

Deste entendimento discorda a recorrente.

Ora, a cláusula 41ª do CCTV reporta-se ao trabalho em dias de descanso obrigatório ou complementar e em dia feriado e não ao trabalho prestado em dia de descanso compensatório a que o motorista tem direito por ter prestado, na nossa interpretação, serviço no estrangeiro nos dias de descanso obrigatório e feriado.

Não vemos que esta norma possa ser interpretada com referindo-se também ao descanso compensatório.

Não descortinamos na lei, nem no CCTV, a equiparação do dia de descanso compensatório a um dia de descanso semanal ou de descanso complementar.

Por outro lado, o trabalho em dia de descanso compensatório não está integrado na definição de trabalho suplementar, pelo que não pode assim ser considerado (v. artº 2º DL 421/83;202º CT/2003 e 229º CT/2009).

Os artº 7º DL 421/83; artº 258º CT/03 e 268º CT/09) não prevêem uma retribuição especial para eventual ocorrência de trabalho em dia de descanso compensatório pois ali só se distingue entre o trabalho prestado em dia útil, em dia de descanso semanal (obrigatório), em dia de descanso complementar e em feriado.

Por isso, entendemos que o não gozo dos descansos compensatórios não dá lugar ao pagamento do acréscimo de 200% previsto na nº 1 da Clª 41ª, nem dá lugar ao acréscimo devido por trabalho suplementar.

Aliás, conforme refere a recorrente, o STJ chamado a pronunciar-se sobre o não gozo do descanso compensatório a que aludia o artigo 9º nº 3 do Dec. Lei  421/83de 02/12 (que regulamentou a prestação de trabalho suplementar) decidiu não importar este dia a remuneração com o acréscimo de 100% (Ac. de 27/01/89 in BMJ, 1989. nº 383, págª 469).

Todavia, não poderão tais descansos compensatórios não gozados (e não pagos) deixar de ser remunerados à semelhança do que acontece com o descanso compensatório a que o trabalhador tem direito pela prestação de trabalho suplementar. A não ser assim estar-se-ia a coarctar a efectivação de um direito atribuído por lei ao trabalhador, tornando esse direito uma inocuidade, em nítido prejuízo do trabalhador em favor do qual foi instituído o descanso compensatório.

Daí que o descanso compensatório, a não ser que se prove que o trabalhador não o gozou porque não quis apesar de o mesmo lhe ter sido dado a gozar, deva ser, à míngua de melhor critério e salvo melhor opinião, ser remunerado com uma quantia equivalente à paga pelo trabalho prestado em dia normal de trabalho.

Em jeito de conclusão diremos:

- só a prestação de trabalho no estrangeiro nos dias de descanso semanal obrigatório e em dias feriados, e não também em dias de descanso complementar, dá direito a gozar um dia de descanso compensatório:

- O não gozo dos descansos compensatórios não dá lugar à sua remuneração com qualquer acréscimo de remuneração, designadamente com o acréscimo de 200% previsto na CLª 41º nº 1 do CCCTV ou com o acréscimo relativo à prestação de trabalho suplementar devendo, no entanto, ser remunerados com uma quantia equivalente à paga pelo trabalho prestado em dia normal de trabalho

Da matéria de facto provada (ponto nº 31) apenas conhecemos o número global dos dias de trabalho prestados no estrangeiro em dias de descanso semanal[4] e em dia feriado. Não se faz a distinção entre o trabalho prestado em dias de descanso semanal obrigatório e em dias de descanso complementar.

Por isso é impossível, com a matéria de facto disponível, quantificar o número de dias em que o autor trabalhou em dias de descanso semanal obrigatório e em dias feriados, único trabalho que, na interpretação deste tribunal, dá lugar ao gozo dos descansos compensatórios

Daí que a quantificação do número destes descansos deva ser relegada para execução de sentença.

Do sistema remuneratório instituído pela ré:

Lê-se na sentença recorrida que “importa comparar o regime remuneratório e de prestações complementares a que o autor tinha direito face a esse CCTV/80, com aquele a que foi efectivamente sujeito pela ré, para assim se aquilatar da invalidade deste último que se registará apenas se o mesmo tiver sido menos favorável para o autor do que o decorrente do CCTV aplicável [Acs. do STJ de 18.01.2005, de 10.03.2005 e de 11.10.2005, www.dgsi.pt], estando o mesmo, nessa hipótese, ferido de nulidade (art. 280º/1 CC; arts. 4º/1/3 e 531º do CT/2003; art. 14º/1 da LRCT; art. 13º/1 da LCT), a qual é de conhecimento oficioso (art. 286º CC), nulidade essa que se estenderá, naturalmente, à aceitação dada pelo autor relativamente a esse regime remuneratório”.

Na verdade o sistema remuneratório a que o autor foi sujeito pela ré será válido se se mostrar mais favorável ao trabalhador, caso contrário será nulo.

O tribunal a quo procedeu à aferição da maior favorabilidade do regime instituído fazendo uma comparação em bloco, ou seja, levando em conta todas as componentes remuneratórias constantes do CCTV.

O autor assim não entende porquanto, na sua opinião, tal regime remuneratório apenas se destinava a substituir o pagamento mensal da Clª 74ª nº 7 e da alimentação (clª 47ª-A) e não para substituir globalmente todo o sistema remuneratório que resulta da aplicação do CCTV.

E atenta a matéria de facto provada assiste-lhe razão.

Dos factos constantes dos pontos 9 a 12 resulta, de forma clara, que o sistema remuneratório se destinava ao pagamento das quantias que decorrem da aplicação das ditas cláusulas e não para pagamento de todas a componentes remuneratórias a que o autor tinha direito por efeito do regime do CCTV.

Aliás, conforme se escreveu no AC. do STJ de 24/02/99, processo nº 98S297, consultável em www.dgsi.pt/jstjnão se pode considerar um regime a aplicar em bloco e a contrapor a outro decorrente de um instrumento de regulamentação colectiva, também em bloco considerado, mas sim de aspectos específicos a atender de per si no âmbito do clausulado a título individual”.

Deste modo, tendo o autor direito a receber durante a vigência da relação laboral e nos termos do CCTV a quantia de € 195.259,68 a título de clªs 47ª-A e 74ª nº 7 e tendo, efectivamente, recebido para pagamento a esse título, nos termos do sistema remuneratório instituído, a quantia global de € 206.340,25, temos que recebeu a mais a quantia de € 11.080,57, razão pela qual este sistema é válido por se mostrar mais favorável ao trabalhador.

Mas sendo válido não quer dizer que à quantia dele resultante possam ser imputadas outras quantias que não aquelas para que foi instituído.

Quer isto dizer que, da forma como perspectivamos a questão, à sentença estava vedado imputar na quantia paga pela ré ao autor valores devidos a título de prémio TIR e de subsídios de férias e de natal.

Do direito do autor ao pagamento de uma outra refeição:

Esta questão até estará prejudicada pela solução que se chegou aquando da apreciação da primeira questão do recurso independente.

Seja como for, sempre ao autor não assistirá razão alguma na medida em que, sendo ele motorista do serviço internacional, é-lhe aplicável o disposto no Clª 47º-A (refeições fora do País) e não a Clª 47ª que se destina a regular o pagamento das refeições no serviço nacional e na qual (e só nesta) se prevê (nº 2) a situação do motorista prestar serviço com início às 0 horas.


***

VI Termos em que se decide:

1. Julgar o recurso independente parcialmente procedente em função do que se decide:

a) Declarar que apenas o trabalho prestado em dias de descanso semanal obrigatório e em dias feriados dão lugar ao gozo dos descansos compensatórios previsto na Clª 41ª nº 6 do CCTV.

b) Relegar para execução de sentença a quantificação dos dias de descanso compensatório a que o autor tem direito pela prestação de trabalho nos dias referidos em a), os quais deverão ser remunerados com uma quantia equivalente à paga pelo trabalho prestado em dia normal de trabalho.

2. Julgar o recurso subordinado parcialmente procedente em função do que se decide:

a) Declarar válido o sistema remuneratório instituído para substituição das quantias devidas decorrentes da aplicação das cláusulas 47ª-A e 74ª nº 7 do CCTV.

b) Condenar a ré a pagar ao autor a título de prémio TIR, após dedução da quantia paga pela ré ao autor a este título, a quantia € 959,58

c) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 16.484,81 a título de subsídio de férias e de Natal.

d) Condenar a ré a pagar ao autor pelo trabalho prestado em dias de descanso obrigatório e complementar e em dias feriados (Clª 41ª nº 1 do CCTV), após dedução da quantia paga pela ré ao autor a este título, a quantia de € 17.116,66.


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Custas em ambos os recursos por autor e ré na proporção do decaimento.

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(Joaquim José Felizardo Paiva - Relator)



(José Luís Ramalho Pinto)


(Luís Miguel Ferreira de Azevedo Mendes)


[1] Entre o “regime remuneratório e de prestações complementares a que o autor tinha direito face a esse CCTV/80, com aquele a que foi efectivamente sujeito pela ré, para assim se aquilatar da invalidade deste último que se registará apenas se o mesmo tiver sido menos favorável para o autor do que o decorrente do CCTV aplicável”.
[2] A referência a descanso suplementar afigura-se-nos não ser correcta pois, decorre do preceito que o que se quererá referir é descanso compensatório, ou seja, aquele que é concedido por o motorista ter trabalhado no estrangeiro em dias de descanso obrigatório e em dia feriado.

[3]  Lê-se neste aresto: “… mas tem razão quando defende que os Sábados passados ao serviço no estrangeiro não dão direito a descanso compensatório no regresso da viagem. Não pode ser outra a conclusão a extrair do disposto no nº 6 da clª 41ª conjugado com o disposto no nº 1 da mesma cláusula e com o disposto nos nºs 1 e 2 da cláusula 20ª, como se passa a explicar.

A cláusula 20ª refere-se ao “descanso semanal” e tem o seguinte teor:

“1- O dia de descanso semanal coincidirá sempre que possível com o Domingo.

2- O dia de descanso complementar tem de ser fixado imediatamente antes ou a seguir ao dia de descanso semanal.”

A cláusula faz uma distinção entre descanso semanal e descanso complementar. Utiliza os dois conceitos para exprimir realidades diferentes. O primeiro refere-se ao dia de descanso semanal obrigatório (o domingo), o segundo refere-se ao dia de descanso semanal complementar que no caso em apreço seria o Sábado. Temos de presumir que os outorgantes do CCTV souberam exprimir correctamente o seu pensamento e que, quando utilizam aquelas expressões noutras cláusulas o fazem com propriedade. E sendo assim, temos de concluir que, ao usar no nº 6 da clª 41ª a expressão por cada dia de descanso semanal, quiseram referir-se apenas ao dia de descanso semanal obrigatório, deixando de fora o dia de descanso complementar.

Chegaremos à mesma conclusão, se confrontarmos o teor do nº 1 e do nº 6 da cláusula 41ª.

“1. O trabalho prestado em dias feriados ou dias de descanso, semanal e ou complementar é remunerado com o acréscimo de 200%.

6. Por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço …”

(o sublinhado é nosso)

A diferença de redacção há-de ter algum significado e esse só pode ser o de que para efeitos de retribuição não há que distinguir entre dias de descanso obrigatórios e dias de descanso complementares. Uns e outros serão remunerados com o acréscimo de 200%, mas o mesmo não acontece para efeitos de atribuição de descanso compensatórios. Para este efeito só releva o trabalho prestado aos feriados e em dias de descanso semanal obrigatório.”
4Ao falar genericamente em “dias de descanso”, o ponto 31º da matéria de facto provada está a referir-se ao trabalho prestado quer nos dias de descanso obrigatório quer ao trabalho prestado em dias de descanso complementar.