Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
42/14.9PBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: REVOGAÇÃO DA PENA DE PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Data do Acordão: 03/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J L CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 59.º DO CP
Sumário: I – A falta de comparência do arguido nos locais em que devia prestar trabalho a favor da comunidade, nunca iniciando a execução, apesar de aceitar previamente que ali os prestaria, e a inexistência nas várias informações juntas aos autos de obstáculos insuperáveis que a justifiquem, configuram uma inequívoca recusa tácita, sem justa causa, de prestar trabalho a favor da comunidade, integrando a primeira causa de revogação daquela pena a que alude o alínea b), n.º 1 do art.59.º do Código Penal.

II – Tendo o arguido após o trânsito em julgado da sentença que lhe substituiu a pena de 4 meses de prisão por 120 dias de trabalho a favor da comunidade, praticado um crime de condução de veículo pelo qual foi condenado numa pena de 7 meses de prisão, que se encontra a cumprir, tendo sido constituído já arguido em mais três processos crime e condenado em penas de multa pela prática de um crime de ameaça e de um crime de violação de domicilio, mostra-se ainda preenchida a causa de revogação prevista na alínea c), n.º1 do art.59.º do Código Penal, pois toda esta atividade criminal significa que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido nos presentes autos não foi suficiente para que enveredasse por uma conduta conforme ao direito.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

           

     Relatório

            Por despacho proferido a 19 de setembro de 2018, a Ex.ma Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Local Criminal de Viseu - Juiz 2, decidiu, ao abrigo no disposto no artigo 59º, nº2, alíneas b) e c) do C.P., revogar a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade que foi aplicada ao arguido nos presentes autos e, em consequência, determinar o cumprimento pelo arguido da pena de 4 meses de prisão que lhe foi aplicada na sentença.

           Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o arguido …, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

I. Conforme se descortina do requerimento de interposição de recurso, a presente peça revela o inconformismo do recorrente com a decisão proferida pelo tribunal a quo.

II. Na verdade, entende o recorrente que o tribunal a quo deveria ter sopesado de forma diferente todo o circunstancialismo atinente à factualidade do caso concreto, o que, a ter sido feito, não levaria à determinação da revogação da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade e, por conseguinte, à determinação do cumprimento pelo arguido da pena de 4 meses de prisão.

III. Nos autos foi o arguido/recorrente condenado, como autor de um crime ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de prisão substituída por cento e vinte horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º, n.º 1 e 3, do Código Penal, a prestar as condições e no local que vierem a ser indicadas pela DGRS. Vindo, a 19/09/2019 o Tribunal a quo a proferir despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão anteriormente aplicada, determinando o cumprimento pelo arguido da pena de 4 meses de prisão.

IV. O despacho recorrido procedeu, salvo melhor opinião, a uma incorreta interpretação e, subsequente, aplicação da norma legal consagrada nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 59º do Código Penal.

V. Ora, o aqui recorrente não infligiu grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado. O certo é que, havendo tal violação, o que apenas por hipótese remota se alcança, é imprescindível aferir da culpa do arguido nessa atuação. Termos em que o Tribunal a quo deve aferir se o incumprimento foi de facto grosseiro e por culpa do arguido.

VI. No caso em apreço, o Tribunal a quo deveria ter concluído que foi a envolvência do foro pessoal, familiar e económica do recorrente que lhe dificultou o cumprimento da pena substitutiva de prestação a favor da comunidade.

VII. Ora, nesse período em que foi determinada tal pena, o recorrente estava em Portugal desempregado, sem forma de sustento, a viver de ajudas de amigos e, a acrescer a essa situação, tinha a sua mãe, em Inglaterra, com graves problemas de saúde na medida em que se encontrava a lutar diariamente contra um cancro.

VIII.    O recorrente, perante tal situação, viu-se obrigado a sair do território nacional para ir ter com a sua mãe à Inglaterra. Pois, esta encontrava-se gravemente doente e muito debilitada, precisando de auxílio para as suas tarefas diárias e para realização dos tratamentos a que estava a ser sujeita e necessitava ainda de apoio psicológico para conseguir enfrentar o cancro.

IX. Situação à qual acresceu, o estado debilitado do próprio recorrente. Pois, sofre de hepatite C, o que lhe provoca um cansaço extremo muito facilmente, dores nas articulações, dores no abdômen, interferindo com a sua capacidade de conseguir trabalhar e, até mesmo de realizar as suas atividades da vida quotidiana.

X. No entanto, o recorrente, além de ir apoiar a sua mãe, encarou essa ida para a Inglaterra como uma nova oportunidade para arranjar um emprego, por forma a orientar a sua vida económica e profissional.

XI. Estas circunstâncias marcaram profundamente o recorrente, provocando-lhe desorientação emocional e psíquica. O recorrente temia o que poderia vir a acontecer à sua mãe, o que fez com que ficasse de tal modo focado em a ajudar a enfrentar o dia-a-dia dia que em nada mais pensava, pois estava em causa a vida da sua própria mãe.

XII. Regressado de Inglaterra, o recorrente apresentava-se muito debilitado psiquicamente, encontrava-se desempregado, sem carta de condução.

XIII. Em resultado de todo este circunstancialismo, o recorrente acabou não conseguir cumprir a condenação dos presentes autos.

XIV. Por outro lado, o facto de ter vindo a praticar factos tipificados como crime no processo à ordem do qual se encontra, presentemente, preso a cumprir 7 meses de prisão fez com que o recorrente se consciencializasse da gravidade da sua conduta e das consequências que daí advêm, arrependendo-se amargamente da sua conduta. Pois, a sua reclusão em estabelecimento prisional é suficiente para o dissuadir da prática futura factos ilícitos.

XV. Acontece que, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo não procedeu a uma valoração correta das mesmas. Pois que, dada a situação pessoal do recorrente, o Tribunal a quo deveria ter concluído que não estão, de forma alguma, comprometidas as finalidades que estiveram na base da decisão de aplicação da pena substitutiva de prestação a favor da comunidade, em conformidade com o disposto na alínea c), n.º 2 do artigo 59.º do Código Penal.

XVI. Para além disso, o recorrente colaborou com o tribunal a quo na descoberta da verdade material, não efetuou quaisquer manobras dilatórias ou apresentou subterfúgios para tentar justificar os seus atos.

XVII. Verifica-se, portanto, que o recorrente não prestou o trabalho a favor da comunidade por causa que não lhe foi imputável.

XVIII.  Nesta conformidade, ponderando todas as circunstâncias concretas e salvo melhor opinião, e atendendo que o não cumprimento da pena aplicada não foi imputável ao recorrente, de acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 59.º do supra referido diploma legal, deverá o tribunal revogar o despacho recorrido e determinar, conforme o que se revelar mais adequado à realização das finalidades da punição, a substituição da pena de prisão fixada na sentença por multa até 240 dias; ou a suspensão da execução da pena de prisão determinada na sentença, por um período que fixa entre um e três anos, subordinando-a, nos termos dos artigos 51.º e 52.º, ao cumprimento de deveres ou regras de conduta adequados.

XIX. Ao não decidir assim, violou a sentença recorrida o disposto no artigo 59.º n.º 6 do CP, pelo que deverá ser revogada, no que à aplicação da pena de prisão concerne, devendo ser substituída por outra nos termos supra expostos.

Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão e, consequentemente, deve ser alterada a decisão recorrida em conformidade, com as legais consequências.

O Ministério Público no Juízo Local Criminal de Viseu respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e confirmação da decisão recorrida.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se integralmente o despacho recorrido.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            O despacho recorrido tem o seguinte teor:

«Pelos fundamentos constantes na douta promoção que antecede, com os quais concordamos na íntegra, e que aqui damos por reproduzidos para todos os efeitos legais, decide-se ao abrigo no disposto no artigo 59º, nº2, alíneas b) e c) do C.P., determinar a revogação da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade que foi aplicada ao arguido nos presentes autos e, em consequência, determina-se o cumprimento pelo arguido da pena de 4 meses de prisão que lhe foi aplicada na sentença.

Notifique.

Após trânsito comunique ao registo Criminal e ao TEP.»


-

            A douta promoção para que remete aquele despacho é a seguinte:

«O arguido … foi condenado nestes autos, por sentença transitada em julgado em 21/10/2014, tendo sido condenado na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, porquanto à data entendeu o Tribunal ser ainda de aplicar ao arguido uma pena de substituição não privativa da liberdade, por se entender que ainda havia um juízo prognose favorável à conduta e comportamento do arguido.

Sucede que não obstante o tempo decorrido, e estando nós em Setembro de 2018, verificamos que ao longo dos quase 4 anos do trânsito em julgado o arguido com o seu comportamento revelou que se frustrou esse juízo de prognose efectuado pelo Tribunal à data da condenação, pois que conforme resulta dos autos foram efectuadas várias e inúmeras tentativas para que o arguido cumprisse o plano do trabalho a favor da comunidade conforme foi proposto pela DGRSP e constante dos autos.

O arguido, alegando, quer problemas de saúde, quer problemas financeiros, quer problemas familiares, nunca chegou a dar início, nem quanto a nós manifestou vontade séria de dar início ao cumprimento da pena.

Acresce que ausentou-se do país para o estrangeiro, sem que previamente disso desse conhecimento quer à DGRSP, quer no âmbito deste processo, quer ao Tribunal, considerando a pena em que foi condenado neste processo.

Ademais, foi ainda o arguido advertido expressamente para a morada que consta no TIR e que o próprio forneceu, sem que formalmente inexistia qualquer outra no processo, sendo que posteriormente, e após diligências efectuadas, quer pela DGRSP, quer pelo Tribunal, se veio a apurar a morada do mesmo no estrangeiro, foi também remetida notificação a advertir expressamente de que em caso de incumprimento deste trabalho a favor da comunidade poderia vir a cumprir a pena de prisão determinada como pena principal.

Não obstante todas essas informações, não obstante todas essas advertências, o arguido não iniciou o trabalho a favor da comunidade.

Acresce que para além disso, após o trânsito em julgado da sentença que data desde já de Outubro de 2014, o arguido veio a praticar factos tipificados como crime, pelos quais foi condenado em pena de prisão, nomeadamente no âmbito do processo à ordem do qual o arguido se encontra preso a cumprir 7 meses de prisão, o que significa quanto a nós que a condenação sofrida nestes autos não foi suficiente para que o arguido enveredasse por uma conduta conforme o direito.

Por outro lado ouvido nesta diligência, e confrontado com o incumprimento, entendemos que o arguido ainda revela alguma imaturidade, no sentido de que a condenação que sofreu em pena de prisão e que o Tribunal à data lhe concedeu uma oportunidade desta pena ser em liberdade, substituindo-a por trabalho a favor da comunidade, porquanto as justificações que o arguido apresenta, designadamente as circunstâncias económicas, e situações familiares, por si só não são impeditivas do cumprimento do trabalho a favor da comunidade. Aliás, tais circunstâncias deveriam outrossim motivar o arguido a cumprir a pena de 120 horas de trabalho a favor da comunidade por forma a evitar o cumprimento dos 4 meses de prisão, essa sim, a nosso ver, que lhe iria causar mais transtorno quer a nível familiar, que a nível económico.

Nesta medida, o MºPº promove a revogação do trabalho a favor da comunidade e que seja determinado o cumprimento dos 4 meses de prisão.».


*

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Como bem esclarecem os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, «Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente (...) a questão a decidir é a seguinte:

- se a decisão recorrida violou o disposto no art.59.º, n.ºs 2, alíneas b) e c) e 6, do Código Penal, ao revogar a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade.

            Passemos ao seu conhecimento.

            O arguido … defende que a decisão recorrida violou o disposto no art.59.º, n.ºs 2, alíneas b) e c) e 6, do Código Penal, ao revogar-lhe a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade, apresentando, no essencial, os seguintes argumentos:

- O ora recorrente não infligiu grosseiramente os deveres decorrentes da pena em que foi condenado e, a haver violação, não foi grosseira e por sua culpa.

No período em que foi determinada a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, o recorrente estava em Portugal desempregado, sem forma de sustento, a viver de ajudas de amigos e tinha a sua mãe, em Inglaterra, com um cancro, muito debilitada, precisando de auxílio para as suas tarefas diárias e realização dos tratamentos e necessitava ainda de apoio psicológico. Perante tal situação, o ora recorrente viu-se obrigado a ir ter com a sua mãe à Inglaterra, e encarou ainda essa ida para a Inglaterra como uma nova oportunidade para arranjar um emprego, por forma a orientar a sua vida económica e profissional.

 Acrescia ainda o estado debilitado do próprio recorrente, que sofre de hepatite C, o que lhe provoca um cansaço extremo muito facilmente, dores nas articulações, dores no abdômen, interferindo com a sua capacidade de conseguir trabalhar e, até mesmo de realizar as suas atividades da vida quotidiana.

Estas circunstâncias marcaram profundamente o recorrente, provocando-lhe desorientação emocional e psíquica.

- Regressado de Inglaterra, o ora recorrente apresentava-se muito debilitado psiquicamente, desempregado e sem carta de condução.

- O facto de ter vindo a praticar factos tipificados como crime no processo à ordem do qual se encontra presentemente preso a cumprir 7 meses de prisão fez com que o recorrente se consciencializasse da gravidade da sua conduta e das consequências que daí advêm, arrependendo-se amargamente da sua conduta.

- O recorrente colaborou com o Tribunal a quo na descoberta da verdade material, não efetuou quaisquer manobras dilatórias ou apresentou subterfúgios para tentar justificar os seus atos.

- Ponderando todas as circunstâncias concretas e atendendo a que o não cumprimento da pena aplicada não foi imputável, deverá o Tribunal da Relação revogar o despacho recorrido e determinar, de acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 59.º do Código Penal e o que se revelar mais adequado à realização das finalidades da punição, a substituição da pena de prisão fixada na sentença por multa até 240 dias ou a suspensão da execução da pena de prisão determinada na sentença, por um período que fixa entre um e três anos, subordinando-a, nos termos dos artigos 51.º e 52.º, ao cumprimento de deveres ou regras de conduta adequados.

Vejamos.

Antes de apreciarmos a conduta do arguido, fixemos aqui o regime legal que subjaz à pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

O art.58.º, n.º1 do Código Penal, na redação vigente à data dos factos e da sentença proferida nestes autos, estatuía que «Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

A pena de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade (art.58.º, n.º 2 do Código Penal).

Exigindo-se a adesão do arguido a esta pena, ela só pode ser aplicada com aceitação do condenado (art.58.º, n.º 5 do Código Penal).

O pressuposto formal desta pena é, deste modo, a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade. O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação ativa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.      

O art.59.º do Código Penal, sob a epígrafe «suspensão provisória, revogação, extinção e substituição» estabelece, por sua vez, na parte com interesse para a presente decisão, o seguinte:

«1. (…).

   2 - O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:

     a) (…);

     b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou

     c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

      (…)

6 - Se o agente não puder prestar o trabalho a que foi condenado por causa que lhe não seja imputável, o tribunal, conforme o que se revelar mais adequado à realização das finalidades da punição:

     a) Substitui a pena de prisão fixada na sentença por multa até 240 dias, aplicando-se correspondentemente o disposto no n.º 2 do artigo 45.º; ou

     b) Suspende a execução da pena de prisão determinada na sentença, por um período que fixa entre um e três anos, subordinando-a, nos termos dos artigos 51.º e 52.º, ao cumprimento de deveres ou regras de conduta adequados.».

No que respeita ao primeiro dos fundamentos de revogação a que alude a alínea b), n.º 2 do art.59.º do Código Penal - recusa sem justa causa, a prestar trabalho -, o mesmo tem lugar quando o condenado rejeitar, sem motivo ponderoso, prestar o trabalho que lhe foi determinado no Plano de execução da prestação de trabalho a favor da comunidade, elaborado pelos serviços de reinserção social, nos termos do art.496.º do Código de Processo Penal.   

Essa recusa poderá ser expressa, mas também poderá ser tácita, exigindo-se neste caso um comportamento inequívoco do condenado de não prestação do trabalho a favor da comunidade.

Quanto à infração grosseira dos deveres decorrentes da pena a que foi condenado - segundo dos fundamentos de revogação a que alude a alínea b), n.º 2 do art.59.º do Código Penal - resulta medianamente claro, do texto da lei, que que o simples incumprimento, ainda que com culpa, dos deveres decorrentes da pena de prestação a favor da comunidade, pode não justificar a revogação. A infração tem de ser grosseira, isto é, deve resultar de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade.

Para o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque a infração grosseira dos deveres decorrentes da pena de prestação de trabalho “inclui não apenas aos deveres gerais de qualquer trabalhador (assiduidade, zelo, obediência às ordens da entidade beneficiária da prestação) mas também as regras de conduta impostas nos termos do artigo 51.º, n.º 6.” e a mesma “não tem de ser dolosa, sendo bastante a infração que resulta de uma atitude particularmente censurável de descudo ou leviandade.”.[4]   

Por fim, quanto à causa de revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade a que alude a alínea c), n.º1 do art.59.º do Código Penal, são dois os seus pressupostos materiais: o cometimento de crime pelo qual venha a ser condenado e, a revelação de que as finalidades que estavam na base da aplicação desta pena de substituição não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

A redação desta alínea c), permite abarcar nos casos que determinam a revogação desta pena a condenação por qualquer crime (incluindo o crime negligente) e em qualquer pena (não apenas a condenação em prisão) mas, por outro lado, a mera condenação não gera um efeito automático de revogação da pena. Embora não resulte da lei e seja controvertido[5], cremos que o cometimento do crime deve ter lugar após a condenação na pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Perante o trânsito em julgado da nova sentença condenatória, o Tribunal tem de verificar se, apesar da violação dos deveres inerentes à pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, as finalidades desta pena podem ou não ainda alcançar-se.  

As finalidades da punição são a proteção o mais eficaz possível dos bens jurídicos fundamentais, o implica a sua utilização como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração) e a reintegração do agente na sociedade, ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

Para decidir se as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade podem ou não ainda alcançar-se, importa ponderar o quadro em que o condenado voltou a delinquir e o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, e bem assim a evolução das condições de vida do condenado até ao presente – num juízo reportado ao momento em que importa decidir -, em ordem à decisão de revogar ou não a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Se o Tribunal conclui que a não prestação do trabalho a favor da comunidade resulta de causa não imputável ao condenado, então, nos termos do n.º 6 do art.59.º do Código Penal, conforme o que se revelar mais adequado à realização das finalidades da punição:

  «a) Substitui a pena de prisão fixada na sentença por multa até 240 dias, aplicando-se correspondentemente o disposto no n.º 2 do artigo 45.º; ou

   b) Suspende a execução da pena de prisão determinada na sentença, por um período que fixa entre um e três anos, subordinando-a, nos termos dos artigos 51.º e 52.º, ao cumprimento de deveres ou regras de conduta adequados.».

Retomando o caso concreto.

Da douta decisão recorrida e dos elementos disponibilizados nos autos de recurso, com especial interesse para a decisão da questão, realçamos as seguintes ocorrências processuais:

- O arguido … foi condenado nestes autos, por sentença transitada em julgado em 21/10/2014, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.143.º, n.º1 do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão. Pese embora tivesse já anteriores condenações pela prática de crimes - um crime de resistência e coação sob funcionário, dois crimes de furto simples, um crime de introdução em lugar vedado ao público, um crime de roubo e um crime de furto qualificado -, e dos factos em causa no presente processo terem sido cometidos durante a suspensão da execução de uma das penas, o Tribunal optou, “entre a inutilidade da suspensão da pena e a desnecessidade de cumprimento efetivo da prisão”, por lhe substituir a pena de 4 meses de prisão por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, por entender que ainda havia um juízo prognose favorável à conduta e comportamento do arguido.

- Solicitado à DGRSP – Equipa W (...) , a elaboração de um plano de execução para efeitos do disposto no art.496.º do Código de Processo Penal, em 26 de março de 2015, foi enviado ao Tribunal o respetivo Plano para prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do qual deveria o arguido prestar as 120 horas de trabalho nos Bombeiros Voluntários de Y (...) e nos termos a combinar entre o arguido e aquela instituição.

- Homologado o Plano, por despacho de 22 de abril de 2015, foi o arguido notificado através de carta recebida na morada domicílio do TIR em 24 de abril de 2015, para prestar trabalho nos termos e condições estabelecido no mesmo Plano.

- Por informação da DGRSP, de 13 de abril de 2016, foi comunicado ao Tribunal que o arguido não deu início ao cumprimento da pena. Quando foi contactado o arguido, este colocou a possibilidade à equipa de se encontrar uma entidade beneficiária de trabalho em X (...) , por alterações nas suas condições de vida, ao que anuíram.

Posteriormente não voltaram a lograr contactá-lo, nem tiveram qualquer contacto por parte do arguido. Vieram a saber, entretanto, que em 24 de setembro de 2015, no âmbito de um outro processo judicial onde o arguido se encontra em cumprimento uma pena suspensa com regime de prova, este informou no Centro de Respostas integradas de X (...) que iria deslocar-se para Inglaterra.

- O Ministério Público promoveu a 31 de maio de 2016 que o arguido fosse notificado na morada do TIR para se apresentar na DGRSP no prazo de 10 dias a contar da notificação sob pena de cumprir a pena de prisão principal.

- A DGRSP, em 2 de junho de 2016, comunicou ao Tribunal que no dia 6 de maio de 2016 o arguido contactou a equipa telefonicamente para justificar as suas ausências de contacto e presenças no Serviço, referindo, nomeadamente, que reside com a mãe em Inglaterra, estando a ser apoiado pelos serviços sociais locais. Indicou a morada naquele pais e comprovou que tem acompanhamento clínico á hepatite C e á problemática da toxicodependência. Assumiu ainda o compromisso de manter um comportamento normativo.      

- Por despacho de 3 de junho de 2016 foi determinada a notificação do arguido nos termos da douta promoção de 31 de maio de 2016.

- A DGRSP, em 18 de outubro de 2016, comunicou ao Tribunal, nomeadamente, que o arguido tem contactado a Equipa, referindo que dada a sua situação de saúde não sabe quando regressará a Portugal, mas que se compromete a informar atempadamente quando o fizer.   

- No seguimento de promoção do Ministério Público, o Tribunal, por despacho de 14 de fevereiro de 2017, foi o arguido notificado e informado de que a pena de 120 dias de prestação a favor da comunidade é uma pena substitutiva pelo que sendo incumprida poderá levar à sua revogação e ao cumprimento dos 4 meses de prisão e que no prazo de 10 dias deverá indicar a data previsível para a sua deslocação ao território nacional, o que deverá acontecer até ao final do verão de 2017, a fim de dar início e conclusão à pena de 120 dias de trabalho a favor da comunidade.

- A DGRSP, em 7 de julho de 2017, comunicou ao Tribunal, nomeadamente, que o arguido já ser encontra em Portugal, tendo comparecido na Equipa, informando que residia em Z (...) e estava disponível para cumprir a pena e que feitas diligências para o arguidos prestar o trabalho não tem sido possível contactar com o arguido.    

- Em 16 de agosto de 2017, a DGRSP comunicou ao Tribunal, nomeadamente, que o arguido compareceu à entrevista agendada e aceitou a proposta para prestar trabalho na Junta de Freguesia de Z (...) , em tarefas de manutenção e limpeza dos espaços públicos.

- Por despacho de 25 de setembro de 2017, foi determinado que o arguido deverá cumprir a pena prestação de trabalho nos moldes definidos pela DGRSP.

- Após notificação deste despacho ao arguido, veio a DGRSP, em 9 de abril de 2018, comunicar ao Tribunal que só foi possível estabelecer contacto com o arguido em 28 de fevereiro e que referiu não ter possibilidade de iniciar o cumprimento da prestação de trabalho por se encontrar a frequentar um Curso de Especialização Tecnológica e por causa da doença hepática de que padece ela sua condição de saúde. Mais informa que a equipa veio a apurar que o contrato de formação foi revogado por inaptidão do arguido para a área de formação; que o trabalho a prestar na Junta de Freguesia de Z (...) já contemplava o alegado estado de saúde do arguido e que, não obstante o arguido ter sido instruído para contactar a Equipa, não o voltou a fazer, pelo que de momento não estão reunidas as condições para acompanharem a execução da prestação de trabalho.

- Notificado o arguido para se pronunciar, querendo, sobre esta última informação da DGRSP, nada disse.

- Foi requisitado novo CRC do arguido (...) e a secção do Tribunal informou no processo que o arguido se encontra preso desde 4 de junho de 2018 para cumprimento de pena de 7 meses de prisão em que foi condenado no proc. n.º 683/17.2PBVIS a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Local Criminal de Viseu - Juiz 1.

Do teor da sentença, de 17 de abril de 2018, proferida naquele proc. n.º 683/17.2PBVIS, cuja cópia foi junta aos presentes autos, resulta, nomeadamente, que o arguido praticou, em 13 de maio de 2017, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na freguesia de (...) , da cidade de X (...) e que foi constituído já como arguido, no decorrer de 2018, em três processos crimes. 

- Do teor da sentença proferida no proc. sumaríssimo n.º 4/18.7GASPS, em 1 de junho de 2018 e transitada em julgado, cuja cópia consta dos autos, resulta, nomeadamente, que o arguido foi condenado em penas de multa, pela prática em 31 de dezembro de 2017, de um crime de ameaça e de um crime de violação de domicílio.

- Em 19 de setembro de 2018, teve lugar a audição presencial do arguido.

Questionado sobre as razões pelas quais não prestou o trabalho a favor da comunidade e se ausentou para Inglaterra sem comunicar esse facto ao processo, declaro que foi para Inglaterra porque não tinha aqui trabalho e a mãe tinha cancro e estando os dois doentes naquele país faziam companhia um ao outro. Tem problemas de saúde e fica cansado. Quando chegou a Portugal não tinha transporte. Não chegou a prestar trabalho no Junta de Freguesia porque não tinha transporte da casa onde vivia em Z (...) , para a Junta de Freguesia de Z (...) . 

Posto isto.

Tendo o arguido … sido notificado por carta recebida na morada domicílio do TIR em 24 de abril de 2015, para prestar 120 horas de trabalho nos Bombeiros Voluntários de Y (...) , nos termos e condições estabelecido no Plano de execução elaborado para efeitos do disposto no art.496.º do Código de Processo Penal, é inquestionável que o mesmo não iniciou o cumprimento da pena, nem justificou a falta do seu cumprimento perante o Tribunal ou a Equipa da reinserção social.

São os serviços de reinserção social que contactam o arguido, e não este, que é quem está em incumprimento. Tendo o arguido colocado à Equipa de reinserção a possibilidade de lhe encontrar uma entidade beneficiária de trabalho em X (...) , por alterações nas suas condições de vida, e a Equipa anuído à sua pretensão, entendeu o arguido por bem, em contrapartida, ausentar-se para parte incerta, sem dar qualquer justificação àqueles serviços ou ao Tribunal.

Este comportamento do arguido é uma primeira revelação da sua fraca suscetibilidade em se deixar influenciar pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e da insatisfatória interiorização da gravidade da sua conduta.

São os serviços de reinserção social quem seguidamente, mais uma vez, procura estabelecer contacto com o arguido para que a pena aplicada seja executada. 

Após a DGRSP se inteirar que o arguido se havia ausentado para Inglaterra, e deste ser advertido da necessidade de justificar a razão do não cumprimento da pena de trabalho a favor da comunidade sob pena de revogação da pena, vem este, em 2016, a contactar telefonicamente a equipa de reinserção social, justificando as suas ausências de contacto e presenças no Serviço, com a circunstância da sua mãe residir com a mãe em Inglaterra, acrescentando que aí é apoiado pelos serviços sociais locais e tem acompanhamento clinico á hepatite C e á problemática da toxicodependência.

Pese embora a residência da mãe do arguido em Inglaterra não se nos afigure motivo ponderoso para, em 2015, se ausentar para aquele país, quando sabe que tem uma pena de substituição de prisão por cumprir e, menos ainda, a sua doença e problemas de adição a estupefacientes justifiquem essa ausência para aquele país sem comunicar sequer o facto ao Tribunal, o certo é que o arguido regressa em 2017 e a DGRSP volta a realizar diligências para este prestar o trabalho a favor da comunidade.    

Tendo o arguido aceite a proposta para prestar trabalho na Junta de Freguesia de Z (...) , em tarefas de manutenção e limpeza dos espaços públicos e sido notificado do despacho de 25 de setembro de 2017, determinando que deverá cumprir a pena prestação de trabalho nos moldes definidos pela DGRSP, o comportamento do arguido volta a ser o que tomou anos antes: não se apresenta no local da entidade em que foi determinado que devia prestar o trabalho a favor da comunidade.

Novo na sua conduta e a apresentação logo de justificação para esse facto: está a frequentar um Curso de Especialização Tecnológica e padece de doença hepática.

Ora, a DGRSP, em 9 de abril de 2018, comunicou ao Tribunal ter apurado que o contrato de formação foi revogado por inaptidão do arguido para a área de formação e, por outro lado, o trabalho a prestar na Junta de Freguesia de Z (...) já contemplava o alegado estado de saúde do arguido.

Mais ainda, não obstante o arguido ter sido instruído para contactar a Equipa, não o voltou a fazer, pelo que, por causa imputável ao mesmo continuam por reunir as condições para a execução da prestação de trabalho.

A falta de vontade na execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, mais se evidencia quando notificado para se pronunciar, querendo, sobre esta última informação da DGRSP, nada disse.

Na audição presencial, em 19 de setembro de 2018, vem o arguido invocar dois novos motivos para não ter prestado trabalho em 2016 - teve de se ausentar para Inglaterra porque a mãe padecia de um cancro e não tinha trabalho em Portugal - e, um novo motivo para não prestar trabalho em 2018 - tem falta de meio de transporte da casa onde vivia em Z (...) , para a Junta de Freguesia de Z (...) . 

Para além de nenhuma prova ter apresentado sobre estes novos motivos para não ter iniciado a execução da pena, e objetivamente a falta de trabalho em Portugal não ser causa impeditiva da prestação de trabalho a favor da comunidade, uma vez que dispunha agora de todo o tempo, tem o Tribunal da Relação como claro, face às diligências do Tribunal e informações prestadas pela DGRSP, que o arguido … não cumpriu ainda a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, que lhe foi fixada no ano de 2014, por sua inteira e livre vontade, pois os trabalhos a realizar, e que aceitou prestar, são compatíveis com as suas capacidades e a sua doença.

As várias informações juntas aos autos não revelam obstáculos insuperáveis que justifiquem, de modo algum, a falta de comparecência do arguido nos vários locais em que devia prestar o trabalho a favor da comunidade. Dito de outro modo, a não prestação de trabalho a favor da comunidade é apenas e só imputável ao próprio arguido, que não se disponibilizou, desde 2014 a 2019, a realizá-lo. 

A falta de comparência do arguido nos locais em que devia prestar trabalho a favor da comunidade, nunca iniciando a sua execução, apesar de aceitar previamente que ali os prestaria, configura uma inequívoca recusa tácita, sem justa causa, de prestar trabalho a favor da comunidade, integrara da primeira causa de revogação daquela pena a que alude a alínea b), n.º1 do art.59.º do Código Penal.

Além de se mostrar preenchida esta causa de revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, entendemos que se verificam ainda os pressupostos materiais de revogação da pena previstos na alínea c), n.º1 do art.59.º do Código Penal.

 Efetivamente, após o trânsito em julgado da sentença que lhe substituiu a pena de 4 meses de prisão, por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, que data já de Outubro de 2014, o arguido veio a praticar, em 13 de maio de 2017, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo qual foi condenado, por sentença de 17 de abril de 2018, proferida no proc. n.º 683/17.2PBVIS, numa pena de 7 meses de prisão, que se encontra a cumprir.

Resulta ainda de cópia foi junta aos presentes autos, nomeadamente, que foi constituído já como arguido, no decorrer de 2018, em três processos crimes. E do teor da sentença proferida no proc. sumaríssimo n.º 4/18.7GASPS, em 1 de junho de 2018 e transitada em julgado, cuja cópia consta dos autos, resulta, nomeadamente, que o arguido foi condenado em penas de multa, pela prática em 31 de dezembro de 2017, de um crime de ameaça e de um crime de violação de domicílio.

Toda esta atividade criminal significa que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido nos presentes autos não foi suficiente para que o arguido enveredasse por uma conduta conforme o direito, não tendo qualquer base a afirmação do ora recorrente de que a pena de prisão que cumpre o consciencializa da gravidade da sua conduta e das consequências que daí advêm, arrependendo-se amargamente da sua conduta.

O arguido … vem demonstrando com as suas atitudes uma personalidade a necessitar de forte ressocialização, como se retira da já citada sentença de 17 de abril de 2018, em que foi condenado em 7 meses de prisão, porquanto nela se afirma que “… não obstante a idade que tem, o arguido não tem um projeto de vida definido, não tem especiais competências pessoais; é uma pessoa com um humor instável, baixo limiar à frustração e impulsividade …”.

As condenações posteriores à substituição da pena de 4 meses de prisão, por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, em especial no proc. n.º 683/17.2PBVIS, revelam que as finalidades que estiveram na base da aplicação, ao ora recorrente, da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

A declaração do recorrente …, feita no presente recurso, de que com o cumprimento da pena de 7 meses de prisão se consciencializou da gravidade da sua conduta e das consequências que daí advêm, e que se encontra arrependido da sua conduta, não têm sustentação nos factos e na sua personalidade, que resulta dos elementos do  processo. 

Sendo imputável ao ora recorrente … a não prestação do trabalho a favor da comunidade, nos anos que decorreram desde 2014 até à data da revogação da pena de substituição, em 19 de setembro de 2018, mostra-se prejudicada a pretensão de substituição desta pena por outra, nos termos do n.º 6 do art.59.º do Código Penal.

Estando irremediavelmente prejudicadas pelo comportamento do arguido …, as finalidades preventivas que determinaram a decisão de substituir a pena de 4 meses de prisão, por 120 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, mais não resta que negar provimento ao recurso e manter a douta decisão recorrida que determinou o cumprimento da pena de prisão substituída.

            Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido … e manter o douto despacho recorrido.

             Custas pelo recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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(Certifica-se que o acórdão foi  processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.). 

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Coimbra,  27 de Março de 2019

Orlando Gonçalves (relator)

Alice Santos (adjunta)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º, pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] In "Comentário do Código de Processo Penal", UCE, 2.ª ed., pág. 242.
[5]Código Penal, Atas e Projeto da Comissão de Revisão”, edição MJ, 1993, págs. 58 e 59.