Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
144732/10.9YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 712.º E 715.º DO CPC
Sumário: I – Encerrada a audiência de discussão e julgamento em acção declarativa especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, na subsequente sentença deve o tribunal aí consignar a matéria de facto provada e não limitar-se a dar simplesmente como provado o que possa relevar para conhecimento de excepção que se lhe afigura ser de conhecimento oficioso, sob pena de o tribunal de recurso, revogando a decisão, não poder fazer uso dos seus poderes de substituição de conhecimento do mérito da causa;

II – A indevida abstenção do não conhecimento do mérito da causa com fundamento em prejudicialidade (decorrente da absolvição da instância) por virtude da procedência daquela excepção não é susceptível de constituir nulidade de sentença por omissão de pronúncia, antes erro de julgamento;

III – Reconhecido este, em recurso, a falta de enunciação da matéria de facto sobre a globalidade da causa impede que o tribunal ad quem se substitua ao tribunal recorrido no conhecimento do mérito da causa, o que é gerador da nulidade de sentença e repetição do próprio julgamento (art.º 712.º, n.º 4, do CPC).

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            1. Relatório

            A... apresentou no Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção contra B... com vista a obter deste o pagamento da importância total de € 12.846,54 correspondente ao capital de € 11.471,03 e juros de mora de € 1.324,51, cuja taxa não indicou e € 51,00 de taxa de justiça.

            Alegou, para tanto, ter fornecido ao requerido bens e serviços de electricidade e canalização orçamentados em € 7.630,00 de que o mesmo pagou somente a importância de € 5.077,28, encontrando-se por pagar a quantia de € 2.152,72, mais acrescentando que “também no exercício da sua actividade o requerente prestou outros serviços aos requeridos para além dos estabelecidos no já citado orçamento e melhor identificados nas facturas n.ºs 170, 185, 207, 210, 219, 221, 222, 223, 225, 229, 284, 314, 329, 330, 331, 335 e 336. Apesar de várias vezes interpelados para pagar os requeridos nunca o fizeram”.

            Notificado, o requerido deduziu oposição onde, para lá de ter alegado incumprimento contratual quanto à prestação de serviços por parte do requerente, sustentou, de útil, que parte dos trabalhos mencionados no orçamento não correspondiam aos trabalhos prestados e quanto aos “extras” descritos nas facturas, não foram efectuados.

            Distribuído o processo ao tribunal competente como acção declarativa especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, veio a realizar-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença absolutória da instância, com base em nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial (requerimento de injunção), por falta de pedido quando às facturas, o que – entendeu-se – arrastava também o conhecimento do demais pedido (valor remanescente do orçamento).

            Inconformado, recorreu o A., apresentando alegações finalizadas com as seguintes conclusões:

            a) – A sentença está ferida de nulidade (art.º 668.º, n.º 1, alín. d), do CPC) porque não se pronunciou sobre questões que deveria apreciar, designadamente de mérito, já que a petição continha todos os elementos de validade para produzir os seus efeitos, designadamente continha a exposição sucinta dos fatos que pretendia submeter à apreciação do tribunal e o pedido em que o mesmo se fundava;

            b) – Violou, entre outras, as normas do art.º 10.º do DL n.º 269/98, de 1.9, devendo ser substituída por outra que condene o R. no pedido.

            Em resposta, o recorrente pugnou pela manutenção do decidido.    

            Dispensados os vistos (art.º 707.º, n.º 4, do CPC), cumpre decidir, sendo questões a apreciar:

            a) – A nulidade de sentença por omissão de pronúncia;

            b) – A reapreciação da excepção dilatória de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, por falta de pedido, quanto aos valores das facturas entretanto juntas e eventual conhecimento do mérito da causa.


*

            2. Fundamentos

            2.1. De facto

            A sentença recorrida, imbuída do propósito de pôr fim à causa com a procedência da excepção dilatória de nulidade de todo o processo, que se lhe afigurou oficiosamente conhecer, postergou a factualidade apurada em audiência de discussão e julgamento e restringiu a matéria de facto a essa excepção e que é a seguinte:

a) O requerente apresentou ao requerido uma “ proposta de orçamento para instalação eléctrica (material e mão-de-obra), águas (material e mão-de-obra) e esgotos (mão-de-obra)”para uma moradia unifamiliar no valor de €6.500,00;

b) O requerente, no exercício da sua actividade profissional, emitiu a favor do requerido B..., referente à prestação de serviços/trabalhos e ao fornecimento de materiais ali descritos:

1. Com data de 18/12/2007, a factura n.º 170 A, no valor de € 96,07, junta a folhas 53, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

2. Com data de 08/01/2008, a factura n.º 185 A, no valor de € 54,45, junta a folhas 54, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

3. Com data de 12/02/2008, a factura n.º207, no valor de € 600,34, junta a folhas 55, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

4. Com data de 13/02/2008, a factura n.º 210 A, no valor de € 61,17, junta a folhas 56, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

5. Com data de 06/03/2008, a factura n.º 219 A, no valor de € 314,48, junta a folhas 57, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

6. Com data de 07/03/2008, a factura n.º221 A, no valor de € 363,73, junta a folhas 58, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

7. Com data de 10/03/2008, a factura n.º 222 A, no valor de € 608,68, junta a folhas 59, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

8. Com data de 10/03/2008, a factura n.º 223, no valor de € 224,95, junta a folhas 60, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

9. Com data de 13/03/2008, a factura n.º 225, no valor de € 296,45, junta a folhas 61, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

 9. Com data de 28/03/2008, a factura n.º 229 A, no valor de € 52,04, junta a folhas 62, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

11. Com data de 15/07/2008, a factura n.º 284, no valor de € 211,68, junta a folhas 63, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

12. Com data de 10/09/2008, a factura n.º 314, no valor de € 278,33, junta a folhas 64, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

13. Com data de 09/10/2008, a factura n.º 329 A, no valor de € 460,50, junta a folhas 65, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

14. Com data de 09/10/2008, a factura n.º 330 A, no valor de € 407,52, junta a folhas 66, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

15. Com data de 10/10/2008, a factura n.º 331 A, no valor de € 594,00, junta a folhas 67, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

16. Com data de 13/10/2008, a factura n.º 335 A, no valor de € 73,92, junta a folhas 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

17. Com data de 13/10/2008, a factura n.º 336 A, no valor de € 4.620,00, junta a folhas69, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

Foi pouco avisada, s.d.r., a estratégia processual escolhida pelo tribunal a quo.

Se, a ser como decidiu, não lançou mão do despacho de aperfeiçoamento da petição inicial, como o n.º 3 do art.º 17.º do DL n.º 269/98, de 1.9 especialmente lho facultava, nem apreciou a excepção logo após os articulados (n.º 1 do art.º 3.º do mesmo diploma), uma vez que efectuou a audiência de discussão e julgamento com profusa produção de prova, o que era expectável à partes era que fosse publicitada a decisão sobre a matéria de facto atinente à causa, na sua globalidade e não somente a que podia relevar para conhecimento de uma excepção que, atenta a evolução dos actos processuais, deveria ser conhecida em sede de direito (art.ºs 659.º e 660.º, n.º 1, do CPC).

E, depois, ainda assim, nada impedia que fosse julgado parte do pedido (“remanescente do orçamento”), o que pressupunha, também, se elencasse a factualidade provada e não provada e se motivasse a convicção relativamente a uma e outra.

Com isso se coarctou, cerce, desde logo, a possibilidade de o tribunal de recurso fazer uso dos seus poderes de substituição ao tribunal recorrido (art.º 715.º do CPC) e conhecer do mérito da causa, com prejuízo do reenvio dos autos e repetição do julgamento, que os intervenientes processuais terão dificuldade em perceber e aceitar.

E com razão.

Passando ao conhecimento do objecto do recurso, a começar pela nulidade arguida, de omissão de pronúncia, afigura-se-nos não se verificar a mesma, esse não sendo o remédio para a obtenção de ganho recursivo do A.

Como salienta Alberto dos Reis[1], essa nulidade está em correspondência directa com o hoje n.º 2 do art.º 660.º do CPC, ou seja, impõe-se ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. A nulidade resulta, precisamente, da infracção a esse dever.

Ora, face à solução encontrada, de absolvição da instância, não haveria que entrar no mérito da causa (sem prejuízo da publicitação do julgamento da matéria de facto – repetimos).

Não há, portanto, nenhuma omissão de pronúncia. O que há é erro de julgamento quanto à excepção, que se não verifica e consequente prejudicialidade.

Com efeito, é claro para todos, o pedido que foi formulado: pagamento ao ora A., pelo R., da quantia de € 12.846,54, sendo € 11.471,03 de capital, € 1.324,51 de juros e € 51,00 de taxa de justiça.

De acordo com a “exposição dos factos” daquele requerimento, na importância de capital estava imputado o que faltava pagar pelo R. dos trabalhos orçamentados (€ 2.152,72) e a importância de € 9.318,31.

Embora se não indicasse o valor global das facturas indicadas alegadamente em dívida (e mais tarde juntas) uma simples operação aritmética teria permitido concluir que essa importância era o somatório de tais facturas!

Assim mesmo o interpretou o R. na oposição deduzida, que nenhum vício arguiu e contestou o teor das facturas, cujos documentos, quando juntos, impugnou.

Porque formulado o pedido, não só da quantia da € 2.152,72, mas também da quantia de € 9.318,31 correspondente às facturas, não havia obviamente que conhecer-se oficiosamente da sua falta, havendo, sim, que conhecer-se do mérito da causa.

Mérito de que este tribunal de recurso não pode conhecer no uso dos seus poderes de substituição ao tribunal recorrido, uma vez que não dispõe da factualidade necessária que terá emergido da audiência de discussão e julgamento e que, pura e simplesmente, o tribunal a quo omitiu (art.º 715.º, n.º 2 do CPC).

Porque importa revogar a decisão que julgou procedente a excepção e absolveu o R. da instância, mas porque é manifestamente deficiente a factualidade dada como provada na sentença, importa revogá-la e anular os termos da audiência de discussão e julgamento, que importa repetir, com vista à pertinente decisão sobre a matéria de facto e depois de direito (art.º 712.º, n.º 4, do CPC).


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            3. Sumariando (n.º 7 do art.º 713.º do CPC)

            I – Encerrada a audiência de discussão e julgamento em acção declarativa especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, na subsequente sentença deve o tribunal aí consignar a matéria de facto provada e não limitar-se a dar simplesmente como provado o que possa relevar para conhecimento de excepção que se lhe afigura ser de conhecimento oficioso, sob pena de o tribunal de recurso, revogando a decisão, não poder fazer uso dos seus poderes de substituição de conhecimento do mérito da causa;

            II – A indevida abstenção do não conhecimento do mérito da causa com fundamento em prejudicialidade (decorrente da absolvição da instância) por virtude da procedência daquela excepção não é susceptível de constituir nulidade de sentença por omissão de pronúncia, antes erro de julgamento;

            III – Reconhecido este, em recurso, a falta de enunciação da matéria de facto sobre a globalidade da causa impede que o tribunal ad quem se substitua ao tribunal recorrido no conhecimento do mérito da causa, o que é gerador da nulidade de sentença e repetição do próprio julgamento (art.º 712.º, n.º 4, do CPC).


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            4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar procedente, nos termos sobreditos, a apelação e revogar a sentença recorrida e anular o julgamento, que deverá ser repetido, na sua totalidade, então se seguindo os demais trâmites processuais.

            Custas pelo recorrido.


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Francisco M. Caetano (Relator )
António Magalhães
Ferreira Lopes

[1] V. “Código de Processo Civil, Anot.”, V, 142.