Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
386/20.0PBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
AGRAVAÇÃO
FACTO PRATICADO NO DOMICÍLIO COMUM OU NO DOMICÍLIO DA VÍTIMA
Data do Acordão: 07/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TONDELA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 152.º, N.ºS, 1, AL. A), E 2, AL. A), DO CP
Sumário: I – São duas ordens de razões que conduzem à agravação do crime de violência doméstica prevista no artigo 152.º, n.º 2, al. a), do CP, originada pela prática do facto «no domicílio comum ou no domicílio da vítima»: por um lado, um maior aproveitamento da confiança e sentimento de segurança por parte da vítima decorrente de estar numa posição de maior tranquilidade (menos desperta para eventuais agressões); por outro lado, a maior aptidão do “espaço” a obstaculizar a percepção de outros membros do grupo social.

II – Ocorre a agravação referida mesmo quando os factos tipicamente relevantes são praticados no jardim e/ou no pátio da casa de morada de família ou na residência da vítima, já que aqueles locais também integram o conceito legal “domicílio”.

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 386/20.0PBVIS do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Tondela – Juízo de C. Genérica foi o arguido AA submetido a julgamento, findo o qual, por sentença de 11.03.2022, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]:

«Por tudo o exposto o tribunal julga procedente a acusação formulada pelo Ministério Público contra o arguido AA e em consequência disse condena-o:

A. Pela prática como autor material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, na pessoa de BB, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. a), 2, al. a) do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na execução por igual período;

B. Condena o demandado AA a pagar à demandante BB a quantia de € 3.500,00, a título de danos não patrimoniais;

[…]».

2. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:

1. O exercício do direito ao silêncio pelo arguido não faz presumir que não esteja arrependido da ação criminosa que lhe é imputada.

2. O não arrependimento pode ser averiguado por outras circunstâncias da vida do arguido posteriores aos factos criminosos, mas para o Tribunal afirmar o seu não arrependimento deverá enunciá-los, justificando.

3. Não o fazendo, e por tal acontecer no caso sub judice viola o disposto no art.º 61.º n.º 1 al d) e art.º 343.º n.º 1 do CPP, artº 20º nº 4 da Constituição e art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

4. O Tribunal a quo puniu o arguido pelo crime previsto e declarado punível pelo art.º 152.º n.º 2 do CP considerando que o facto punível ocorreu no domicílio da vítima sua ex-mulher.

5. Resultou dos autos que frases incriminatórias dirigidas à ex-mulher só ocorreram no pátio e jardim próximo à rua e onde facilmente possíveis de ouvir pelo público.

6. A lei penal dita ao incluir nos seus elementos típicos – domicílio – quis atender às dificuldades da prova da vítima em tal situação, dificuldade que no caso se não verificou.

7. A acusação particular da assistente e os factos aí descritos não só não poderiam ser levadas a julgamento por falta de indicação das normas punitivas,

8. Mas também porque indicavam a prática de factos de ocorrência imprecisa não localizáveis no tempo, impedindo o exercício do contraditório pela defesa e nomeadamente a alegação da prescrição, pelo que nesta parte a sentença é nula nos termos do art.º 379.º n.º 1 al. c) do CPP.

9. O arguido deverá ser punido na moldura penal do n.º 1 do mesmo art.º 152.º, atendendo a todas as circunstâncias da sua vida pessoal afirmada pelas testemunhas que tal abonaram.

10. A indemnização adequada, atendendo ao esforço do arguido para entregar à sua ex-mulher o valor que lhe coube na partilha deverá quedar-se por valor não superior a € 2.500,00 a pagar em 3 prestações, atendendo ao seu salário e encargos.

11. A sentença violou também o disposto no artigo 152º n.º 2 do CP.

De V. Exas o arguido pede JUSTIÇA.

3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

4. Em resposta ao recurso, o Ministério Público concluiu:

1 – Os factos dados como provados em sede de sentença são aqueles que constam da acusação pública e já não da acusação particular, pelo que não existe qualquer nulidade, nomeadamente a referida pelo recorrente, prevista no artigo 379.º nº 1 c) do Código de Processo Penal.

2 – O direito ao silêncio de que o arguido beneficia não o pode prejudicar, sendo certo que também não o poderá, sem mais, favorecer.

3- O arguido não prestou declarações em sede de audiência de julgamento. Dessa mesma audiência também não resultou nenhum ato, facto ou circunstância, que denotasse que o arguido estivesse arrependido.

4 – Assim, não podia o Tribunal ter concluído pela existência de arrependimento do arguido, inexistindo qualquer fundamento para tal, sendo que o mero remetimento ao silêncio não é suscetível a permitir tal conclusão.

5 – O conceito de domicílio não pode deixar de abarcar todos os espaços que constituem a propriedade da ofendida e onde se incluem, naturalmente, os espaços exteriores.

6 – Tendo sido dado como provado que alguns dos factos praticados pelo arguido o foram no pátio da residência da ofendida, não podia o Tribunal deixar de qualificar a factualidade nos termos do artigo 152º nº 2 a) do Código Penal.

Atento tudo o que aqui foi exposto, pugnamos para que o Tribunal da Relação de Coimbra mantenha a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” e julgue a improcedência do recurso.

Assim, cremos, se fará JUSTIÇA!

5. Também a assistente BB, reagindo ao recurso, concluiu:

I) A sentença a quo não é nula, porquanto desconsiderou os factos constantes da acusação particular;

II) O arrependimento, enquanto circunstância atenuante, não se presume, tendo de resultar inequivocamente das declarações do arguido, que este, in casu, no exercício do seu direito ao silêncio, entendeu não prestar;

III) O arguido não confessou a prática dos factos que lhe eram imputados, não assumiu a culpa pelos mesmos, não verbalizou ou demonstrou arrependimento, nem reparou o mal causado à vítima, em reconhecimento do desvalor da sua ação, não podendo senão o Tribunal concluir, como o fez, pela sua inexistência;

IV) Foi corretamente subsumida a conduta do arguido na previsão da al. a) do n.º 2 do art.º 152º do CP, em face de alguns dos factos (designadamente os constantes dos pontos 4 e 5) terem ocorrido no domicílio da assistente, que abrange os espaços adjacentes à casa de habitação, como sejam o seu quintal e o pátio;

V) A gravidade do comportamento do arguido, causador de um intolerável sofrimento à assistente, justifica que lhe seja exigido um sacrifício para, de algum modo, redimir a sua culpa, não se traduzindo o quantum indemnizatório fixado num sacrifício injusto para o arguido, considerando os rendimentos e encargos por este declarados;

VI) Pelo que, não tendo a sentença recorrida violado quaisquer normas legais aplicáveis, deve o recurso do arguido ser julgado improcedente e confirmada a sentença recorrida.

6. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

7. Cumprido o n.º 2, do artigo 417.º do CPP, nenhum dos sujeitos interessados reagiu.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, no caso em apreço importa decidir se (i) foram indevidamente considerados os factos constantes da acusação deduzida pela assistente, os quais, além do mais, padecem de imprecisão; (ii) não há lugar à aplicação da agravante resultante da alínea a), do n.º 2, do artigo 152.º do C. Penal, devendo o arguido ser punido no âmbito da moldura penal prevista no n.º 1 do artigo 152.º; (iii) foram violados os artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 343.º, n.º 1 do CPP, 20.º, n.º 2, da CRP e 6.º da CEDH; (iv) o montante indemnizatório peca por excesso.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença em crise [transcrição parcial]:

Da audiência de discussão e julgamento, bem como dos documentos dos autos resultaram os seguintes:

1. O arguido foi casado com a assistente durante 38 anos, entre 1981 e Maio de 2019, residindo juntos na Rua ..., ... filhos em comum, já todos maiores de idade.

2. Já após o divórcio, a ofendida ficou a residir na casa de morada de família, enquanto não foi realizada a partilha.

3. No dia 2-1-2020, pelas 9h30min, o arguido disse à assistente "estás fodida comigo, este caralho não há-de ser mais forte do que eu, mas eu vou fodê-la, só com um tiro de zagalote este animal é forte", " É hoje que a fodo, este caralho anda a dançar na frente do trator", obrigando a assistente a sair a correr do local para evitar problemas.

4. Já no dia 5-1-2020, o arguido chegou a casa e viu a assistente que se encontrava no jardim, tendo de imediato se dirigido a esta dizendo "Mas este caralho ainda continua em minha casa", " Este animal é duro para eu o segurar, tenho que segurar este animal pelos cornos, porque há animais que só pelos cornos é que se seguram”, acrescentando que o seu maior consolo seria ver aquela casa em escombros e que tinha perdido a oportunidade no dia 17 de Outubro.

5. No dia 20-03-2020, pelas 20h00m, o arguido passou de carro à porta da casa da assistente que se encontrava no pátio, saiu do veículo, dirigiu-se a esta e disse-lhe, em tom alto e sério "Ó puta só andas metida com putas, e com vitelas iguais a ti. Tu és mais nova que eu mas eu vou-te foder. Pode ser que o COVID te veja e te foda. E o teu informador dos Bombeiros já se fodeu e pode ser que tu também."

6. O arguido acabou por abandonar o local, quando se apercebeu que a assistente estava a falar ao telemóvel com alguém, e por achar que fosse a GNR. No entanto, cerca de 5 ou 10 minutos, voltou a passar pela casa devagar.

7. Na sexta-feira santa, do ano 2020, o arguido deslocou-se à casa de morada de família, por volta das 18h, altura em que sai do trabalho, abriu a janela do carro e dirigiu-se a assistente dizendo " Ó mula só queres dinheiro, só queres dinheiro para gastar e agora estás a espera de gastar o meu dinheiro".

8. Perante isto, a assistente saiu do local, tendo o arguido seguido a mesma a pé, ao mesmo tempo que lhe dizia "vai dar a cona, já a ofereceste e deste para jurar em falso em Tribunal. Porque tu só queres gente rica, só queres empresários para te pagarem as dívidas, és mais nova do que eu, mas eu hei-de foder-te, hei de te empurrar lá para cima para onde já estão os outros, eu hei cá ficar a gozar aquilo que é meu e a gozar a vida".

9. Por diversas vezes, a assistente ficou a pernoitar na casa da testemunha CC, para evitar confrontos com o arguido e por temer pelo aquilo que ele pudesse vir a fazer.

10. O arguido, em momentos não apurados, dirigindo-se a BB, dizia-lhe “estás fodida comigo! Vou-te foder sem deixar marcas. Vou empurrar-te lá para cima. Já lá estão os outros” referindo-se aos pais desta que já haviam morrido e estavam no cemitério.

11. Em vários momentos, apelidou-a de Puta, vaca, malandra, coiro, bandalha, escumalha, vitela, filha da puta, Não vales nada. Tenho mulheres melhores que tu. És um Zero. Abaixo de zero.

12. O arguido agiu com o propósito de provocar sofrimento físico e psíquico à ofendida, ofendendo-a na sua integridade física, saúde, honra e reputação,

13. O arguido, com as atuações descritas, agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção concretizada de atingir e molestar a ofendida, com quem residiu e foi casado, na sua saúde física e psíquica, lesando a sua integridade moral, corpo, dignidade pessoal, honra e saúde, não se abstendo de levar a cabo tais condutas mesmo no domicílio comum, embora soubesse que devia à visada especial respeito e consideração por esta ter sido sua esposa e ser a mãe dos seus filhos.

14. Bem sabendo o arguido que tais atuações eram suscetíveis de causar, como causaram e continuam a causar à vítima, dores, profundo desgosto, mal-estar, tensão e inquietação, fragilizando-a psiquicamente, descredibilizando-a e continuando a trata-la mal, sendo conhecedor que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente.

Além da acusação provou-se que:

15. A demandante, com os comportamentos do arguido sentiu-se profundamente humilhada.

16. A demandante é uma pessoa séria e reputada como honesta, pelos seus pares e na comunidade onde vive.

17. O arguido não possui antecedentes criminais.

18. O arguido reside em casa própria encontrando-se a pagar um empréstimo ao banco, que contraiu para pagar tornas.

19. Aufere de salário a quantia de €1.100,00.

20. O arguido é reputado pelos colegas de trabalho como bombeiro sério, honesto, cumpridor dos seus deveres.

21. Como comandante por várias vezes geriu conflitos entre os seus subordinados, apaziguando-os.

Factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

Fundamentação da decisão da matéria de facto:

(…).

3. Apreciação

§1. Da consideração dos factos constantes da acusação da assistente, bem como da respetiva imprecisão

Insurge-se o recorrente contra a consideração, pelo tribunal, dos factos descritos na acusação deduzida pela assistente, porquanto não só não incluiria, a mesma, a indicação das normas incriminadoras, como, reportando-se a ocorrências não localizáveis no tempo, impediria o exercício do contraditório, circunstância que acarretaria a nulidade da sentença [artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP].

O assistente, depois de notificado da acusação do Ministério Público, pode também deduzir acusação pelos factos constantes daquela, por parte deles ou por outros que não importem alteração substancial dos mesmos [cf. n.º 1, do artigo 284.º do CPP].

Debruçando-nos sobre a acusação formulada pela assistente (fls. 320) desde logo resulta haver acompanhado a acusação pública, limitando-se, no mais, a acrescentar-lhe dois núcleos de factos, que não consubstanciam alteração substancial, o que significa que o crime imputado e, assim, as respetivas normas incriminadoras, se mantém tal como indicados na acusação pública.

Neste quadro sempre seria de afastar a nulidade da acusação da assistente, de qualquer modo irrelevante, na medida em que não se projetou no tipo incriminador identificado na acusação pública, nesta fase processual.

A ausência/insuficiência de concretização dos factos, pela compressão que representa ao contraditório e, assim, ao exercício do direito de defesa, conduz a que os mesmos se tenham por não escritos e não já à nulidade da sentença. No caso concreto, assumem essa condição os itens 10 e 11 (factos provados) enquanto situam os factos «em momentos não apurados» ou «em vários momentos», sendo certo que parte destes (factos), por se incluírem noutros itens, cuja descrição não padece de idêntica invalidade, não deixam de relevar no seio dos mesmos.

Tem-se, pois, por não escritos os itens 10 e 11 factos provados.

Nesta estrita medida assiste razão ao recorrente.

§2. Da não aplicação da agravação resultante da alínea a), do n.º 2, do artigo 152.º do Código Penal

Não se conforma o recorrente com a subsunção jurídico-penal dos factos na alínea a), do n.º 2, do artigo 152.º do Código Penal, defendendo não decorrer do acervo factual que as imputadas condutas tenham tido lugar no domicílio da vítima – mas antes no respetivo pátio e jardim – razão pela qual se mostraria destituída de fundamento a consideração pelo tribunal a quo daquela específica circunstância suscetível de conduzir à agravação no mínimo da moldura penal.

De acordo com o preceito em questão, na parte que ora releva, se o agente praticar o facto «no domicílio comum ou no domicílio da vítima» a moldura sancionatória é agravada no seu limite mínimo.

Afigura-se pacífico o entendimento no sentido de ter sido propósito do legislador censurar mais gravemente os casos de violência doméstica velada, praticada num espaço confinado, subtraído a olhares alheios «enquadramento» que, sem dúvida, favorece a ação do agressor e dificulta a existência de testemunhas – [cf. Teresa Beleza, “Violência Doméstica”, Revista do CEJ, n.º 9, pág. 289; Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, pág. 406].

São, pois, duas ordens de razões que conduzem à agravação: por um lado, um maior aproveitamento da confiança e sentimento de segurança por parte da vítima decorrente de estar numa posição de maior tranquilidade [menos desperta para eventuais agressões]; por outro lado, a maior aptidão do “espaço” a obstaculizar a perceção de outros membros do grupo social.

No caso em apreço, as concretas condutas imputadas ao recorrente tiveram lugar quando a assistente se encontrava no jardim (item 4) e no pátio (item 5) da casa de morada de família, logo em local adjacente à sua residência, o qual, para o efeito, ainda é de encarar como integrando o «domicílio». Com efeito, mais do que o conceito técnico jurídico de domicílio, a verdade é que as razões já indicadas que justificam a maior censurabilidade não deixam de estar presentes. Assim é, já quanto a um acréscimo de confiança e simultaneamente de segurança da vítima no sentido de se encontrar mais protegida, sentimentos que lhe advém de uma postura de maior tranquilidade que o domicílio [incluindo a área reservada exterior] transmite/proporciona, já no que respeita ao confinamento do espaço que não perde semelhante natureza pela circunstância de a ação ocorrer no pátio adjacente. Entre o interior do domicílio e a sua área reservada [adjacente] exterior, tendo presente as duas vertentes assinaladas, afigura-se-nos que a diferença é apenas de grau [de confiança, de segurança, de confinamento].

Mantém-se, pois, nesta parte, a sentença recorrida.

§3. Da violação dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d) e 343.º, n.º 1, ambos do CPP e, bem assim, do artigo 20.º, n.º 2 da CRP e 6.º da CEDH.

Diz o recorrente que do facto de no decurso da audiência de julgamento se haver remetido ao silêncio não se pode concluir que não esteja arrependido, pelo que ao ter presumido neste sentido teria o tribunal a quo violado os artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 343.º, n.º 1, ambos do CPP e, bem assim, o artigo 20.º, n.º 2 da CRP e 6.º da CEDH.

Perscrutada a sentença constata-se que na operação conducente à determinação da medida da pena ponderou o tribunal a quo a não demonstração de arrependimento, circunstância que não coloca em crise o exercício do direito ao silêncio, com tradução nas disposições convocadas.

Na verdade, como o recorrente demonstra estar bem ciente, o arrependimento é suscetível de se revelar de diferentes maneiras, sendo a menos importante – diremos mesmo que inócua - a respetiva verbalização, sobretudo se desacompanhada de uma qualquer ação que permita inferir nesse sentido. Ora, no caso concreto percorridos os factos não se identifica uma única ação donde, de algum modo, se possa extrair uma atitude, a qualquer nível [pessoal, económica ou outra], reparadora do mal do crime, o que consente a ponderação da não demonstração de arrependimento, sem que com isso resultem violadas as normas que impedem a valoração em desfavor do arguido do direito ao silêncio. De facto, mesmo neste domínio, parece incontroverso que não podendo prejudicá-lo, também é certo que do seu exercício, na medida em que prescinde de dar a sua visão sobre os factos, não pode retirar benefício, resultando, assim, comprometida a valoração positiva de circunstâncias relevantes na determinação da sanção – [cf., entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 10.03.2004 (proc. n.º 258/04-3), 05.01.2005 (CJ/ASTJ, XIII, I, 159), 10.01.2008 (proc. n.º 3227/07) e de 28.02.2008 (proc. n.º 08P295)].

Por fim, dizer apenas que a preconizada justificação do não arrependimento decorre do acervo factual fixado donde não resulta qualquer ação capaz de induzi-lo.

Soçobra, nesta parte, o recurso.

§4. Da medida da pena

Pese embora se trate de questão só indiretamente - porquanto defende a sua condenação de acordo com a moldura penal prevista no n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal, aspeto que já mereceu a atenção deste tribunal -, colocada em crise pelo recorrente, a consideração como não escritos dos itens 10 e 11 dos factos provados, operando uma redução na ilicitude, não pode deixar de se repercutir na medida concreta da pena.

Assim, ponderadas as exigências de prevenção geral, consabidamente muito elevadas neste tipo de crime, impondo firmeza na reafirmação da norma jurídica violada; considerando, em face da integração social e profissional do arguido, bem como da ausência de antecedentes criminais [sobretudo, se conjugadas com a sua idade], do tempo decorrido sobre os factos, sem que estes permitam concluir no sentido de qualquer aproximação – no presente - entre arguido e vítima, medianas as exigências de prevenção especial; sopesando a grau de ilicitude das condutas, reveladas pela natureza e intensidade das palavras/expressões, traduzidas em insultos [com uma forte carga depreciativa, humilhante, de manifesta afronta à dignidade da vítima] e ameaças [inclusive de morte], dirigidas à assistente, o período, não muito expressivo, durante o qual ocorreram as condutas [não mais de quatro meses], de um modo geral espaçadas entre si, a culpa, manifestada na forma mais intensa do dolo, julga-se adequada e proporcional, a pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, a qual, satisfazendo ainda as exigências de prevenção, não ultrapassa a medida da culpa [cf. artigos 40.º e 71.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal], mantendo-se a suspensão da execução da pena nos termos determinados na sentença recorrida [cf. o artigo 409.º, n.º 1 do Código Penal], agora pelo período de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses.

§5. Do montante indemnizatório

Não se conforma o recorrente com o montante indemnizatório fixado, a título de danos não patrimoniais, no caso em €3.500,00 [três mil e quinhentos euros], defendendo a adequação de uma indemnização que não ultrapasse os € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

A redução das condutas delituosas resultante da apreciação do recurso na parte criminal não pode deixar de se refletir no montante indemnizatório, não sendo, para o efeito, indiferente, mormente ao nível da ilicitude, decorrente da quantificação das ações, respetiva intensidade e período por que se arrastaram.

Não suscitando a mínima reserva a verificação na situação em apreço dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, estando em causa danos não patrimoniais – ao bom nome, à honra, à liberdade, à segurança - que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, fazendo incorrer o demandado na obrigação de indemnizar, ponderando o lapso temporal por que perduraram, durante cerca de quatro meses – e não por mais de dois anos como foi considerado, não obstante sem apoio nos factos provados, na sentença recorrida –, a natureza e repetição das palavras/expressões/ameaças dirigidas à demandante, geradoras de um forte sentimento de humilhação, mas também acentuadamente desestabilizadoras pela intranquilidade, afetação da liberdade e da segurança – vezes houve que, por temer o que o demandado pudesse fazer, a demandante teve necessidade de pernoitar fora de casa - a intensidade do dolo [direto], bem como as demais circunstâncias a que se reporta o n.º 3 do artigo 496.º do C. Civil, tem-se por equitativo fixar a indemnização, por danos não patrimoniais, em 2.500,00 [dois mil e quinhentos euros] – cf. artigos 129.º do C. Penal, 71.º do CPP, 483.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 566.º, todos do C. Civil.

Já o pagamento em prestações da indemnização, conforme pretendido pelo recorrente, carece de fundamento.

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal na parcial procedência do recurso:

1. Condenar o arguido AA como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo;

2. Condenar o demandado/recorrente AA a pagar à demandante BB, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros);

3. Revogar, em correspondência com o supra decidido, a sentença recorrida.

Da responsabilidade por custas:

Sem tributação na parte criminal.

As custas do pedido cível serão suportadas por demandante e demandado, na proporção do decaimento – cf. artigos 523.º do CPP e 527.º do CPC.

Texto processado e revisto pela relatora.

Coimbra, 12 de Julho de 2022

Maria José Nogueira (Relatora)

Isabel Valongo (Adjunta)

Alberto Mira (Presidente da secção)