Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
134/05.5IDMGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 11/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 43.º DO CP
Sumário: I - O despacho de revogação da pena de multa de substituição só produz efeitos após o trânsito em julgado do mesmo.

II - Até ao trânsito em julgado do despacho de revogação da pena de multa de substituição o arguido pode pagar a multa e evitar a execução da pena de prisão substituída.

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

Nos autos de processo nº 134/05.5idmgr, foi o arguido A... , por sentença transitada em julgado em 27/02/2012, condenado na pena de um ano de prisão, substituída por 365 dias de multa, à taxa diária de 6,00 euros num total de € 2.190,00.

2. O arguido não procedeu ao pagamento de qualquer montante, não obstante ter-lhe sido autorizado o pagamento em prestações.

3. Em 20.5.2014, perante este não pagamento da multa, foi proferido o seguinte despacho[1]:

            Dispõe o artigo 43.° do CP que:

            “1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por
pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução
da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É
correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.°

            2 - Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49º”

            Nesta conformidade, não tendo o arguido procedido ao pagamento da pena de multa, determino que o arguido cumpra a pena de um ano de prisão em que foi condenado, nada mais havendo a determinar, uma vez que nada mais foi requerido pelo arguido nem resulta dos autos que o não pagamento da multa não lhe é imputável.

            Notifique e, após trânsito, emita os competentes mandados de detenção”.

            4. Entretanto o arguido, ora recorrente, em 4.06.2014, procedeu ao pagamento voluntário da multa no valor de 2190,00€ - fls. 53 a 57.

            5. Em 13 de Junho de 2014, o Ministério Público promoveu que se declarasse extinta a pena de multa, pelo cumprimento, pelo arguido, ao abrigo do artigo 475º, do CPP.

            6. Em 23.06.2014 foi então proferido o seguinte despacho judicial sobre esta questão:

1. Nos presentes autos, foi o arguido A...... condenado na pena de um ano de prisão, substituída por 365 dias de multa, à taxa diária de € 6, num total de € 2.190 (fls. 1183).

Por despacho proferido a fls. 1377, foi determinado que o arguido cumprisse a pena de um ano de prisão em que foi condenado, uma vez que não efectuou o pagamento da pena de multa.
            A
fls. 1382 veio o arguido juntar documento comprovativo do pagamento da multa, no montante de €2.190.

O Ministério Público promoveu que se declarasse extinta pelo cumprimento a pena em que o arguido foi condenado (fls. 1386).

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 43.° do CP que:

“1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por
pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.°     2
- Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.° 3 do artigo 49º”.

Ora, resulta claramente do regime legal em apreço (designadamente, por o normativo em análise remeter apenas para o n.º 3 e não também já para o n.º 2 do artigo 49.°) que, ao contrário do que sucede com a prisão subsidiária, o arguido não pode, uma vez determinado o cumprimento da pena de prisão por falta de pagamento da multa, evitar a execução da prisão através do pagamento da multa. Temos, assim, que, uma vez determinado o cumprimento da pena de prisão por falta de pagamento da multa, não pode já o arguido proceder ao pagamento da multa com vista a evitar o cumprimento da prisão.

            Neste sentido pronuncia-se igualmente a jurisprudência maioritária, da qual são exemplos o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2/03/2010, em que é relator Brízida Martins, e cujo sumário refere que “1. À pena de multa substitutiva da pena de prisão não é aplicável o mecanismo do artigo 49.°, nº2, do Código Penal, não sendo admissível o pagamento da multa depois de ter sido determinado o cumprimento da pena de prisão de substituição. 2. A partir do momento em que o tribunal ordena a execução da prisão directamente imposta, a multa de substituição desaparece pura e simplesmente, deixa aquela multa de existir.” (disponível em www.dgsi.pt), bem como os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2/03/2011, do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/05/20 12 (disponíveis em www.dgsi.pt) e do Tribunal da Relação do Porto de 29/04/2009 (disponível em www.trp.pt).
            Face ao exposto, determino que, após trânsito, se dê cumprimento ao ordenado a fis. 1377, parte final”.

            7. Desta decisão recorre o arguido A...... , que formula as seguintes conclusões:

            1. O Tribunal proferiu um despacho em que ordenou a detenção do Arguido sem que o tivesse ouvido nos termos da lei penal e constitucional.

            2. A forma liminar e despicienda com que o Tribunal demitiu o Recorrente do seu direito em colaborar na determinação da sua liberdade redunda numa manifesta ilegalidade que conduz â nulidade do Despacho.

            3. Viu-se assim, não só o julgador impossibilitado de tomar contacto com o arguida de modo adequado a tirar conclusões sobre a sua culpa, como o próprio se viu impossibilitada de falar em sua defesa, oferecendo à apreciação do Tribunal o que tivesse por relevante para que, em consciência e com respeito pelos princípios fundamentais da Lei, se pudesse chegar a uma decisão nesta matéria.

            4. O Recorrente não foi notificado em momento algum da posição assumida pelo Ministério Público, havendo apenas uma pequena referência à mesma no Despacho recorrido, conhecendo-se, apenas ai mas em absoluto, que promove o Ministério Público a extinção da pena pelo cumprimento.

            5. O Juiz sequer invoca qualquer fundamento atendível para dispensar a audição da Recorrente antes de decretar a sua prisão, demonstrando, assim, o seu poder absolutamente discricionário, com a consequente entrega da intervenção cio arguido ao seu livre arbítrio e ao que eleja como seus critérios de conveniência que sequer enuncia!

            6. De facto, não justificando o Juiz a razão de ser da sua decisão em prescindir do contraditório do arguido apenas se pode dizer a sua decisão como infundada e arbitrária, coarctando-se irrazoavelmente as prerrogativas legais do Recorrente em ser ouvido e participar na determinação da sua liberdade, derrogando-se, por outro lado, os normativos legais — e constitucionais — que impõem a legalidade das decisões que constrinjam a liberdade de indivíduos ao exigir a estrita fundamentação dos actos que a tanto conduzam bem como a intervenção colaborante e contraditória do agente.

            7. Existe, por isso, uma decisão nesta sede enfermada de nulidade insanável, o que exclui a admissibilidade legal da decisão recorrida.

            8. O acto de que recorre, enquanto despacho que ordena o cumprimento de uma pena de prisão é entendido como um acto decisório judicial e como tal deve ser sempre e obrigatoriamente fundamentado e deveria especificadamente enunciar todos os elementos de prova em que fundamentou a sua convicção sobre tal determinação.

            9. O dever de fundamentação do despacho que aprecia a determinação de uma pena privativa da liberdade, assume uma importância vital enquanto instrumento de garantia que permite um eficaz direito ao recurso, pois é dele que emana a matéria que permite, ao abrigo do contraditório, a exposição dos fundamentos de facto e de direito do arguido que, na sua óptica, permitem contrariar a decisão.

            10. A exposição sumária, resumida e repleta de lacunas como a do presente Despacho, colide frontalmente com os direitos do arguido, por afectar indubitavelmente o valor do recurso interposto, nomeadamente na confrontação dos motivos justificativos que emanam da convicção do Tribunal para aplicar tal pena, ou seja, na apreciação concreta das questões.

            11. Não poderá bastar-se o Tribunal — e o arguido! — com a indicação de uma norma e elencos jurisprudenciais que mal descreve (e nem podia pois são favoráveis ao arguido), sem indicação factual, concreta e sustentada com a prova produzida, da base que gera a convicção do Mmo. Juiz. O Despacho recorrido, omisso de qualquer fundamentação, sempre impedirá e tomará inviável a defesa do ora Recorrente, pois impede uma correcta defesa do arguido.

            12. Mais, sequer refere o Tribunal qual a mediada da pena que deverá ser cumprida pelo Arguido.
            13. O Recorrente assumiu sempre uma postura de preocupação para com o Tribunal, face à pena que lhe foi aplicada, tendo sido sempre a sua intenção proceder ao pagamento da multa em que foi condenado por substituição à pena de prisão.

            14. Por várias vezes tentou, junto do Tribunal, encontrar uma solução para o cumprimento da pena de multa, não tendo, contudo, logrado consegui-lo, tendo o Tribunal mantido sempre uma postura intolerante e arrogante, o que fez com o recorrente apenas tardiamente pudesse fazer o pagamento da pena de multa

            15. Quando refere o Mmo. Juiz que não dos autos que o não pagamento da multa não lhe é imputável”, o Recorrente apenas poderá lamentar tal entendimento, por duas razões: primeiro, sempre demonstrou o arguido que tinha vontade de pagar, que sempre foi um cidadão exemplar, bom pai de família, tendo contudo tido um problema grave com a sua empresa que culminou nos dois procedimentos criminais que se identificaram; segundo, ainda que assim não se entendesse, o não cumprimento apenas se poderá imputar ao próprio Tribunal que jamais atendeu às questões e soluções apresentadas pelo Arguido para o cumprimento 1 pagamento da pena de multa em que foi condenado.

— O Ministério Público, com toda a certeza, tê-lo-á entendido, tanto que promoveu a extinção da pena.

            16. Outra questão importante de valorar. Ao contrário do que refere o despacho recorrido “uma vez determinado o cumprimento da pena de prisão por falta de pagamento da multa, não pode já o arguido proceder ao pagamento da multa com vista a evitar o cumprimento da prisão”, neste caso tal premissa não se aplicará. A determinação do cumprimento da pena de prisão de que fala o despacho recorrido e que remete para o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2/0312010, em que é relator Brízida Martins, encontra ai o porquê da sua não aplicação: O anterior despacho, aguando do pagamento, ainda não tinha transitado em julgado e essa é condição a que se atende no referido acórdão para a aplicação da pena de prisão. Jurisprudência é unânime.

            17. Mas não só apenas por isto o Arguido pagou a multa. Pagou como havia referido, porque apenas a essa data o conseguiu fazer, não por qualquer motivo de despreocupação ou irresponsabilidade.
            18. Nesta esteira, convém, pois, também enquadrar este caso do ponto de vista da culpabilidade.
            19. A culpa não se presume, terá sempre que ser provada e, ao contrário, no caso concreto, parece ter presumido o Tribunal que o Arguido não terá procedido ao pagamento porque, simplesmente, não o quis fazer.

            20. E não o poderia fazer, uma vez que, já que não procedeu à sua audição, pelo menos tinha a obrigação de ter atendido á preocupação desde sempre demonstrada.

            21. Aliás, a posição do ora recorrente mereceu o atendimento do Ministério Público que expressa na sua promoção que deverá ser a pena extinta pelo cumprimento — facto que terá que relevar, tanto mais que é o MP, nos termos do art.° 469.° do CPP que promove a execução das penas e, neste caso, soube analisar, bem, que não o poderia fazer.

            22. Parece-nos, ainda, óbvio que o Tribunal se olvidou de dar um passo no presente processo. Mais um, tendo-se demitido da obrigação de tentar executar o património do Recorrente.
            23. Parece, pois, que o Tribunal, por qualquer razão que o Recorrente desconhece, o quer castigar.

            24. O Recorrente é um cidadão exemplar, perfeitamente integrado na sociedade, pessoa respeitada e admirada por todos, especialmente pela sua mulher e filha, ainda menor que depende de si para quase tudo.

            25. Impõem-se que a justiça seja feita e que seja considerada a pena extinta pelo cumprimento, já que o Recorrente pagou e antes do trânsito em julgado da decisão que ordenou o cumprimento da pena de prisão, não o tendo feito antes apenas e só porque não pode, tendo sempre demonstrado junto do Tribunal as razões para o seu cumprimento tardio, o que afasta a sua culpa, facto a que, também, se terá que atender.

            Nestes termos, e nos melhores de Direito que, deve:

            Nestes termos e nos melhores de Direito que W. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente Recurso revogando-se o Despacho do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande e consequentemente, ser:

            a) A Pena de Prisão revogada nos termos e com os fundamentos alegados;
            E, por necessária deriva,

            b) A Pena aplicada ao Arguido extinta pelo cumprimento; Ou, quando assim no for entendido, e sem conceder

            c) Serem os autos remetidos ao Tribunal recorrido para que seja reparado o vício de irregularidade de que padece o Despacho e que impede o arguido de exercer cabalmente a sua defesa pela via do recurso

            ASSIM FAZENDO V. EXAS. A COSTUMADA JUSTIÇA!

            8. O Ministério Público respondeu dizendo:

            1° O arguido procedeu ao pagamento da pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão, antes do trânsito em julgado do despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão.
            2° Assim, a pena de multa deveria ter sido declarada extinta, após o pagamento efectuado em 04.06.2014.

            3° E, não determinado o cumprimento de um despacho, cujos fundamentos cessaram, antes do trânsito em julgado do mesmo.

            4°Deve ser concedido provimento ao recurso.

            5° E, declarada extinta a pena de multa.

            Nestes termos, deverá o recurso interposto pelo arguido merecer provimento.

            9. Nesta instância, o Exmº Srº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer do seguinte teor:

            - Conforme alega o Ministério Público na 1ª Instância, a fls. 111 a 112, que acompanhamos, apenas assiste razão ao Recorrente, no que concerne à revogação do despacho recorrido e à pretendida possibilidade de considerar a pena extinta pelo pagamento da multa, por ter sido efectuado o pagamento antes de transitar em julgado o despacho de fls. 49, que ordenava o cumprimento da pena de prisão.

            - Nestes termos, acompanhando, como referimos, a resposta da Exmª Procuradora-Adjunta, na 1ª Instância, constante de fls. 111 a 112, afigura-se-nos que o recurso poderá ser julgado procedente, mas pela razão referida pelo M ° P que o arguido também alega.

6. Foram os autos a vistos e realizou-se a conferência.     

                                                           II

Questões a apreciar:

1. A falta de audição prévia do arguido.

2. A falta de fundamentação do despacho.

3. A possibilidade legal de pagamento da multa no momento em que o arguido o fez e suas consequências.

III

Apreciando:

1ª Questão: a possibilidade legal de pagamento da multa no momento em que o arguido o fez e suas consequências.

1. Iniciamos a apreciação por esta questão na medida em que a sua procedência pode tornar inútil a apreciação das demais.

Esta questão subdivide-se em duas:

- Saber se a multa substitutiva da pena de prisão e entretanto não paga pode ser ainda paga a todo o tempo, mesmo já depois de ordenado o cumprimento da pena de prisão inicial. O mesmo é dizer se a esta situação pode/deve ser aplicado o disposto no artigo 49º, nº 2, do Código Penal, ou seja o regime para a pena de multa principal e quando esta é substituída por prisão subsidiária.

- Saber se esta multa poderá ser ainda paga já depois de ordenado, por despacho judicial o cumprimento da pena de prisão inicial, pelo não pagamento da referida multa de substituição, mas antes daquele (despacho) ter transitado em julgado.

2. Quanto à primeira questão, foi a mesma já por nós apreciada quer em ac. do Tribunal da Relação do Porto de 26.1.2011, proferido no proc. nº 914/07.7PTPRT.P1, consultável na base de dados do ITIJ, quer em ac. deste Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de Julho de 2012, proferido no proc. nº 428/08.8GBILH.C1 (também consultável na base de dados do ITIJ).

A propósito desta questão e segundo a maioria da jurisprudência sobre a mesma, decidimos então que:

2. Em nome da coerência interna do sistema, entendemos não ser já possível o pagamento da multa após a prolação do despacho em que se decide o cumprimento, pelo arguido, da pena de prisão inicialmente aplicada, desde que tenha transitado em julgado tal despacho.

Entendemos que deve ser assim, porque estamos exactamente perante duas situações ou duas penas de natureza diferente[2], em que o legislador, com a revisão do CP, em 1995, optou por aplicar regimes jurídicos também diferentes.

2.1. O regime inicial do Código Penal traduzia-se numa equiparação entre as duas situações, ou seja, quer quando a multa resultasse da substituição de uma pena de prisão quer quando resultasse da aplicação directa como pena principal, se não fosse paga, teria lugar a execução patrimonial e caso esta também não fosse possível nem houvesse substituição por dias de trabalho, seria cumprida uma pena de prisão – qualificada de pena alternativa -, que seria a correspondente a dois terços da pena de multa. Era o regime dos artigos 43º, 46º e 47º, do então Código Penal.

No fundo, era esta total equiparação, que motivou a crítica do Prof. Figueiredo Dias, nos seguintes termos[3]:

«… a regulamentação contida no artigo 43º 3 conduz a resultados inadmissíveis, Se o condenado não pagar a multa e não houver lugar a execução, nem a substituição por dias de trabalho, ele vai então cumprir prisão igual a 2/3 dos dias de multa em que foi condenado (art. 46º/3)! Quer dizer: o tribunal fixou a pena de prisão, v.g. em 4 meses, substituiu-a por 120 dias de multa e, como “prémio” do incumprimento culposo da pena de substituição, o condenado acaba por cumprir apenas 3 meses de prisão! Uma tal solução já nada tem a ver com a consideração da prisão como extrema ratio, mas constitui um erro legislativo que acaba por pôr em causa a efectividade político-criminal da própria pena de substituição»
«Pode então perguntar-se em que consistiria, de iure condendo, a solução mais correcta para este problema. É perfeitamente aceitável, v.g. que a multa de substituição possa ser paga em prestações ou com outras facilidades; ou que, uma vez não paga sem culpa, se apliquem
medidas de diversão da prisão – valendo aqui a analogia com a multa principal. Mas já se torna inaceitável que, uma vez não paga culposamente a multa de substituição, se não faça executar imediatamente a pena de prisão fixada na sentença. Por aparentemente contraditória que se antolhe a afirmação seguinte, é sem dúvida esta a solução mais favorável à luta contra a prisão, por ser a que oferece a consistência e a seriedade que se tornam indispensáveis à efectividade de todo o sistema das penas de substituição»[4].

2.2. Com a revisão de 1995, o legislador separou o tratamento jurídico das duas penas nas situações de incumprimento, mantendo um tronco comum quanto à sua similitude mas diferenciando o que deve ser efectivamente considerado diferente.

E assim o legislador, no artigo 44º do Código Penal - situação de substituição da pena de prisão por multa -, consagrou o cumprimento da pena de prisão inicial – no caso de a multa não ser paga, -, sem que esta seja reduzida a dois terços, como acontecia até então.

Por sua vez, enquanto que o regime anterior, ou seja, o artigo 43º, remetia para a aplicação ao não pagamento da multa resultante da substituição de pena de prisão, para os regimes dos artigos 46º e 47º, sem qualquer limitação, o artigo 44º passou a mandar aplicar apenas o disposto no nº 3 do artigo 49º - o equivalente grosso modo, ao anterior nº 4, do artigo 47º - referente às situações de não pagamento da multa não imputáveis ao condenado.

Este regime mantém-se actualmente no artigo 43º, do CP, com a redacção dada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro.

2.3. No que concretamente respeita à possibilidade de a multa ainda poder ser paga já depois de ordenado o cumprimento da pena de prisão inicial, situação objecto do recurso, a resposta passa necessariamente, como já se aflorou, pela apreciação da diferente natureza das penas em questão e o tratamento jurídico que o legislador definiu para cada uma delas.

Como afirma o Prof. Figueiredo Dias in RLJ Ano 125º, fls. 163 a 165, “ a pena de multa de substituição, aqui em consideração, não é a pena de multa principal regulada nos artigos 46º e 47º. Não o é, de um ponto de vista político-criminal, dadas a particular intencionalidade e a específica teleologia que lhe preside: se bem que uma e outra se nutram do mesmo terreno político-criminal - o da reacção geral contra as penas privativas da liberdade no seu conjunto - a multa de substituição é pensada como meio de obstar, até ao limite, à aplicação das penas curtas de prisão e constitui, assim, específico instrumento de domínio da pequena criminalidade, de sorte que esta diversidade é já por si bastante para conferir autonomia à pena de multa de substituição. Mas se as duas penas são diversas do ponto de vista político-criminal, são-no também (e em consequência) do ponto de vista dogmático: a pena de multa é uma pena principal mas a pena de multa agora em exame é uma pena de substituição no seu mais lídimo sentido. Diferença esta donde resultam (ou onde radicam) como de resto se esperaria, consequências político-jurídicas do maior relevo, maxime em termos de medida de cumprimento da pena”.

Diferenças apontadas igualmente no ac. da Relação de Lisboa de 6.10.2009, proferido no processo nº 7634/o4.2TDLSB-A.L1-5, consultável na base de dados do ITIJ, nestes termos:

“Mas não se pode esquecer que a pena principal a que o arguido foi condenado é, efectivamente, uma pena de prisão.

Uma pena de prisão substituída por multa e uma pena de multa convertida em prisão subsidiária, são penas de diferente natureza.

A primeira é privativa de liberdade, a segunda não.

Tal diferença de natureza acarreta muitas diferenças no seu regime de execução”.

2.4. Mas vejamos, no concreto, os dois diferentes regimes para cada uma das ditas penas, quer na parte comum, quer na parte divergente[5]:

Em ambas as situações:

- A multa só é exigível depois do trânsito em julgado da sentença – art. 489º, nº 1, do CPP.

- O prazo de pagamento é de 15 dias – nº 2 do mesmo preceito.

Neste prazo de pagamento, pode o condenado:

- Requerer o pagamento da multa em prestações – artigo 47º, nº 3, do CP e 489º, nº 3, do CPP.

- Requerer a substituição da multa por dias de trabalho – artigos 48º, do CP e 490º, do CPP.

Se a multa não for paga voluntariamente, ainda que em prestações e se não tiver sido substituída/cumprida por dias de trabalho, segue-se a execução patrimonial correspondente ao pagamento coercivo – artigo 491º, do CPP[6].

E pode ainda o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável requerendo, assim, que se suspenda, por esta via e fundamento, a execução da prisão principal - art. 49º nº 3 do Código Penal, aplicável por força do artigo 43º, nº 2, in fine, do mesmo diploma.

2.5. A partir daqui, ou seja, a partir do não pagamento da multa[7], as situações divergem, passam a ter regimes diferentes.

Quanto à pena de multa aplicada como pena principal, o regime continua o mesmo até então, ou seja, o condenado cumpre a pena de prisão subsidiária, correspondente a dois terços da dita pena de multa – artigo 49º, nº 1, do CP.

No entanto, pode o condenado, a todo o tempo, evitar a execução desta pena de prisão subsidiária, pagando no todo ou em parte, a multa aplicada – nº 2, do mesmo artigo 49º.

Quanto à pena de multa aplicada como substitutiva da pena de prisão, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença[8] – artigo 43º, nº 2, do CP.

Mas não pode, contrariamente ao que acontecia, pagar aquela multa a todo o tempo e fazer cessar a execução da pena de prisão. O mesmo é dizer que lhe não é aplicável o regime do artigo 49º, nº 2, do CP.

Na verdade, a remissão do artigo 43º, nº 2, do CP é bem expressa e restrita ao disposto no artigo 49º, nº 3, daquele diploma.

Com certeza que, se o legislador também pretendesse a aplicação do disposto no nº 2, tê-lo-ia dito expressamente.

Não o fez porque com a dita alteração, pretendeu efectivamente distinguir os dois regimes porque de penas de natureza diferente se trata.

Os motivos que justificam que se possa evitar a todo o tempo a execução de uma pena de prisão subsidiária, inexistem na execução da pena de prisão originária, quando esta foi substituída por multa.

Na pena de multa principal, o cumprimento de pena de prisão subsidiária é o último reduto ou a última possibilidade para que o condenado cumpra uma pena. E ao cumpri-la, está a cumprir uma pena de natureza bem diferente da aplicada inicialmente na sentença, sendo mais gravosa (a pena subsidiária de prisão).

As razões que justificam e fundamentam a substituição de uma pena curta de prisão por uma pena de multa, com maior acuidade se fazem sentir quando se chega ao extremo de impor ao condenado uma pena de prisão quando este tinha sido condenado apenas numa pena de multa.

Se quando se aplicou a pena de multa se pretendeu evitar qualquer pena de prisão, essas razões mantêm-se. Daí a faculdade dada ao condenado de fazer cessar a todo o tempo, a pena de prisão, que é apenas subsidiária, pagando a respectiva multa, que no fundo é a pena principal.

Ora, na situação dos autos, passa-se exactamente o contrário. Foi aplicada como pena principal uma pena de prisão. Mas dado tratar-se de uma pena curta de prisão, será sempre de evitar a execução desta, a não ser que razões ponderosas, de necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, o exijam[9].

Daí a opção legislativa da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano – art. 43º, nº 1, do CP -, por pena de multa.

Mas, claro, esta opção e esta substituição da pena de prisão, tem que ter um limite.

Este limite foi definido no próprio texto do artigo 43º, nº 2, ao dizer que o condenado cumpre a pena de prisão inicialmente aplicada se não pagar a multa.

Apesar da primeira opção legislativa ser o não cumprimento da pena de prisão pelo condenado, não é, no entanto, de todo afastada: esta possibilidade renasce em caso de não pagamento da multa.

E compreende-se que assim seja: a aposta, a oportunidade dada ao condenado de se reinserir, de se comportar conforme o direito, de justificar que efectivamente seria um erro cumprir uma pena de prisão, não passa de uma miragem do julgador, de pura fantasia, uma frustração. Quando é certo que o condenado tem ao seu alcance várias possibilidades para obstar à execução da pena de prisão aplicada, já supra discriminadas.

E a irracionalidade e inoportunidade do cumprimento de uma pena de prisão subsidiária a uma pena principal de multa não paga, não se colocam neste caso, em que a pena principal aplicada é mesmo a de prisão.

Por outro lado, se em vez de uma substituição da pena de prisão por uma pena de multa tivesse sido suspensa a execução da própria pena de prisão e se por qualquer motivo esta viesse a ser revogada, é impensável afirmar que, porventura no início do cumprimento ou a meio deste, vir pretender que a execução se suspenda porque entretanto o condenado cumpriu a eventual condição para a suspensão e cujo eventual não cumprimento determinou a revogação da suspensão!

São estes, no essencial, os fundamentos que nos levam a não admitir a aplicação do disposto no artigo 49º, nº 2, do CP ao presente caso.

O que significa que não deveria ter sido admitido o pagamento da multa no tempo e nos termos em que o foi, suspendendo a execução da pena de prisão que entretanto se iniciara na sequência do despacho supra transcrito, já transitado em julgado.

Com já se anotou, o condenado tinha ao seu alcance vários meios para obstar à execução da pena de prisão, incluindo o recurso do despacho que a ordenou. Usou o expediente que, em nosso entender, não é legalmente admissível, na fase em que o faz.

Como se decidiu em ac. do TRLx de 15.3.2007, proferido no processo nº 1564/07-5, consultável em www.dgsi.pt/jtrl, “ a partir do momento em que o tribunal…ordena a execução da prisão directamente imposta, a multa de substituição desaparece, pura e simplesmente. Deixa aquela multa de existir. Não há em simultâneo duas penas - prisão e multa - que o arguido possa cumprir, em alternativa, segundo a sua livre opção””.

3. Desta transcrição do acórdão conclui-se, pois, que entendemos não ser possível o pagamento da multa depois de transitado em julgado o despacho onde foi decidido/determinado o cumprimento da pena de prisão inicialmente fixada, por não pagamento da multa substitutiva daquela.

E se se verificar a jurisprudência conhecida sobre esta matéria, a mesma versa apenas este aspecto do pós-transito em julgado do dito despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão inicial.

Assim:

O supra citado ac do TRLx de 15.3.2007, proferido no processo nº 1564/07-5, apesar do teor transcrito (sumário), no mesmo é todavia afirmado:

“Por outro lado, como já se reconheceu no acórdão desta mesma Relação proferido no âmbito destes autos, no recurso interposto pelo condenado, o despacho proferido em 18.10.2005, que consta de fls.80 e 81, que determinou o cumprimento por aquele da pena de 4 meses de prisão, transitou em julgado, pois dele não foi interposto recurso”.

De onde se infere que a posição propugnada teve como pressuposto o trânsito em julgado de tal despacho judicial.

O decidido no ac. do TRP de 29-04-2009, proferido no proc. nº 117/07.0GAPFR.P1[10], tem igualmente como pressuposto o trânsito em julgado do despacho judicial, pois aí se afirma:

“Como se refere no despacho recorrido e resulta dos autos, o arguido foi condenado em pena de prisão substituída por multa, em 22/1/08, de que o arguido não recorreu”.

Também no ac. do TRL de 22-05-2012, proferido no proc. nº 588/06.2GTCSC.L1-5, sobre a mesma questão a posição assumida de que tal pagamento não é possível, tem como pressuposto o trânsito em julgado do despacho judicial.

O ac. do TRE de 08-04-2014, proferido no proc. nº 384/12.8GTABF-A.E1 também é explícito quando decide:

I. Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43º, nºs 1 e 2 do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no nº 2 do artigo 49º, do Código Penal.

O ac. deste Tribunal da Relação de Coimbra de 19-01-2011, proferido no proc. nº 16/08.9GBFIG-A.C1, quando decide que

“A limitada remissão constante do art. 43º do CP, restringindo a aplicação do art. 49º CP ao respectivo nº 3, evidencia, na economia da lei, o intuito assumido de excluir a possibilidade de pagamento da multa a todo o tempo, tem como pressuposto uma situação do trânsito em julgado do despacho judicial.

Também o AUJ do STJ de 18-09-2013, proc.   319/06.7SMPRT.P1-A.S1 DR, I SÉRIE, 200, 16.10.2013, P. 6116, fixou jurisprudência no sentido de:

Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão[11] em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43.º n.º s 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.º 2, do artigo 49.º, do Código Penal “.

4. A questão que se segue traduz-se em averiguar se o dito pagamento da multa ainda será possível antes do trânsito em julgado do despacho em que se decidiu o cumprimento da pena de prisão inicial.

Sobre esta matéria apenas foi por nós encontrada uma decisão do STJ de 02-03-2011 (Relator: Cons. Maia Costa), proferido no proc. nº 732/03.1PBSCR-A.S1, onde, não se apreciando diretamente esta questão mas sim uma situação de pedido de habeas corpus, todavia decidiu o seguinte:

            V - No caso dos autos, estamos perante o pagamento de uma multa pelo condenado enquanto pena substitutiva da de prisão, não uma pena principal, pagamento esse que não obsta ao trânsito do despacho que revogou a substituição da prisão por multa, nem o “esvazia” de conteúdo.
            VI - Com efeito, o trânsito do despacho em que se procede à revogação da substituição da prisão por multa só será impedido pelo
recurso ordinário que dele tempestivamente seja interposto. Não tendo sido impugnado, o despacho transitou em julgado, e consequentemente a pena substitutiva de multa foi revogada, “renascendo” a pena principal, a pena de prisão, como única pena a cumprir pelo condenado, o ora requerente.

            VII - O pagamento da multa, quando esta já havia sido revogada, é irrelevante, portanto, em termos de cumprimento da pena principal.

            VIII - O art.49.º, n.º 2, do CP, admite o pagamento a todo o tempo (inclusive, portanto já após o início do cumprimento) da prisão subsidiária, ou seja, da prisão que é cumprida subsidiariamente no caso de não pagamento da multa, enquanto pena principal.
            IX - No caso dos autos
, o não pagamento da multa nunca poderia determinar o seu cumprimento em prisão subsidiária, antes a sua revogação e a “recuperação” da pena principal de prisão, nos precisos termos constantes da decisão condenatória.

            X - Consequentemente, não é aplicável ao caso dos autos – pena de prisão principal – o citado n.º 2 do art. 49.º do CP, não sendo assim admissível, insiste-se, pagar a pena substitutiva de multa quando ela já foi revogada e ordenado o cumprimento da pena (principal) de prisão.

            5. Todavia, este entendimento do douto acórdão do STJ não nos merece concordância.

            Os motivos da nossa posição residem precisamente na noção que deve ser dada ao trânsito em julgado do despacho ou decisão.

            Não se trata da mesma situação, antes ou depois de uma decisão transitar em julgado.

            Antes do trânsito em julgado, a decisão, em si mesma, ainda não está apta a produzir os seus efeitos que se prepara produzir. A sua execução como que se encontra suspensa. Após a decisão e antes de a mesma se considerar transitada em julgado, pode ser impugnada, quer arguindo nulidades quer eventualmente dela recorrendo. E só depois de apreciadas qualquer uma destas hipóteses, é que essa decisão poderá produzir os seus efeitos se entretanto não for alterada, ou seja, se for mantida. E só acontecerá igualmente depois de a decisão que a apreciou, também ela ter transitado em julgado.

            Digamos que o trânsito ou não em julgado da decisão, é a chave da questão.

            É certo que, depois de o juiz decidir - face ao não pagamento até à decisão, que o arguido deve cumprir a pena de prisão em substituição da multa não paga -, já não é susceptível de ser alterada pelo mesmo juiz que a proferiu. O seu poder jurisdicional esgotou-se com a prolação da decisão – atual artigo 613º, do Código de Processo Civil. 

            Como se disse, esta decisão só pode ser alterada mediante recurso ou procedência de alguma nulidade subjacente a tal decisão.

            Sendo assim, significa que, entre o momento em que foi proferido o despacho que decidiu o cumprimento da pena de prisão pelo arguido e o momento em que este está habilitado a produzir os seus normais efeitos, existe outro período em que este despacho está como que suspenso. Não é por mero acaso que, no próprio despacho, o juiz que ordena o cumprimento da pena de prisão decide igualmente:

            “Notifique e, após trânsito, emita os competentes mandados de detenção”.

            Exatamente porque a decisão apenas está apta a produzir os seus efeitos depois de transitada em julgado.

            Fixando-nos, pois, no lapso de tempo entre a prolação da decisão e o seu trânsito em julgado, cabe perguntar: afinal, neste período de tempo, qual a pena que vigora, qual a pena prevalecente, a de multa ou a de prisão?

            A de prisão não pode ser porque ainda não se tornou efetiva, exequível.

            Logo, sob pena de se criar um vazio, a pena que está em vigor, que prevalece, é a pena de multa porque, juridicamente, ainda não foi revogada, substituída.

            Um dos argumentos para não considerar admissível o pagamento da pena de multa após o trânsito em julgado da decisão que ordenou a substituição da multa pela de prisão, consiste precisamente porque se entende que não prevalecem duas penas, a de multa e a de prisão. O renascimento desta faz desaparecer aquela.

Veja-se o ac. do TRLx de 15.3.2007, proferido no processo nº 1564/07-5, supra citado:

“ a partir do momento em que o tribunal…ordena a execução da prisão directamente imposta, a multa de substituição desaparece, pura e simplesmente. Deixa aquela multa de existir. Não há em simultâneo duas penas - prisão e multa - que o arguido possa cumprir, em alternativa, segundo a sua livre opção””.

            Acontece que esta situação só se verifica com o trânsito em julgado do despacho. Até lá, não se nos suscitam dúvidas de que a pena que subsiste é a pena de multa.

            E se esta ainda subsiste juridicamente, validamente, não vemos por que motivo não pode ser cumprida, paga, neste período de tempo. Tudo indica que sim.

            Sendo paga, significa que, quando porventura a decisão deveria ser exequível porque decorrido o prazo do trânsito em julgado, o mesmo é dizer quando o arguido deveria cumprir a pena de prisão, tal decisão, por facto anterior, tornou-se inútil. Fez extinguir o seu cumprimento.

Não está em causa o juiz dar sem efeito a prisão que ordenou cumprir. Simplesmente a pena de prisão extinguiu-se na sequência do pagamento da pena de multa. Extinguindo-se a causa do cumprimento da pena de prisão, extinguiu-se o seu efeito – o cumprimento efetivo.   Complexo, duvidoso?

            Não nos parece. Esta situação verifica-se no caso de eventual condenação numa pena (de multa ou mesmo prisão efetiva) se entretanto entre o período da condenação e o trânsito em julgado da condenação, ocorrer um facto que extingue essa pena, como é o caso da prescrição. Ocorrendo o prazo da prescrição do procedimento criminal durante o período do trânsito em julgado da decisão, não se suscitam quaisquer dúvidas de que esta pena simplesmente se extingue e não é já cumprida. O julgador nada tem que fazer. A extinção ocorre por força da prescrição. Significa que durante este espaço de tempo surgiu um facto, uma circunstância que obsta ao cumprimento da pena.

            Entendemos que o mesmo se passa nesta situação. No espaço de tempo antes de a pena se dever cumprir, ocorreu um facto que impede o seu cumprimento efetivo: o pagamento da multa então e ainda em vigor, vigente.

            São estes, em síntese, os fundamentos que nos levam a admitir o pagamento da pena de multa no período de tempo que medeia entre a decisão e o seu trânsito em julgado.

              6. A estes fundamentos podemos somar os fundamentos que levaram o julgador (por imperativo legal), a optar pela substituição inicial da pena de prisão pela pena de multa: a de não cumprir, o arguido, uma pena curta de prisão.

Reproduzindo o que já acima se disse,

afirma o Prof. Figueiredo Dias in RLJ Ano 125º, fls. 163 a 165, que “a pena de multa de substituição, aqui em consideração, não é a pena de multa principal regulada nos artigos 46º e 47º. Não o é, de um ponto de vista político-criminal, dadas a particular intencionalidade e a específica teleologia que lhe preside: se bem que uma e outra se nutram do mesmo terreno político-criminal - o da reacção geral contra as penas privativas da liberdade no seu conjunto - a multa de substituição é pensada como meio de obstar, até ao limite, à aplicação das penas curtas de prisão[12]e constitui, assim, específico instrumento de domínio da pequena criminalidade…”.

Este sentido de obstar, até ao limite, à aplicação das penas curtas de prisão, leva-nos, nesta perspetiva e finalidade das penas, a admitir ainda o pagamento da pena de multa em detrimento do cumprimento da pena de prisão.

            7. Sendo pois, de considerar admissível o pagamento da multa pelo arguido no prazo em que o fez e, consequentemente, não devendo o mesmo por esta via ter que cumprir a pena de prisão, torna-se inútil a apreciação das outras duas questões suscitadas no recurso, pelo que as mesmas não serão apreciadas.

           

IV

Decisão

Por todo o exposto, decide-se:

            Conceder provimento ao recurso do arguido A...... e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido em que não admite o pagamento da multa pelo mesmo no período de tempo em que o fez, devendo ser proferido antes despacho que julgue extinta a pena de multa pelo pagamento, sem necessidade do cumprimento da pena de prisão substituída.

           
           
Sem custas.

Coimbra, 4.11.2015.

(Luís Teixeira - relator)

               

(Vasques Osório - adjunto)


[1] Fls. 49 (fls. 1317 dos autos principais).
[2] Num caso, a pena de multa é substitutiva de uma pena de prisão, no outro a pena de multa é aplicada como pena principal.
[3] Reproduz-se aqui tal posição, uma vez que não se transcreveu a parte do acórdão em que a mesma estava inserida.
[4] Podendo ver-se mais desenvolvimentos desta posição e estudo da questão em Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, fls. 368 e seguintes e RLJ Ano 125º, fls. 163 a 165 e 201 a 206.
[5] Resultante da conjugação do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, 47º, 48º e 49, do CP e 489º a 491º, do CPP.
[6] Neste aspecto, não vamos tão longe como decidido no ac. da Relação de Lisboa de 6.10.2009, supra citado, em que afirma não ser possível o recurso ao pagamento coercivo da pena de multa substitutiva da pena de prisão, passando-se logo, na falta de pagamento voluntário, ao cumprimento da pena de prisão aplicada.
Diz-se no acórdão:
“ Relativamente à pena de prisão substituída por multa não está previsto o pagamento coercivo da pena de multa substitutiva art.º 43 n.º1 do Código Penal; na situação de pena de multa a obtenção deste pagamento coercivo está previsto art.º 49º n.º1 do Código Penal”.
Entendemos que não pode fazer-se uma interpretação tão restritiva do disposto no artigo 43º, nº 2, do CP.
O preceito apenas diz “ se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença”.
Ora, a multa pode ser paga voluntariamente no prazo legal de 15 dias, pode ser paga em prestações, nos termos e no prazo do artigo nºs 3 e 4 do CP, pode ser substituída por dias de trabalho, nos termos do artigo 48º, do CP e 490º, nº 1, do CPP e pode ser paga coercivamente, se forem conhecidos bens ao condenado, através da execução para o efeito.
São quatro formas diferentes mas todas legais e admissíveis de pagamento da multa.
Logo, não pode, de modo algum, restringir-se ao pagamento voluntário, a referência do artigo 43º, nº 2, do CP.
[7] Ou da sua substituição por dias de trabalho e ainda quando não foi alegado o disposto no artigo 49º, nº 3, do CP.
[8] Foi esta uma das alterações operadas com a revisão de 1995, ao CP e que se mantém, conforme já anotado.
[9] Que correspondem às situações do designado efeito sharp-short-shock – única forma de convencer o agente da gravidade do crime praticado e mesmo de estabilizar as expectativas comunitárias na manutenção da validade da norma infringida – V Figueiredo Dias, RLJ, Ano 125º, fls. 164.
[10] Onde se decidiu que “ à pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão não é aplicável o regime do nº 2 do art. 49º do Código Penal”.
[11]Negritonosso.
[12]Sublinhadonosso.