Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
333/10.8TBAGN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
IMPUGNAÇÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Data do Acordão: 03/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ARGANIL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 73º CPC
Sumário: I – Numa acção de impugnação de uma escritura de justificação notarial, para efeitos de registo predial, o que se alega e impugna são precisamente os factos possessórios que são referidos nesse tipo de escritura, como justificadores de uma aquisição originária de imóveis (por usucapião) por parte de quem pretende justificar tal posse/aquisição (o Réu na acção).

II - Daí que neste tipo de acções o Autor tenha de alegar que são falsas as ditas declarações/factos possessórios alegados, dos quais é efectuada divulgação pública através de anúncios em jornais com divulgação na área da localização dos prédios, pedindo que seja tal escritura declarada de nenhum efeito e que os registos prediais de propriedade obtidos por tal meio sejam cancelados.

III - Cabe sempre ao justificante/Réu o ónus da prova desses factos invocados na escritura, sob pena de a acção de impugnação proceder.

IV - Logo, o que é objecto de discussão neste tipo de acções são precisamente os actos possessórios constantes da escritura de justificação e a aquisição de direitos através desses actos (por usucapião).

V – Donde resulta que tal tipo/espécie de acções devem ser propostas no tribunal da situação dos bens justificados, nos termos do artº 73º do CPC (foro da situação dos bens).

Decisão Texto Integral:                 Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

            No Tribunal Judicial da Comarca de Arganil, corre termos a acção declarativa, com processo sumário nº 333/10.8TBAGN, instaurada por H…, residente na …, contra R…, residente na Rua …, pedindo que seja considerado como impugnado o facto justificado na escritura de 14/07/2010, referente à invocada aquisição pela Ré, por usucapião, dos prédios que aí constam e referidos nos pontos 8 e 18 da petição; que seja declarada nula e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que a Ré não possa, através dela, registar quaisquer direitos sobre os prédios nela identificados e objecto da presente impugnação; que seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos operados com base no documento impugnado; que seja declarado que os prédios identificados nos pontos 8 e 18 da petição e que constam da escritura notarial referida pertencem à herança aberta por óbito de M…, mãe de ambas as partes.


II

            Contestou a Ré, onde, além do mais, arguiu a incompetência relativa do Tribunal Judicial da Comarca de Arganil, defendendo que o tribunal territorialmente competente para conhecer da presente acção é o Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira do Hospital.

            Também impugna parte da matéria de facto alegada pelo Autor, bem como a pretensão por este deduzida, e deduz pedido reconvencional contra o A., pedindo não só o reconhecimento da alegada excepção de incompetência relativa, mas também a improcedência da acção e a procedência da reconvenção com o reconhecimento de que a Ré é proprietária dos prédios em causa, por os ter já adquirido por usucapião.


III

            O Autor respondeu a esta arguição, mantendo que o Tribunal territorialmente competente para apreciar a presente acção é o da Comarca de Arganil.


IV

            Findos os articulados foi conhecido de tal arguição, com decisão no sentido de que o tribunal territorialmente competente para conhecer da acção é o Tribunal da Comarca de Oliveira do Hospital, ordenando-se a remessa dos autos a este Tribunal, com base no estatuído no artº 85º, nº 1, do CPC, e pelo facto de o domicílio da Ré ser na área desta Comarca.


V

            Deste despacho interpôs recurso o Autor, recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, à luz do regime de recurso cíveis vigente (Dec. Lei nº 303/2007, de 24/08).

           

            Nas alegações que apresentou o Apelante formulou as seguintes conclusões, que se sintetizam:

...


VI


            Não foram apresentadas contra-alegações, como resulta dos autos, nada obstando a que se conheça do objecto do recurso, o que se resume à apreciação da questão de se saber qual o tribunal territorialmente competente para a apreciação da sobredita acção.

            Apreciando, afigura-se-nos que a razão está do lado do Autor/Recorrente, com o devido respeito por opinião contrária, designadamente aquela que fundamenta o despacho recorrido.

            Com efeito, numa acção de impugnação de uma escritura de justificação notarial, para efeitos de registo predial, o que se alega e impugna são precisamente os factos possessórios que são referidos nesse tipo de escritura, como justificadores de uma aquisição originária de imóveis (por usucapião) por parte de quem pretende justificar tal posse/aquisição (o Réu na acção).

            Daí que neste tipo de acções o Autor tenha de alegar que são falsas as ditas declarações/factos possessórios alegados, dos quais é efectuada divulgação pública através de anúncios em jornais com divulgação na área da localização dos prédios, pedindo que seja tal escritura declarada de nenhum efeito e que os registos prediais de propriedade obtidos por tal meio sejam cancelados.

            É exactamente o que se passa na presente acção, sendo certo que cabe sempre ao justificante/Réu o ónus da prova desses factos invocados na escritura, sob pena de a acção de impugnação proceder.

            Logo, o que é objecto de discussão neste tipo de acções são precisamente os actos possessórios constantes da escritura de justificação e a aquisição de direitos através desses actos (por usucapião).

            Como bem refere o Autor/Recorrente nas suas alegações de recurso, até o STJ já fez publicar um acórdão uniformizador de jurisprudência, com o nº 1/2008, publicado no DR Iª série, de 31/03/2008, no qual se defende que “na acção de impugnação de escritura de justificação notarial, prevista nos artºs 116º, nº 1, do CRP, 89º e 101º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artº 7º do CRP”.

            Donde que o que se discute neste tipo de acções é apenas e tão somente a alegada e justificada aquisição, por usucapião, de imóveis, com base nos factos constantes da escritura de justificação, cujo ónus de prova cabe sempre ao Réu/justificante.

            Donde resulta, afigura-se-nos, que tal tipo/espécie de acções, devem ser propostas no tribunal da situação dos bens justificados, nos termos do artº 73º do CPC (foro da situação dos bens).

            Acontece que na dita escritura foi pretensamente justificada a posse da justificante relativamente a cinco (5) prédios, sendo três deles sitos na freguesia de Vila Cova de Alva, concelho de Arganil, e dois sitos nas freguesias de Lourosa e de Vila Pouca da Beira, concelho de Oliveira do Hospital.

            Ora, segundo a dita escritura, pela qual foram arquivadas as certidões de teor matricial desses prédios, os valores patrimoniais tributários desses imóveis são de         € 261,71, € 2.765,21 e de € 385,50 para os prédios do concelho de Arganil (total            € 3.412,42); e de € 1.018,10 e € 610,10 para os dois prédios do concelho de Oliveira do Hospital (total de € 1.628,20).

            Pelo que, nos termos do artº 73º, nº 3, do CPC, a acção em causa deve ser proposta no tribunal correspondente à situação dos imóveis de maior valor, devendo atender-se para esse efeito aos valores da matriz predial, o que significa, no caso presente, no Tribunal da Comarca de Arganil, como de facto foi.

            Cumpre apenas referir que não se atende ao doc. 4 junto pelo Autor com a petição (fls. 22), na medida em que nesse documento nem sequer figuram os prédios “justificados” sitos na freguesia de Lourosa, concelho de Oliveira do Hospital – artigos ... e X... -, para que desse documento se possa retirar uma qualquer conclusão sobre os valores patrimoniais tributários dos prédios em causa.  

            Donde resulta a conclusão de que a presente acção foi instaurada no foro da comarca territorialmente competente – a Comarca de Arganil -, improcedendo a invocada incompetência territorial desse tribunal, o que conduz à procedência do presente recurso, com a revogação do despacho recorrido e que teve entendimento contrário.        


VII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o presente recurso, revogando o despacho recorrido e fixando a competência territorial para o conhecimento da presente acção no Tribunal da Comarca de Arganil.

            Custas pela Recorrida.


***

Jaime Carlos Ferreira (Relator)
Jorge Arcanjo
Isaías Pádua