Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
597/11.0T3AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: ACUSAÇÃO PARTICULAR
ELEMENTO SUBJETIVO
Data do Acordão: 03/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 50º, 283º E 285º CPP
Sumário: 1.- Tratando-se de crime de natureza particular, é ao assistente que compete deduzir acusação particular - de forma autónoma e exclusiva;

2.- O MP carece de legitimidade para lhe aditar factos essenciais para a definição do crime imputado;

3.- O aditamento de matéria de facto, pressuposto essencial do crime imputado, representa uma alteração substancial dos factos;

4.- Sendo a acusação particular omissa quanto aos factos integradores do tipo subjetivo, é nula, devendo ser rejeitada por manifestamente infundada.

Decisão Texto Integral: I.
A..., assistente nos autos, deduziu acusação particular (cfr. fls. 68-72) contra a arguida B..., imputando-lhe a prática de um crime de difamação p. e p. pelas disposições combinadas dos art. 181º, n.º1,182º e 183º, n.º1, al. a) do C. Penal.
O MºPº acompanhou a referida acusação particular mas introduziu-lhe o seguinte aditamento (cfr. fls. 73-75):
"-a arguida quis ofender a honra e a dignidade da assistente, bem sabendo que as expressões por si escritas eram adequadas a esse efeito;
-agiu livre, voluntária e conscientemente e sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal".
*
Notificada da acusação particular com o “aditamento” efectuado no despacho de acompanhamento do MºPº, a arguida requereu a abertura da instrução, com vista a obter o arquivamento dos autos, tendo como único fundamento, de direito, a nulidade da acusação particular, por não conter a descrição dos elementos fácticos do tipo subjectivo do crime de difamação.
Após debate, foi proferida decisão instrutória (cfr. fls. 122-123) na qual o Mmo. Juiz, considerando que “A acusação particular é absolutamente omissa quanto à narração de factos integradores do elemento subjectivo do tipo. E, por esse motivo, é nula - cfr. art. 283° nº3, aplicável ex vi art. 285º, n°3, ambos do Código de Processo Penal. Nulidade que não pode ser suprida pelo despacho do Ministério Público de fls. 73 que «aditou» os factos relativos ao elemento subjectivo porque a dedução da acusação é da exclusiva competência da assistente, cabendo ao Ministério Público, apenas, acompanhar ou não a mesma”, decidiu:
- julgar nula a acusação particular e, em consequência, não pronunciar a arguida B... pela prática do crime de difamação que lhe vinha imputado pela assistente, p. e p. pelos art. 180º, n.º 1), 182º e 183º al. a) do C. Penal, determinando o arquivamento dos autos.
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Inconformada com o despacho de não pronúncia, dele recorre a assistente.
Na respectiva motivação, formula as seguintes CONCLUSÕES:
- Ao não pronunciar a arguida, violou a decisão instrutória, por errada interpretação, o disposto no art. 283º n.º3, ex vi art. 285ºdo CPP;
- Deverá ser revogada a decisão do Mº Juiz do Tribunal a quo que determinou a não pronúncia da arguida, tendo por base a acusação particular, uma vez que a acusação do Ministério Público deve poder aditar os elementos subjectivos do crime, completando-a e tomando-a una.
Em consequência, deve a arguida ser pronunciada, seguindo-se os demais termos.
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Responderam o digno magistrado do MºPº e a arguida sustentando, em síntese, que ao MºPº apenas competia acompanhar a acusação particular ou acusar pelos mesmos factos ou outros que não implicassem alteração essencial, citando jurisprudência dos tribunais superiores no sentido da decisão recorrida. Conclui no sentido de que o recurso não merece provimento.
Vai no mesmo sentido o douto parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal
Corridos vistos, cumpre decidir.

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II.
Vistas as conclusões, que delimitam o objecto do recurso, está em causa apurar se deve o arguido ser pronunciado, pela prática de crime de natureza particular, com base em factos constitutivos do crime que não constam da acusação particular mas são “aditados” pelo MºPº no despacho de acompanhamento a que se reporta o art. 285º, n.º4 do CPP.

Na acusação particular - cfr. fls. 68 a 70 – a queixosa/assistente acusa a arguida, B..., da autoria de um crime de difamação p. e p. pelos art. 181º, n.º1, 182º e 183º, al. a) do C. Penal.
Como lastro factual da imputação daquele crime é descrita a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 68-70):
««A queixosa é enfermeira, trabalhando no Hospital …., em Aveiro;
No dia 31.10.2010 a arguida apresentou uma RECLAMAÇÃO escrita, ao Hospital de Aveiro, através do Livro Amarelo do Serviço de Urgência, acusando a queixosa de ameaçar a utente C..., sua avó, a qual se encontrava internada para observação;
Segundo o teor da reclamação: “NO dia 27 de Outubro a utente C... deu entrada nesta Hospital e pelo correr dos dias tem vindo a receber ameaças da enfermeira A... a enquanto a doente esteve no S.O. Esta alterou o seu estado de saúde por estar com medo, contudo no dia 30 teve alta. Hoje dia 31 voltou a dar entrada neste hospital está cheia de medo por estar a receber ameaças dessa tal enfermeira, a utente está mesmo com um estado de saúde crítico e a enfermeira está a ajudar para esse efeito. Se esta não está a ter profissionalismo suficiente que não exerça esta profissão. Se alguma coisa acontecer à utente foi por exclusiva culpa e responsabilidade desta enfermeira. O Hospital é para curar e não para matar”.;
Seguiu-se a normal tramitação, isto é, foi feito um inquérito interno que nada de anormal ou censurável detectou no comportamento da queixosa, pelo que o mesmo foi arquivado;
Ora para uma enfermeira, briosa e dedicada como a queixosa se orgulha de ser, não há pior ofensa do que ser acusada de maltratar os doentes, sendo inaceitável o comportamento da arguida;
Seja como for a queixosa ficou muito ofendida na honra e consideração que lhe são devidas e não é para menos dada a gravidade da difamação.»»
*
Vista a acusação particular, acabada de reproduzir, verifica-se que nela não existe qualquer referência à representação, vontade, consciência de a arguida, ao subscrever a reclamação, dirigida ao H. de Aveiro, tivesse actuado com intenção, de ofender a honra e consideração da assistente, representado consequência necessária ou eventual da sua conduta e neste ultimo caso se tivesse conformado com tal resultado.
É assim patente que a acusação particular não contém qualquer descrição de elementos fácticos susceptíveis de integrar os elementos do tipo subjectivo do crime.
Aliás essa é a razão, evidente, pela qual foram “aditados” pelo MºPº no seu despacho de acompanhamento.
Com efeito o MP – cfr. despacho de fls. 73-75 – acompanhou a acusação com o seguinte aditamento: "- a arguida quis ofender a honra e a dignidade da assistente, bem sabendo que as expressões por si escritas eram adequadas a esse efeito; -agiu livre, voluntária e conscientemente e sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal".
A questão está assim, apenas, em saber se o Mº Pº podia, face às normas processuais em vigor, suprir a apontada omissão, aditando à acusação articular factos que o assistente não tinha ou não pôde indicar.

Com interesse para a decisão temos, além do mais, as seguintes disposições legais:
Artigo 50º do CPP - Legitimidade em procedimento dependente de acusação particular
1 - Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular.
Artigo 283° - Acusação pelo Ministério Público
(…)
3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.
Artigo 285º - Acusação particular
1- Findo o inquérito, quando o procedimento depender de acusação particular, o Ministério Público notifica o assistente para que este deduza em 10 dias, querendo, acusação particular.
(…)
3 - É correspondentemente aplicável à acusação particular o disposto nos n.ºs 3 e 7 do artigo 283º.
4- O MºPº pode, nos 5 dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles.
Artigo 307º - Decisão Instrutória
1 - Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia, que é logo dita do para a acta, considerando -se notificado aos presentes, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução.
Artigo 309º - Nulidade da decisão instrutória
1 - A decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução.

Num processo penal de estrutura acusatória, a acusação define o âmbito da vinculação temática do tribunal – bem como o âmbito do exercício do direito de defesa pelo acusado. Devendo descrever não só os elementos objectivos da acção típica mas ainda da sua imputação dolosa ao acusado.
Nos crimes particulares a tarefa cabe exclusivamente aos ofendidos. Sendo “necessário que se queixem e se constituam assistentes e deduzam acusação particular” – cfr. art. 50º, n.º1, citado.
Neste caso (crime de natureza particular) ao MºPº apenas cabe “acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles” – cfr. art. 285º, n.º4 do CPP.
Não lhe competindo, portanto, aditar-lhe factos que possam importar alteração substancial.
Do mesmo modo, eventuais alterações da matéria de facto imputada na acusação que possam surgir na fase de julgamento, apenas podem ocorrer nos estritos termos e com as garantias de defesa previstas nos artigos 358º e 359º do CPP.
E eventuais alterações, surgidas durante a instrução, tenham que ser reconduzidas ao regime previsto nos citados artigos 307º e 309º
Cominando aliás este último dispositivo a nulidade da pronúncia caso venha a pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação.
No caso dos autos, é inequívoco que um dos pressupostos da responsabilidade criminal - para além da realização da acção adequada a produzir certo resultado tipificado na lei como crime ou omissão adequada a evitá-lo, nos termos do art. 10º, n.º1 do C. Penal – é o da imputação subjectiva dessa acção ou omissão ao agente, a título doloso, a menos que haja disposição legal expressa a punir a negligência – cfr. art. 13º do C. Penal.
Exigindo-se, pois, que a acusação proceda à imputação subjectiva ao acusado, da factualidade objectiva, a título doloso, em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal – dolo directo, necessário ou eventual.
Sendo nula a acusação (art. 283º, n.º3 do CPP supra reproduzido) que não contenha a narração, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena.
Ora, como se viu, a acusação particular deduzida nos autos apenas procede à imputação objectiva de factos susceptíveis de integrar o referido crime. Sendo completamente omissa quanto à imputação de factos susceptíveis de preencher os elementos do tipo subjectivo - o dolo - em qualquer uma das suas modalidades.
E os pressupostos fácticos da actuação dolosa tinham que constar necessariamente da acusação particular - sob pena de nulidade e de ser manifestamente infundada.
Por outro lado, a descrição dos elementos fácticos necessários ao preenchimento do tipo subjectivo, constitui condição essencial, como se viu, para a imputação da responsabilidade criminal. Não existindo assim, na acusação deduzida, imputação de matéria de facto (relativa ao tipo subjectivo) de qualquer tipo de crime.
Sendo a acusação de todo omissa, não pode nela radicar a imputação de qualquer crime (acusação nula). Daí que o suprimento da omissão configure uma alteração essencial, definida nos termos do art. 1º f) do C.P.P. como “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
Assim, não constando da acusação particular deduzida pela assistente factos constitutivos do tipo subjectivo do crime imputados à arguida, é a mesma nula por falta de elemento essencial da responsabilidade criminal. E sendo nula, tratando-se, como é o caso, de crime particular, não pode o MºPº, por carecer de legitimidade para o efeito, substituir-se à assistente no aditamento/introdução da aludida matéria de facto constitutiva do crime imputado e consequente aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança. Não podendo, pois, a arguida ser pronunciada com base na referida acusação.

Neste sentido, veja-se, entre outros (arestos sumariados em www.dgsi.pt:):
- Ac. RC de 30.09.2009, proc. 910/08TAVIS.C1:
l. São os elementos subjectivos do crime, com referência ao momento intelectual (conhecimento do carácter ilícito da conduta) e ao momento volitivo (vontade de realização do tipo objectivo de ilícito), que permitem estabelecer o tipo subjectivo de ilícito imputável ao agente através do enquadramento da respectiva conduta como dolosa ou negligente e dentro destas categorias, nas vertentes do dolo directo, necessário ou eventual e da negligência simples ou grosseira.
2. Num crime doloso da acusação ou da pronúncia há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade - o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo).
- Ac. RL de 30.01.2007, proc. 1022112006-5:
l- É nula a acusação pública - conduzindo à sua rejeição por ser de reputar manifestamente infundada - quando a mesma é omissa quanto aos factos que integram o elemento subjectivo do crime imputado ao arguido.
II- Concluindo o juiz de instrução que a acusação não contém todos os pressupostos ­nomeadamente, de facto - de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, só lhe resta a alternativa de proferir despacho de não pronúncia, nos termos do art. 308º, nº1, in fine, do CPP.
- Ac.RL de 12.01.2008, proc 5736/2008-3:
É manifestamente infundada a acusação que, pelos próprios termos não tem qualquer viabilidade uma vez que é totalmente omissa quanto á narração dos elementos subjectivos do crime imputado, sendo portanto de rejeitar a mesma ao abrigo do art. o 311° n. °s 2 al. a) e 3 al. d) CPP.
- Ac.RL de 01.06.2011, proc. 1021/09.3GDGDM.P1:
A acusação particular que, imputando ao arguido um crime de injúria do art.18JO, n° 1, do Código Penal, não descreve os factos integrantes do elemento subjectivo da infracção, deve ser rejeitada, por ser manifestamente infundada, mesmo que o Ministério Público, no momento indicado no n° 3 do art. 28SO do Código de Processo Penal, acrescente os factos em falta.
- Ac. R.G. de 06.12.2010, proc. 121109.4TAAVV.G1:
I) O dolo constitui matéria de facto e, por isso, têm de ser devidamente alegados os factos donde tal se possa concluir.
II) Assim sendo, não é legítimo afirmar o dolo simplesmente a partir das circunstâncias externas da acção concreta pois, a não ser assim, o arguido estaria impedido de se defender cabalmente por ignorar a modalidade do dolo.
III) Admitir um requerimento de instrução completamente omisso quanto ao elemento subjectivo do crime imputado ao arguido e prosseguir com a instrução estando o juiz limitado nos seus poderes cognitivos por esse requerimento, seria praticar acto inútil, o que é proibido por lei – art. 137º do C. P. Civil, ex vi do art. 4º do CP.P.
- Ac. RP de 28.10.2010, proc. 584/07.2GCETR.PI:
1 - O MP não pode colmatar as deficiências da acusação do assistente atinentes a qualquer facto, seja reportado aos elementos objectivos, seja ao elemento subjectivo do tipo legal imputado.
2 - A falta de alegação do dolo, mormente num crime essencialmente doloso. não é um pormenor que possa ser tido como implícito. na descrição dos elementos objectivos do tipo.
3- o MP apenas podia acompanhar a acusação particular pelos mesmos factos ou por outros que não importassem uma sua alteração substancial, tal como estipula o art. 285º 4) do C.P.P.:
4 - O Ministério Público pode, nos cinco dias posteriores à apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles. Porém, o referido acrescento do elemento subjectivo, sem o qual não se verifica o crime imputado, traduz-se numa alteração substancial dos factos, tal como descrita no art. 1º f) do C.P.P.: «Alteração substancial dos factos» aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
-Ac. RL de 03.11.2010, proc. 972/07.4GCSTS.P1:
I -O crime de injúria assume natureza dolosa, não sendo suficiente para o preenchimento do respectivo elemento subjectivo a alegação de que o agente sabia que estava a dirigir expressões cujo significado ofensivo do bom-nome e consideração do ofendido conhecia.
II - É equiparável à imputação de crime diverso, a consubstanciar alteração substancial dos factos, a articulação pelo MOP~ no acompanhamento da acusação particular, de factos integradores do elemento subjectivo, omitidos nesta.
III - A lacuna da acusação não pode ser colmata em sede de julgamento através do cumprimento do disposto nos artigos 358º ou 359º do CPP.
-Ac. RC de 06.07.2011, proc.2184/06.5JFLSB:
A falta de narração, na acusação pública, do elemento subjectivo do crime traduz uma pura inexistência de tipicidade, não sendo admissível, posteriormente, por exemplo, em sede de instrução, para efeito de pronúncia, a alteração dos factos da acusação, por forma a que daquela passem a constar factos integrantes de um comportamento típico do(s) agente (s), uma vez que tal alteração, neste caso, consubstanciaria a convolação de uma conduta atípica em conduta típica.
Nesta conformidade, verificando-se uma alteração substancial dos factos, introduzida pelo MP em aditamento à acusação particular, não pode a mesma ser considerada como fundamento da decisão instrutória, por traduzir uma alteração substancial à acusação particular deduzida pela assistente, a qual detém legitimidade exclusiva para o fazer, nos termos do disposto no artigo 307º 1) do C.P.P. Caso tal matéria aditada fosse considerada na decisão instrutória, a mesma padeceria de nulidade nessa parte, nos termos estipulados no artigo 309º 1) do C.P.P.
A possibilidade de, após a dedução da acusação particular, da qual não constam todos os elementos típicos do crime imputado, poder ser reformulada essa peça processual introduzindo-lhe factos novos essenciais á caracterização do crime imputado, violaria o princípio do acusatório bem como as garantias de defesa do arguido.
Entende-se assim em conclusão:
- Nos termos dos art. 50º, 1) e 285º, 1) do C.P.P., tratando-se de crime de natureza particular, é ao assistente que compete deduzir acusação particular - de forma autónoma e exclusiva;
- O MP apenas pode acompanhar a acusação particular pelos mesmos factos ou por outros que não importem uma alteração substancial, nos termos do art. 285º, 4) do C.P.P. Carecendo de legitimidade para lhe aditar factos essenciais para a definição do crime imputado;
- O aditamento de matéria de facto, pressuposto essencial do crime imputado, representa uma alteração substancial dos factos, tal como descrita no art. 1º f) do C.P.P.;
- Sendo a acusação particular omissa quanto aos factos integradores do tipo subjectivo, é nula, devendo ser rejeitada por manifestamente infundada, face ao disposto no art. 283º, n.º3, ex vi do art. 285º, nº 3), ambos do C.P.P.
Nesta conformidade, impõe-se e improcedência do recurso.
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III.
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida. ---
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC .

Belmiro Andrade (Relator)
Abílio Ramalho