Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ISAÍAS PÁDUA | ||
Descritores: | FALTA DE CITAÇÃO – NULIDADE. SUA SANAÇÃO. INTERVENÇÃO NO PROCESSO. JUNÇÃO DE PROCURAÇÃO AOS AUTOS. | ||
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Data do Acordão: | 04/24/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLEIROS | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Legislação Nacional: | ARTº 189º DO NCPC | ||
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Sumário: | I- O conceito de intervenção do processo, de que de fala o artº. 189º do CPC para efeitos de sanação de nulidade decorrente da falta de citação, deve ser interpretado no sentido de pressupor uma atuação ativa no processo da parte demandada através da prática ou intervenção em acto judicial, que lhe permitam tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que façam presumir esse efetivo conhecimento. II- A simples junção autos de uma procuração forense pela parte demandada não se integra, só por si, nesse conceito de intervenção no processo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1. Em autos que correm atualmente no Juízo de Competência de Oleiros do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, a exequente, M..., Unipessoal, Lda., instaurou (em 11/11/2010) contra a executada, S..., processo de execução comum para pagamento de quantia certa.2. Em 01/09/2017 a executada deduziu oposição execução, por meio de embargos, e à penhora (levada a efeito sobre o seu vencimento), defendendo-se por impugnação e por exceção, pedindo no final, e com base nos fundamentos aduzidos nessa sua defesa, a extinção da execução e o levantamento da penhora. 3. A exequente contestou tais embargos. E nessa contestação defendeu - além do mais e naquilo que para aqui importa -, com base nos fundamentos aí aduzidos e que se dão por reproduzidos, a extemporaneidade de tais embargos, e a nulidade do acto de citação da executada para os deduzir levado a efeito pela da sra. agente de execução (pois que há muito havia decorrido legal o prazo para o fazer, com a preclusão desse direito aquando dessa citação), pedindo, desde logo, assim, o indeferimento liminar dos mesmos. 4. No despacho saneador, lavrado em 23/10/2017, o sr. juiz a quo começando por conhecer dessa defesa por exceção invocada pela exequente julgou a mesma improcedente (tendo no final desse despacho, e depois de também ali julgar improcedente a exceção de prescrição aduzida pela executada, mandado prosseguir os autos para audiência de julgamento), o que fez nos termos e com fundamentos que a seguir se transcrevem: « (…) -Da alegada extemporaneidade dos embargos e nulidade de citação É certo que a executada deveria ter sido citada aquando da notificação realizada pela Sra. AE, nos termos do artº 855º, nº 4, do CPC, na medida em que foi com esse acto (para indicação de bens à penhora) que a executada tomou contacto pela primeira vez com o processo. Não tendo sido citada a executada, verificou-se a nulidade prevista nos artºs 187º, al. a) e 188º, nº 1, al. a) do CPC. A executada ao intervir no processo em 14.02.2017, juntando procuração forense e não arguindo a nulidade de falta de citação, sanou tal nulidade – artº 189º do CPC. Sucede que, a executada veio a ser citada pela Sra. AE, por carta enviada em 03.07.2017, através da qual a primeira foi informada de que poderia deduzir oposição à execução, através de embargos de executado, no prazo de vinte dias. Quid iuris? Salvo melhor opinião, o erro cometido pela Sra. AE não poderá prejudicar a tutela da confiança do cidadão em concreto na administração da justiça. No sentido que ora se aponta conflui o preceituado no artº 191º, nº 3 do CPC, quando aí se refere que, “se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares.” Embora tal normativo não ofereça resposta directa ao caso sub judice, deve ser interpretado na lógica sistemática do nosso ordenamento jurídico e em consonância com o artº 20º da Constituição da República Portuguesa, que consagra a garantia constitucional do acesso aos tribunais, conjugado com o dito princípio da tutela da confiança, que decorre directamente do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artº 2º da CRP. Ou seja, o erro da Sra. AE, ao indicar prazo para a executada deduzir oposição à execução, não pode, atento os princípios supra elencados, prejudicar o cidadão em concreto. Outro elemento sistemático constante da lei contribui para a posição aqui defendida. Referimo-nos ao preceituado no artº 157º, nº 6 do CPC, quando aí se expressa que os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial, neste caso AE, não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes. Pelo exposto improcede a excepção inominada de caducidade do direito de acção, referente à alegada extemporaneidade dos embargos e nulidade de citação. (…) » 5. Inconformada com tal seguemento/parte desse despacho saneador, a exequente dele apelou, tendo concluído as alegações desse seu recurso nos seguintes termos: « 1ª. A ora apelante não se pode conformar com o douto despacho saneador proferido na parte em que indeferiu a nulidade arguida pela ora apelante e julgou tempestivos os embargos de executada por esta deduzidos. 2ª. Com efeito, compulsados os autos, nenhuma dúvida pode existir que aqueles embargos foram extemporâneos, uma vez que foram apresentados quando já há muito se tinha esgotado o prazo para esse efeito. 3ª. Tal como, aliás é reconhecido no douto despacho recorrido, a nulidade consubstanciada na falta de citação da executada, prevista nos arts. 187.º e 188.º, nº 1, al. a), do CPC, ficou sanada com o requerimento de 14.02.2017, através do qual a executada constituiu mandatária e no qual não arguiu qualquer nulidade do processado, nomeadamente, não arguiu a falta da sua citação, conforme dispõe o art. 189.º do CPC. 4. Através do referido requerimento e não tendo sido deduzido igualmente quaisquer embargos, ficou também esgotada qualquer possibilidade de a executada ainda vir a deduzir embargos de executada, uma vez que já tinha decorrido o prazo de 20 dias, legalmente previsto, desde a sua notificação para pagar ou indicar bens à penhora. 5º. O acto de citação praticado pela Agente de Execução nomeada, através de carta postal remetida em 03.07.2017, consubstancia uma nulidade, nos termos do art. 195.º, nº 1, do CPC, configurando um acto que a lei não prevê. 6ª. Tendo sido invocada essa nulidade pela ora apelante, no momento legalmente previsto, devia o tribunal a quo ter anulado o acto de citação da Agente de Execução, de 03.07.2017, ao abrigo do disposto no art. 195.º, nº 1, do CPC, e, consequentemente, anular-se todo o processado posterior, designadamente, os embargos apresentados, por dependerem absolutamente daquele acto de citação. 7ª. Contrariamente ao constante do douto despacho recorrido, o princípio da confiança, ínsito ao princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art. 2.º do CRP, não pode servir ou ser invocado para ultrapassar esta nulidade e a extemporaneidade da apresentação dos embargos de executada. 8ª. Em primeiro lugar, em nenhum momento a executada sairia prejudicada pela anulação do acto praticado pela Agente de Execução, mantendo-se exactamente na mesma situação processual em que se encontrava antes de esse erro ser cometido. 9ª. Em segundo lugar, não poderá também ter aplicação o disposto no art. 191.º, nº 3, do CPC, uma vez que, no caso em análise, não se trata de em erro cometido para a parte praticar um acto que ainda estava em tempo de praticar, mas sim de um erro cometido para a parte a praticar um acto que já não podia praticar, por estar precludido o prazo para o efeito. 10º. De igual modo, e conforme jurisprudência citada, nunca teria aplicação o disposto no art. 157.º, nº 6, do CPC, já que não se trata aqui de prejudicar a executada, mas sim de a beneficiar, concedendo-lhe uma oportunidade que a lei considerou expressamente precludida. 11º. Por último, tratando-se de processos de partes, como são a acção executiva e o apenso de embargos de executada, o princípio da confiança ínsito ao princípio do Estado de Direito Democrático nunca poderá ser unilateral, devendo servir ambas as partes, sendo que a confiança da exequente em que o processo ia prosseguir os seus trâmites, sem qualquer embargo da executada, também merece ser tutelada. 12. Caso se admitissem os presentes embargos, estava encontrada a forma de indefinidamente se renovarem os prazos de contestação ou de defesa, sendo apenas necessário que, quando os respectivos prazos se encontrassem esgotados, as secretarias judiciais ou os agentes de execução procedessem a novas notificações e citações, concedendo novos prazos para o efeito. 13. Deste modo, deve ser revogado o douto despacho recorrido e proferido acórdão que defira a nulidade arguida e indefira, por extemporâneos, os embargos deduzidos pela executada. » 6. Não foram apresentadas contra-alegações. 7. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir. II- Fundamentação A) De facto.Com relevância e interesse para a apreciação e decisão do presente recurso, devem ter-se como assentes os factos que se deixaram descritos no relatório que antecede e ainda os seguintes (todos extraídos das peças processuais e documentais que integram os autos): 1. Por carta registada datada de 16/09/2016 a sra. agente de execução (doravante AE), notificou a executada, nos termos do artº. 750º do nCPC, para, no prazo de 10 dias, pagar a dívida (no valor provisoriamente apurado em 8.000,00€) ou indicar bens à penhora. 2. Em 06/02/2017 foi lavrado auto de penhora de 1/3 vencimento/salário da executada. 3. Por requerimento de 14/02/2017 a executada juntou aos autos procuração forense a favor da mandatária ali constituída. 4. Por carta registada datada de 03/07/2017 a sra. AE, nos termos do artº. 856º do nCPC, citou a executada para os termos do processo executivo e para (no prazo de 20 dias): a) Pagar a quantia em dívida, juros e custas; ou querendo b) Deduzir oposição à execução através de embargos de executado; e/ou c) Deduzir oposição à penhora. B) De direito. Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, do NCPC). Sublinhe-se que, muito embora a ação executiva tenha sido instaurada ainda no domínio do pretérito CPC61, todavia, por força do estatuído no artº. 6º, nº. 1, da Lei nº. 41/2013, de 26/06, são-lhe, no caso em apreço, aplicáveis as disposições do atual CPC, sendo, pois, à sua luz que o recurso será apreciado, tendo sido já na sua plena vigência que foram praticados os atos aqui em discussão e o objeto de controvérsia. Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso da exequente, verifica-se que a verdadeira questão que importará aqui apreciar e decidir traduz-se em saber se o ato de citação da executada levada a efeito pela sra. AE (e a que se alude no nº. 4 do ponto A) II dos factos assentes) enferma ou não de nulidade e se os embargos que a executada deduziu à execução foram ou não tempestivamente apresentados. III- Decisão Assim, em face do exposto, acorda-se negar provimento do recurso, e confirmar (ainda que por fundamentos não inteiramente coincidentes) o despacho recorrido.Custas pela exequente/apelante (artºs. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC). Sumário: I- O conceito de intervenção do processo, de que de fala o artº. 189º do CPC para efeitos de sanação de nulidade decorrente da falta de citação, deve ser interpretado no sentido de pressupor uma atuação ativa no processo da parte demandada através da prática ou intervenção em ato judicial, que lhe permitam tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que façam presumir esse efetivo conhecimento. II- A simples junção autos de uma procuração forense pela parte demandada não se integra, só por si, nesse conceito de intervenção no processo. Coimbra, 2018/04/24 Isaías Pádua Manuel Capelo Falcão de Magalhães |