Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FELIZARDO PAIVA | ||
Descritores: | AÇÃO ESPECIAL DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO ERRO NA FORMA DE PROCESSO INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL ILEGITIMIDADE DO AUTOR | ||
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Data do Acordão: | 07/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 186.º, N.º 8, 186.º-K, DO CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO, 2.º, N.º 4, DO REGIME APROVADO PELA LEI N.º 107/2009, DE 14/09, NA REDAÇÃO DA LEI N.º 13/2023, DE 03/04, 12.º, 12.º-A E 147.º DO CÓDIGO DO TRABALHO | ||
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Sumário: | I – Se a ACT verificar que contratos de trabalho celebrados a termo devem ser considerados ou convertidos em contrato sem termo por se verificarem as situações previstas nos nº s 1e 2 do artº 147º do CT deve, por força do disposto no nº 4 do artº 2º da Lei 107/2009, instaurar o procedimento previsto no artº 15º-A do mesmo diploma.
II – Remetida a participação ao Mº Pº, a este assiste legitimidade para intentar a ARECT prevista nos artºs 186-K e ss. do CPT ainda que nesta ação não se discuta apenas a existência de um contrato de trabalho subordinado, mas também a questão de saber se o contrato de trabalho celebrado a termo se deve considerar ou converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Felizardo Paiva.
Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva Paula Roberto. *************** Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I - O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, contra A..., S.A., com sede na Rua ..., ... ..., Pede que a ação seja julgada procedente e, em consequência, seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho sem termo entre a Ré e os trabalhadores: - AA, - BB, - CC, - DD, - EE, - FF, - GG, - HH, - II, - JJ, -KK, - LL, - MM, - NN, - OO, - PP, - QQ, - RR e - SS. Contestou a ré suscitando como questão prévia a da inaplicabilidade da ação especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho no caso em apreço em que já se verifica a existência de contratos de trabalho. Defendeu-se por exceção, tendo invocado a ineptidão da petição inicial, o erro na forma de processo e ainda a falta de interesse em agir por parte do Autor. Impugnou a factualidade alegada pelo Autor e pediu que seja declarada a inaplicabilidade da ação especial de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, ou ineptidão da petição Inicial, a ilegitimidade do Ministério Público, com as legais consequências, ou caso assim se não entenda, ser declarado o erro na forma de processo com as legais consequências, sendo a Ré absolvida do pedido. + Terminados os articulados foi proferido despacho saneador no qual foram apreciadas as questões prévias, exceções/nulidades invocadas pela Ré, que foram julgadas improcedentes. + Designou-se data para a realização da audiência final e determinou-se igualmente a notificação dos pretensos trabalhadores, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 186.º-L do Código de Processo do Trabalho, não tendo os mesmos tomado posição nos autos, nenhum deles tendo apresentado articulado próprio ou aderido ao articulado do Ministério Público. *** II – Realizado o julgamento, veio, a final, a ser proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte: Atentos os fundamentos expostos, decide-se julgar procedente a presente ação instaurada pelo Autor, Ministério Público, contra a Ré, A..., S.A., e, em consequência, decide-se reconhecer a existência de contratos de trabalho sem termo celebrados entre a Ré e os trabalhadores AA, desde 20-02-2023; BB, desde 09-10-2023; KK, desde 31-07-2023; NN, desde 06-11-2023; OO, desde 20-11-2023; PP, desde 02-01-2024; RR, desde 08-01-2024 e SS, desde 08-01-2024” *** III – Inconformado veio a ré apelar, alegando e concluindo: (…). + Contra-alegou o autor concluindo em síntese: (…). *** IV – Da 1ª instância vem dada como provada a seguinte factualidade: 1) A Ré é uma sociedade anónima que tem por objeto social a produção e comércio de produtos alimentares e não alimentares, incluindo medicamentos não sujeitos a receita médica e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, a exploração de centros comerciais, a prestação de serviços e ainda o de importações e exportações. 2) Para desenvolver tal atividade, a Ré possui diversos estabelecimentos de supermercado, distribuídos por todo o país, designadamente na ..., que gira com o nome de “A...”, sito na Rua ..., ..., ... ..., 3) Tendo ao seu serviço diversos trabalhadores. 4) A Ré admitiu para o referido estabelecimento/loja da ..., os seguintes trabalhadores, mediante o pagamento de uma remuneração, para as seguintes categorias e nas indicadas datas: a. AA, Operador Ajudante 1º Ano, em 20-02-2023; b. BB, Op. Hipermercado/Sup/Loja ajudante, em 09-10-2023; c. CC, Operador Ajudante 1º Ano, em 27-03-2023; d. DD, Operador Ajudante 1º Ano, em 24-04-2023; e. EE, Operador Ajudante 1º Ano, em 02-05-2023; f. FF Operador Ajudante 1º Ano, em 08-05-2023 g. GG, Operador Ajudante 1º Ano, em 08-05-2023 h. HH, Operador Ajudante 1º Ano, em 15-05-2023 i. II, Op. Hipermercado/Sup/Loja ajudante, em 12-06-2023; j. JJ, Op. Hipermercado/Sup/Loja ajudante, em 12-06-2023; k. KK, Op. Hipermercado/Sup/Loja ajudante, em 31-07-2023; l. LL, Op. Hipermercado/Sup/Loja ajudante, em 04-09-2023; m. MM, Op. Hipermercado/Sup/Loja ajudante, em 11-09-2023; n. NN, Op. Hipermercado/Sup/Loja ajudante, em 06-11-2023; o. OO, Op. Hipermercado/Sup/Loja ajudante, em 20-11-2023; p. PP, Op. Hipermercado/Sup/Loja ajudante, em 02-01-2024; q. QQ, Op. Hipermercado/Sup/Loja ajudante, em 02-01-2024; r. RR, Op. Hipermercado/Sup/Loja ajudante, em 08-01-2024; s. SS, Op. Hipermercado/Sup/Loja ajudante, em 08-01-2024. 5) E fê-lo, individualmente, relativamente a cada um dos 19 trabalhadores, mediante contrato de trabalho, reduzido a escrito, intitulado “contrato de trabalho a termo certo”. 6) Mais foi acordado em cada um dos 19 contratos que, em contrapartida do trabalho prestado, cada um dos trabalhadores, auferia uma retribuição mensal ilíquida no valor de 770,00 €. 7) O período normal de trabalho era de quarenta horas semanais, de segunda a domingo, com a duração média de 8 horas, com dois dias de descanso semanal. 8) O respetivo local de trabalho de cada um dos trabalhadores situava-se em qualquer estabelecimento da Ré, no distrito ..., sendo no início da execução do contrato, na loja da ..., podendo o trabalhador ser transferido a todo o tempo e unilateralmente para outro local, desde que no distrito .... 9) Cada um dos contratos foi celebrado pelo prazo de 6 meses, com o início para cada trabalhador conforme indicado em 4), onde consta que tal prazo foi fixado “com fundamento no acréscimo excecional da atividade da Primeira Outorgante, na medida em que, dado o aumento das promoções de diversos produtos, há necessidade de proceder ao reforço do número de colaboradores da loja, estimando-se que esta necessidade perdure pelo prazo definido no número anterior”. 10) Em cada um dos referidos 19 contratos de trabalho a termo certo é dada por reproduzida a mesma cláusula com alusão a uma previsão de acréscimo excecional da atividade da Ré, que anuncia meras promoções, num período de tempo entre 20-02-2023 e 08-01-2024, ou seja, num período inferior a um ano. 11) As funções desempenhadas por todos os indicados trabalhadores, correspondiam a funções permanentes e necessárias à normal atividade prestada pela Ré. 12) A 30 de janeiro de 2024, a Autoridade para as Condições do Trabalho efetuou uma visita inspetiva à loja da Ré da ..., visando a verificação dos requisitos materiais e formais dos contratos de trabalho a termo. 13) Na sequência de tal ação inspetiva, a Inspetora TT constatou que aí desempenhavam funções os referidos trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR e SS, com contratos de trabalho a termo certo, que se encontravam em vigor. 14) Notificada a Ré para apresentar os referidos contratos de trabalho, a termo certo, em vigor, veio esta proceder à sua remessa, para a Autoridade Para as Condições de Trabalho. 15) Da análise dos referidos contratos a termo, a Autoridade Para as Condições de Trabalho, levantou o Auto respetivo e procedeu à notificação da Ré, a fim desta regularizar a situação, reconhecendo os contrato de trabalho como sem termo, o que não foi aceite pela Ré. Factos não provados Nada mais ficou demonstrado para além ou em contradição com os factos que resultaram provados. *** V. Como são as conclusões das alegação que delimita, o objeto do recurso , sem prejuízo das questões que sejam do conhecimento oficioso, aa questões a dilucidar e decidir são as seguintes: 1. Impugnação da matéria de facto. 2. Inaplicabilidade da ação especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho/ erro na forma de processo. 3. Ineptidão da petição inicial. 4.Ilegimidade do autor. Da impugnação da matéria de facto: Nas conclusões 33 e 34 requer a recorrente que seja dado com provada a factualidade descrita, quer por testemunhas do MP, quer pela testemunha da Recorrente, quanto à remodelação do estabelecimento comercial em apreço, devendo ser dado por provado a realização de promoções no período entre abril e maio de 2023. Decidindo: Em primeiro lugar, a matéria que se pretende ver aditada terá resultado da discussão da causa. Efetivamente, percorrendo a contestação não vislumbramos onde a recorrente tenha alegado essa matéria. Por outro lado, não consta da ata de julgamento que tenha sido utilizado o disposto no artº 72º do CPT. Em segundo lugar, embora identifique de forma genérica as testemunhas em cujo depoimento a recorrente assenta o seu desacordo quanto à decisão da matéria de facto, a verdade é que não dá minimamente cumprimento ao disposto na alínea a) do nº 2 do artº 640º do CPC não indicando com precisão as passagens da gravação assim como não procedeu à sua transcrição. Por último, considerando as questões que na presente apelação importa decidir não se enxerga qual a utilidade da matéria que se pretende aditar. E no processo está proibido praticar atos inúteis Tudo para se decidir pela rejeição da putativa impugnação factual
Inaplicabilidade da ação especial prevista nos artºs 186º K e ss. do CPT/erro na forma de processo: A propósito destas questões decidiu-se no despacho saneador: “Na sua contestação, veio a Ré A..., S.A. defender-se por exceção arguindo a inaplicabilidade da ação especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho quando se verifica que já existe um contrato de trabalho como no caso em apreço em que a Ré celebrou com todos os trabalhadores um contrato de trabalho a termo certo. (…) Invocou também o erro na forma do processo uma vez que não será esta ação adequada para se discutir a validade ou invalidade do termo aposto nos contratos de trabalho. (…) Quanto à (in)aplicabilidade da ação especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho no caso em apreço em que já se verifica a existência de contratos de trabalho celebrados entre a Ré e os identificados trabalhadores nesta ação, importa considerar o que dispõe o art.º 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro (na redação introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 03/04). Estipula este normativo o seguinte: “1. Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 2.º, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente. - sublinhado nosso. 2 - O procedimento é imediatamente arquivado caso o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente, mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral, mas não dispensa a aplicação das contraordenações previstas no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 10 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho. 3 - Findo o prazo referido no n.º 1 sem que a situação do trabalhador em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. 4 - A ação referida no número anterior suspende até ao trânsito em julgado da decisão o procedimento contraordenacional ou a execução com ela relacionada.” Por seu turno, de acordo com o art.º 2.º, n.º 3, “A ACT é igualmente competente e instaura o procedimento previsto no artigo 15.º-A da presente lei, sempre que se verifique a existência de características de contrato de trabalho, nomeadamente: a) Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º e no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, incluindo nos casos em que o prestador de serviço atue como empresário em nome individual ou através de sociedade unipessoal; e b) Em caso de indício de violação dos artigos 175.º e 180.º do Código do Trabalho, no âmbito do trabalho temporário.” E de acordo com o n.º 4 “O procedimento referido no número anterior é igualmente aplicável nas situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 147.º do Código do Trabalho” – sublinhado nosso. Este último normativo (art.º 147.º do Código do Trabalho) vem estabelecer, no n.º 1, que: “1 - Considera-se sem termo o contrato de trabalho: a) Em que a estipulação de termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo; b) Celebrado fora dos casos previstos nos n.ºs 1, 3 ou 4 do artigo 140.º; c) Em que falte a redução a escrito, a identificação ou a assinatura das partes, ou, simultaneamente, as datas de celebração do contrato e de início do trabalho, bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo; d) Celebrado em violação do disposto no n.º 1 do artigo 143.º”. Das normas citadas retira-se que a ACT tem competência para verificar todas as situações em que existam contratos de trabalho a termo mas que não obedeçam, eventualmente, a todos os requisitos legais da sua admissão, devendo ser considerados contratos de trabalho sem termo e daí também a legitimidade do Ministério Público para intentar a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho em apreço. Não assiste assim razão à Ré na invocação que faz, implicando necessariamente que o Ministério Público tem legitimidade (ativa) para instaurar esta ação nos termos do disposto no art.º 15.º- A, n.º 3 da citada Lei n.º 107/2009, de 14/09. Decidindo: Como se escreveu no acórdão desta Relação de 07.05.2021, P.859/14.4T8CTB.C1[1]: “Esta nova ação especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho surgiu com o objetivo de instituir um mecanismo de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços. Trata-se de uma ação com natureza urgente e oficiosa, iniciando-se sem qualquer intervenção do trabalhador ou do empregador, bastando, para o efeito, uma participação da Autoridade para as Condições do Trabalho, que a desencadeia. Institui-se um regime de celeridade e oficiosidade, a petição inicial e a contestação não têm de revestir forma articulada e a realização da audiência de julgamento não fica dependente do acordo das partes, nem pode ser adiada devido à falta destas, e dos respetivos mandatários, mesmo que justificada. A Lei nº 63/2103, que expressa e significativamente veio consagrar a “Instituição de mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado”- artº 1º, contém normas de interesse e ordem pública, designada, mas não exclusivamente, no que respeita à introdução da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, aditando os artºs 186.º -K a 186.º -R ao CPT. Teve-se em vista combater uma realidade que se vem prolongando ao longo do tempo, de verdadeiros contratos de trabalho subordinado encobertos sob a designação de contratos de prestação de serviços, ou, para usar uma expressão da gíria, os “falsos recibos verdes,” os quais, para além de afetarem o trabalhador subordinado em alguns dos seus direitos, prejudicam, igualmente, interesses do Estado, de natureza fiscal e de segurança social. O que também foi salientado no Ac. da Rel. de Lisboa de 10/9/2014, citado no Ac. da mesma Relação de 8/10/2014, ambos disponíveis em www.dgsi.pt: “Analisando o regime legal condensado na Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que veio alterar a Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro e o Cód. Proc. Trab., observamos que o escopo, essencial e exclusivo, intencionalmente querido pelo legislador e por ele explicitado no art.º 1.º foi o de instituir mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado. Em causa está a sempre atual problemática dos designados “falsos recibos verdes”, isto é, o enquadramento de colaboradores como independentes quando as características da atividade por eles exercida, confrontada com a moldura legal aplicável, impõe antes a sua qualificação como trabalhadores subordinados”. Com a Lei nº.º 63/2013, de 27 de Agosto, pretendeu-se instituir um mecanismo de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado. Compete à ACT levantar o auto a que alude o número 1 do artigo 15.º-A do RPCOLSS e desenvolver as diligências preliminares igualmente aí elencadas Continuando a citar o aresto desta Relação acima identificado, o Ministério Público, por seu turno, recebe no tribunal do trabalho tal participação da ACT e tem o prazo de 20 dias para apresentar a petição inicial, desde que entenda haver elementos suficientes para o efeito. Ora, a ARECT, prevista no s artºs 186º K e ss do CPT, ainda que de natureza oficiosa que visa tutelar interesses de ordem pública consubstanciados no combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado, tem por fim a declaração e o reconhecimento por parte do tribunal da existência de uma relação de trabalho subordinado. Daí que a sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho tenha de fixar a data do início da relação laboral (nº 8 do artº 186º O do CPT). Acontece que no caso em análise os trabalhadores foram individualmente admitidos pela ré, mediante contrato de trabalho, reduzido a escrito, intitulado “contrato de trabalho a termo certo” (factos 4 e 5). Ou seja, encontra-se já reconhecida a existência de um contrato de trabalho. Daí que entenda a recorrente não se poder recorrer à ARECT na medida em que o fim visado por esta - reconhecimento da relação como de trabalho subordinado – já foi atingido, revelando-se aquela ação uma inutilidade. Dito de outra forma: a inexistência de contrato de trabalho é para a recorrente pressuposto essencial para que a ARECT seja instaurada. Este raciocínio estaria certo até à entrada em vigor da Lei 13/2023 de 03/04 publicada no âmbito da denominada agenda do trabalho digno. Esta lei veio aditar ao artº 2 do regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social aprovado pela lei 107/2009 de 14/09 um nº 4 com a seguinte redação: “O procedimento referido no número anterior é igualmente aplicável nas situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 147.º do Código do Trabalho”. Ou seja, a ACT instaura o procedimento previsto no artº 15-A da citada lei não só quando verifique a existência de caraterísticas do contrato trabalho, nomeadamente, quando se verifiquem as situações previstas nos artº12º e 12º-a do CT (que definem as bases das respetivas presunções de laboralidade) ou haja indícios de violação dos artigos 175º e 189º do CT) mas também nos casos em que o contrato a termo se deve considerar ou convertido em contrato por tempo indeterminado (artº 147º do CT). Houve, assim, a preocupação do legislador em combater não só a utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado, mas também combater a contratação a termo fora das situações em que excecionalmente a lei a permite, designadamente, quando se omitem ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo (2ª parte da alínea c) do nº 1 do artº 147). Visando-se, em última análise, combater a precaridade laboral. Entendendo a lei ser a ARECT o meio processual próprio para atingir esse desiderato quando determina que o MºPº deve no prazo 20 dias, após a receção da participação prevista no nº 3 do artº 15º-A da lei 107/2009, propor a ação prevista no artº 186º-K do CPT. Assim como o legislador entendeu ser ARECT a ação própria para nela se decidir se estão verificados os pressupostos legais de admissibilidade do contrato de utilização de trabalho temporário bem como os pressupostos do próprio contrato de trabalho temporário. De tudo isto resulta ser a ARECT a ação aplicável, inexistindo qualquer erro na forma de processo.
Ineptidão da petição inicial: No que respeita a esta questão, escreveu-se no despacho saneador: “Arguiu ainda a exceção da ineptidão da petição inicial porquanto mostra-se ininteligível e contraditório pedir o reconhecimento da existência de contrato de trabalho quando se afirma, logo de início, na petição inicial, a existência de contrato de trabalho. (…) No que se refere à invocada ineptidão da petição inicial, é consabido que a causa de pedir e o pedido delimitam o objeto do processo e daí a sua extrema importância e relevo na dinâmica processual. A causa de pedir traduz-se no facto jurídico constitutivo do direito, ou seja, em determinada factualidade concreta à luz do direito. O âmbito da causa de pedir é delimitado pelos factos que preenchem a previsão das normas substantivas concedentes da pretensão das partes, independentemente da respetiva valoração jurídica (vide, neste sentido, Antunes Varela, in RLJ, ano 116º, n.º 3715, p. 314) e as suas características são a inteligibilidade, a facticidade, a concretização, a veracidade, a compatibilidade, a juridicidade e a licitude. Assim, em conformidade com o preceituado na al. d) do já citado art.º 552.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação. Prescreve o art.º 186º, n.º 2 do Código de Processo Civil que “Diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”. De facto, e em face de um articulado inicial inepto, o réu não se pode sequer defender convenientemente, por não chegar sequer a aperceber-se do que está em causa com a pretensão deduzida pelo autor, o que põe em causa o cabal exercício do seu direito de defesa e justifica a gravidade da sanção reservada para a ineptidão dos articulados iniciais, dado também que inquina o processo desde o seu início e leva a uma indefinição do próprio objeto do processo, de que é um dos pressupostos essenciais. Considerando que conforme já acima referido o Ministério Público pode propor a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho quando está em causa a estipulação indevida do termo nos contratos de trabalho conclui-se que no caso em apreço não se verifica a ineptidão da petição inicial, tendo sido alegados factos que integram a causa de pedir, tendo sido também formulado um pedido que é consentâneo com essa causa de pedir”. Decidindo: O autor não peticionou apenas o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho (existência esta que, reconheçamos, não se controvertia), mas mais precisamente o reconhecimento de um contrato sem termo ou por tempo indeterminado em consequência da insuficiência das referências ao termo e ao motivo justificativo (al. c) do nº1 do artº 147º do CT. Uma petição é ininteligível quando é tão confusa de modo a não ser compreendida pela contraparte, tornando impossível o exercido doo contraditório. Ora, no caso, embora o tribunal tenha a obrigação de declarar a existência do contrato de trabalho quando as partes já tenham reconhecido essa mesma existência, esta declaração não torna a petição ininteligível. A petição é perfeitamente compreensível; e isso mesmo resulta da própria contestação da qual decorre, sem margens para dúvidas, de que a ré a interpretou convenientemente (nº 3 do artº 186º do CPC). Não ocorre, poi, a alegada ineptidão.
Ilegitimidade do autor (MºPº) : Lê-se no despacho saneador: “Mais referiu que o Ministério Público é parte ilegítima uma vez que nesta ação discute-se a validade do termo aposto nos contratos de trabalho sendo que tal discussão não se mostra prevista para esta ação especial. (…) (…) ACT tem competência para verificar todas as situações em que existam contratos de trabalho a termo mas que não obedeçam, eventualmente, a todos os requisitos legais da sua admissão, devendo ser considerados contratos de trabalho sem termo e daí também a legitimidade do Ministério Público para intentar a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho em apreço. Não assiste assim razão à Ré na invocação que faz, implicando necessariamente que o Ministério Público tem legitimidade (ativa) para instaurar esta ação nos termos do disposto no art.º 15.º- A, n.º 3 da citada Lei n.º 107/2009, de 14/09. Decidindo: A legitimidade do MºPº decorre da conjugação entre o disposto nos artºs 2º nº 4 da Lei 107/2009 e 15º-A nº 3 da Lei 107/2009 e o disposto no artº 186º-K do CPT. Indubitavelmente, ao MªPº assiste legitimidade para instaurar a ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho onde pede o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho sem termo entre os autores e a ré. *** V – Termos em que se decide julgar a apelação totalmente improcedente com integral confirmação da decisão impugnada. * Custas a cargo da recorrente. * Sumário[2]: (…). * Coimbra, 08 de julho de 2025 * (Joaquim José Felizardo Paiva) (Mário Sérgio Ferreira Rodrigues da Silva) (Paula Maria Mendes Ferreira Roberto) [1] Relatado por Ramalho Pinto e em que o ora relator figurou como 2º adjunto, disponível em www.dgsi.pt/jtrc. [2] Da exclusiva responsabilidade do relator. |